quinta-feira, julho 14, 2016

TIETA DO AGRESTE
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 172




























Também Tieta esconde um sorriso ao contar do caibro escapando-lhe das mãos. Adorado caibro, além dos lábios e dentes vorazes; a juventude, a areia, as ondas. Ah!, o amor na praia, na fímbria do mar, carícia de espumas. Anjo revel, terei forças para desprender-me dos teus braços e partir?

Sob a canícula do começo da tarde, pai e filha sobem as dunas, em silêncio, ela pensando nas sublimes estrepolias de Ricardo, ele buscando a palavra precisa para colocar a premente questão. Resolve-se:

- Tenho um pedido a te fazer, minha filha.

- Peça, meu pai que, se eu puder, atendo, vosmicê sabe.

- É a coisa que mais desejo no mundo mas tu tem sido tão boa comigo, tem me dado tanta satisfação que fico com medo de abusar. – Ora, pai, deixe disso, que vosmicê nunca foi de cerimónias. Quando vosmicê queria uma coisa só não pedia se pudesse tomar. Vá peça.

Diante deles se abre passo a passo a paisagem violenta, fascinante e infinita. Naquele mar-oceano pai e filha temperam a alma, crestaram a pele ao contacto do vento de areia, cortante fio de punhal. O cajado, inútil no chão movediço, atrapalha mais que ajuda na subida. O Velho sente o esforço, já não possui a agilidade e a resistência de antes quando, atrás de raparigas, escalava os cômoros a correr e saltava sobre as pedras dos cabeços para segurar e montar cabras em cio, não lhe bastando a mulher jovem e bonita trazida dos roçados. Ainda assim avança sem se queixar do escaldante sol de verão, o pensamento no pedido e na resposta.

Lá em cima, depois de contemplar por instante o panorama insólito, sentam-se sobre uma palma de coqueiro. Tieta se ajeita para encobrir outra mancha ainda maior. Felizmente a ventania varreu a marca dos corpos sobre a areia e na praia o mar lavou a lembrança nocturna dos embates. Imagine vosmicê, Pai, sua filha e seu neto na descaração. Assim como eu vi vosmicê se pondo nas cabras.

Tu bem sabes minha filha que passei a vida criando cabras. Depois que tu partiu as coisas desandaram, acho que foi castigo de deus – coça a cabeça, a areia incrusta-se nos cabelos brancos e crespos, duros capuchos de algodão – por minha ruindade te botando para fora de casa. Só pode ter sido.

- Não fale nisso, Pai. Ninguém se lembra mais, esqueça também.

- Castigo, sim. Acabei perdendo tudo e se tu não tivesse vindo em meu auxílio, ia acabar mendigando porque se dependesse de Perpétua eu morria de fome e Elisa não tem onde cair morta. Tu me deu de um tudo mas, antes que Deus me chame, queria ainda ter uma alegria, além dessa de te ver que eu não merecia.

Pai pare com essas galantezas, não são de seu feitio nem precisa me gabar tanto. Diga logo qual é essa alegria que vosmicê tanto deseja. Se eu puder lhe satisfaço.

- Poder você pode não sei se vai querer. Como lhe disse dou a vida por meio metro de terra e um casal de cabras. Um casal, três ou quatro, meia dúzia e já é demais, dá para ocupar meus dias.

- Se bem entendo, vosmicê quer ter outra vez, uns alqueires de terra e umas cabeças de cabras, é isso?

- E mais um bode, um bodastro bem inteiro, parecido com Inácio, tu te recorda dele? Nunca mais houve um bode igual em Agreste.

- Se me recordo? Botei o nome dele na minha biboca: Curral do Bode Inácio. Ele não atendia a ninguém, nem a vosmicê, mas vinha comer na minha mão. Então, o Pai quer terá e rebanho, de novo. A gente pode pensar nisso. Ou vosmicê já tem alguma coisa em vista e veio de trato feito?

- Ninguém lhe pode esconder nada, minha filha, você nasceu inteligente, saiu a mim. Elisa é tola, saiu a Tonha. Perpétua é enrolona e tratante…

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