A prudência do Sargento era-lhe ditada... |
Tocaia
Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº
381
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Quanto aos referidos jornais da Capital,
travaram ruidosa polêmica, incruenta porém furibunda: ficou nos anais da
imprensa baiana devido aos fulgurantes talentos que dela participaram, plêiade
de águias!
No único jornal da oposição, vibrantes
plumitivos botaram a boca no mundo, em artigos, sueltos e a pedidos, que
respingavam, todos eles, indignação, vergonha e sangue, falando na volta dos tempos
ignominiosos quando o sul do Estado era terra de criminosos desnaturados,
monstros desalmados, bandidos sem lei.
Os três diários governistas, não menos veementes,
retrucaram afirmando que, muito ao contrário, o que se dera fora a imposição da
ordem e da lei em remanescente valha couto de bandidos, réus confessos e
condenados, trânsfugas fugidos da polícia.
Simples, rotineira operação de limpeza que
viera pôr termo aos últimos resíduos de uma era de infâmia e barbárie.
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Apesar da insistência das autoridades
superiores, apressadas
e levianas, o sargento Orígenes esperou,
para ditar as ordens, uma boa meia hora após terem cessado os tiros esparsos
vindos do cruzeiro e do barracão, sinal que, feridos ou mortos, os obstinados estavam
fora de combate.
A prudência do Sargento era-lhe ditada
pelas perdas sofridas.
Não previra tantas baixas nas fileiras dos
jagunços e dos soldados.
Dos oito praças efetivos, restavam-lhe
apenas três, cinco haviam tombado, além do cabo Chico Roncolho. Uns qui nze cabras - não contara mas o cálculo devia ser bastante
exato - tinham entregue a alma a Deus ou ao Diabo.
Os tipos de Tocaia Grande, alguns deles
tomando das armas pela primeira vez, comportaram - se como profissionais,
venderam caro a vida.
Por que demónios o fizeram, o Sargento não
sabia, mas, sendo do ramo, antigo jagunço, valorizava a façanha. A sorte tinha
sido a morte do capitão Natário da Fonseca. Sem ele, o resto ficara fácil.
Prolongando-se a calmaria, marcada a meia
hora no cebolão, Orígenes ordenou ao contingente ainda numeroso, apesar das
duras perdas, avançar sobre o barracão, com cuidado, devagar, de armas
embaladas.
Nunca é demais estar prevenido contra um
louco, em todas as partes eles existem e se exibem.
Tivesse apostado, teria ganho. Estavam se
aproximando do cruzeiro quando dos esconsos da noite surgiu uma figura
estranha, empunhando e agitando uma espécie de bandeira enquanto, com a mão
livre, disparava uma garrucha carcomida: tiros ao léu, por isso mesmo
perigosos.
Incontinenti, o Sargento comandou fogo e
foi obedecido. A descarga derrubou o solitário atirador; a bandeira revolteou
sozinha e veio cair aos pés da cruz.
Servira de bandeira mas não passava do
estandarte de reisado, encarnado e azul. Quem o conduzira e manejara a garrucha
fora sia Leocádia que, em lugar de seguir os parentes na retirada, à espera de
ver como seria depois, preferira ficar em Tocaia Grande ,
arriscando a vida.
Idosa de oitenta anos, envergara os trajes
da Senhorita Dona Deusa, usados no Dia dos Reis Magos pela neta Aracati,
empunhara o estandarte e a garrucha e viera desfilar no descampado.
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