(Domingos Amaral)
Episódio Nº 61
Mas, no presente, servia apenas
de residência exclusive dos wali da
cidade, embora permanecesse um esplendoroso edifício onde se multiplicavam os
claustros, os miranetes, os jardins interiores. Piscinas e uma quantidade
incontável de quartos, salas e salões.
Se aquele monumento estava
de pé, ornamentado e mobilado como se lá morassem deuses e não pessoas, à
família Benu Ummeya se devia, concluiu Zhakaria.
Mas, como era possível que
quem tão bem governara o califado de Córdova trezentos anos, quem construíra
centenas de mesqui tas pela cidade,
quem a tornara um local de fé visitado por milhões de muçulmanos, tivesse caído
em desgraça?
O que acontecera de tão
profundo e corrupt o para que as
gentes se revoltassem contra aqueles a quem tanto deviam?
Os livros antigos
responsabilizavam os próprios Bem Ummeya, a degradação inexorável do seu
sangue, embora houvesse quem atribuísse mais culpas ao hajib Al-Mansor, o todo poderoso ministro e usurpador dos poderes
da família, que pedira ajuda aos berberes africanos para combater os cristãos
e, de caminho, remetera um jovem califa a uma posição secundária, condenando-o
a vaguear pelos jardins de Azzahrat como um tonto impotente.
Pouco importava agora: Hixam
III, avô das princesas, fora o último monarca que ali vivera, antes de ter
renunciado ao trono por se considerar incapaz de pacificar a Andaluzia.
Cem anos tinham passado e
nada de bom se aproveitava. O poder muçulmano fragmentara-se, o califado
cordovês estilhaçara-se em pequenos reinos, as primeiras taifas, permitindo aos
cristãos avançarem para o sul, conqui stando
Toledo, Coimbra e outras cidades. E anos depois, os almorávidas tinham
assentado arraiais, substituindo o califado de Córdova pelo de Marraquexe,
primeiramente liderado por Yusuf, pai do actual califa, Ali Yusuf, que Zhakaria
odiava.
Matava-o se pudesse...
Estaria preste-se a dar a
queda de Marraquexe, questionou-se Zhakaria? A criada de Hisn afirmara que a
instabilidade grassava na Andaluzia, mas a ele afigurava-se impensável que o
domínio de Ali Yusuf estivesse em risco.
O maldito berbere que, por
temer a concorrência dos descendentes dos Benu Ummeya, condenara à morte Taxfin
e Zulmira, além de ter colocado a prémio as cabeças das princesas Fátima e
Zaida, era um homem poderoso, escudado nos seus implacáveis guerreiros dos desertos
africanos, cuja brutalidade assustava os mais suaves árabes andaluzes.
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