sábado, janeiro 08, 2011

CAETANO VELOSO - VOCÊ NAÔ ME ENSINOU A TE ESQUECER
Uma composição de Fernando Mendes/José Wilson/Lucas que resulta num lindo lamento de amor na voz romântica e intimista de Caetano Veloso.



AMIGOS

A propósito do primeiro romance que transcrevi aqui no Memórias Futuras, A Tieta do Agreste, afirmei no fim que muito embora as saudades que ela me deixava, o meu compromisso não era com a Tieta mas sim com Jorge Amado, o melhor escritor de histórias da língua portuguesa e o mais internacional do Brasil.

O mesmo se passa agora com a dona Flor que, juntamente com os restantes personagens, vão ficar durante uns tempos a bailar no nosso pensamento (o doidivanas Vadinho, a sensual dona Flor e o monocórdico doutor Teodoro…)

Sabemos que este livro foi muito importante para o desafogo financeiro do artista pelos direitos que dele recebeu por ter sido transposto com grande êxito para o cinema, teatro e televisão. No entanto, para se conhecer a história em toda a sua beleza, fazendo honras ao seu autor, é preciso lê-la: toda de seguida, à medida que os tempos livres nos permitem ou assim, em curtos episódios aqui colocados à vossa disposição... mas sempre lendo.

Eu próprio estou a ler pela primeira vez os livros de Jorge Amado, de episódio em episódio, não antes, mas à medida que os vou transcrevendo, sempre com o interesse renovado no “suspense” da história, na riqueza e acutilância dos diálogos, na descrição pormenorizada do perfil dos personagens. É um trabalho que me dá prazer e que partilho convosco.

Na próxima semana começaremos com outra história de Jorge Amado: “Teresa Batista Cansada de Guerra”, sendo que é o único livro do autor que já tinha lido. Foi, no entanto, há muitos anos, tinha o livro sido editado há pouco tempo e dele apenas recordo a “impressão” que me deixou: a de uma história “forte”, que sensibiliza e nos enriquece do ponto de vista humano.

De resto, é assim com os livros de Jorge Amado, saímos melhores como pessoas no fim das suas histórias porque ele recria a “vida” em cada personagem, todas verdadeiras, todas complexas, cada uma um mundo diferente e esta diversidade abre-nos o espírito, prepara-nos melhor para a convivência com os outros.

Me chamo siá Tereza
Perfumada de alecrim
Ponha açúcar na boca
Se quiser falar de mim

Flor no cabelo
Flor no xibiu
Mar e rio


Tereza Batista é uma personagem arrebatadora mas será o próprio Jorge Amado a fazer a sua apresentação no bilhete que escreveu para o seu editor acompanhando o original para ser publicado e que transcreverei antes de iniciar a história.

Então, até para a semana com Tereza Batista.

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Mercado Negro


Cavaco Silva disse que não falaria mais sobre o seu lucrativo negócio de acções mas com isso não conseguiu impedir a catadupa de informações, contra-informações e até tentativas desastradas de o ilibar da suspeita. A verdade é que o negócio não foi propriamente transparente e sendo corrente na economia portuguesa o recurso a este tipo de expedientes de enriquecimento fácil, não deixa de ser um bom retrato do que por cá se passa.

Agora surgem os mais diversos testemunhos de que Cavaco comprou a um preço aceitável e que na venda até perdeu dinheiro, isto é, ainda poderia ter ganho mais de 140%. A questão é saber que mercado de capitais particular é este onde se ganham margens de mais de 100% sem quaisquer riscos, quando nem a empresa apresentava sinais de valorização que justificassem tal valorização, nem o país estava numa situação económica que justificasse tais lucros.

Ficamos a saber que há investidores que contam com os presidentes de bancos privados como gerentes de conta e que depositam confiança neles ao ponto de as suas poupanças serem investidas no próprio banco para depois ser o mesmo presidente do banco a fixar os lucros do investidor.
Será que todos os investidores e depositantes do BPN tiveram direito a tal privilégio? É evidente que não, este tipo de negócios está reservado a uma pequena elite e é alimentado pelo logro em que caem milhares de pequenos aforradores que acreditam num mercado de capitais que é uma autêntica Feira da Ladra.

Se no mercado bolsista são mais do que evidentes os sinais de que há gente a enriquecer de forma fácil, o último caso foi o da compra de acções do Finibanco pelos seus próprios administradores quando já sabiam que o banco ia ser comprado pelo Montepio Geral. Aliás, todos nos lembramos do crash na bolsa portuguesa quando Cavaco Silva era primeiro-ministro e avisou que muitos dos papeis vendidos na bolsa não tinham qualquer valor.

Não deixa de ser questionável que um professor de finanças que se oferece para ajudar o seu país com os seus vastos conhecimentos de economia entregue as suas poupanças ao cuidado de Oliveira e Costa e nunca tenha estranhado um lucro que nenhum manual de economia pode explicar, até porque tendo sido Oliveira e Costa a decidir o negócio nem pode invocar a especulação como justificação económica para tão grande lucro. Quais os fundamentos económicos da decisão de investir e o que o levou a desinvestir?

Em Portugal há dois tipos de aforradores, os que ganham sempre e os papalvos. Uns beneficiam de informação privilegiada e fazem excelentes negócios na bolsa ou no tráfico de acções não cotadas, os outros são vítimas dos golpes que sistematicamente desnatam o mercado de capitais.

