Costumes, trajectórias, evoluções
Os comportamentos das pessoas dentro de um mesmo contexto social, mesmo quando convencionados e ensinados, têm sempre a ver com a personalidade de cada um.
Quando eu e o teu pai éramos miúdos a tua avó ensinou-nos que deveríamos oferecer o nosso lugar no eléctrico a uma senhora que fosse de pé por não haver lugares sentados.
Era isto o convencionado e a tua avó, como boa mãe que era, ensinava-nos um comportamento que uma vez adoptado contribuiria para fazer de nós jovens bem-educados, reconhecidos e aceites na sociedade como tal, a mesma sociedade onde iríamos ser integrados e onde ela pretendia e esperava que fossemos bem aceites no próprio interesse dos nossos futuros.
Por outras palavras, estávamos a ser treinados para agradar às pessoas importantes do nosso meio para que viessem a gostar de nós e a arranjarem-nos um bom emprego para podermos viver, pela vida fora, gordinhos e felizes, exactamente da mesma maneira e pelas mesmas razões que na natureza a mãe chimpanzé, durante mais de 3 anos, ensina aos filhos, e às vezes com um raspanete à mistura quando eles não aprendiam, os comportamentos da sobrevivência.
Mas a nossa resposta perante um mesmo ensinamento era completamente diferente:
-O teu pai, sentado no carro eléctrico, procurava ansiosamente uma senhora que fosse de pé para lhe oferecer, pressurosamente, o seu lugar enquanto que eu, não só não a procurava, como se a visse olharia para o lado e fazia de conta que a não via.
Descontemos uns tantos por cento para um natural comodismo de que sempre me queixei mas no essencial o meu comportamento tinha a ver com o cinismo que mascarava um gesto bonito de solidariedade com um “skatch” para chamar a atenção do respeitável público para aquele menino de boas famílias, educado, distinto e candidato a um lugar na sociedade ou seja, não era verdadeiro.
A esta distância posso dizer que a vida demonstrou que fez muito bem a minha mãe em ter ensinado o que ensinou e fez muito bem o meu irmão, descontados os exageros para não soar a falso, em ter aprendido o que aprendeu porque, como ensinou Shakespeare, a vida é uma sucessão de skatshs, uns no palco outros fora dele e é importante que os saibamos representar para impressionar favoravelmente o distintíssimo público.
Mais tarde comecei a abrir excepções quando a pessoa me parecia, pelo seu estado, merecedora, mais do que eu, do lugar que ocupava alem de que também não me sentia bem com comportamentos dogmáticos.
A liturgia tem um pouco a ver com isto mas como não sou fundamentalista não vou diabolizar nada nem ninguém nem sequer entrar no reino da censura porque tal como comecei por dizer, os comportamentos estão ligadas à personalidade de cada um e a única coisa que eu fazia, por ser ainda miúdo, era brincar com o meu irmão, imitando-o a abanar o rabo e a dizer:” faz favor de se sentar minha senhora!”
Isto para te dizer que eu não iria a uma cerimónia de “lava-pés” porque nem sequer me dava gozo nenhum ver um senhor Bispo, ou um qualquer dignitário da Igreja num pretenso gesto de humildade, ajoelhado de cu para o ar a fazer de conta que está a lavar os pés aos noviços da Irmandade, pelo contrário, esse espectáculo deixar-me-ia constrangido que é aquilo que acontece quando não gostamos do que vemos mas nada podemos fazer para o evitar.
No tempo de Jesus as pessoas tinham que andar longas distâncias a pé e fazia parte das regras da hospitalidade a visita ser presenteada, creio que pela mulher do dono da casa, com uma lavagem dos pés, não como um gesto de humildade mas com o objectivo lógico de contribuir para o seu bem-estar aliviando-lhe as naturais dores resultantes de longas caminhadas calçando alpercatas que em termos de comodidade deviam estar muito longe dos modernos ténis da Nyke.
Mas a Igreja resolveu pegar nesse comportamento que um antropólogo (não antropologista, vês como aprendi!) da época teria explicado como uma atenção própria de bem receber em nossa casa, perfeitamente justificado, e não um gesto de humildade que nunca teria passado pela cabeça das pessoas de então.
E o que é curioso é que quem pratica estes gestos de pretensa humildade sejam os altos dignitários da Igreja que ao longo dos séculos, com aquelas excepções que sempre confirmam as regras, inundaram os crentes de soberba, vaidade e ostentação com os Crucifixos de ouro cravejados de pedras preciosas pendurados no pescoço repousando em respeitáveis barrigas.
