segunda-feira, janeiro 24, 2011

TEREZA

BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA



Episódio Nº 12



Caetano Gunzá, mestre de escuna, era compadre de Januário, na dificuldade apelou para ele; amigo é para isso, senão de que serve? Largou o saveiro na Rampa, a travessia foi boa, vento maneiro, mar de festa. Chegaram na véspera à tarde e passaram no porto o tempo justo de descarregar os rolos de fumo de Cruz das Almas e de obter nova carga para tornar mais rendosa a viagem. Uns poucos dias de férias, por assim dizer. O compadre ficara a bordo, cansado, ele saíra atrás de uma pista de dança, seu fraco. Em vez de dança, uma peleja, das boas.

Iam andando ao deus-dará, sem rumo e sem hora; há-de haver nesta cidade um boteco aberto onde se possa tomar um trago festejando a vitória e o mútuo conhecimento – assim ele disse e por aí se perderam, ele falando, ela ouvindo, ouvindo as ondas do mar, o vento nas velas pandas, o marulho dos búzios.

Tereza nada sabe das águas salgadas do oceano, ali adiante, na barra de Aracajú, mais além da cidade, e sente a seu lado o passo gingado de homem do mar, peito queimado do sol e viração marinha, batido de tempestades. Januário acendera um cachimbo de barro; no mar tem peixes e náufragos, os polvos negros, as arraias de prata, os navios vindos do outro lado do mundo, plantações de sargaços.

- Plantações? Nas águas do mar? Como pode ser?

Não chega a explicar porque desembocam novamente na zona, na Rua da Frente, bem próximo da sombra do Vaticano, onde as luzes multicolores da tabuleta do Paris Alegre servem de ponto de referência aos casais em busca de pouso por uma noite ou por meia hora: de quando em quando, aqui e ali, em alguns dos inúmeros cubículos do imenso casarão, acende-se lâmpada de poucas velas; numa porta de entrada semi escondida, o Rato Alfredo, proxeneta sem idade, recolhe por conta de seu Andrade, o proprietário, o pagamento adiantado. De alguma parte próxima chega a voz do rábula e o ruído das muletas:

- Eh! Vocês aí! Esperem por mim.

Lulu Santos anda à procura de Tereza, com receio que tivesse sido vítima de uma cilada qualquer de Libório ou dos policiais. Conhecedor de todos os botequins de Aracajú, levou-os a tomar a cachaça comemorativa ali pertinho. Tereza apenas pousou os lábios no copo – não aprendera a gostar de cachaça, essa aliás generosa, perfumada de madeira. O provisionado a tomava em pequenos goles, saboreando-a como se bebesse um licor de classe, um porto velho, um xerez, um conhaque da França. Mestre Gereba emborcara de um trago:

- Bebidinha mais ruim é cachaça, quem toma isso não presta. A rir pediu outra dose.

Lulu transmitira as últimas informações do campo de batalha: quando os agentes por fim apareceram, encontraram apenas, ele, Lulu, o poeta Saraiva e Flori, sentados os três a tomar uma cerveja das mais pacíficas. Libório, o rei dos nojentos – aquilo é uma imundície! – se tocara, imagine Tereza, amparado por quem? Pela fulana, causa de tudo, a dos bofetes. Ao ver o corno rugindo, as duas mãos na altura dos bagos, clamando por um médico, dizendo-se para sempre rendido, aleijado, ela, não mais enxergando na sala o caixeiro-viajante (já todos os fregueses estavam a caminho de casa ou dos hotéis), esquecida das bofetadas, carregou com o canalha, lá se foram escada abaixo; os dois se equivalem, ela acostumada a enganar e a apanhar, ele no vício do flagrante e do escândalo. Raça de escrotos, concluiu Lulu Santos.

O poeta Saraiva quis arrastá-lo à pensão de Tidinha, segundo ele o melhor endereço onde terminar a noite em Aracajú, mas o rábula, preocupado com Tereza, recusara o convite. O poeta seguiu
sozinho, a tosse rouquenha e o assobio no peito.

Site Meter