terça-feira, julho 19, 2016

O Presidente De Gaulle
DE GAULLE E O VETO DA FRANÇA

À ENTRADA DA GRÃ-BRETANHA NA CEE




















Em 14 de Janeiro de 1963, por ocasião de uma conferência de imprensa do presidente francês, um dos jornalistas presentes colocou ao general de Gaulle a seguinte questão:

- Pode definir, explicitamente, a posição da França face à entrada da Inglaterra no Mercado Comum e à evolução política da Europa?

O general de Gaulle, na sua longa resposta, afirmaria então:


- "Bom, aqui está uma pergunta muito clara, à qual vou esforçar-me por responder com clareza. Creio que quando falamos de economia – e, por acrescida razão, quando a praticamos –, é preciso que aquilo que dizemos, aquilo que fazemos, esteja conforme com as realidades, porque, sem isso, provocam-se impasses e, por vezes, são causa de ruína.

Nesta grande questão da Comunidade Económica Europeia e também na da eventual adesão da Grã-Bretanha, são os factos que, primeiramente, importa considerar. Os sentimentos, por mais favoráveis que possam ser ou que sejam, esses sentimentos não podem ser invocados em contraposição aos dados reais do problema. Que dados são esses? -  O Tratado de Roma foi concertado entre seis Estados continentais. Estados que, economicamente falando, são, podemos dizê-lo, da mesma natureza.

Com efeito, quer se trate das suas produções, industrial ou agrícola, ou dos seus hábitos e das suas clientelas, quer das suas condições de vida e de trabalho, há entre eles muito mais semelhanças do que diferenças.

Além disso, são contíguos e interpenetram-se, prolongam-se uns nos outros pelas suas comunicações, e, por conseguinte, é um facto que o que têm necessidade de produzir, de comprar, de vender, de consumir, pois bem, produzem-no, compram-no, vendem-no e consomem-no de preferência no seu próprio âmbito, ou seja, está tudo conforme com a realidade.

Importa acrescentar, aliás, que do ponto de vista do seu desenvolvimento económico, do seu progresso social, da sua capacidade técnica, eles vão, em suma, com o mesmo passo. E caminham de uma maneira muitíssimo semelhante. Sucede, ainda, que entre eles não existe nenhuma espécie de agravos políticos, nenhuma questão de fronteiras, nenhuma rivalidade de dominação ou de poder. Pelo contrário, são solidários e sentem-se solidários.

Resultado, primeiramente, da consciência que têm de deter, conjuntamente, uma parte importante das fontes da nossa civilização. E também no que respeita à sua segurança, porque são continentais e têm diante de si uma única e mesma ameaça de um extremo ao outro do seu conjunto territorial, e, por fim, são solidários pelo facto de nenhum deles estar ligado ao exterior por qualquer acordo particular, político ou militar. 

Assim sendo, foi possível, psicológica e materialmente, fazer uma comunidade económica dos Seis. Aliás, isto não foi alcançado sem dificuldades.

Quando o Tratado de Roma foi assinado, em 1957, foi depois de longas discussões. E, quando foi concluído, para que pudéssemos realizar alguma coisa, foi necessário que nós, Franceses, nos adaptássemos nos domínios económico, financeiro, monetário, etc.. E isso foi feito, em 1959.

A partir desse momento, a Comunidade era um princípio viável, mas, então, era necessário aplicar o tratado. Ora, esse tratado, que era bastante preciso, bastante completo no tocante à indústria, não o era no respeitante à agricultura.

No entanto, para o nosso país, era necessário que este aspecto fosse regulado. É muito evidente, com efeito, que no conjunto da nossa actividade nacional, a agricultura é um elemento essencial. Nós não podemos conceber e não queremos conceber um outro mercado comum no qual a agricultura francesa não encontrará escoamento à medida da sua produção. E nós concordámos, aliás, que, entre os Seis, somos nós o país para o qual essa necessidade se coloca da maneira mais imperativa.

Foi por isso que, quando em Janeiro último, pensámos em pôr em andamento a segunda fase do tratado – ou dito de outra forma, um começo prático da aplicação –, fomos levados a colocar como condição formal a entrada da agricultura no Mercado Comum, o que foi, por fim, aceite pelos nossos parceiros. Por outro lado, foram precisos arranjos muito complexos e difíceis e, ainda agora, certos regulamentos continuam em curso.