Por isso não vou lá, porque eles têm todo o direito de fazerem os skatshs que entenderem para quem acredita neles e nos skatshs, já se vê, e por isso têm o seu público que se reverencia, ajoelha, baixa a cabeça, balbucia orações e acredita, fundamentalmente acredita e esses que acreditam têm que ser respeitados e a presença dos que não acreditam constitui uma falta de respeito para com eles, a menos que ande à procura da fé mas se assim for também não é nestes actos litúrgicos que a encontra.
Compreendo perfeitamente que prefiras visitar as Igrejas como local de silencio e meditação ou seja uma Igreja só para ti, sem actos litúrgicos a acontecerem que te desviam a atenção para as coisas do mundano desafiando a tua vocação de cronista do social.
Pois é, a Igreja é “coisa” dos homens e tu tens dificuldade em fugir a isso não obstante a Bíblia que possuis em casa por toda um série de razões, algumas de um humorismo saudável e outras sérias mas confessadamente seduzido pelas suas, algumas admiráveis, metáforas que é uma forma de dizer as coisas sem as dizer, obrigando os leitores a pensar sobre elas porque quando foram escritas ainda não existiam os padres para explicarem tudo no pormenor, tirar as conclusões e retirarem-lhes a beleza e até a poesia que vêem transportando ao longo dos séculos.
Os quatro evangelhos seleccionados para contarem para a posteridade a “verdadeira” história da vida de Jesus são textos de autores desconhecidos mas sinceramente tal circunstância não afecta em nada, para mim, o valor da narrativa, por exemplo, do encontro de Jesus com Maria Madalena que constitui o mais belo exemplo de como as regras e as convenções de nada valem perante os valores supremos do amor e da tolerância.
Como teria decidido João César das Neves no lugar de Jesus numa situação daquelas? Fica a pergunta.
Aquilo que sabemos de Jesus e de Judas e de todos os outros foi aquilo que quiseram que nós viéssemos a saber. Tudo foi escrito muitos anos depois de todas essas pessoas terem morrido e durante mais anos ainda em que não houve uma Igreja organizada, hierarquizada que falasse a uma voz, só Evangelhos eram mais de trinta e a história que havia em cada um era escolhida ao gosto de quem a contava ou melhor, pelo maior impacto que produzia em quem as ouvia mas uma coisa era certa: a força e o poder de uma mensagem de amor e de espiritualidade levava homens e mulheres a cantarem para o local do sacrifício sem renegarem a sua fé e isto exigia uma história, uma história e não várias histórias, que tentasse explicar e enquadrar essa fé, que lhe servisse de suporte, que a fizesse perdurar para o futuro porque os crentes não podiam continuar a morrer sem saberem a história porque morriam.
O comportamento dos primeiros mártires deve ter impressionado certas cabeças pensantes da época que perceberam que a força da fé poderia dar origem ao mais poderoso exército do mundo que precisaria não só de um general como de um corpo de oficiais e subalternos para assegurarem que no futuro continuasse a haver pessoas dispostas a morrer pela fé e já agora, que essas mortes aproveitassem a alguém.
Dois mil anos depois a história veio mostrar que essas cabeças pensantes tiveram razão e que a estratégia delineada estava certa mas a Igreja que durante tantos anos foi sede de poder ao serviço dos poderosos pode agora orientar-se, nestes novos tempos, para servir os interesses da paz entre os povos tanto mais que outra coisa parece também certa: a Igreja Católica, com todos os defeitos e qualidades dos homens que lhe deram origem e dos outros que a mantiveram durante dois mil anos, embora tendo perdido poder, seguidores e pregadores, veio para ficar porque a mensagem de amor e de espiritualidade de que está impregnada é um capital indestrutível que por muito mais tempo continuará ligado a esta Religião.
Nascemos na terra mas temos por cima de nós o universo onde queremos continuar a ver o céu, o céu povoado de deuses que umas vezes nos protegem, outras nos votam ao abandono mas nos quais persistimos em acreditar porque nos é difícil viver sem fé, fé na fé e fé na razão que para o meu querido sobrinho Rui Matos nada tem de inconciliável porque essa é a posição que melhor corresponde à sua personalidade.
Uma personalidade que se deseja que seja sempre dialogante de forma a confrontar os outros não connosco mas com eles próprios que não dê respostas mas faça perguntas e mais perguntas rasgando e abrindo o espírito e as consciências tal como fez Jesus àqueles que esperavam dele o que parceria a inevitável condenação de Maria Madalena.
