segunda-feira, abril 25, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 249






















- Meus filhos, como estão? O pequenino teve mais doenças?

 - Haveis ido à feira de Tui?

 - Como foi a Páscoa em Coimbra?

Foram perguntas destas que levaram Maria a suspeitar de que a alma de Chamoa se começava a revoltar contra a sua própria decisão, da qual se arrependia agora, embora ainda não o reconhecesse.

 - Já anda com ânsias, contou minha esposa.

Maria conheci-a como ninguém e sabia que a vivacidade da irmã não era compatível com a aridez da vida monacal.

De qualquer forma, Chamoa não sentia a vontade necessária para sair de Vairão. Aliás, as coisas chegaram a agravar-se. Com a aproximação do verão ela recebeu a inesperada visita de seu tio, Fernando Peres de Trava, e de seu primo Mem Rodrigues de Tougues.

Não era uma visita inocente, e inicialmente prejudicou muito o estado da rapariga. O Trava informou a sobrinha de que era o novo protector de Toronho, agora colocado sob a sua guarda, o que permitiu a Afonso VII esquecer a antiga ofensa dos pais de Chamoa.

 O rei queria prender o vosso pai e a vossa mãe. Julgava que se tinham tornado vassalos de Afonso Henriques – contou Fernão Peres.

A sua acção tinha acalmado a irritação real, que agora se dirigia apenas para Afonso Henriques. Ao ouvir aquele nome, Chamoa perguntou pelo príncipe e o tio respondeu de uma forma seca e intencional:

 - Anda ocupado a filhar a normanda.

Foi assim que Chamoa soube que Afonso Henriques mandava chamar Elvira regularmente. O Trava espetava as suas facadas com perícia, inflamando os ressentimentos da sobrinha, e insistiu com segunda malícia.

Ele conhecia as mulheres, sabia o quanto as rivais, verdadeiras ou imaginárias, desequilibravam um coração feminino.

Em Coimbra, também tem filhado uma moura, uma tal de Zaida.

Fernão Peres, que há meses não ia àquela cidade, ouvira uns vagos rumores e não hesitou em lançar aquela farpa falsa. E acertou em cheio pois Chamoa sentiu-se traída pela amiga moura e considerou aquelas ternuras com o príncipe a prova de uma suprema deslealdade.

«Como era possível Zaida ser tão torta?» protestaria ela, mais tarde com Maria Gomes, pensando que era verdade.

O ciúme que estas notícias lhe provocaram foi incomensurável e nas semanas seguintes Chamoa regrediu para um estado lancinante de angústia e de anemia, oscilando os humores entre uma ira, que lhe dava vontade de partir tudo, e uma lassidão que a remetia à cama.

Durante todo o verão esteve à beira da loucura, e no mosteiro as monjas suspeitavam de que ela bebia às escondidas.

Por um lado as suas ânsias de mulher haviam-se agravado, pois habituara-se a Paio Soares e mais de um ano sem homem deixava-a desesperada. Por outro, o seu coração enegrecera de ressentimento contra Afonso Henriques, sentimento que ela, mais uma vez erradamente, tomou como ódio.

Em finais de Agosto, apenas a visita da minha esposa lhe minorou o desatino. Maria jurou-lhe que a intriga lançada por Fernão Peres acerca de Zaida era rotundamente falsa, pois o príncipe raramente a via ou falava com ela, e nada que se assemelhasse a um encantamento existia.

Já quanto a Elvira, minha esposa não negou que o príncipe a mandava chamar de Lanhoso sempre que ia a Guimarães, o que manteve vivo o ciúme de Chamoa.

As suas desconfianças continuavam feridas vivas, embora talvez menos graves, pois a inocência de Zaida agradara à rapariga galega, que comentou:


- É bom saber que me é leal.  

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