terça-feira, novembro 15, 2005

Acreditar: nos deuses ou nos homens?

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  • Katsushika

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Não era minha intenção voltar a este tema que me tinha sido suscitado pela Maria José Nogueira Pinto no último programa do Prós e Contras mas, entretanto, diz-me a Grã: não gosto que escrevas sobre esse assunto o que, descodificado, quer dizer: não voltes a escrever sobre ele.


Fiquei a pensar sobre a verdadeira razão deste pedido/ordem e lembrei-me da afirmação de D. José Policarpo quanto à importância da Igreja Católica na nossa herança cultural. A tal ponto que, em sua opinião, a referência às religiões judaico-cristãs deveria constar logo nos primeiros artigos da Constituição Europeia como o principal traço de união caracterizador de todos estes povos. Não por questões de afirmação, exaltação e muito menos por fanatismo religioso mas, tão-somente, por ser uma evidente constatação de natureza histórica.

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Sem dúvida, no “caldinho” da nossa herança cultural que nos é servido logo após o nascimento, misturado com o leite materno, a componente judaico-cristâ ainda hoje está presente a marcar e a influenciar as nossas vidas do princípio ao fim.

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Se eu afirmar, escrever ou divulgar que não sou crente estarei, não só, a renegar a religião, cometendo apostasia, o que há uns séculos atrás daria, pela certa, lugar a mais uma fogueira no Terreiro do Paço, como também a recusar uma das componentes mais importantes da herança cultural dos meus antepassados e que tem a ver com o pensamento religioso.
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Logo, quando a Grã me pede para não voltar a escrever sobre este tema, o que ela pretende é proteger-me e, logicamente, proteger-se a si própria por que uma das componentes da fé, para além da esperança, é, também o medo. Primeiro, o medo dos homens que - por delegação de Deus - mandavam na Igreja; e depois medo do castigo divino no céu. Razão pela qual quando do céu caía um raio e matava pessoas, animais ou destruía bens patrimoniais era logo interpretado como um destino ou justiça dos céus.


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A fé e o amor constituem os sentimentos mais fortes, poderosos e mobilizadores. Pela fé se mata e se morre. São sentimentos que quando extremados, e há situações em que eles se extremam com facilidade, tolham o raciocínio, alteram comportamentos, descaracterizam as pessoas, desumanizam-nas.

Foi a fé ou a utilização que dela se fez, que esteve na origem das Cruzadas, que mesmo a esta distância não pode deixar de ser considerada um disparate da história dos povos europeus nela envolvidos, pela barbárie de que se revestiram e pelo desfecho humilhante que tiveram face aos povos do norte de África.
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Foi a fé ou ouso que dela se fez, que esteve na base dos processos de evangelização que para além de constituírem um atentado à cultura de outros povos serviram de capa, principalmente em África e nas Américas, a negócios de rapina de comerciantes e de aventureiros sem escrúpulos ao serviço, muitas vezes, de reis gananciosos e ávidos de riquezas.

Foi a fé ou o uso que dela se fez, que levou os responsáveis máximos da Igreja Católica, receosos de perderem o controle das “ovelhas do seu redil” a deitarem mão dos processos mais hediondos de tortura e morte para que ficasse de exemplo para todos que, mais importante que amar a Deus, era obedecer e servir os homens que O representavam cá na terra, através do tristemente célebre Tribunal da Inquisição - e de que o famoso Processo dos Távoras - agora em reprise na televisão - é disso um bom (mau) exemplo. Um exemplo que só nos diminui perante a história das atrocidades que integram a já longa lista dos massacres da história mundial.

É ainda a fé (ou o fanatismo) ou o uso que dela fazem, que leva jovens a envolverem-se em cinturões de bombas e a fazerem-se explodir levando consigo para a morte homens, mulheres e crianças cujo crime é o estarem em um qualquer sítio no momento fatídico.
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Todas as pessoas são manipuláveis, diferentemente em função da sua personalidade, da cultura que possuem, do estrato económico e social a que pertencem. As pessoas portadoras de uma fé, de uma crença, podem ser perigosamente manipuláveis por que a força mobilizadora do sentimento da fé pode ser aproveitada para "desígnios" perversos e anti-sociais e até anti-humanos - que são, evidentemente, contrários aos princípios e valores da própria religião seguida por esses fiéis. Ou seja, esses agentes da história que se tornaram fanáticos - a coberto duma certa leitura da sua religião - acabam por ser os fautores dos chamados sistemas da morte contemporânea.

