(Domingos Amaral)
Episódio Nº 62
Ismar, apesar de ser
governador nomeado pelo califa, não era um almorávida, nem um berbere, era
descendente de sírios.
Zhakaria examinou aquele
homem alto e entroncado, de traços perfeitos, com uma barba meticulosamente
desenhada, uma fina tira que acompanhava os contornos do maxilar e do queixo.
Era bonito, com uns olhos
negros, brilhantes, e um encanto físico que seduzia, e Zhakaria rapidamente
notou que ele era dotado de um carisma invulgar, pois falava com uma calma e
segurança imperiais, à quais acrescentava um sentido de humor sofisticado, que
usou para explicar a sua correspondência com a velha criada de Hisn, feita
através dos corvos negros.
- Não sei como ainda os
consegue lançar, tem mais de duzentos anos em cada braço!
Zhakaria primeiro riu-se,
depois cumprimentou-o e depois disse:
- Santarém está sem
governador.
Para sua surpresa, o outro
já sabia quase tudo o que se preparava para contar.
Lembrava-se de Zakharia e
lembrava-se do propósito de resgatar as princesas, até ali mal sucedido bem
como as mortes de Tazfin e de Zulmira. Além disso, acrescentou misteriosamente:
- Sois amado pelo povo em Santarém...
Abu informou-o que estava
sem fundos e sem o apoio dos notáveis locais, que o consideravam um agitador de
má fama, um provocador que apenas por motivos de innteresse individual desejava
uma guerra desnecessária com Afonso Henriques.
- São uns cobardolas –
apreciou Ismar, encolhendo os ombros.
Existia muita gente assim,
espalhada pela Andaluzia árabe, declarou o príncipe de Córdova. Gente que
desistira de lutar, cansada por séculos de combates, temendo ver mais sangue
derramado, aterrorizada com a possibilidade do regresso dos esquadrões da morte
de Ali Yusuf.
- Sem mercenários não os
conseguirei salvar... – insistiu Zhakaria.
O governador fitou-o
demoradamente, como se, por fazê-lo, pudesse compreender melhor os seus remotos
segredos. Curioso, perguntou:
- Por que o desejais fazer? – Por amor a
Fátima?
Abu Zhakaria, um guerreiro
duro e implacável, tinha no coração um ponto fraco e corou, pois regressava a
um estado de vergonha infantil sempre que falava na sua princesa.
Amo-a de mais...
Estar no Azzharat gerara em
Zahakaria uma nostalgia aguda, povoada por recordações dos tempos ali passados,
como principal ajudante militar de Taxfin.
Sobretudo, relembrava o
olhar enamorado, que um dia lhe dirigira Fátima, uma menina de apenas nove
anos, quando o viu a primeira vez no jardim das camélias.
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