segunda-feira, agosto 15, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)







Episódio Nº 62



















Ismar, apesar de ser governador nomeado pelo califa, não era um almorávida, nem um berbere, era descendente de sírios.

Zhakaria examinou aquele homem alto e entroncado, de traços perfeitos, com uma barba meticulosamente desenhada, uma fina tira que acompanhava os contornos do maxilar e do queixo.

Era bonito, com uns olhos negros, brilhantes, e um encanto físico que seduzia, e Zhakaria rapidamente notou que ele era dotado de um carisma invulgar, pois falava com uma calma e segurança imperiais, à quais acrescentava um sentido de humor sofisticado, que usou para explicar a sua correspondência com a velha criada de Hisn, feita através dos corvos negros.

- Não sei como ainda os consegue lançar, tem mais de duzentos anos em cada braço!

Zhakaria primeiro riu-se, depois cumprimentou-o e depois disse:

- Santarém está sem governador.

Para sua surpresa, o outro já sabia quase tudo o que se preparava para contar.

Lembrava-se de Zakharia e lembrava-se do propósito de resgatar as princesas, até ali mal sucedido bem como as mortes de Tazfin e de Zulmira. Além disso, acrescentou misteriosamente:

 - Sois amado pelo povo em Santarém...

Abu informou-o que estava sem fundos e sem o apoio dos notáveis locais, que o consideravam um agitador de má fama, um provocador que apenas por motivos de innteresse individual desejava uma guerra desnecessária com Afonso Henriques.

- São uns cobardolas – apreciou Ismar, encolhendo os ombros.

Existia muita gente assim, espalhada pela Andaluzia árabe, declarou o príncipe de Córdova. Gente que desistira de lutar, cansada por séculos de combates, temendo ver mais sangue derramado, aterrorizada com a possibilidade do regresso dos esquadrões da morte de Ali Yusuf.

- Sem mercenários não os conseguirei salvar... – insistiu Zhakaria.

O governador fitou-o demoradamente, como se, por fazê-lo, pudesse compreender melhor os seus remotos segredos. Curioso, perguntou:

 - Por que o desejais fazer? – Por amor a Fátima?

Abu Zhakaria, um guerreiro duro e implacável, tinha no coração um ponto fraco e corou, pois regressava a um estado de vergonha infantil sempre que falava na sua princesa.

Amo-a de mais...

Estar no Azzharat gerara em Zahakaria uma nostalgia aguda, povoada por recordações dos tempos ali passados, como principal ajudante militar de Taxfin.


Sobretudo, relembrava o olhar enamorado, que um dia lhe dirigira Fátima, uma menina de apenas nove anos, quando o viu a primeira vez no jardim das camélias.

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