Paralelamente, vejo com satisfação cerca de duzentas mil pessoas desfilarem pelas Avenidas de Lisboa irmanadas na sua fé dentro de um espírito de paz e de amor ao próximo. É bom que assim seja, muito embora me interrogue para que é preciso a comunhão de uma fé religiosa para se afirmar e defender comportamentos e atitudes de paz e amor entre os homens?
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Todos fomos testemunhas das voltas ao mundo dadas pelo último Papa numa tentativa esforçada e sincera de unir e mobilizar o “rebanho” do seu Deus, falando de paz, de união entre os povos e do respeito entre as várias religiões mas também todos verificámos como no fim tudo ficou igual: os E.U.A. levaram a sua avante, atacaram o Iraque e a situação naquele país é hoje pior do que era antes, a ameaça do terrorismo no mundo da responsabilidade dos fundamentalistas religiosos seguidores de Alá é, hoje, também, maior e o conflito da Palestina, mais uma vez, entre seguidores de dois credos diferentes, Jeová e Alá, ameaça eternizar-se.

Somos seres frágeis e vulneráveis e temos consciência disso, a nossa vida e a nossa própria sobrevivência dependem de factores aleatórios que nos escapam completamente: o condutor distraído que se esqueceu de travar e nos matou quando atravessámos, pela passadeira, para o outro lado da rua; o sobrinho do patrão que apareceu um momento antes de sermos admitidos na empresa e ficou com o emprego que nos estava destinado; o golpe inesperado de vento que virou o barco e nos entornou no mar sem ninguém que nos pudesse salvar… Foi sempre assim a nossa vida… uma “luta” terrível e ingrata contra o aleatório.., ao sabor dos deuses...


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Começámos, em tempos remotos, quando éramos caçadores colectores, por acreditar na lua por que era com a cumplicidade da sua ténue luz que nos aproximávamos sorrateiramente dos animais que caçávamos e que eram uma componente importante da nossa alimentação. E, consequentemente, da nossa sobrevivência. Muitos anos mais tarde, quando as manadas dos grandes animais começaram a escassear passámos, progressivamente, para agricultores e logo a acreditar no sol cujos raios quentes da primavera faziam brotar da terra o nosso alimento e a seguir a acreditar nos rios que as fertilizavam e as nuvens que as regavam e os animais que nos impressionavam.
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Finalmente, cansados em acreditar em tanta coisa diferente, concentrámo-nos num só Deus, Jeová, que geria e comandava tudo e acreditámos nele. Entregámo-nos nas suas mãos, pedimos-lhe e suplicámos a solução para os nossos problemas, fizemos-lhe sacrifícios, peregrinações, oferendas, orações e muitas ladainhas… nada obtivemos em troca, mas ficámos felizes por acreditar.. Porque acreditar não é um meio para se chegar a qualquer coisa, é um fim em si mesmo, acreditamos por que temos necessidade de acreditar, um pouco como o oxigénio que respiramos.

Pois bem, se temos então que acreditar, se acreditar é indispensável para o equilíbrio interior de muitos de nós, então acreditemos em nós próprios, na humanidade. Não dessa forma passiva e pedinchona própria das religiões, mas de uma maneira activa, explorando as nossas capacidades, tirando partido da nossa inteligência, procurando o esclarecimento que só a ciência e a cultura humanística nos podem conferir e participar, pressionando os governos, sejam eles quais forem, estejam onde estiverem - para adoptarem políticas de honestidade para com os povos que governam para que, progressivamente, se esbatam as terríveis e vergonhosas desigualdades existentes.
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O futuro da humanidade está hoje, como sempre esteve, na mão dos homens, depende deles, não dos deuses. Uma tomada de consciência colectiva de que assim é torna-se indispensável. O futuro da humanidade constrói-se com todos e há muita gente, em muita parte do mundo, que está completamente fora desse projecto que, por esta razão, pode ficar adiado ou mesmo comprometido. As tensões sociais são hoje da mesma natureza que sempre foram, mas os ingredientes são incomparavelmente mais poderosos, as escalas são outras, chegámos à globalização, já não podemos continuar “a brincar aos paísesinhos”…

Definitivamente este é um problema cada vez mais dos homens e menos dos deuses.

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Um dos tempos mais interessantes da história foi o da convivência entre cristãos, judeus e muçulmanos na Espanha medieval. Ricardo Costa, historiador carioca radicado em terras capixabas, fala de como as três religiões conviviam e como isto se reflecte na obra de Ramón Llull. O mais interessante é o seguinte: a tolerância entre as três religiões não se deu por causa do desejo comum de “paz mundial”, nem para “defender valores”; não foi uma espécie de “unidade imanente das religiões”.