Quando alguns agora dizem que na altura em que Cavaco vendeu as acções poderia ter ganho ainda mais interrogo-me se outros não estariam a perder tudo. Recordo-me de quando a PJ invadiu a casa da Dona Branca, foi apupada por gente que estava na fila de espera e queria à força aplicar as suas poupanças na banqueira do povo. É assim o nosso mercado negro de capitais, seja o Oliveira e Costa ou a Dona Branca a decidir quem ganha e quem perde.

Parece-me pouco importante saber se quando Cavaco comprou alguém comprou mais barato ou se quando vendeu alguém vendeu mais caro, o que neste momento é evidente é que em nenhum momento havia um preço aplicado a todos, isto é, era Oliveira e Costa quem decidia quem perdia e quem ganhava. Isto não é um mercado de capitais, rege-se pelas regras do mercado negro.

Publicada por Jumento

VÍDEO

Doido 1


VÍDEO

Doido 2

VÍDEO

DOIDO 3

Pensamentos...



- Quando era jovem diziam-me:

"Verás quando tiveres 50 anos... e eu não estou vendo nada"


- Nada passa mais depressa do que os anos.


- Envelhecer é o único meio de viver muito tempo.


- Há sempre um menino em todos os homens.


- Nos olhos dos jovens arde a chama, nos olhos dos velhos brilha a luz.


- A iniciativa da juventude vale tanto como a experiência dos velhos.


Rapidinha


O patrão para o empregado:

- Acreditas na vida depois da morte?

- Claro que não! Não existem provas disso!

- Pois, mas agora existem. Ontem, depois de teres saído mais cedo para ires ao funeral do teu tio, ele veio aqui à tua procura!

A história da música "Amazing Grace" (Maravilhosa Graça) cantada pelo cantor de Gospel Wintley Phipps. A letra desta famosa canção é de John Newton (1725-1807) e a música de autor desconhecido. Foi interpretada por Elvis Prisley, Avalon, Il Divo, Heritage Singers, Lee Ann Rimes, Crystal Lewis, Selah e outros cantores de rock, gospel e demais géneros musicais em todo o mundo. Oiça e comova-se com a intensidade desta música. Vale a pena ouvir.

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 314 e Último


Na manhã clara e leve de um Domingo, os habitues do bar de Mendez, no Cabeça, viram passar dona Flor toda elegante, pelo braço do marido, doutor Teodoro. Ia o casal para o Rio Vermelho, onde tia Lita e tio Porto esperavam para o almoço.

De rosto vivo mas de olhos baixos, discreta e séria como compete a mulher casada e honesta, dona Flor correspondeu aos bons dias respeitosos.

Seu Vivaldo da funerária mediu dona Flor de alto a baixo:

- Nunca pensei que esse doutor Xarope fosse capaz de tanto. Não parece disso e, vai-se ver…

- Disso, o quê? Como farmacêutico bate muito médico… – interrompeu o santeiro Alfredo.

- Reparem nela… Que formosura, que beleza de mulher! Um peixão e se vê que anda contente, que nada lhe falta nem na mesa nem na cama. Até parece mulher de amante novo pondo chifres no marido…

- Não diga isso – protestou Moysés Alves, o perdulário do cacau – se há mulher direita na Bahia é dona Flor.

- Estou de acordo, quem não sabe que ela é mulher honrada? O que eu digo é que esse doutor, com sua cara de palerma, é um finório. Tiro-lhe o chapéu, nunca pensei que ele desse conta do recado. Para um pedaço de mulher assim, tão rebolosa, é preciso muita competência.

Com os olhos acesos completou:

- Vejam como vai se rebolando. A cara séria, mas as ancas – olhem aquilo! – soltas até parece que alguém está bulindo nelas… Um felizardo esse doutor…

Do braço do marido felizardo, sorri mansa dona Flor. Ah!, essa mania de Vadinho a lhe tocar os peitos e os quadris, esvoaçando em torno dela como se fosse a brisa da manhã. Da manhã lavada de Domingo, onde passeia dona Flor, feliz de sua vida, satisfeita de seus dois amores.

E aqui se dá por finda a história de dona Flor e de seus dois maridos, descrita em seus detalhes e em seus mistérios, clara e obscura como a vida. Tudo isso aconteceu, acredite quem quiser. Passou-se na Bahia onde essas e outras mágicas sucedem sem a ninguém causar espanto. Se duvidam perguntem a Cardoso e Sª. e ele lhes dirá se é ou não verdade. Podem encontrá-lo no planeta Marte ou em qualquer esquina pobre da cidade.

FIM

Salvador, Abril de 1966

quinta-feira, janeiro 06, 2011

REMBRANDT VAN RIJN


Bathseba No Banho (1654)

ENTREVISTAS FICCIONADAS
COM JESUS CRISTO Nº77 SOB O TEMA:

“ÉTICA UNIVERSAL”.


Raquel – Ainda que nos tenha sido um pouco difícil convencer Jesus Cristo a viajar de avião connosco até ao sul do país aqui estamos frente a esta grandiosa cordilheira ao pé do Monte Sinai. Conhece o senhor este deserto?

Jesus – Só escutei destas montanhas as histórias que dela contava o rabino do meu povo.

