quarta-feira, novembro 30, 2005

O ZAMBIANO, ÁFRICA(S)...

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Em termos ideológicos o racismo é uma afronta à inteligência humana, no plano dos comportamentos é, pura e simplesmente, uma cobardia. Partir de uma diferença rácica, cultural ou religiosa para estabelecer uma relação de domínio ou de superioridade sobre um nosso semelhante é a confissão de uma menoridade, o aproveitamento de uma situação de injustiça para adquirimos vantagens que não merecemos, é a força dos fracos.

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Convivi um pouco com esse racismo nos anos em que trabalhei em Moçambique, de 1972/75, como funcionário público antes e depois da independência daquele território. Os primeiros contactos com alguns conterrâneos meus na antiga Lourenço Marques, funcionários como eu ali radicados há muitos anos, deixaram-me perfeitamente chocado e estupefacto pois alguma daquela gente, nem toda felizmente, parecia-me sincera quando me afirmava a superioridade das pessoas de raça branca relativamente às da raça negra assim, sem mais nada, é preto é inferior, é branco é superior.
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Claro que as relações de vizinhança e proximidade e os contactos frequentes com o regime do Apartheid da toda-poderosa África do Sul, eram, em parte, a explicação para estas atitudes. A África colonial, em termos de formas de pensar, funcionava como terra de degredo, mesmo nas cidades, essa África, para os europeus, era isolamento, não falando já, claro está, no interior a que chamavam o mato onde esse isolamento, relativamente a outros europeus, o era na versão literal do termo. Viviam em comunidades, obrigatóriamente muito pequenas e solidárias e raramente vinham à Europa que, na maioria dos casos, rejeitavam porque nas suas terras de origem perdiam estatuto e privilégios.
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Com uma instrução que pouco ía para além do saber ler, escrever e contar, sem contactos com o mundo, em termos intelectuais a maioria daquelas pessoas regrediam e ficavam indefesas perante uma ideologia que os “promovia” como seres humanos e se encaixava completamente nos seus interesses.

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De resto, o racismo na África do Sul, começou por ser uma receita para a sobrevivência e predomínio de um pequeno grupo de holandeses, alemães e franceses estabelecidos na parte mais meridional do continente africano para apoiar a actividade comercial da Companhia Holandesa das Índias Orientais e que por lá ficaram, vindo a dar origem ao povo Boer que disputou aos ingleses a colonização nesta parte do continente africano.

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Em 1950 o racismo foi promovido a política oficial de estado sob o nome de Apartheid, “Regime de Segregação Sistemática” e, finalmente, abolido com as eleições de 1994… paz à sua alma se é que a tinha.

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É claro que estas coisas desaparecem oficialmente mas continuam nas pessoas das gerações que as viveram como marcas e cicatrizes, algumas no corpo mas principalmente na alma.

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Com o tempo e a sucessão de gerações tudo vai passando à história mas por vezes, quando elas ainda estão frescas, faz bem exorcizá-las através do humor.

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Lembro Samora Machel, líder carismático do povo moçambicano, homem de grande inteligência, que tive oportunidade de conhecer pessoalmente, dizer naquele seu estilo confiante e muito sorridente, antes da exibição de um grupo folclórico do norte de Moçambique: “bem, vamos lá então ver esses selvagens”.

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Mas vamos à história do Zambiano, habitante da Zâmbia, ex-Rodésia do Norte e que se tornou independente em 1964, por coincidência, exactamente na data em que eu comandava um destacamento militar numa povoação denominada Lumbala, a cerca de 50km de uma outra, chamada de Caripande que era um posto de fronteira com aquele território.

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Poucos meses antes da independência desloquei-me a uma cidade relativamente perto da fronteira e as pessoas que se cruzavam connosco na estrada, especialmente os jovens, levantavam os braços rodando as mãos com os dedos em forma de cálice e gritavam: KUACHA…KUACHA…KUACHA. Pelo que me disseram, traduzido para o português, era: ESTÁ NA HORA…ESTÁ NA HORA.

