quinta-feira, setembro 21, 2006


JOÃO PESSOA

NORDESTE BRASILEIRO


(continuação)

Por muito deslumbrante e exótica que seja a paisagem natural, a humana desperta-me sempre mais curiosidade e interesse.

A oportunidade de poder dispor da companhia do meu sobrinho Victor, irmão do Rui do Macroscópico, permitiu-me, dada a sua inserção na sociedade de Natal e João Pessoa, tirar o máximo partido desse pequeno período de tempo de apenas 10 dias tantos quantos passei em João Pessoa.

Aqui, percebemos que não somos objecto de tratamento diferenciado reservado a turistas porque ainda não há turistas.

Ninguém nos quer vender nada que não queiram vender a qualquer outra pessoa. Somos apenas o familiar de um português de há muito radicado na cidade que o foi visitar e a quem se dispensa um tratamento idêntico ao que se concede ao parente.

Dispor de um guia como o meu sobrinho foi um privilégio até porque sendo ele pessoa querida no meio isso se reflectiu no tratamento que me foi dispensado.

Mas falemos dos habitantes e do seu deficit de auto-estima que já assinalei no meu texto anterior e ao qual se pode juntar, por isolamento e falta de convivência, alguns comportamentos para nós, estranhos.

Exemplo:

-Sr. Empregado, o azeite que trouxe para a mesa não presta e pôs mau gosto na comida que agora não se pode comer.

Resposta do empregado sem nos olhar e em voz arrastada:

-Está certo…

-Insisto, pedindo a presença do gerente a quem renovo as queixas e que me responde no mesmo tom “adocicado”:

- “Vou registrar a sua crítica construtiva”…

E esta foi a solução dada ao problema não por uma questão de má vontade mas porque não têm outra.

Se tivesse proferido um elogio ao azeite dizendo que ele era muito bom, o empregado teria, igualmente, respondido; “está certo” e o gerente continuaria a dizer que iria “registrar a crítica construtiva.”

O dono de uma imobiliária que tive oportunidade de conhecer perdeu a hipótese de ganhar uma choruda comissão, talvez a sua independência, caso o negócio se realizasse, porque numa reunião marcada para as 9 horas da manhã com um investidor norueguês interessado em adquirir terrenos, apareceu às 10h20.

Lamentou-se, afirmando que era já a 2ªvez que aquilo lhe acontecia não percebendo muito bem por que razão aquilo que podia ser resolvido às 9 horas não poderia sê-lo, igualmente, às 10h20…

Estas pessoas, que fazem parte de uma realidade social que resulta do cruzamento genético de índios, negros e portugueses em misturas diferentes consoante a zona do nordeste, ressentem-se do isolamento.

Estiveram e ainda vão estando fora do mundo, o seu espaço funcionou como uma grande prisão onde foram mal tratados por grandes senhores latifundiários, déspotas e cruéis que se apropriaram das suas vidas e destinos com a cumplicidade de um clima semi-árido com constantes períodos de estiagem característicos do sertão.

Fome, analfabetismo e uma mistura de cultos religiosos, refúgio dos deserdados, constituem a grande herança das pessoas que vivem em João Pessoa, Natal, Fortaleza e por todo o nordeste brasileiro.

O Brasil é o maior país católico do mundo por influência da herança religiosa dos portugueses.

Todos se dizem católicos e, talvez por isso, “Deus tenha que arranjar outro céu no céu, um céu melhor para certas pessoas”, segundo dizia uma velha senhora brasileira que nasceu católica e morreu católica “de verdade” ao fim de toda uma vida em que, na prática, derramou todo o amor do seu coração.

O nome de Jesus está escrito por todo o lado: na traseira das camionetas, nas paredes das casas, em tabuletas à beira das estradas, nas costas das t-shirtes, numa presença quase que obsessiva que se mistura com outras crenças de origem africana onde aparecem as Mães-de Santo, os Orixás, os Candomblés, uma amálgama de grande riqueza espiritual que preenche e dá sentido às suas vidas.

Na minha qualidade de estrangeiro, que me expressava na mesma língua, fui ouvido com atenção e interesse como aqueles viajantes que tendo percorrido meio mundo regressam com muito de novo para contar.

O futuro dos nordestinos passa pelo investimento gerador de postos de trabalho devidamente remunerados, criação de infra estruturas e especialmente educação e formação profissional adequada às necessidades.

A educação básica poderia ser um princípio de saída mas a qualidade e inadequação do ensino é dramática.

A mãe de Roberto, menino de 10 anos, foi pedir à professora para que o seu filho repetisse a 2ª Classe da qual tinha passado porque não sabia ler uma palavra de duas sílabas que fosse.