Nisto, a Grã-Bretanha apresentou a sua candidatura ao Mercado Comum. Fê-lo depois de, não há muito tempo, se ter negado a participar na Comunidade que estávamos a construir e tendo, logo a seguir, criado uma zona de comércio livre,juntamente com seis outros Estados.

E, enfim, depois de ter – bem o posso dizer, porque estamos lembrados das negociações que mantivemos tão longamente a este respeito – depois de ter exercido algumas pressões sobre os Seis, para impedir que a aplicação do mercado comum não começasse realmente.

Finalmente, a Inglaterra solicitou, por sua vez, a adesão, mas segundo as suas próprias condições. Isto coloca, sem nenhuma dúvida, a cada um dos Estados e à Inglaterra, problemas de uma dimensão muito grande. A Inglaterra é, com efeito, insular. 

É marítima. Encontra-se ligada, pelo seu comércio, os seus mercados, os seus abastecimentos, aos mais diversos países, muitas vezes os mais longínquos. Exerce uma actividade essencialmente industrial e comercial e muito pouco agrícola. 

Ela usufrui, em toda a sua actividade, de hábitos e de tradições muito vincadas e muito originais. Em suma, a natureza e a estrutura que são próprias da Inglaterra diferem profundamente da dos continentais. Como fazer para que a Inglaterra, tal como vive, tal como produz, tal como comercia, seja incorporada no Mercado Comum, tal qual ele foi concebido e tal como funciona?

Por exemplo, os meios através dos quais se alimenta o povo da Grã-Bretanha e que é, de facto, a importação bens alimentares comprados a baixo custo nas duas Américas ou nos antigos Domínios, dando e acordando, ao mesmo tempo, subvenções consideráveis aos agricultores ingleses.

Este procedimento é, evidentemente, incompatível com o sistema que os Seis estabeleceram, muito naturalmente, para eles próprios.

O sistema dos Seis consiste em fazer tudo com os produtos agrícolas de toda a Comunidade. A fixar com rigor os seus preços.

A proibir que sejam subvencionados. A organizar o seu consumo entre todos os membros. E a impor a cada um dos participantes que entregue à Comunidade toda a economia que faria ao importar alimentos do exterior em vez de comer o que oferece o Mercado Comum.

Uma vez que:

- 1) A Associação Europeia de Comércio Livre (em inglês: European Free Trade Association, abreviado EFTA), criada, em Janeiro de 1960, pelo Reino Unido, Portugal, Dinamarca, Noruega, Suíça, Áustria e Suécia.

- 2) Mais, como é que faríamos entrar a Inglaterra, tal qual ela é, neste sistema? Pudemos crer, por vezes, que os nossos amigos ingleses, ao apresentarem a sua candidatura ao Mercado Comum, aceitassem transformar-se a ponto de aplicar todas as condições que são aceites e praticadas pelos Seis. Mas a questão é de saber se a Grã-Bretanha, actualmente, pode alinhar-se com o Continente e, como ele, no âmbito de uma tabela de preços que seja verdadeiramente comum; de renunciar a todas as preferências com respeito à Common Wealth; de deixar de pretender que a sua agricultura seja privilegiada.

E, ainda, de considerar caducos os compromissos que estabeleceu com os países que fizeram parte, que faziam parte ou que fazem parte da sua zona de comércio livre. Esta questão constitui todo o problema.

Não podemos afirmar que ela esteja actualmente resolvida. Sê-lo-á um dia? Evidentemente, só a Inglaterra poderá responder. 

questão é tão pertinente quanto é certo que, a seguir à Inglaterra, outros Estados que estão, repito, a ela ligados pela zona de comércio livre, pelas mesmas razões da Grã-Bretanha quereriam ou quererão entrar no Mercado Comum. 

É preciso reconhecer que a entrada da Grã-Bretanha primeiro e, depois, desses Estados modificará completamente o conjunto dos ajustamentos, dos acordos, das compensações e das regras que já foram estabelecidas entre os Seis, porque todos esses Estados, como a Inglaterra, têm importantes particularidades. 

