sexta-feira, agosto 12, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)






Episódio Nº 61
















Mas, no presente, servia apenas de residência exclusive dos wali da cidade, embora permanecesse um esplendoroso edifício onde se multiplicavam os claustros, os miranetes, os jardins interiores. Piscinas e uma quantidade incontável de quartos, salas e salões.

Se aquele monumento estava de pé, ornamentado e mobilado como se lá morassem deuses e não pessoas, à família Benu Ummeya se devia, concluiu Zhakaria.

Mas, como era possível que quem tão bem governara o califado de Córdova trezentos anos, quem construíra centenas de mesquitas pela cidade, quem a tornara um local de fé visitado por milhões de muçulmanos, tivesse caído em desgraça?

O que acontecera de tão profundo e corrupto para que as gentes se revoltassem contra aqueles a quem tanto deviam?

Os livros antigos responsabilizavam os próprios Bem Ummeya, a degradação inexorável do seu sangue, embora houvesse quem atribuísse mais culpas ao hajib Al-Mansor, o todo poderoso ministro e usurpador dos poderes da família, que pedira ajuda aos berberes africanos para combater os cristãos e, de caminho, remetera um jovem califa a uma posição secundária, condenando-o a vaguear pelos jardins de Azzahrat como um tonto impotente.

Pouco importava agora: Hixam III, avô das princesas, fora o último monarca que ali vivera, antes de ter renunciado ao trono por se considerar incapaz de pacificar a Andaluzia.

Cem anos tinham passado e nada de bom se aproveitava. O poder muçulmano fragmentara-se, o califado cordovês estilhaçara-se em pequenos reinos, as primeiras taifas, permitindo aos cristãos avançarem para o sul, conquistando Toledo, Coimbra e outras cidades. E anos depois, os almorávidas tinham assentado arraiais, substituindo o califado de Córdova pelo de Marraquexe, primeiramente liderado por Yusuf, pai do actual califa, Ali Yusuf, que Zhakaria odiava.

Matava-o se pudesse...

Estaria preste-se a dar a queda de Marraquexe, questionou-se Zhakaria? A criada de Hisn afirmara que a instabilidade grassava na Andaluzia, mas a ele afigurava-se impensável que o domínio de Ali Yusuf estivesse em risco.

O maldito berbere que, por temer a concorrência dos descendentes dos Benu Ummeya, condenara à morte Taxfin e Zulmira, além de ter colocado a prémio as cabeças das princesas Fátima e Zaida, era um homem poderoso, escudado nos seus implacáveis guerreiros dos desertos africanos, cuja brutalidade assustava os mais suaves árabes andaluzes.


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