HENRIQUES
Rei Fundador
Era um homem violento, feito do mesmo
pau de todos os guerreiros da Idade-Média, egoísta, sensualão e déspota. Se não
fosse assim não teria fundado um reino.
Com o poder dos visigodos em ascensão,
eles, que tinham desmantelado o Império Romano e dominado toda a Europa de
Leste a Oeste com excepção de uma faixa a norte da Península ibérica dominada
pelos Suevos, não era com escrúpulos, problemas de consciência e rijezas de
carácter que alguém faria obra de tomo, perdurável.
Mas não tinha cabelos no coração, não
era insensível e a palavra justiça para ele não era totalmente destituída de
sentido. Isto viu-se na cena trágico-cómica com D. Gonçalo de Sousa:
-
Foi o caso que, sendo hóspede do bom fidalgo, seu apoiante político e leal
vassalo, apanhando-o de costas a tratar com os criados das tarefas do comer,
virou a mulher, Dª. Sancha Álvares em cima de uma pele de urso e satisfez a sua
lascívia.
Entretanto, D. Gonçalo, entrou no salão
e surpreendeu-o no acto tendo conseguido ainda articular estas misérrimas
vozes:
-
Levantai-vos senhor, que a comida está na mesa…
Enquanto el-rei se banqueteava, foi-se o
marido ultrajado à mulher e, tosqui ando-lhe
os cabelos e ajoujando-lhe às costas uma pele de cabra, com o esfolado para fora,
pô-la em cima de um jerico, aparelhado de cilha e albarda e sentada ao
contrário no animal.
E foi nesta pose que a mandou para casa
do pai dela, não sem antes desse uma volta por onde el-rei se encontrava com os
seus cavaleiros.
D. Afonso Henriques ficou em grande
cólera e a soprar, jurando-lhe pela vida. Doía-lhe ter abusado da confiança do
nobre servidor, mas o desforço dele tivera um repique que muito o confundia e
envergonhava aos olhos dos seus.
Hesitante, porém, entre enviá-lo de
presente ao diabo ou passar adiante chamou-o à sua presença e disse-lhe:
-
Por muito menos, cegou um adiantado de meu pai a sete condes…
- Cegou-os à traição, senhor, mas disso
morreu.
-
E se eu te mandar cortar a cabeça…?
-
Senhor, mais vale. Homem borrado, morto é.
D. Afonso Henriques ficou a meditar
naquela palavra. Teria, depois de comer bem e beber melhor, filosofado com
Herádio que “…se havia de correr a atalhar a ira como se fosse a apagar um
incêndio…” e, montando a cavalo, despediu da Quinta do Unhão, vencido o
instinto sanguinário.
Que faltou algumas vezes à palavra dada,
pelo que os puritanos, ao tempo que os havia, muito o censuravam, muito o
censuravam…! Sim, faltou, mas é demasiado rigor com o homem, abalizado na
guerra e na conqui sta, relevar tal
pecadilho.
O que ele quebrava com certo desembaraço
era a palavra política, a de rei, que não a de homem. Há a sua diferença.
Naquelas épocas recuadas, o verbo estava na infância da arte. Não se sabia
falar diplomaticamente. O ditado árabe: «Alá deu ao homem a palavra para
esconder o seu pensamento» passou primeiro dos filtros da Renascença para os
lábios italianos, que o souberam transmitir aos ministros e homens públicos do
Universo.
Aqui lino
Ribeiro
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