sábado, fevereiro 28, 2009

ANNA IDENTICI - QUANDO ME INAMORO


PERCY SLEDGE - MY SPECIAL PRAYER


ALBERTO CAEIRO


Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.



Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 64



ONDE A MANSA LEONORA CANTARELLI PROCLAMA IMPORTANTE DECISÃO


No sábado, pela madrugada, Tieta, Leonora e Peto embarcam na canoa do Comandante Dário que os veio buscar deixando dona Laura na Toca da Sogra ainda adormecida: quando acordar, vai cuidar dos preparativos para recepcionar as visitantes. No almoço, haverá moqueca, o peixe fresquinho, pescado na hora.

Os demais irão no domingo, sábado é dia de muita ocupação em Agreste. Ricardo preso à missa, Astério preso à loja, Elisa à cozinha, Ascânio à Prefeitura onde atende ao povaréu do interior do município até o fim da tarde.

Dona Carmosina a esperar a marinete para distribuir jornais e revistas, entregar e receber cartas, ler e redigir algumas, a pedido de roceiros iletrados. Para as gentes dos povoados e do campo, sábado é o dia de compras, das queixas, das reclamações e dos pedidos à municipalidade, da correspondência com os parentes emigrados para o sul.

Com dona Carmosina irá dona Milú levando comida para juntar à de dona Laura e fazerem um piquenique na sombra dos coqueiros. Também o vate Barbozinha se estiver melhor do reumatismo a castigá-lo pela mania de ficar acordado até altas horas da noite, sondando o horizonte á espera de discos voadores, de naves espaciais de onde desçam seres das mais remotas galáxias, vindas de visita ao grão-mestre de todas as sociedades secretas, Gregório Eustáquio de Matos Barbosa, filósofo e vidente conhecido na imensidão do sistema celeste. Ultimamente recebeu irradiações poderosas, anúncios de acontecimentos extraordinários em futuro próximo. De quando em vez, num disco luminoso ou na pouco recomendável companhia de Osnar; de Seixas; de Fidélio e Aminthas, desembarca o poeta na casa mal afamada de Zuleika Cinderela, no Beco da Amargura, onde range a música de velhos discos e se pode dançar com raparigas. Nos tempos boémios e literários da capital, em companhia de Giovani Guimarães, James Amado e Wilson Lins, no castelo de Vavá ou no 63 da Ladeira da Montanha, o vate Barbozinha era apreciado pé-de-valsa. Hoje, envelhecido, meio entrevado, mesmo assim faz figura na cadência dos passos de um foxtrote, no rodopio de uma valsa. Num tango ainda arranca palmas.

Tieta e Leonora assistem ao sol nascendo sobre o rio, a moça de são Paulo vai calada, um ténue sorriso: o Comandante a observa e percebe a emoção a dominá-la. Quando ele chegou de volta e fez esse mesmo caminho descendo o rio, não conteve as lágrimas. Tieta tampouco fala, a face fechada, quase dolorosa. Apenas Peto espana a água com as mãos quando não ajuda o Comandante nas manobras.

Na Toca da Sogra, onde dona Laura recebe os visitantes com água de coco e pequenos peixes fritos no azeite-de-dendê – tem batida de pitanga e de maracujá para quem quiser – o Comandante desdobrou sobre a mesa uma planta rudimentar dos terrenos de propriedade de Modesto Pires, traçada por ele próprio:

- Aqui está a Toca, nosso terreno. Eu lhe aconselho, Tieta, a comprar esse aqui, vizinho ao nosso, nessa área do coqueiral. É a parte mais bonita e a mais defendida da areia. Podemos ir até lá, se quiser.

- Agora mesmo, para isso vim.

Não veio para isso, veio para rever as dunas e nelas se encontrar. Mas demora de propósito, retém a vontade de correr para os cômoros, de subir ao alto e olhar a imensidão. Com o Comandante e Leonora, vai
constatar as vantagens do terreno, quando regressar a Agreste efectuará a compra.

JOHNNY MATHIS - MY LOVE FOR YOU



DEAN MARTIN - JAMBALAYA



DOMENINO MODUGNO - LAZZARELLA



sexta-feira, fevereiro 27, 2009







IMAN MALEKI
Pintor Iraniano



Parecem fotos mas são pinturas. Íman Maleki é um génio do Realismo. Nasceu em 1976, em Teerão e sempre foi fascinado pela arte de pintar. Aos 15 anos começou a aprender pintura pelas mãos do seu primeiro e único mestre, Morteza Katouzian e em 1999 graduou-se em Desenho Gráfico pela Universidade de Artes de Teerão.