Quando eu e o teu pai éramos miúdos a tua avó ensinou-nos que deveríamos oferecer o nosso lugar no eléctrico a uma senhora que fosse de pé por não haver lugares sentados.
Era isto o convencionado e a tua avó, como boa mãe que era, ensinava-nos um comportamento que uma vez adoptado contribuiria para fazer de nós jovens bem-educados, reconhecidos e aceites na sociedade como tal, a mesma sociedade onde iríamos ser integrados e onde ela pretendia e esperava que fossemos bem aceites no próprio interesse dos nossos futuros.
Por outras palavras, estávamos a ser treinados para agradar às pessoas importantes do nosso meio para que viessem a gostar de nós e a arranjarem-nos um bom emprego para podermos viver, pela vida fora, gordinhos e felizes, exactamente da mesma maneira e pelas mesmas razões que na natureza a mãe chimpanzé, durante mais de 3 anos, ensina aos filhos, e às vezes com um raspanete à mistura quando eles não aprendiam, os comportamentos da sobrevivência.
Mas a nossa resposta perante um mesmo ensinamento era completamente diferente:
-O teu pai, sentado no carro eléctrico, procurava ansiosamente uma senhora que fosse de pé para lhe oferecer, pressurosamente, o seu lugar enquanto que eu, não só não a procurava, como se a visse olharia para o lado e fazia de conta que a não via.
Descontemos uns tantos por cento para um natural comodismo de que sempre me queixei mas no essencial o meu comportamento tinha a ver com o cinismo que mascarava um gesto bonito de solidariedade com um “skatch” para chamar a atenção do respeitável público para aquele menino de boas famílias, educado, distinto e candidato a um lugar na sociedade ou seja, não era verdadeiro.
A esta distância posso dizer que a vida demonstrou que fez muito bem a minha mãe em ter ensinado o que ensinou e fez muito bem o meu irmão, descontados os exageros para não soar a falso, em ter aprendido o que aprendeu porque, como ensinou Shakespeare, a vida é uma sucessão de skatshs, uns no palco outros fora dele e é importante que os saibamos representar para impressionar favoravelmente o distintíssimo público.
Mais tarde comecei a abrir excepções quando a pessoa me parecia, pelo seu estado, merecedora, mais do que eu, do lugar que ocupava alem de que também não me sentia bem com comportamentos dogmáticos.
A liturgia tem um pouco a ver com isto mas como não sou fundamentalista não vou diabolizar nada nem ninguém nem sequer entrar no reino da censura porque tal como comecei por dizer, os comportamentos estão ligadas à personalidade de cada um e a única coisa que eu fazia, por ser ainda miúdo, era brincar com o meu irmão, imitando-o a abanar o rabo e a dizer:” faz favor de se sentar minha senhora!”
Isto para te dizer que eu não iria a uma cerimónia de “lava-pés” porque nem sequer me dava gozo nenhum ver um senhor Bispo, ou um qualquer dignitário da Igreja num pretenso gesto de humildade, ajoelhado de cu para o ar a fazer de conta que está a lavar os pés aos noviços da Irmandade, pelo contrário, esse espectáculo deixar-me-ia constrangido que é aquilo que acontece quando não gostamos do que vemos mas nada podemos fazer para o evitar.
No tempo de Jesus as pessoas tinham que andar longas distâncias a pé e fazia parte das regras da hospitalidade a visita ser presenteada, creio que pela mulher do dono da casa, com uma lavagem dos pés, não como um gesto de humildade mas com o objectivo lógico de contribuir para o seu bem-estar aliviando-lhe as naturais dores resultantes de longas caminhadas calçando alpercatas que em termos de comodidade deviam estar muito longe dos modernos ténis da Nyke.
Mas a Igreja resolveu pegar nesse comportamento que um antropólogo (não antropologista, vês como aprendi!) da época teria explicado como uma atenção própria de bem receber em nossa casa, perfeitamente justificado, e não um gesto de humildade que nunca teria passado pela cabeça das pessoas de então.
E o que é curioso é que quem pratica estes gestos de pretensa humildade sejam os altos dignitários da Igreja que ao longo dos séculos, com aquelas excepções que sempre confirmam as regras, inundaram os crentes de soberba, vaidade e ostentação com os Crucifixos de ouro cravejados de pedras preciosas pendurados no pescoço repousando em respeitáveis barrigas.
