(Domingos Amaral)
Episódio Nº 70
O que o cordovês não
esperava é que, entre os portões da capital e a sala de audiências do califa,
onde horas mais tarde ele foi recebido, tivesse de passar por mais de catorze postos
de controlo, onde mostrou o salvo-conduto e a mensagem, a cada irritante
guarda, que berrava com ele.
Que insanidade é esta?
Zhakaria estava espantado
com aquela exibição doentia de receio.
O pavor de Ali Yusuf com os
atentados, os ataques, as revoltas, era de tal ordem que qualquer pessoa que
desejasse ser recebida por ele demorava pelo menos três horas a passar pelas
revistas todas, onde tinha de dizer o nome, a razão de ali estar, o motivo do
encontro com o califa, quanto tempo pensava demorar, onde estava instalado,
quem lhe passara o salvo conduto, qual o seu local de nascimento e aquele onde
vivia fora de Marraquexe, terminando com o nome das esposas e dos filhos se
eles existissem!
Zhakaria já estava farto a
meio do processo e, a dado momento, cresceu-lhe um desejo de impertinência. Ao
passar no décimo quarto controlo, perguntou ao comandante daquele posto se, no
final da audiência, teria de voltar a passar por todos aqueles incómodos, tendo
o homem olhado para ele sem expressão na cara e apenas afirmado:
- Podeis ser sempre condenado à morte.
Era um risco real. Já dentro
da sala, Abu escutou os guinchos histéricos do seu predecessor, que esperneava,
negando ser um traidor almóada, berros que se multiplicaram em pouco tempo,
depois de um enorme soldado aparecer, de alfange na mão.
Com um gesto brusco o
carrasco decepou o desgraçado, cuja cabeça rolou pelo chão, enquanto o corpo caía
mole e ensanguentado, sendo depois recolhido por um grupo de infelizes escravos
negros.
Abu Zhakaria, ao ver aquela
exibição de perícia do carrasco, recordou-se da morte com duas pernas, o persa
que viera de Alamut e que matara Txfin e Zulmira.
Fizera-o a mando daquele
califa que agora se encontrava à sua frente, o berbere maldito que Taxfin e Zulmira
tanto odiavam.
Matava-o se pudesse, mas não posso...
Admirado, notou que Ali
Yusuf envelhecera bastante naqueles sete anos. Estava mais curvado, a sua cara
tinha muitas rugas, os seus cabelos haviam-se acinzentado e os olhos já
pareciam embaciados pela dúvida sobre o seu próprio destino.
Calado, o monarca ouviu o
relato de Abu Zhakaria, de quem, obviamente, se recordava, só intervindo quando
este referiu a morte do assassin persa.
- Que saudades tenho do meu
feddayin! Este é burro que nem uma pedra! – declarou Ali Yusuf apontando para o
carrasco.
Depois de respirar fundo
para ganhar coragem, Zhakaria reconheceu que fora para Coimbra, com os
obgetivos opostos ao do facínora persa. Enquanto o assassin queria matar Zulmira e as filhas ele tentara resgatá-las.
Porém, ambos haviam falhado
e as princesas continuavam em Coimbra, prisioneiras de Afonso Henriques.
De repente, Ali Yusuf
indignou-se:
- Porque estais aqui ?
Sois um traidor? Devia mandar matar-vos.
Zhakaria, notando que o
carrasco já o examinava, exclamou aflito.
- Fátima e Zaida
converteram-se ao cristianismo!
Surpreendido, o califa
franziu a testa.
- Que dizeis?
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