Desde 1998 que participa em eventos e exposições tendo ganho os Prémios William Bouguereau e Charman Choice no II Concurso de Art Renewal Center.

Muitos consideram-no o melhor pintor de arte realista do mundo e até os puristas se renderam às suas pinturas que podem ser confundidas com fotografias de máquinas de muitos megapixels.

Eis uma amostra dos seus trabalhos:















Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº63





DA EMOCIONANTE VISÂO E DO PESADELO COM CABULOSO ANJO


Antes de recolher-se, Tieta passa no banheiro. Está risonha e aérea, um pouco bebida, quase em estado de graça. Para a noite ser completa…bem deixa isso para lá.

Vagarosa, no corredor, na mão a placa acesa. Comera como um bicho, há quantos anos não provava frigideira de maturi?

Os quitutes, cada qual o mais saboroso, de estalar a língua e revirar os olhos. Quantos repetira, todos engordantes? Quantos cálices de licor de frutas – de pitanga, maravilha; de groselha, divino; de rosas, perfumado; o indispensável licor de jenipapo, tantos – todos embriagadores. Para completar a noite, só falta…Cala a boca, viúva alegre, mais que alegre, libertina.

Em frente ao gabinete, no reflexo da luz da placa, Tieta enxerga a rede onde Ricardo dorme. Espia na porta, distingue na sombra o sobrinho a ressonar.

Que é aquilo? Dá um passo, entra. Suspende a luz, espia e vê. Descomposto, o camisolão subindo pelo peito e por baixo nada. Ela o julgava verde, nem de vez ainda. Enganara-se, benza Deus.

Para estar assim armado com quem sonha o seminarista? Com os santos não há-de ser. Aquele tesouro ali à mão e ela proibida, que injustiça mais medonha. Não sabe bem porque proibida, mas deve existir uma razão a fazê-la afastar a vista, voltar as costas, andar para a alcova, a placa acesa, acesa ela também. Que desperdício!

Empanturrada dorme sonho agitado. Primeiro sonha com Leonora e Ascânio, fogem os dois pelas ruas de Agreste, perseguidos pela população, à frente dos linchadores estão o profeta Possidónio e Zé Esteves, brandindo o cajado.

O pesadelo prossegue com Lucas a lhe ensinar posições e requintes enquanto Ricardo, de batina e asas de anjo, sobrevoa o leito. Suspende a batina, exibe a estrovenga. Lucas sumiu. Anjo decaído, o sobrinho propõe massajar-lhe o cangote com o magno instrumento. Mas quando Tieta vai agarrá-lo, os braços não se elevam, estão presos. O anjo não é mais Ricardo, é o bode Inácio. Ela não passa de uma cabra em cio, saltando sobre as pedras.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

EDIT PIAF - SOUS LE CIEL DE PARIS



ELVIS PRESLEY - SANTA CLAUSS IS BACK IN TOWN - BLUE CHRISTMAS (1968)



RAY CHARLES - GEORGIA ON MY MIND



MICHEL FUGAIN - JE N'AURAIS PAS LE TEMPS





Tieta do Agreste

EPISÒDIO Nº 62


A Generala se empanturra, ouvindo, sem prestar atenção, o converse de Barbozinha que se declara cozinheiro de mão cheia; não existe aliás profissão que ele não conheça a fundo, tendo-as exercido todas à perfeição. Tieta aprova com a cabeça ou com monossílabos, enquanto constata alarmada como está engordando, daqui a dias não caberá nos vestidos. Quisera ter a natureza de Leonora que não engorda. Passou tanta necessidade, ficou magra para o resto da vida. Procura a enteada com os olhos. Lá está ela, na varanda, derretida ao lado de Ascânio. Cabrita sofrida e direita, ninguém merece tanto ser feliz. Terá Ascânio tamanha competência? Tieta não crê. Mesmo se ele quisesse, em Agreste seria impossível.

Dona Milú e dona Carmosina vêm juntar-se ao poeta:

- Nunca vi ninguém tão apaixonado como está Ascânio. – Dona Carmosina não tem outro assunto. – Você acredita que Leonora corresponda?

- Não sei… ela sofreu muito, já lhe contei, Carmô. Teve um noivo que só queria avançar no dinheiro dela, dona Milú. Foi uma decepção muito grande, até hoje está marcada.

Barbozinha confia na força do amor:

- Ninguém morre de amor, de amor se vive.