Raquel – Nestas importantes solidões, Moisés recebeu de Deus as tábuas de pedra da Lei com os 10 Mandamentos e aqui os proclamou ao povo hebreu.

Jesus – No meu tempo os doutores discutiam qual dos 10 Mandamentos era o mais importante. Eu disse-lhes que todos se resumiam num só: amar o próximo.

Raquel – E onde colocou o primeiro, amar a deus?

Jesus – É o mesmo, Raquel. Porque senão amar o próximo que vês, não podes amar a Deus que não vês. Aos fariseus lhes encantavam estas discussões. Para eles 10 Mandamentos ainda eram poucos. Moisés disse: “guardarás os sábados”. Pois desse Mandamento eles fizeram um feixe: que no sábado não se podia caminhar mais que uma légua, não se podia cozinhar… E eu disse-lhes: “o sábado é para a gente e não a gente para o sábado”.

Raquel – Então o senhor atreveu-se a mudar a lei de Deus…?

Jesus – É que não eram leis de Deus, eram leis inventadas pelos fariseus. Deus não lança cargas insuportáveis sobre as costas dos seus filhos. A única coisa que Deus nos pede é amor e compaixão com os nossos semelhantes. Tudo se resume a isso.

Raquel – A sua famosa regra de ouro?

Jesus – Vejo que a conheces…

Raquel – A Lei dos Evangelhos…

Jesus – Não. A lei está no teu coração. “Tudo o que tu queres que te façam a ti, faz tu aos outros.”

Sinal Telefónico

Raquel – Que estranho… Uma chamada neste deserto… alô?

Kung – Sou Hans Kung.

Raquel – O famoso teólogo?... Como nos localizou?

Kung – Estou seguindo todas essas entrevistas com grande interesse. E como hoje estão falando de ética, que é tema que me apaixona, queria participar. Sabia o senhor Jesus Cristo que o sábio chinês Confúcio, cinco séculos antes do senhor, propôs a mesma regra de ouro: “O que não desejas para ti não o faças aos outros”

Jesus – Pois, bendito seja Confúcio!

Kung – E também cinco séculos antes do senhor, Buda, na Índia, ensinou assim: “Não farei a outro o que não devem fazer a mim”.

Jesus – Seja também bendito Buda!

Kung – E o profeta Mahomé que pregou para os povos árabes cinco séculos depois do senhor disse também: “Deseja para os outros o que desejas para ti.”

Jesus – Também bendito seja Mahomé.

Raquel – E diga-nos, Jesus Cristo, como explica o senhor esta coincidência em lugares tão distantes e em tempos tão distintos?

Jesus – O que disse o amigo que referiu estes homens de Deus dá-me a prova de algo que sempre pensei: Deus não gravou os Mandamentos em tábuas de pedra, gravou-as nos nossos corações. Nossos corações dizem-nos o que temos de fazer.

Kung – Suponho que o senhor Jesus Cristo está-se referindo à ética universal para toda a humanidade, crentes ou não crentes, de que hoje falamos nas Nações Unidas. São quatro os pilares dessa ética: não matar, não violar, não mentir, não roubar.

Jesus – Pois benditos sejam os que trabalham por isso e bendita a casa edificada sobre esses cimentos. Permanecerá de pé mais que esta montanha.

Raquel – Obrigado ao teólogo Hans Kung, obrigado a Jesus Cristo. Com o Monte Sinai nas nossas costas recebam saudações de R. Perez, enviada especial de Emissoras Latinas
.

CAETANO VELOSO - SÓZINHO
Caetano é ainda melhor de ouvir fazendo-se acompanhar apenas da sua viola. Parece que tudo o resto está a mais... interfere no intimismo, na proximidade. Caetano não é "espetáculo", ele canta só para nós a partir do momento que nos encanta. Não será o único mas é um artista "único"... espero que me compreendam.


DONA


FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS




Episódio Nº 313


Cobra imensa, Oxumarê vinha nas cores do arco-íris, macho e fêmea ao mesmo tempo. Coberto de serpentes, a cascavel e a jararaca, a coral e a víbora, e seguido por cinco batalhões de hermafroditas. Empurravam Vadinho por uma ponte do arco-íris, era um macho retado quando entrou, saiu sestrosa rapariga, donzela derretida. Com seu tridente Exu desfez o arco-íris. Oxumarê enfiou o rabo pela boca, anel e enigma subilatório.

Ogum malhou o ferro e temperou o aço das espadas. Euá com suas fontes, Nana com sua velhice. Rei da guerra, Xangô cercado de obás e de ogans, na corte de esplendor disparando raios e coriscos. A seu lado, Oxum, toda faceira, em dengue desmanchada. Omolu com seu espantoso exército, comandando a bexiga negra e a lepra de milénios, o escarro podre e o pus, todas as doenças. Vadinho, tísico e pestilento, cego e surdo. Exu mastigou as doenças, uma a uma, curandeiro de tribos africanas.

Empunhando o paxorô de prata, lança invencível, Oxalá era dois: o moço Oxoguiã e o velho Oxolufã. Ao seu passo de dança todos se curvavam. Precedendo-o, vinha Yansã, a que governa os mortos, mãe da guerra. Seu grito emudeceu o povo e, como um punhal, rasgou o coração exposto de Vadinho.