Nenhuma das religiões jamais deixou de se considerar a explicação total do mundo, nem passou a aceitar ser explicada por uma das adversárias. Os judeus não aceitaram a vinda do Messias, os cristãos não deixaram de culpar os judeus pela morte de Jesus, e os muçulmanos não deixaram de ver a ambos como simples “povos do Livro”, meros antecessores da sua posição privilegiada porque última da “profecia” (“Maomé: precursor de Joachim de Fiore?” Aí está minha tese para o dia em que eu decidir fazer um mestrado em teologia.) O que manteve a convivência foi, ao que parece, uma abdicação comum – Ricardo que me corrija – do uso da força em nome da conversão.


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Se isto é verdade, o “fundamentalismo” parece ser uma das bases da tolerância. Claro que aqui falo do “fundamentalismo” no sentido lato contemporâneo, isto é, o termo pejorativo que indica simplesmente as pessoas que agem de acordo com suas próprias convicções.

Uma coisa, afinal, é ter uma convicção e defendê-la apaixonadamente; outra, completamente diversa, é acreditar que se deve submeter as pessoas a alguma crença ou prática através da força física. Uma pessoa que realmente tem uma convicção, testada e experimentada dentro da própria alma, sempre crê que a verdade tem um poder próprio, intrínseco, e fica admirada e desapontada com a incapacidade que outros possam ter de não atinar com ela.

Desta admiração nasce o desejo de ampliação dos meios retóricos, de estudar mais; pois, sendo impossível que a verdade não tenha este poder, o impedimento à persuasão dos outros só pode estar na sua transmissão. Já o desejo de impor as próprias crenças por meio da força física (ou da erística, da programação neurolingüística e outros meios psicológicos) nasce de uma fonte completamente diversa, que é justamente a fragilidade da convicção pessoal, necessitada portanto de mil confirmações exteriores. Para o cognitivamente frágil, o sucesso da imposição da crença fica valendo como “prova” da sua “veracidade”, enquanto que para o forte a sua certeza interior basta: mais fácil negar a presença dos objectos sensíveis do que a verdade vista com os olhos do intelecto.

Por isso, fico tentado a crer que o período de tolerância na Espanha medieval se deu porque ela era, de todo modo, mais cristã do que judaica ou muçulmana: o Cristianismo traz embutido em si a noção de que, em 99% dos casos, a verdade não triunfará, e que sua fragilidade exterior é, de certo modo, normal. Afinal, Cristo foi crucificado, e só voltará no final dos tempos; já o Deus de judeus e muçulmanos está associado necessariamente a certas posições políticas – o judeu se define, de certo modo, por estar na Terra Prometida, na diáspora ou no cativeiro – e o muçulmano já tem um projecto de sociedade global que não pode ser modificado.

Os dois se colocam em dois pontos da “profecia”, prólogo e epílogo, enquanto que o cristão está acima dela. O cristão pode entender que a tolerância pode ser uma necessidade permanente (“Pobres sempre os terei”, em Jo 12, 8; Ma 14, 7; Mt - por que interpretar esta sentença só no sentido de pobres de bens materiais?), mas o judeu a entenderá como provisória (um dia o Messias virá), e o muçulmano apenas como uma tolerância disfarçada, pois o cristão, para ele, é “uma espécie de muçulmano” – assim, não podemos dizer que ele reconheça, para usar um termo da moda, a alteridade do cristão.

Claro que qualquer um pode lembrar de abusos cometidos pelo Estado em nome do Cristianismo, ou mesmo pela própria Igreja. No entanto, estes são episódicos se comparados com a grande novidade política que o Cristianismo trouxe, que foi justamente a secularização do Estado, ausente tanto no Judaísmo ortodoxo quanto no Islamismo:

A crença cristã – seguindo Jesus – negou a idéia da teocracia política. Ela produziu – para dizê-lo em termos modernos – o secularismo dos estados, nos quais os cristãos convivem pacificamente com aqueles que aderiram a outras convicções. Assim se distingue a crença cristã de que o Reino de Deus não existe como realidade política, e não pode existir desta maneira, antes sendo atingido através da fé, da esperança e da caridade, efetuando a partir do interior a transformação do mundo.

Mas sob as condições da temporalidade, o Reino de Deus não é um império terreno, mas sim um chamado à liberdade da humanidade e um apoio para que a razão possa cumprir a missão que lhe é própria. Em última instância, as tentações de Jesus trataram desta distinção, da rejeição da teocracia política, da relatividade dos estados e da lei da razão, e também da liberdade de escolha, a que toda pessoa tem direito. Neste sentido, o estado secular advém de uma decisão cristã fundamental, ainda que seja necessária uma longa luta para que entendamos isto em todas as suas conseqüências.

- Papa Bento XVI (último parágrafo).

Assim, retomando a questão do post anterior por um ângulo totalmente diverso, aqueles que porventura desejem preservar a liberdade de culto dos muçulmanos na Europa sem no entanto aderir ao Islam deveriam… valorizar sua herança cristã e não permitir que ela seja vilipendiada

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