- Sem vergonha! Depois vem dizer que já morreu de amor por mim não sei quantas vezes. Também encarna e desencarna com a maior facilidade.

- Vivo morrendo por você, Tieta. Se você lesse meus versos, saberia.

- Seu Barbozinha ainda é melhor na mentira do que na rima. Mentiroso não tem igual por esta redondeza – afirma dona Milú e muda de assunto.

-E a casa Tieta, já achou outra, a seu gosto?

Todos a par da surpreendente alta ocorrida no preço dos imóveis com a chegada das paulistas ricas.
- Uma descaração! Como se eu fosse realmente paulista, não tivesse nascido e me criado aqui, uma exploração. Mas, se dona Zulmira reduzir o preço, acabo comprando, é uma casa como eu quero. As outras que corri, nenhuma me agradou.

Saem tarde do jantar. Ascânio as acompanha até à porta de casa. Perpétua morta de sono, habitualmente dorme às nove da noite, às seis da manhã firme na Igreja para a missa. Leonora, nas nuvens, sorriso abobado, olhar de quebranto, cabrita tola. Tieta sacode os ombros, no fundo não tem muita importância, não se morre de amor, de amor se vive; Barbozinha tem razão, alguém disse que os poetas têm sempre razão. Tendo passado o que passou, o namoro de Ascânio não podia fazê-la mais infeliz. Algumas lágrimas no ônibus de volta, depois o esquecimento.

Antes de despedir-se, Ascânio assume um ar solene, convida dona Antonieta para ser madrinha da inauguração festiva do calçamento, do jardim e dos bancos da Praça Modesto Pires, antes denominada Praça do Curtume; o curtume de peles fica próximo, na ribanceira do rio. Obra da Prefeitura, contara com a ajuda do importante cidadão: Modesto Pires oferecera os três bancos de ferro. Agradecida e bajuladora, a Câmara Municipal decidira mudar o nome da Praça. A cerimónia será antes do Natal, com exibição de ternos de reis e do bumba-meu-boi de Valdemar Coto.

- Quem deve ser madrinha é dona Aída, mulher de seu Modesto. Ela ou bem… - ri descontraída, ligeiramente tonta, abusou dos licores - …Carol, ou as duas juntas para não haver injustiças…

Perturba-se Ascânio, dona Antonieta infunde-lhe um certo temor, nunca se sabe quando fala a sério e quando brinca:

- É que tem duas placas para serem descerradas. Uma, com o novo nome da Praça, quem vai puxar a fita é dona Aída. Mas a placa das obras, no obelisco, a mais importante, eu queria que fosse a senhora. Tive a ideia e meu padrinho, o coronel Artur, que é o Presidente da Câmara, achou óptima. Mandou que convidasse a senhora em nome dele.

Licores docíssimos, tantos brindes à sua saúde, Tieta flutua. Noite encantada, cálida, alegre. Quem é ela para paraninfar inauguração de praça pública? Aceita, comovida.

- Se não fosse por outra coisa, bastavam os telegramas que a senhora mandou para São Paulo sobre a luz eléctrica. Mesmo que não dê resultado, o gesto é valioso, a intenção merece…

- Nenhum gesto vale nada quando não dá certo, meu filho, Intenção? De que serve intenção, por melhor que seja? Na vida, somente os resultados contam, não se engane. Muito obrigado e boa noite.

Deixa
os dois na porta, ri sozinha, à toa.


Quadro de Gustav Courbet
“Joe, A Bela Irlandesa”

Museu Nacional - Estocolmo


Quadro de Gustav Courbet
“Auto-Retrato Com Cão”
Museu Petit-Palais - Paris


Quadro de Gustav Courbet
“Mulheres Peneirando Trigo”
Museu de Belas Artes - Nantes


Quadro de Gustav Courbet
“Dormindo”
Museu Petit-Palais - Paris



Mentes Pornográficas




A fotografia que acompanha este texto, um nu feminino, é a reprodução de um Quadro de Gustav Courbet que está exposto no Museu D’Orsay, em Paris, com o título a “Origem do Mundo” e foi colocado como capa num livro posto à venda na cidade de Braga.

Gustav Courbet (1819-1877) foi um pintor anarquista francês pertencente à escola realista. Pintou principalmente paisagens campestres e marítimas preocupando-se em colocar nas suas pinturas a realidade fruto de uma observação directa.

Como resultado de “queixas de pornografia” apresentadas por vários cidadãos, a PSP mandou apreender os livros e o que apetece dizer é que estas “queixas de pornografia”, por uma razão destas, só pode ter origem em mentes, elas sim, pornográficas.