Juntos vieram em formação cerrada, com suas armas, suas ferramentas, sua lei antiga. Achando pouco serem tantos, convidaram os orixás da nação grunci e os de Angola, os inkices congoleses e os caboclos. Todas as nações, do sul ao norte, contra Exu e seu egun. Partiram para o choque derradeiro.

Então as donzelas da cidade desnudaram-se e saíram a se oferecer nas ruas e nas praças. Logo nasciam os filhos, aos milhares. Iguais, pois eram todos filhos de Vadinho, todos canhotos e pelo avesso. Pelo mar navegavam casas e sobrados, o farol da Barra e o solar do Unhão; o Forte do Mar transportou-se para o Terreiro de Jesus, e nos jardins brotavam peixes, nas árvores amadureciam estrelas. O relógio do Palácio marcou a hora do espanto num céu carmesim com manchas amarelas.

Via-se então uma aurora de cometas nascer sobre os prostíbulos e cada mulher-dama ganhou marido e filhos. A lua caiu em Itaparica sobre os mangues, os namorados a recolherem e em seu espelho reflectiram-se o beijo e o desmaio.

De um lado a lei, os exércitos do preconceito e do atraso, sob o comando de dona Dinorá e de Pelancchi Moulas. Do outro lado o amor e a poesia, o desassombro de Cardoso e Sª, rindo por entre os seios de Zulmira, tenente-coronel do sonho.

Vinha o povo correndo nas ladeiras, com lanças de petróleo e um calendário de guerras e revoltas. Ao chegar na praça, queimou a ditadura com um papel sujo e acendeu a liberdade em cada esquina.

Quem comandou a revolta foi o Cão e às vinte e duas horas e trinta e seis minutos ruíram a ordem e a tradição feudal. Da moral vigente só restavam cacos, logo recolhidos ao Museu.

Mas o grito de Yansã susteve os homens no pavor da morte. De Vadinho, sem mãos, sem pés, sem estrovenga, sobrava muito pouco: encardida fumaça, cinza esparsa e o coração roto na batalha. Um quase nada, coisa à-toa. Era o fim de Vadinho e de seu carrego de desejo. Onde já se viu finado, em leito de ferro a vadiar, de novo sendo? Onde?

Deu o revertério na batalha. Exu sem forças, cercado pelos sete cantos, sem caminhos. O egun em seu caixão barato, em sua cova rasa, adeus, Vadinho, adeus até jamais.

Foi quando uma figura atravessou os ares e, rompendo os caminhos mais fechados, venceu a distância e a hipocrisia – um pensamento livre de qualquer peia: dona Flor nuinha em pêlo. Seu ai de amor cobriu o grito de morte de Yansã. Na hora derradeira, quando Exu já rolava pelo monte e um poeta compunha o epitáfio de Vadinho.

Uma fogueira se acendeu na terra e o povo queimou o tempo da mentira.

O Episódio de amanhã será o último da História de DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS

quarta-feira, janeiro 05, 2011

PIERRE AUGUSTE RENOIR


Mulher Argelina

VÍDEO

Desperta a inveja a qualquer tubarão a sério... digo eu, que não sou tubarão.

CAETANO VELOSO - ÀS VEZES NO SILÊNCIO DA NOITE
Começou por escolher o nome da irmã inspirado num canção famosa da época (1946) na voz do cantor Nelson Gonçalves, Maria Betãnia. Dado às artes: música, pintura, desenho, escrita, iniciou a sua carreira interpretando canções de "bossa nova" sob a inffluência de João Gilbert, um dos ícones e fundadores do movimento "Bossa Nova".


Com doentes destes nem Jesus Cristo...


Jesus Cristo, cansado do tédio do Paraíso, resolveu voltar à terra para fazer o bem. Procurou o melhor lugar para descer e optou pelo Hospital de S. Francisco Xavier, onde viu um médico a trabalhar há muitas horas e a morrer de cansaço. Para não atrair as atenções, decidiu ir vestido de médico, vestiu a bata e passou pela fila de pacientes no corredor até atingir o gabinete do médico. Os pacientes viram e comentaram:
- Olha, vai mudar o turno... Jesus Cristo entrou na sala e disse ao médico que podia sair, dado que ele mesmo iria assegurar o serviço. E, decidido, gritou:
- O PRÓXIMO!
Entrou no gabinete um homem paraplégico que se deslocava numa cadeira de rodas.
Jesus Cristo levantou-se, olhou bem para o homem, e com a palma da mão direita sobre a sua cabeça disse:
- LEVANTA-TE E ANDA!
O homem levantou-se, andou e saiu do gabinete empurrando a cadeira de rodas agora inútil.
Quando chegou ao corredor, o próximo da fila perguntou: - Que tal é o médico novo?
Ele respondeu:
- Igualzinho aos outros... nem exames, nem análises, nem medicamentos... Nada! Só querem é despachar...

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio nº 312


Lá se foi Vadinho, território de combate na guerra dos santos, despojo dos orixás, egun sem cemitério.

