(Domingos Amaral)
Episódio Nº 39
Fátima olhou-a de soslaio. Se a irmã já se amigara com um cristão, Gonçalo de Sousa, não teria qualquer pudor em dar-se também ao almocreve.
Havia, porém, um risco. Anos antes, Zaida prometera a Mem que ele seria o seu primeiro homem.
O almocreve vai descobrir que foi ultrapassado... – avisou Fátima.
Zaida encolheu os ombros. Sendo certo que não podia cumprir essa antiga promessa, não desistiu e adiantou:
- Nossa mãe ensinou-nos como se engana um homem.
Com uma certa arrogância que por vezes a iludia, aquela bela Eva, julgava-se muito hábil, esquecendo-se, porém, de que teria de iludir um experiente Adão.
Coimbra, Agosto de 1132
Há uma semana que uma canícula enorme assentara arraiais em Coimbra. O povo refrescava-se em banhos no Mondego e mesmo àquela hora da madrugada, quando a leste surgia a luz nascente do novo dia, um bafo pesado começava já a abater-se sobre a cidade.
Mem avançou devagar pelas ruas desertas, regressando ao casão agrícola, enquanto dentro da sua alma a serenidade se sobrepunha aos maus pensamentos, acompanhada de ditos espirituosos, um hábito que herdara do seu pai.
Amigo enganado, passado negado...
Notara perfeitamente que aquelas manchas vermelhas não eram de Zaida. Pelo cheiro era sangue de carneiro. O almocreve estava habituado aos cheiros dos animais, mortos ou vivos, e era um macho viciado, que já dormira com muitas mulheres.
Bonito e simpático, com uns olhos azuis e uns cabelos onde sobressaíam alguns caracóis, vestígios herdados de uma mãe cristã e clara de pele, Mem sempre se safara bem.
Conhecera na intimidade mouras e judias, moçárabes e cristãs, novas e velhas, casadas e solteiras, virgens e soldadeiras, por isso sabia reconhecer uma mulher inaugurada.
Marota sabida, já foi comida...
Ao dar-se conta de que Zaida o enganava, o seu primeiro pensamento fora sobre o potencial rival que o precedera.
Quem tivera o privilégio de a tomar pela primeira vez? Naturalmente, Mem, nada perguntou ou comentou, pois respeitava muito as mulheres e, não sendo casado com nenhuma, não tinha o direito de lhes exigir fidelidade.
Zaida não lhe devia explicações, nem queria colocá-la na posição desconfortável de ser apanhada a mentir. Portanto, ignorou a questão.
Fosse quem fosse o primeiro homem de Zaida não fora ele.
Bom proveito enche-nos o peito.
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