sábado, julho 16, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 43























Compostela, dezembro de 1132




Uma bela rapariga rezava, compenetrada e solitária, num canto da grande catedral de Compostela e por várias vezes, Afonso VII, tentou cruzar o seu olhar com o da beldade, mas não foi bem sucedido porque, a absorta moça, nada ligava ao que se passava à sua volta.

O rei de Castela, Galiza e Leão viera ali para pedir a ajuda divina nas muitas guerras que enfrentava. A sul de Toledo tinha de suster os berberes do califa Ali Yusuf.

A leste mantinha-se intensa a contenda com o antigo marido de sua mãe, Dona Urraca, o rei Afonso I de Aragão, que lhe disputava a hegemonia peninsular.

Por fim, a oeste, havia o sempre irrequieto Afonso Henriques, que persistia em recusar-lhe vassalagem e construíra um novo castelo em plena Galiza, na povoação de Celmes.

Alem disso, também o perturbava a divisão religiosa da Igreja de Roma, o cisma grave verificado quando Anacleto recusou a eleição de Inocêncio II para Papa, disputando-lhe o trono de São Pedro.

O monarca Leonês apoiara o Antipapa, na esperança de que vencesse o conflito, mas as querelas agudizavam-se e Anacleto exigia que ele proibisse os “monges apostólicas”, que por toda a península se começavam a instalar.

Como se tudo isso não fosse já suficiente, Berengária de Barcelos, sua esposa há quatro anos, mostrava-se incapaz de engravidar.

Sem qualquer herdeiro para exibir, Afonso VII começava a sentir a pressão da paternidade, matutando já numa possível alternativa a tanta esterilidade e certamente por isso se alvoraçava com a visão daquela magnífica rapariga.

Os cabelos loiros e os olhos verdes da moça tinham feito trepidar as suas entranhas masculinas, o que era coisa rara, pois Afonso VII sempre de mostrara contido e de reputação intocável, para assim esbater a desvairada herança materna.

Dona Urraca coleccionara inúmeros amantes e o seu inconstante útero multiplicara os problemas nos territórios cristãos onde reinava.

Não querendo repetir tais desgraças, Afonso VII impusera a si próprio o recato e evitava galantear as senhoras.

Porém, pela primeira vez e perante tal visão celestial, o monarca leonês sentiu-se tentado a meter conversa. Mas foi tanta a hesitação que, quando finalmente já se tinha decidido, viu que a beldade se levantava, sempre de olhos no chão e com um ar tristíssimo, desaparecendo entre as gentes que rezavam na catedral.

Angustiado, Afonso VII sentiu que alguém tinha apagado a luz que o ofuscara e uma breve angústia assolou-o, como se tivesse perdido a oportunidade de uma vida.

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