Dona Flor, por que não aproveitas? É a tua última chance, tua oportunidade derradeira para a honra, a decência, o recato, a virtude, as leis morais da tua rua, de tua gente, de tua classe. Tens ainda essa porta de saída, o ebó encomendado por Dionísia e feito por Didi, o Asobá. Se bem nos custe apoiar em feitiços e orixás, abusões do povo, a salvação da moral em perigo, da virtude e dos preceitos da sociedade, da civilização, enfim, que outro jeito? O importante, dona Flor é te recuperares perante Deus e tua consciência, ovelha de volta ao bom redil, purificada. Perante os homens não é preciso, pois eles (felizmente) ignoram o teu mau-passo.

Se deixas Vadinho partir, será fácil esquecer aquelas poucas noites de descaração, a louca cavalgada e os ais de amor. Tudo isso pode ter sido tão-somente um sonho, um delírio de febre, uma alucinação ou apenas simples e tolos pensamentos nas horas vazias de uma vida inteira de decência e de felicidade. Nada te será cobrado, não terás remorsos, viverás em paz com teu esposo e tua consciência. A derradeira chance, dona Flor, de praticares a virtude, de permaneceres sustentáculo da moral, dos bons costumes. Deixa Vadinho em sua paz de morto, és ou não mulher honesta?

Para onde vais, dona Flor, e com que forças? Para que libertá-lo do não ser?

Sem amor não poderei viver, sem o teu amor. Melhor será morrer com ele. Se eu não o tiver comigo, irei em desespero procurá-lo em quanto homem passe à minha frente, buscarei seu gosto em cada boca, ululante, esfomeada loba correrei as ruas. Minha virtude é ele.

A cidade se elevou nos ares e os relógios marcaram, ao mesmo tempo, meio-dia e meia-noite na guerra dos santos: todos os orixás reunidos para enterrar Vadinho, egun rebelde e seu carrego de amor, e Exu sozinho a defendê-lo. O raio e o trovão, a tempestade, o aço contra o aço e um sangue negro. Deu-se o encontro na encruzilhada do último caminho, nos limites do nada.

Na crista do oceano, Yemanjá toda de azul vestida, longos cabelos de espuma e caranguejos. No rabo de prata três sexos lhe nasceram, um branco de algas, outro de verde limo, o terceiro de polvos negros. Com seu leque de metal, o abebé, abanou ventos de morte. Comandava uma frota de cascos de navio, um exército de peixes a saudava em sua língua muda, odeia!

As florestas curvaram-se ante Oxóssi, o caçador, o rei de Ketu. Naquela guerra, ele cavalgou três montarias. No arremesso da manhã um javali; o cavalo branco no arco do minguante, e de madrugada seu cavalo foi Dionísia, de suas filhas, a mais bela, a predilecta. Por onde passasse, com o ofá e o erukeré, morriam os animais, tudo quanto houvesse, numa guerra sem quartel.

terça-feira, janeiro 04, 2011

VÍDEO

Querida... Cheguei...

Quanto não vale a sinceridade...?


O marido pergunta à mulher:

- Com quantos homens você já dormiu?

A mulher responde orgulhosa:

- Só contigo, querido! Com os outros eu ficava acordada!

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

À ENTREVISTA Nº 76 SOB O TEMA:

“A EVANGELIZAÇÂO DA AMÉRICA” (6º e último)



África – "O Pecado" da Europa.

Recordemos o livro “Africa, Pecado da Europa” do economista e catedrático espanho-salvadorenho, Luís Sebastian (Editorial Trotta, 2006) que analisa a história das consequências da presença da europa em África desde meados do século XV até hoje e que conduziu ao que Sebastian chama o “descarrilamento” desse continente.

O livro demonstra que, embora sejam diversas as razões históricas que fizeram com que o continente africano seja actualmente o mais pobre, a europa tem obrigação de reflectir sobre as causas que estão relacionadas com o seu “pecado”: o tráfico de escravos e a exploração colonial.

O texto promove uma reparação desse “pecado” histórico hoje, quando a massiva presença de africanos na europa, especialmente em Espanha, a torna mais urgente.


Eduardo Galeano


Escritor e jornalista uruguaio, apaixonado pela história antiga e actual da América Latina. Participa de um programa como conhecedor dos horrores e esplendores dessa história.

Dezenas de Edições tiveram já o seu clássico “As Feridas Abertas da América Latina” (1971) onde relata a história da América Latina desde os tempos da Conquista e Evangelização, realçando os mecanismos de exploração e saque que sangraram o continente. Edições, traduções, galardões teve também outro dos seus clássicos posteriores “Memória do Fogo” que narra em três volumes os momentos importantes, inolvidáveis e pouco conhecidos da história latino-americana.

Os livros de Galeano têm sempre investigação, perspicácia, beleza, humor e amor. Num deles “Patas Arriba, La Escuela Del Mundo Al Revés” (1998) descreve assim os Latino -Americanos:

- “Dizem que faltámos ao nosso encontro com a História e há que reconhecer que chegámos tarde a todos eles. Tão pouco temos podido tomar o poder e a verdade é que às vezes nos perdemos pelo caminho e nos enganámos na direcção e depois fazemos um grande discurso sobre o tema. Nós, os latino-americanos temos uma maldita fama de charlatães, vagabundos, arruaceiros, caloteiros, festivaleiros e, por alguma coisa será.

Ensinaram-nos que, pela lei do mercado, o que não tem preço não tem valor e sabemos que a nossa cotização não é muito alta.

Sem dúvida que o nosso fino olfacto para os negócios nos faz pagar por tudo o que vendemos e nos permite comprar todos os espelhos que nos atraiçoam.

