quarta-feira, maio 23, 2007

Falar verdade


Falar Verdade

A verdade, em política, é inimiga do poder, por outras palavras, quem falar verdade em campanhas eleitorais não ganha eleições.

Numa versão mais “soft” e uma vez que em política a mentira não cobra, em vez de se mentir oculta-se a verdade ou refugia-se em verdades parcelares ocultando-se a parte mais importante, a que têm um impacto negativo no espírito das pessoas.

Nas últimas eleições legislativas Sócrates prometeu que as “SCUD” se iriam manter o que, naturalmente, agradava aos eleitores.

Na realidade, o que já se sabia então, é que umas manter-se-iam e outras não, mais do que suficiente para se poder afirmar sem mentir, que as SCUD” se manteriam… e ponto final.

As explicações de pormenor viriam mais tarde, depois das eleições, porque, como se sabe, as pessoas não vão ler os extensos programas eleitorais.

Mas porquê esta necessidade de driblar a verdade como condição para se ganharem eleições?

A resposta só pode ser uma: as pessoas, na sua esmagadora maioria, entregam o voto a quem lhes promete facilidades e comodidades para as suas vidas ou, no mínimo, a manutenção de um “statu quo” de que tiram vantagem e ao qual se ligaram por hábito ao longo dos anos.

Dizendo de outra maneira:

-Quando os problemas de uma sociedade de muitos milhares ou milhões de pessoas concentradas em grandes urbes e ainda por cima vivendo num mundo globalizado, ultrapassam a capacidade de entendimento do vulgar cidadão que, não os entendendo, divorcia-se deles, o que acontece é cada um refugiar-se na defesa egoísta dos seus próprios interesses.

-Com uma variedade tão grande de situações os interesses de uns e de outros chocam-se inevitavelmente com a agravante de que não falamos de interesses de médio ou longo prazo mas sim dos interesses de hoje, aqueles que nos movem, mesmo quando são inimigos dos interesses de amanhã.

Vejamos, agora, a propósito das eleições para a Câmara de Lisboa, o problema levantado pelo intenso trânsito de automóveis na cidade:

Eu recordo perfeitamente o início da década de sessenta quando o tráfego em Lisboa era regulado por polícias sinaleiros e sofria, à tardinha, na hora de saída dos empregos e lá para os lados da Baixa, de uns engarrafamentos que não passavam de ligeiros compassos de espera nas deslocações para o nosso destino.

Depois, progressivamente, ao longo dos anos, o lisboeta foi-se habituando a sofrer sentado ao volante, gastando cada vez mais tempo e gasolina em intermináveis filas de espera naquilo a que se poderia chamar um autêntico processo masoquista.

E o que se pergunta agora é: até quando?

Sim, porque para tudo há limites e as soluções não passam, com certeza, por gastar milhões em túneis do Marquês em mais um convite ao automóvel e ao automobilista que vai poder andar mais depressa durante 1275 metros…uma autentica felicidade!

Mas o automóvel não atravanca só as ruas e avenidas da cidade, atravanca toda a cidade ocupando passeios e tudo quanto é espaço à superfície e no subsolo.

E assim, o automóvel que foi símbolo de liberdade e autonomia e até de prestígio e afirmação pessoal, sonho dos jovens do meu tempo, dos passeios ao fim de semana ao campo e à praia com o farnel na bagageira, vulgarizou-se e acabou por se tornar no pesadelo do dia a dia dos lisboetas.

E agora, quem vai ter coragem para falar verdade?

Quem vai ter coragem para dizer aos lisboetas que a utilização indiscriminada dos automóveis na cidade chegou ao fim?

Quem vai ter coragem para admitir o “mea culpa” no adiar sucessivo da solução óbvia que passa pelo investimento privilegiado nos transportes públicos articulados e de qualidade para todos os lisboetas?

Quem vai ter coragem para tirar os lisboetas dos bancos dos seus automóveis e limpar a cidade da tralha dos carros para que nela se possa andar e respirar?

Os lisboetas são comodistas, eu sou comodista, o meu vizinho é comodista e os responsáveis pelo governo de Lisboa não contrariaram, como era sua obrigação no interesse da cidade, esta natural tendência para o comodismo e permitiram o agravamento de uma situação que vai agora custar muito mais a resolver… e não nos interessam os maus exemplos que vão por outras cidades desse mundo fora.

O “facilitismo” e o comodismo não podem ser mais paradigma na acção de qualquer responsável pelo governo da cidade de Lisboa no que à utilização do automóvel se refere porque é dele que estamos a falar.

Os cidadãos têm que interiorizar que o automóvel não é o meio de transporte normal e indicado para as pessoas se deslocarem na cidade e essa é a principal ideia força numa política de transportes para a cidade de Lisboa que tem estado longe das decisões.

Agora já não é só falar verdade, é ter a coragem para decidir numa matéria que tem a ver com a alteração dos hábitos do dia a dia dos lisboetas.

Os lisboetas têm que decidir se gostam do seu automóvel ou da sua cidade mas não sejamos demagógicos porque as pessoas, no seu dia a dia, têm que se deslocar e a opção só pode ser tomada voluntariamente ou imposta pelas autoridades se existirem transportes públicos verdadeiramente alternativos ao automóvel.

O dinheiro que se gastou no túnel do Marquês teria constituído uma boa ajuda para aumentar o investimento na rede pública de transportes porque o país não é rico e o dinheiro não chega para tudo e é exactamente nesta perspectiva que o túnel está a mais, porque não foi feito no tempo certo.



















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