Talvez porque vem a propósito diga-se que a professora, de 38 anos, com dois filhos, tem um salário de 350 reais e Bolsa de Família de 80…

Ao nível do investimento alguma coisa aconteceu nos últimos anos no Recife, na Baía, no Piauí ou na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, no sertão pernambucano, onde um pólo de confecções que produz roupas de baixo custo empregou quase 80.000 pessoas.

Mas como “não há bela sem senão”grande parte desses empregos, os melhor remunerados e que requerem maior qualificação, acabaram por ir para gente que veio do sul.

Mas a bolha de crescimento que agora o nordeste apresenta é gerada, principalmente, pela política assistencial do governo de Lula da Silva e está a ser paga pelo dinheiro dos brasileiros que trabalham e pagam impostos.

Quase 60% das pessoas do nordeste passaram a consumir mais desde que entraram para a Bolsa Família, especialmente leite e carne mas também perfumes e cosméticos.

Estas injecções de dinheiro de todos os brasileiros sem dúvida que fizeram melhorar a vida material dos nordestinos mas será ela sustentável uma vez que a transferência destes rendimentos não poderá manter-se indefinidamente?

Repare-se que em Pedra Branca, no Ceará, por exemplo, os recursos da Bolsa Família aumentaram em 50% o dinheiro que circula no Município.

E os investimentos em infraestruturais?

A construção da Ferrovia Transnordestina bem como as refinarias da Baía a serem levadas por diante através das chamadas Parcerias Público-Privadas não saíram do papel.

A situação não é fácil porque a pobreza de boa parte da população quase que impõe a aplicação de programas assistenciais que correspondem hoje às “frentes de trabalho” de antigamente quando, para atender às vítimas da seca, os trabalhadores se cadastravam para prestar algum serviço em troca de uma ajuda em dinheiro.

As ajudas de ontem e as de hoje evitaram que a miséria se agravasse mas não melhorou, fosse o que fosse, a vida desses trabalhadores e dos seus descendentes.

Os economistas são praticamente unânimes ao afirmarem que o crescimento que vemos tenderá a perder-se caso o nordeste não deixe de ser olhado como um celeiro de votos onde os políticos, periodicamente, os vão comprar ao preço da banana.

E que dizer da corrupção?

O expoente máximo deste fenómeno ocorreu recentemente no Estado da Rondónia, na fronteira leste com a Bolívia, em que todos os representantes dos vários Poderes: Governador e sua Casa Civil, Presidente da Assembleia Legislativa e 22 Deputados, Presidente do Tribunal de Justiça e Desembargador da Justiça Eleitoral, Procurador-Geral e Ex-Procurador Geral num total de 71 altos funcionários, constituídos numa autêntica Máfia, foram presos pela Polícia Federal acusados de integrar um bando que desviou 70 milhões do Orçamento da Rondónia.

Quase não dá para acreditar!

E que tem a ver a corrupção com o desenvolvimento?

O Brasil, até 1980, incluía o grupo de nações que mais crescia no mundo chegando, em 1973, a 14%. Hoje detêm as taxas mais baixas de crescimento já que entre 1996 e 2005 enquanto a China e a Índia avançaram a um ritmo de 9% e 6% respectivamente, a média brasileira foi pouco superior a 2% e o rendimento per capita nacional não se alterou praticamente.

Douglass North, Nobel em1993 e que foi pioneiro no estudo do papel virtuoso das instituições na diminuição dos factores que emperram o desenvolvimento afirma:

O Brasil é um país cheio de promessas e possibilidades mas que foi tomado de assalto por grupos de interesses que souberam aproveitar-se do Estado para seus próprios benefícios.

Estes grupos protegem-se da competição numa acção que tende a fechar a economia e a barrar a eficiência.


Muitas outras citações de especialistas credenciados e isentos que vão no mesmo sentido poderiam ser apresentadas desde o “capitalismo de compadres” referido por Gary Becker, igualmente Nobel, até “à influencia negativa do legado das velhas instituições portuguesas” rígidas, burocráticas, sem flexibilidade que dificultam a instalação de economias competitivas e que foi referida por James Heckman, Nobel em 2000 e que criou métodos precisos para a avaliação do sucesso de programas sociais, de educação e de leis trabalhistas.

Como foi evidente, muitos são os bloqueamentos à melhoria das condições de vida dos nossos patrícios brasileiros, muito em especial os do nordeste, não por falta de recursos naturais que existem em quantidade e qualidade num país que com os seus mais de 8.500.000km quadrados é quase 1/3 do tamanho do Continente Africano e mais de metade da América do Sul.

Os constrangimentos, como sempre, são de natureza humana aquela que, na verdade, tem a ver com a verdadeira riqueza dos países.
















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