Levamos quinhentos anos aprendendo a odiar-nos e a trabalhar de alma e coração para a nossa perdição e é nisso que estamos. No entanto, não conseguimos corrigir esta nossa mania de sonharmos acordados em choque com tudo e com uma certa tendência para a ressurreição inexplicável."

DONA
FLOR

E SEUS

DOIS

MARIDOS



Episódio Nº 311

Para aquela ameaça monstruosa, “vim para ficar”, havia apenas duas soluções: ou envenenar a pestilenta, e não tinha coragem para tanto, ou um milagre, e já não estamos em tempo de milagre. Engano do doutor, como bem sabemos e ele logo comprovou.

Menos de vinte e quatro horas após o desembarque, dona Rozilda regressava a Nazareth, correndo para o navio como se o inferno inteiro lhe mordesse os calcanhares. Não o inferno inteiro mas certamente Satanás ou Lucífer ou Belzebu, o Cão, o Sujo, não importa o nome e o título: o diabo, o pior deles, aquele que um dias fora seu genro para desgraça sua e de sua filha. Puxava-lhe o cabelo e uma vez a derrubara: o dia inteiro a lhe soprar nomes feios nos ouvidos, em xingos obscenos, ameaçando-a de tabefes e pontapés na bunda, propondo-lhe imundícies.

- Esta casa está mal assombrada, te arrenego! Não ponho mais os pés aqui… - denunciou arrebanhando as malas.

“Um milagre sucedeu, ainda é tempo de milagres…” – pensou humilde o doutor, não se achando merecedor de tanta graça, de mercê tamanha.

- O maldito anda solto, quis me matar… - tendo completado sua informação, partiu dona Rozilda às pressas, rua afora.

- Está caduca… - diagnosticou Teodoro, com alívio e competência.

Dona Flor sorriu em concordância com o doutor, solidária com seu desabafo, e em resposta ao piscar de olho de Vadinho. Na porta o tinhoso ria às gargalhadas, mas já um tanto imaterial e fluido.

Foi-se-lhe acentuando aquela palidez, Vadinho cada vez menos concreto, quase gasoso, transparente, e, em certo momento, dona Flor pôde ver através do seu corpo.

- Ai, meu amor você está-se esvaindo em nada…

Pela primeira vez, dona Flor sentiu Vadinho sem forças para agir, confuso e perdido. Onde sua flama, sua arrogância, sua picardia?

- Não sei, meu bem… estão me levando embora… Por mais que eu não queira ir. Será que tu não me desejas mais? Só tu podes me mandar embora. Enquanto me quiseres, me desejares, enquanto puseres em mim teu pensamento, estarei vivo e aqui. Flor, que fizeste?

Lembrou-se dona Flor do ebó. Bem sua comadre Dionísia lhe avisara. Cabia-lhe toda a culpa, pois recorrera aos orixás e suplicara que levassem Vadinho de retorno à sua morte.

- Foi feitiço…

- Feitiço? – a voz de água desfeita num sussurro.

Contou-lhe tudo, recordando a tarde de sábado, quando, já nos braços de Vadinho, tivera a honra salva por Dionísia de Oxóssi e, em desespero, encomendou o despacho. O babalaô se encarregara do trabalho, logo Didi que tinha a mão sob a cabeça de Vadinho, seu pai-pequeno. Que fizeste, Flor, minha flor perdida, e para quê?

- Para salvar minha honra…

De nada adiantara, de qualquer forma acontecera. Mais urgente do que o despacho fora a força do desejo desatado na lábia de Vadinho. Depois do acontecido, quisera dona Flor suspender a obrigação, mas era tarde, o sangue já correra em sacrifício.

Ah! Tu me mandaste embora, de volta me mandaste, não tenho outro jeito senão partir. Minha força é teu desejo, meu corpo é teu anseio, minha vida é teu querer, senão me queres eu não sou. Adeus, Flor, já vou embora, estão me amarrando com um mokan e se acabou.

Foi sumindo em sua vista, se dissolvendo em nada.

ZECA AFONSO - "GRÂNDOLA" VILA MORENA
O reportório de Zeca Afonso é longo e todo ele de igual qualidade, mas vamos interromper esta série de canções com aquela que foi o símbolo musical do 25 de Abril. Canção mítica, emblemática que, por alturas da revolução, me fazia arrepiar os pêlos dos braços. Não admira que tenha sido escolhida pelos Capitães de Abril para passar na Rádio às 00H20 minutos de 25 de Abril como a 2ª Senha da Revolução e sinal de que tudo estava a correr bem e que, a partir dali, já não havia retorno. Foi composta e cantada por Zeca Afonso e referia-se à fraternidade das pessoas de Grândola, no Alentejo, tendo sido banida pelo regime anterior por estar assossiada ao comunismo.

segunda-feira, janeiro 03, 2011


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 310


Ressoava a gargalhada de Mestre do Absurdo:

- Vou lhe mostrar agora mesmo…

Zulmira tinha medo que Pelancchi descobrisse aquele afecto espiritual, aquela mística ligação de almas irmãs, vendo maldade e vício onde só havia curiosidade científica e deleite estético.