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Não me lembro de ter visto olhares de ódio da parte de nenhum deles, talvez antes de uma alegria triunfante de quem estava deserto de nos ver pelas costas, a nós europeus, e, finalmente, o ia conseguir. O que eu estava longe de saber é que, precisamente 11 anos depois, estaria a participar, a convite já do novo governador do Distrito Beira Manica e Sofala, nos festejos da independência de Moçambique.

Mas regressando à Zâmbia, as novas autoridades do novo país tudo faziam para fazer esquecer o passado discriminatório, próprio do regime racista em que durante tantos anos se vivera e na qual a palavra “preto” era depreciativa e humilhante, e todos pretendiam colaborar no esforço de erradicação desse termo.

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No tribunal um cidadão era julgado por um crime de atropelamento e durante a audiência dirigindo-se ao Meritíssimo Juiz explicava:

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- Sr. Dr. Juiz, quando o sinal verde do semáforo acendeu eu arranquei com o meu carro e nessa altura o preto atravessou-se…

-Alto aí, interrompe o juiz, não é preto é zambiano;

Perdão, Sr. Dr. Juiz, o zambiano atravessou-se à frente do carro e eu não consegui evitar bater-lhe e quando saí do automóvel para o socorrer o preto virou–se…

-Não é preto, repreende de novo o Dr. Juiz, já lhe disse que é zambiano…

-Estes enganos e as respectivas repreensões continuaram mais ou menos durante todo o julgamento, até que ele acabou com a absolvição do réu.

- Já cá fora do Tribunal um amigo do réu dá-lhe os parabéns pela decisão que lhe foi favorável e de caminho perguntou-lhe:

-Mas afinal, quem é o zambiano? Olha se queres que te diga, não sei mas era a coisa que eu já vi mais parecida com um preto…

…eu não avisei que estas coisas deixam marcas…

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PS:

Quanto ao Pitigrilli, t
al como tu previras, na falta do Jardim do Príncipe Real, comecei a lê-lo no Académico.
… na minha situação de reformado já saí da concorrência e como sou pouco competitivo a guerra social nunca teve expressão na minha vida… para alem das sacanices que me fizeram as quais, como sou muito distraído, nem dei por elas. Quant
o àquilo a que cheguei veio-me tudo parar às mãos… excepção feita ao meu curso, que tinha a ver com a minha sobrevivência dentro de padrões com alguma qualidadezinha e a guerra da Cooperativa que já te contei. Depois, vivi sempre debaixo do “guarda chuva” do patrão Estado de quem só tenho bem a dizer porque nunca me despediu, nunca deixou de me pagar e ainda por cima permitiu-me sempre a sensação de que era patrão de mim mesmo e assim foi fácil e natural fazer amigos, que nunca cultivei, por todos os sítios por onde passei. Na Beira, em Moçambique, houve um período antes de me vir embora em que quase todos os dias corria o boato que eu tinha sido preso mas havia lá um criadito preto, miúdo, que tinha tanta confiança em mim que dizia: Dr. preso? Tchi! quando Dr. for preso toda a gente vai presa…

Talvez concorde com o Pitigrilli quando ele diz que a amizade é uma trégua na concorrência mas eu nunca me senti a concorrer com alguém e por isso estive sempre disponível para desenvolver relações de amizade mas percebo agora, especialmente através de ti, como a guerra social de que o Pitigrili fala é feroz e conduz a situações de injustiça num apelo cada vez maior à esperteza, sagacidade e ausência de escrúpulos. As pessoas, nesta sociedade já não se querem inteligentes e boas mas espertas e sacanas, acabou-se a apologia dos bons sentimentos, hoje um pai deve dizer a um filho: faz-te esperto, faz-te esperto e vai em frente.

Estes são tempos diferentes, para mim, os meus, foram muito melhores …pena já terem passado.

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