Conseguirá, Tieta, a electricidade? |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº60
DOS ALEGRES DIAS QUASE INTERTENIMENTO LIVRES DE
PREOCUPAÇÃO
O programa de festejos continua e se intensifica. Dias alegres,
despreocupados, felizes, dias de passeio, de prosa e rede, no trino dos
passarinhos a infinita paz.
Na rede pendurada na varanda, ouvindo o gorjeio do pássaro sofrê,
Leonora Cantarelli pergunta-se como a vida pode ser tão maravilhosa.
Ascânio
passa por um momento, para desejar bom-dia, a caminho da Prefeitura. Na cidade,
conta ele, fervem as discussões sobre o problema da electricidade: Tieta
obterá, através das suas relações paulistas, mandões da política, a instalação
dos postos da Hidrolétrica?
Uns dizem que sim, outros que não, os últimos em maioria. Ninguém
duvida da riqueza, da importância social da viúva do Comendador Cantarelli, mas
daí a mover graúdos da estirpe de governador e senadores vai distância.
De
qualquer maneira, bom assunto para as conversas para os debates, para matar o
tempo longo, as lentas horas arrastadas. Ditosas ao ver de Leonora.
Após cumprimentar as senhoras e comentar a polémica da luz eléctrica,
Ascânio dirige-se ao trabalho. O rosto esfogueado, a loira cabeleira, o riso de
cristal, finíssimo bacará aos ouvidos do rapaz, Leonora acena adeus da porta de
casa.
Adeus? Até logo, até daqui a
pouco, pois ele passará de novo, meio sem jeito, com receio de parecer
importuno. Mas se demora a chegar, Leonora reclama, a fala doce queixume:
- Demorou, por quê?
- Medo de ser chato.
- Se repetir isso me zango.
Sempre com numerosa e alegre comitiva, subiram e desceram o rio na
canoa a motor do Comandante, lerda e segura, na lancha de Elieser, no bote
veloz de Pirica.
No sábado finalmente irão a Mangue Seco, Tieta e Leonora serão
hóspedes de dona Laura e do Comandante Dário. O Secretário da Prefeitura,
restabelecido, pelo menos em aparência, da decepção da viagem a Paulo Afonso,
anuncia à bela Leonora Cantarelli:
- Já tomei as necessárias providências burocráticas para encomendar um
luar deslumbrante para você. Sabe que noite de lua cheia em mangue Seco é a coisa
mais linda deste mundo?
- Tem de ser um luar daqueles senão não aceito.
- Deixe comigo, sou chapa de São Jorge.
Um luar para namorados, gostaria ela de dizer mas se contém, tudo é tão
novo e inesperado, um sonho antigo fazendo-se de súbito realidade.
Tarde
demais. Também Ascânio gostaria de dizer: encomendei um luar de namorados, onde
a coragem? Pobre, reles funcionário municipal como elevar os olhos para a
herdeira milionária?
Nem em sonhos.
Ainda assim, pensa Leonora, pensa Ascânio, são dias plenos,
venturosos, benditos. O melhor é não pensar.
No meio da semana, jantaram em casa de dona Milú. Dona Carmosina
anunciara espantoso cardápio, um despotismo de pratos, todos eles da mais alta
qualidade, para regalar o mais fino paladar sulista. Da maioria desses qui tutes, Leonora nunca ouvira falar.
Na sala repleta de bibelôs, recordações de um tempo de abastança –
abastança dos Sluizer consumida pelo finado Juvenal Conceição, amigo do bom e
do melhor, restaram apenas os bibelôs e o tenaz amor à vida da mãe e da filha –
Leonora se informa com Ascânio:
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