- Se Pequito entrasse agora e visse a gente assim? Ele é capaz de nos matar. Uma vez jurou…

O Grande Iluminado disse:

- Faço assim com a mão e ficamos invisíveis.

Fez assim com a mão e lhe ensinou certos costumes dos habitantes de Neptuno, cada coisa!



Cada dia mais pálido, mais abatido, dona Flor curvada sobre sua face: que tens Vadinho, meu amor?

- Um cansaço…

A voz arfante, os olhos baços, as mãos descarnadas. Para dona Flor era aquela vida desgarrada e sem horários, não havia organismo capaz de suportar desgaste tão grande e tão constante.

Da outra vez sucedera de repente: quando todos o julgavam forte e são, arrogante de vigor e energia, Vadinho desabou entre os caretas em pleno Carnaval, com a fantasia de baiana e toda a sua animação. De repente caiu, mortinho da silva. Tão moço ainda, moço e bonito, gabola e farrombeiro e, no entanto, o coração em pandarecos, por dentro todo gasto.

Dona Flor viera abrindo caminho por entre os mascarados e os ranchos, sustentada por dona Norma e dona Gisa e o encontrou defunto, sorrindo para a morte. Ao lado, de sentinela, Carlinhos Mascarenhas, vestido de cigano, em silêncio o sublime cavaquinho; o luto na praça era de guizos, lantejoulas e cores vivas.

Mas agora a morte chega dia a dia, a morte ou o que seja. Primeiro, pálido e descarnado, logo após lívido e fluido. Sim, fluido e quase transparente. Não era a magreza dos enfermos, não tinha dor nem febre. Perdendo densidade, tornava-se incorpóreo, ia sumindo.

A princípio dona Flor não deu importância ao caso; sendo Vadinho arreliento e dado a molecagens, um farsante, talvez estivesse apenas armando uma esparrela, para rir de seu susto e burlar de seu espanto. Vadinho não perdia os velhos hábitos, voltara o mesmo capadócio de antes, a fazer troça de tudo, a divertir-se à custa dos demais. Que o dissesse dona Rozilda, em pânico: um pagode.

A velha aparecera de improviso, com as grandes malas anunciadoras de permanência longa. Doutor Teodoro engoliu o choque e, no uso da sua boa educação, acolheu com fidalguia e sogra “sempre bem vinda a esta casa”. Com o passar dos anos a ruindade de dona Rozilda encruara, um poço de veneno. Apenas chegada, já a peçonha corria pela casa e pela rua:

- Teu irmão é um molengas, um banana, tem sangue de barata. A mulher manda nele, aquela remelenta. Vim para ficar.

“Meu Deus, dá-me paciência…” rogou dona Flor, e doutor Teodoro perdeu qualquer esperança.

domingo, janeiro 02, 2011

VÍDEO

Precisamos urgentemente deste homem no país para multiplicar as nossas exportações...

INFORMAÇÂO ADICIONAL
À ENTREVISTA Nº 76 SOB O TEMA:

“A EVANGELIZAÇÂO DA AMÉRICA” (5)


O Comércio de Escravos

A conquista da América pelos europeus não encontrou mão-de-obra escrava suficiente nas populações indígenas autóctones que foram dizimadas logo nos primeiros anos da invasão quer pelas armas, quer pelas epidemias e trabalhos forçados. Calcula-se que dos 70 milhões de americanos que viviam no continente, depois de século e meio após a chegada dos espanhóis apenas 3 milhões teriam sobrevivido.

A escassez da mão-de-obra está na origem, no século XVI, do comércio em grande escala de africanos para terras americanas, tanto do sul como do norte e especialmente para as ilhas do Caribe. Entre os séculos XVI e XVIII, o comércio de escravos entre África e América esteve sempre em ascensão.

De 1536 a 1848 a Ilha de Gorée, em frente da costa do Senegal, hoje declarada Património Mundial pela UNESCO, foi o local onde embarcaram milhões de africanos, homens e mulheres arrancados às suas terras e às suas famílias numa viagem sem retorno para o desconhecido e muitas vezes para a morte.

À cabeça deste negócio estiveram os governos e mercadores portugueses e da Grã-Bretanha mas também, da Espanha, França e Países - Baixos.

Todos os historiadores demonstram que esta humanidade escravizada permitiu a acumulação de riqueza que faria eclodir, mais tarde, o desenvolvimento do capitalismo europeu e a revolução industrial.



Os Negros Tampouco tinham Alma

Tal como ocorreu com os indígenas americanos, a ideologia que acompanhou o comércio de escravos foi o racismo que provocou um debate intelectual sobre se os africanos, por serem negros, teriam ou não “alma”.

Salvo honrosas excepções, as autoridades das igrejas cristãs, tanto católicas como protestantes, dos países que participaram do comércio de escravos, aceitaram-no: ou encontrando razões para o legitimar ou calando de forma cúmplice.

As cifras sobre a quantidade de escravos variam muito, chegando-se a falar de um total de pelo menos 60 milhões de pessoas arrancadas à força das suas terras e famílias. Há historiadores que calculam que uma 4ª parte deles morria no processo de captura e outros tantos durante a travessia de barco.

O filme “Amistad” de Spielberg (pessoalmente recusei-me a vê-lo pela mesma razão que não visitei a África do Sul do Apartheid, estando a trabalhar em Moçambique, ali ao lado: do ponto de vista humano sinto vergonha).

