Praia de Mangue Seco.... ainda virgem. como gosta o Comandante. |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO
Nº 88
DOS COMENTÁRIOS E DA PRIMEIRA DISCUSSÃO AINDA AMÁVEL
Cresce a concentração na praça, pequena multidão
acotovelando-se em torno ao veículo.
- Veja os pneus. Que brutalidade!
- Que beleza!
- Você ouviu a buzina? Tocou o começo da Cidade Maravilhosa.
- Cada coisa!
No bar, é grande o movimento. Os comerciantes abandonaram lojas e
armazéns. Plínio Xavier orgulha-se de ter sido o primeiro a ver a máqui na e a perceber os pilotos.
- Estava bem do meu, fazendo contas de uns fiados…
O riso de Osnar, ri de quê? Os olhares se desviam: na porta da Igreja,
Cinira conversa com as beatas. Ainda não assentou praça no batalhão mas não vai
tardar.
- …quando ouvi aquele barulho horrível, larguei tudo…
Astério e Elisa somam-se ao grupo. Na hora do perigo, ele fora correndo
para casa, preocupado com a esposa: Elisa, na lua-de-mel da chegada da irmã,
anda nervosa, aflita, num pé e noutro.
Juntos vieram para a praça, espiar a máqui na, ela tão nos trinques a ponto de quase botar
no chinelo a Rainha do Espaço de mancha platinada nas ruivas melenas.
A mancha
platinada alucina Osnar que confidencia a Seixas e a Fidélio:
- Eu juro a vocês que se eu pegasse aquela marciana começava a lamber
da ponta do dedo grande do pé. Levava bem três horas até chegar ao umbigo…
Dava-lhe uma surra de língua…
- Porcalhão! Seu Edmundo Ribeiro não é exactamente um puritano mas
certos hábitos sexuais lhe parecem indignos de homem macho e honrado. Pegar
mulher na cama, montá-la, muito que bem. Mas por a língua… Beijos, só na boca e
em boca limpa.
Edmundinho, meu filho, não venha me dizer que você nunca fez um minete
na vida… nunca chupou um favo…
- Me respeite, sou homem honesto sério e asseado.
Na Agência dos Correios e Telégrafos, ferve a discussão. Ascânio
Trindade apresenta minucioso relatório a dona Carmosina, na presença do
comandante Dário de Queluz que prevê a voz da lástima:
- Você, meu querido Ascânio, com essa mania de turismo em Agreste,
ainda vai pagar caro, você e todos nós. Um dia, um maluco qualquer lê essas
bobagens que você e Carmosina mandam para os jornais, leva a sério, bota de pé
um negócio para explorar a praia de Mangue Seco, a água e o clima de Agreste e
nós vamos terminar mal. Em dois tempos, isso vira logo um inferno.
- Um inferno, por que, Comandante? Nunca ouvi dizer que uma estação de
águas fosse um inferno. Ao contrário é um local de descanso, de repouso –
intervém dona Carmosina –
Você sabe bem que ninguém defende mais a natureza do
que eu, a natureza, a atmosfera e a beleza de Agreste. Mas que mal existe numa
estação de águas?
- Uma estação de águas na cidade, vá lá. O pior é a praia que Ascânio
quer engolir de gente, de toda a espécie de porcaria…
Salta Ascânio:
- Que porcaria? Casas de veraneio para turistas, hotel, restaurantes. A
praia de Acapulco, a de Saint-Tropez, a de Arembepe, são por acaso porcarias,
infernos? O futuro de Agreste, Comandante, está no turismo.
- São infernos, sim, são porcarias. Ainda outro dia A Tarde publicou
uma reportagem sobre Arembepe: virou a capital dos hipies, a capital
sul-americana da maconha. Você já pensou Mangue Seco repleto de cabeludos e
maconheiros? Deixe nosso paraíso em paz, Ascânio, pelo menos enquanto a gente
viver.
- Quer dizer que o senhor prefere, Comandante, que Agreste continue a
ser um bom lugar para se esperar a morte.
- Prefiro sim, meu filho. A morte aqui
tarda e retarda, não desejo mais que isso. O ar puro sem contaminação. A praia
limpa.
Ascânio olha para dona Carmosina, aliada, ela toma a palavra:
- Quem falou em contaminar? Hipies não digo, se bem a filosofia deles
seja também a minha, paz e amor, a coisa mais bonita que se inventou neste
século! O diabo é a droga. Mas turistas com dinheiro, não vejo mal, Comandante.
Boas casas de veraneio, comércio animado, bons filmes, e então? Ninguém pode
ser contra.
Arranha-céus, hotéis, a corrida imobiliária, o fim do coqueiral, das
árvores, do sossego, da paz! Deus me livre e guarde!
Felizmente isso
não passa de delírio de vocês…
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home