Assim sendo, é um outro mercado comum cuja construção deveríamos encarar. Mas que teríamos que construir a onze. E, depois, a treze. E, mais tarde, talvez a dezoito. Não se pareceria nada, sem dúvida nenhuma, ao que ergueram os Seis. De resto, esta Comunidade, crescendo dessa forma, teria de enfrentar todos os problemas das suas relações económicas com toda a gama de outros Estados e, antes de todos, com os Estados Unidos.

É de prever que a coesão de todos os seus membros – que seriam muito numerosos e muito diversos – não resistiria por muito tempo. E que, definitivamente, mostrar-se-ia como uma Comunidade Atlântica colossal, sob dependência e direcção americana, e que, rapidamente, absorveria a Comunidade da Europa.

É uma hipótese que pode, perfeitamente, justificar-se aos olhos de alguns, mas que não é, de modo nenhum, o que pretendeu fazer e o que faz a França e que é uma construção propriamente europeia.

Assim sendo, é possível que um dia, a Inglaterra consiga auto-transformar-se suficientemente para fazer parte da Comunidade Europeia sem restrições, sem reservas e, de preferência, como quer que seja e, nesse caso, os Seis abrir-lhe-ão a porta e a França não colocará qualquer obstáculo, ainda que, evidentemente, a simples adesão da Inglaterra à Comunidade vá modificar consideravelmente a sua natureza e o seu volume.

É também possível que a Inglaterra não esteja, ainda, disposta a isso, e é bem o que parece concluir-se das longas, tão longas, tão longas conversações de Bruxelas. Mas se é esse o caso, não há nada que possa considerar-se dramático. Primeiro, qualquer que seja a decisão que, por fim, a Inglaterra venha a tomar a este respeito, não há nenhuma razão para que se modifiquem, no que a nós concerne, as relações que com ela mantemos. E, a consideração e o respeito que são devidos a este grande Estado, a este grande povo, não sofrerão a mais pequena alteração.

O que a Inglaterra fez no mundo, ao longo dos séculos, é reconhecido como imenso, ainda que frequentemente em conflito com a França. A participação gloriosa da Grã-Bretanha na vitória que coroou a Primeira Guerra Mundial, nós, os Franceses, admirá-la-emos para sempre.

então quanto ao papel desempenhado pela Inglaterra no momento mais dramático e decisivo da Segunda Guerra Mundial, ninguém tem o direito de o esquecer.

Na verdade, o destino do mundo livre – e primeiramente o nosso e mesmo o dos Estados Unidos e o da Rússia – dependeram, em larga medida, da resolução e da solidez da coragem do povo inglês, que Churchill soube utilizar. E, actualmente, ninguém pode contestar a capacidade e o valor britânicos.

Assim sendo, repito, se as negociações de Bruxelas não chegarem a bom termo, nada impedirá que, entre o Mercado Comum e a Grã-Bretanha, seja concluído um acordo de associação, de modo a salvaguardar as trocas comerciais. E também nada impedirá que sejam mantidas as relações estreitas da Inglaterra e da França e que prossiga e se desenvolva a sua cooperação directa em toda a espécie de domínios, nomeadamente nos científico, técnico e industrial, como, de resto, os dois países acabam de demonstrar ao decidirem construir em conjunto o avião supersónico Concorde.

Por fim, é muito possível que a evolução do universo traga, pouco a pouco, os Ingleses na direcção do Continente. 

Quaisquer que sejam as demoras que o sucesso possa exigir. E, pela minha parte, é nisso em que, com muito gosto, acredito. E é por isso que, na minha opinião, será de qualquer maneira uma grande honra para o primeiro-ministro britânico, para o meu amigo Harold Mac-Millan, e para o seu governo, ter reconhecido isso em tão boa hora.

 De ter tido suficiente coragem política para o proclamar e de ter feito dar os primeiros passos ao seu país, na via que, um dia, talvez o conduza a amarrar-se ao Continente."

Espero, caro Senhor, ter respondido, a si e a muitos outros.



Nota - Fazem falta, hoje, à Europa e ao mundo, políticos desta envergadura e prestígio.

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