Os povos árabes mantiveram também um importante tráfego de escravos africanos através da costa oriental do continente africano desde o século VII ao XX, em proporções semelhantes ou superiores ás do tráfego organizado pelos europeus.

A partir do século XVIII começaram a crescer em todo o mundo os Movimentos Abolicionistas para ilegalizar a escravatura. Na América Latina apareceram ligados às lutas pela independência.

Os dois últimos países a abolirem a escravatura foram Cuba, (1886) ainda debaixo do domínio espanhol e o Brasil, em 1888.

ZECA AFONSO - A FORMIGA NO CARREIRO

Nos dias seguintes ao 25 de Abril, eu fui um dos que comprei todos os Long-Plays do Zeca Afonso. Foi um período muito especial da vida colectiva do nosso país: cansaço e apodrecimento do regime político que vinha de 1926 imposto por Salazar, com alguns benefícios evidentes numa primeira fase mas de uma grande cegueira e teimosia em todo o resto. As pessoas queriam liberdade, fosse lá isso o que fosse... Não era o caso de Zeca Afonso que sabia perfeitamente o que pretendia como solução política para o seu país. Essa solução não viria a vingar mas o Zeca era um homem de ideais, de ideais nobres e justos, e esta sua linguagem musical será sempre um hino contra o comodismo e o conformismo político das pessoas.


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 309


Riram os dois: ali era preciso mais que sorte, era preciso coragem e olho vivo para não se ser roubado. Mas Anacreon naquela noite não se importava de perder, no azar ou na batota. Só não queria aquela sorte de milagre, o lucro sem graça, sem luta, sem prazer. Assim é a natureza humana.

Arigof, tendo começado antes, ainda tardou uns dias a partir para a espelunca de três Duques, para o antro de Zezé da Meningite, onde o jogo era jogo de verdade. Por que a demora? Diga-se tudo: o ganho fácil ameaçara corromper o íntegro carácter de Arigof. Dera na mania de sustentar mulher, de gastar com amante, numa inversão total dos bons costumes. Enchia Teresa de presentes tendo-lhe comprado um globo em relevo e um pássaro cantor para lhe embalar o sono. Queria a todo o transe assumir as despesas do aluguel, de armazém e as demais.

Sentindo-se frustrada e ofendida, a geógrafa fez-lhe ver o absurdo e o ridículo da situação: a ela Tereza Negritude, competia sustentar a casa e o negro macho, ela tinha seu orgulho, sua honra a defender. Um ou outro presente ainda vá; o pássaro a deixara comovida, mas daí a querer contribuir para o aluguel, ah! era um despropósito.

Arigof, graças a Tereza, viu em tempo o abismo ante seus pés; já não ia ao casino pelo jogo e, sim, pelo dinheiro. Onde sua inteireza de homem e seu prazer de jogador? Reencontrou-se na espelunca de três Duques, no antro de Zezé de Meningite, e outra vez Tereza lhe abriu seu mar de espumas, sua branca latitude.

Quanto a Mirandão, já se sabe o que lhe aconteceu: a promessa feita em hora de terror. Permaneceu boémio, a povoar a noite com suas histórias e seu sorriso, sua cachaça longa: nunca mais jogou, porém. Não quis sentir novamente a presença do impossível.

Giovanni Guimarães, ao retornar aos salões do Palace não era mais o antigo jogador, fizera-se alto funcionário e fazendeiro. Assim sendo, por seu gosto, passaria o resto da vida a ganhar no 17, pondo em terra e bois, em pastos de capim, o dinheiro de Pelancchi. Mas sua esposa e a sociedade censuraram a sua volta ao jogo e o simpático jornalista, membro recente das classes conservadoras, dobrou-se ao lar e ao crédito bancário, tornando a dormir cedo. Não saiu do Palace para o antro dos três Duques ou de Zezé, para o covil de Paranaguá Ventura. Foi para seu leito de casado, para sua respeitabilidade. Moveram-no sérias e excelentes razões, sem dúvida, não porém do mesmo teor moral das de Anacreon e de Arigof.

Assim, correram paralelas as três acções e juntas chegaram ao seu destino: o acordo interplanetário do Capitão do Cosmos com os marcianos, o jogo de pedir e dar, inocente brincadeira em que se entretinha o místico e a amazona para iludir o tempo; e o fastio dos amigos de Vadinho.

A vitória de Cardoso e Sª. só não abalou as convicções materialistas do professor Máximo Sales, renitente e cabeçudo. Tudo claro para ele: esse Cardoso, com sua aparente maluquice e essas conversas para boi dormir, só podia ser o chefe da quadrilha e Zulmira sua cúmplice. Os dois se conheciam há muito tempo e eram amantes, só mesmo Pelancchi, corno velho, não se dava conta. Não sendo assim, como explicar então o acontecido?

Surpreendente, insólito Cardoso e S.ª, Cardosinho para os íntimos, como Zulmira: quem o diria tão familiar das coisas do amor? Não só do amor em nosso astro mísero e minúsculo, mas também nos planetas mais progressistas, nas galáxias mais ricas. Catedrático na doce disciplina que ministrava à aluna atenta. Atenta e perguntona:

- Em Saturno, como é, me diga, Cardosinho. Como beijam se não têm boca, como pegam senão têm mão?

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