sexta-feira, janeiro 29, 2016

Praia de Santana do Agreste
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 65


















Pode acertar aqui mesmo. Modesto e dona Aída estão na praia. Aliás ele mandou convidá-la para tomar aperitivo em casa dele, antes do almoço. Fica mais adiante ao pé da casa de pescadores.


- Tudo aqui é belo. Nunca vi nada igual – diz Leonora de retorno à Toca da Sogra, dona Laura exigindo que ela prove a batida de pitanga. – Obrigado dona Laura, mais tarde aceito. Agora, se me dão licença vou andar na praia. – Mansa e discreta, tão querida.

- Olha que o almoço não demora e, antes, devemos ir a casa de seu Modesto. A moqueca já está sendo preparada, Gripa é especialista. – Na pequena cozinha a gorda mulata clara sorri a escamar os peixes.

- Volto já, vou só dar uma espiada.

- Vou com você. – A voz rouca de Tieta.

Peto sai correndo na frente, começa a escalar as dunas, logo chega ao alto, monta numa palma seca de coqueiro, desce veloz a cavalgá-la. Convida a tia e Leonora. A ventania uiva, a areia voa em rodopio.

Tieta sente no rosto o sopro da maresia, o inconfundível olor. A areia fina trazida do outro lado da barra na força do vento, penetra-lhe os cabelos. O sol queima-lhe a pele. Ali fora mulher pela primeira vez.

Em Agreste, perguntara ao Árabe Chalita pelo mascate. Pois não sabe? Morreu de um tiro quando a polícia quis prendê-lo na Vila de Santa Luzia, há uns dez anos, mais ou menos. Valente, não se entregou, nunca encontraram a mercadoria, as provas. Chalita cofia a bigodeira.

- Gostava de levar umas quengas para Mangue Seco. Molecas também.

- Repousa em Tieta o olhar de sultão decadente. Entre eles, ali, na porta do cinema, por um instante redivivo, o contrabandista.

Os cômoros crescendo entre as duas mulheres, Peto a descer estendido na palma do coqueiro. Qual dessas dunas galgou Tieta na distante tarde de mascate? Leonora a interroga com os olhos, ela abana a cabeça:

- Quem pode saber? Sinto uma coisa por dentro, Leonora. Por estar aqui de novo, com esse vento na cara e esse mar na minha frente. Quase tudo no mundo já apodreceu, mas ficou Mangue Seco, você entende? Quando chegar lá em cima, você vai ver.

Estão próximos do cume, Peto as alcance, Leonora força o passo, os pés se enterram na areia.

- Ai! Que coisa! Isso não existe – exclamou a moça paulista ao divisar inteira a paisagem ilimitada.

Busca Tieta com os olhos ofuscados pelo sol e a enxerga erguida no ponto mais alto, no extremo das dunas sobre o oceano, envolta pelo vento, invadida de areia, pastora de cabras diante de sua cama de noiva.

Leonora chega junto dela, a voz estrangulada:

- Mãezinha, não quero ir embora daqui, nunca mais. Não vou voltar para São Paulo.

Peto as convida a cavalgar as palhas de coqueiro, venham ver como é bom. O vento leva as loucas palavras de Leonora, Tieta não responde.

- Nunca mais! – repete a moça.

Melhor seria se afogar ali, nas vagas desmedidas, no mar enfurecido.



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