quinta-feira, fevereiro 11, 2016

Para Felipe não mudei de nome. Fui Tieta até ao fim.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 76

















Quando em São Paulo, Felipe mantinha-se assíduo ao corpo de agreste sabor, ao dengue, às carícias, quase sempre castas, ao cafuné, aos ingénuos acalantos.

Quando em viagem, tomava as medidas necessárias para que nada lhe faltasse, tivesse dinheiro para não esquecê-lo e para respeitá-lo.

- Não botava chifres nele, Mãezinha?

- Quem podia botar chifres nele era a esposa, dona Olívia, mas não me consta que pusesse. Eu era sua protegida. Nunca me proibiu nada, a não ser que eu fizesse a vida.

Dei a quem quis, por querer, assim como dava em Agreste, antes de ser mulher-dama, para satisfazer o fogo me queimando o rabo, nunca por dinheiro. Fui discreta nos meus casos, sempre o respeitei e jamais falamos disso.

E ele não tinha outras?

- Nunca quis saber, nunca perguntei pelas mulheres que ele comia mundo afora. Me contaram de uma que ele trouxe da Suécia.

Alta, escultural de trigo e neve, belíssima disseram a Tieta as intrigantes. Ela cerrara os dentes, não abrira a boca. Apenas recomeçou a frequentá-la e se viu nos dengues, rindo, adormecendo no cafuné, Felipe despediu a escandinava.

Despediu, não: a beldade foi cedida, em troca de charutos cubanos, a um amigo importador, maníaco de material estrangeiro. Mesmo de segunda mão, em bom estado – observou Felipe de bom humor, concluindo que, em matéria de rapariga, tinha tendências à monogamia.

- Penso que ele ficou comigo a vida inteira porque nunca liguei para a fortuna dele, para mim não fazia diferença que fosse rico ou não, o que me prendiam eram as atenções. 

Nunca pedi nada a Felipe, a não ser, por duas vezes, dinheiro emprestado. A primeira, no dia em que nos conhecemos, se não tivesse a quantia exacta perderia a ocasião de comprar um casaco de napa, argentino, um espectáculo, novo em folha.

Tudo mais o que ele me deu foi de livre e espontânea vontade.

Os apartamentos, um a um, em prédios cuja construção incorporara. Um dia chegou com a planta de um edifício, abriu na cama.

Estou construindo esse prédio, doze andares, na Alameda Santos.

- Puxa! Que colosso!

- Reservei um apartamento para você. São todos iguais: sala e dois quartos. Tem quatro em cada piso.

- Tu ficou doido? Para eu pagar com quê?

- Quem falou em pagar? É um presente, está completando três anos que nos conhecemos.

Com tanta coisa em que pensar, Felipe recordava datas, aniversários. Apegara-se a Tieta, mais ainda se apegara ela a esse homem que lhe dava tanto e tão pouco lhe pedia.

Aos pés do leito, os chinelos sob travesseiros, o pijama de Filipe. Os edifícios cresceram em andares, os apartamentos em tamanho. No último prédio, imenso, uma cidade, ganhou loja no andar térreo, ponto caríssimo.

Se ela lhe deu carinho, ele pagou em dinheiro – ou em bens, a mesma coisa: o melhor é pagar em dinheiro, fica mais barato e não dá aporrinhação.

- Um dia, Madame Georgette me chamou para conversar. Queria passar o negócio adiante, ia a voltar para França, me ofereceu a preferência.

Madame Georgette depositava na França economias e lucros, comprara casa na banlieue de Paris, sempre pensara no regresso e na aposentadoria.

Quando falou em Tieta, já adquirira a passagem de navio para daí a dois meses. Pela segunda vez, ela pediu a Felipe dinheiro emprestado.

- Você não me pagou o que tomou no dia em que conheci – pôs-se ele a rir – deixe comigo, acerto com Georgette, o Nid é seu.

- Faz mais de treze anos que assumi. Reformei tudo, modernizei, separei um apartamento para mim e Felipe, aquele luxo. Mudei o nome e aumentei os preços.

- Por que mudou o nome Mãezinha?

- Nid d’Amour cheirava muito a casa de puta. Refúgio dos Lordes é mais decente. São todos uns lordes, os meus fregueses. Em troca, tive de mudar meu nome. Conselho de Felipe.

- Um randevu de alto bordo e preços de esfolar tem de ser dirigido por francesa, ma belle. Madame Antoinette vai muito bem com o seu tipo – assim ele dissera.

- Nome francês com minha cor, meu bem? Não pode ser.

- Francesa da Martinica, como Josefina, a de Napoleão. Os fregueses fizeram-se amigos, o prestígio do rendevu cresceu, frequentar o Refúgio dos Lordes tornou-se privilégio mais disputado do que ser sócio do Jóquei Clube, da Sociedade Hípica, dos clubes mais fechados de São Paulo.

No apartamento reservado, com o máximo conforto, aos pés do leito, os chinelos de Felipe, sob o travesseiro, o pijama.

Envelhecera, enviuvara, o Papa agraciara-o com o título de comendador, viajava pouco, apenas super-entendia as múltiplas empresas, cada vez mais presente à cama e ao riso cálido de Tieta.

- Para Felipe não mudei de nome, fui Tieta do Agreste até ao fim.

Para os demais, Madame Antoinette, francesa nascida nas Antilhas do casamento de um General de La Republique com uma mestiça.

Educada em Paris, desperdiçando charme, mestra no ofício de escolher mulheres, especiarias para o gosto caro dos clientes, os mais ricos de São Paulo, Dieu Merci.

 Para as duas ou três raparigas que, como Leonora habitam permanentemente no Refúgio dos Lordes, é Mãezinha, exigente e generosa, temida e amada.


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