Por isso não vou lá, porque eles têm todo o direito de fazerem os skatshs que entenderem para quem acredita neles e nos skatshs, já se vê, e por isso têm o seu público que se reverencia, ajoelha, baixa a cabeça, balbucia orações e acredita, fundamentalmente acredita e esses que acreditam têm que ser respeitados e a presença dos que não acreditam constitui uma falta de respeito para com eles, a menos que ande à procura da fé mas se assim for também não é nestes actos litúrgicos que a encontra.
Compreendo perfeitamente que prefiras visitar as Igrejas como local de silencio e meditação ou seja uma Igreja só para ti, sem actos litúrgicos a acontecerem que te desviam a atenção para as coisas do mundano desafiando a tua vocação de cronista do social.
Pois é, a Igreja é “coisa” dos homens e tu tens dificuldade em fugir a isso não obstante a Bíblia que possuis em casa por toda um série de razões, algumas de um humorismo saudável e outras sérias mas confessadamente seduzido pelas suas, algumas admiráveis, metáforas que é uma forma de dizer as coisas sem as dizer, obrigando os leitores a pensar sobre elas porque quando foram escritas ainda não existiam os padres para explicarem tudo no pormenor, tirar as conclusões e retirarem-lhes a beleza e até a poesia que vêem transportando ao longo dos séculos.
Os quatro evangelhos seleccionados para contarem para a posteridade a “verdadeira” história da vida de Jesus são textos de autores desconhecidos mas sinceramente tal circunstância não afecta em nada, para mim, o valor da narrativa, por exemplo, do encontro de Jesus com Maria Madalena que constitui o mais belo exemplo de como as regras e as convenções de nada valem perante os valores supremos do amor e da tolerância.
Como teria decidido João César das Neves no lugar de Jesus numa situação daquelas? Fica a pergunta.
Aquilo que sabemos de Jesus e de Judas e de todos os outros foi aquilo que quiseram que nós viéssemos a saber. Tudo foi escrito muitos anos depois de todas essas pessoas terem morrido e durante mais anos ainda em que não houve uma Igreja organizada, hierarquizada que falasse a uma voz, só Evangelhos eram mais de trinta e a história que havia em cada um era escolhida ao gosto de quem a contava ou melhor, pelo maior impacto que produzia em quem as ouvia mas uma coisa era certa: a força e o poder de uma mensagem de amor e de espiritualidade levava homens e mulheres a cantarem para o local do sacrifício sem renegarem a sua fé e isto exigia uma história, uma história e não várias histórias, que tentasse explicar e enquadrar essa fé, que lhe servisse de suporte, que a fizesse perdurar para o futuro porque os crentes não podiam continuar a morrer sem saberem a história porque morriam.
O comportamento dos primeiros mártires deve ter impressionado certas cabeças pensantes da época que perceberam que a força da fé poderia dar origem ao mais poderoso exército do mundo que precisaria não só de um general como de um corpo de oficiais e subalternos para assegurarem que no futuro continuasse a haver pessoas dispostas a morrer pela fé e já agora, que essas mortes aproveitassem a alguém.
Dois mil anos depois a história veio mostrar que essas cabeças pensantes tiveram razão e que a estratégia delineada estava certa mas a Igreja que durante tantos anos foi sede de poder ao serviço dos poderosos pode agora orientar-se, nestes novos tempos, para servir os interesses da paz entre os povos tanto mais que outra coisa parece também certa: a Igreja Católica, com todos os defeitos e qualidades dos homens que lhe deram origem e dos outros que a mantiveram durante dois mil anos, embora tendo perdido poder, seguidores e pregadores, veio para ficar porque a mensagem de amor e de espiritualidade de que está impregnada é um capital indestrutível que por muito mais tempo continuará ligado a esta Religião.
Nascemos na terra mas temos por cima de nós o universo onde queremos continuar a ver o céu, o céu povoado de deuses que umas vezes nos protegem, outras nos votam ao abandono mas nos quais persistimos em acreditar porque nos é difícil viver sem fé, fé na fé e fé na razão que para o meu querido sobrinho Rui Matos nada tem de inconciliável porque essa é a posição que melhor corresponde à sua personalidade.
Uma personalidade que se deseja que seja sempre dialogante de forma a confrontar os outros não connosco mas com eles próprios que não dê respostas mas faça perguntas e mais perguntas rasgando e abrindo o espírito e as consciências tal como fez Jesus àqueles que esperavam dele o que parceria a inevitável condenação de Maria Madalena.
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