Mas é evidente, que a estranheza não tem a ver com estas mentes, cada vez em menor número mas sempre existirão, o que admira, espanta e quase não se acredita, é que a PSP tenha agido em função dessas queixas.

Se o autor da ordem de apreensão dos livros tinha alguma dúvida sobre o que é pornografia bastava consultar um dicionário de português, que deveria existir em todas as Esquadras da Polícia ou no gabinete de qualquer juiz, procurar a palavra “pornografia” e ficaria a saber que esta é: “Arte ou literatura que tem por assunto actos obscenos, devassidão”.

Obviamente, a fotografia da pintura de uma mulher nua, não é, nem pode ser, um acto obsceno e não tem nada a ver com devassidão. Teria sido, portanto, muito fácil à PSP não dar seguimento à queixa apresentada por alguns cidadãos possuidores de mentes pornográficas, simplesmente com base no Dicionário de Português da Porto Editora.

Mas é evidente que esta questão é muito mais profunda e no essencial está longe de ter alguma coisa a ver com o desconhecimento do significado da língua portuguesa.

O que dói nesta notícia é verificar que as Autoridades neste país: PSP, Juízes, etc., continuam a reverenciar e a obedecer, sem hesitações, à mentalidade beata de uma Igreja atrasada que dita as suas leis na nossa herança cultural/religiosa.

Mas por quê este horror ao “nu”, ao “feminino” e ao sexo, por parte da Igreja?

- Porque a Igreja abomina o prazer, a felicidade natural transmitida pelo sexo, mesmo sabendo que ela constitui um mecanismo da natureza para assegurar a propagação da vida.

Prazer é pecado e o homem está condenado ao sofrimento porque é muito menos que o seu Deus feito homem que morreu por nós sofrendo numa cruz.

A Igreja precisa de homens que aprendam a ser felizes mas no seu seio, em oração, na sua dependência, na disciplina da sua Hierarquia, e não na liberdade do seu pensamento e de acordo com a sua natureza biológica.

Este é o âmago da questão: sem pecado, medo, sofrimento, oração, arrependimento, penitência e recompensas ou castigos no outro mundo…não há religiões e o que seria deste mundo sem “pastores” e “rebanhos”...!?

Quem estiver a acompanhar a história da Tieta do Agreste, de Jorge Amado, não se compadecerá do filho mais velho da irmã, Perpétua, o Ricardo, que com 17 anos anda no seminário a estudar para padre por vontade da mãe que já nasceu com vocação para beata?

Um jovem, cheio de saúde, na força da idade que reza Padres-nossos enquanto espalha creme nas costas da tia como única forma de não pecar por maus pensamentos!

Perdoem-me o aproveitamento, mas isto não tem algo de “diabólico”?

Aquilo que a Igreja Católica faz aos jovens que entram para os Seminários em tenras idades é castrá-los mentalmente o que é pior que a castração física por não interromper os seus fluxos de hormonais.

Mulher nua na capa de um livro exposto na montra de uma livraria na cidade dos Arcebispos não é um atentado ao pudor, à moral da Igreja, é sim, um desafio ao seu poder e por isso, o outro poder, aquele que lhe é servil, corre pressuroso a retirar os livros das montras e a mandar cortar as imagens de mulheres nuas no computador Magalhães pelas festas do Carnaval de Alcobaça, também a pedido de “mentes pornográficas” daquela cidade e sempre em obediência ao poder da Igreja mesmo que, aparentemente, ele pareça já não existir.





quarta-feira, fevereiro 25, 2009

MARC LAVOINE - TOI MON AMOUR

LITTLE RICHARD - TUTTI FRUTTI





MARTINHO DA VILA - DISRITIMIA





Tieta do Agreste



EPISÓDIO Nº 61



- Teiú? Que bicho é esse? Uma ave?

- Um lagarto.

- E se come?

- Delícia. Mais gostoso do que capão. Daqui a pouco você vai ver.

Dona Milú chega da cozinha, onde comanda:

- A carne-de-sol está quase pronta, o pirão de leite também. A frigideira de maturi já está dourando no forno.

Leonora recorda-se de outra conversa e cobra:

- Por falar em comida, Mãezinha, como se chama aquele doce de banana de casa de dona Aída, você ficou de me dizer…

Risos gaiatos, Ascânio encabulado, Perpétua fecha a cara, quem explica é dona Milú, a idade lhe concede privilégios:

- Doce de puta, minha filha. Dizem que tem doce desse em tudo que é casa de rapariga.
Não é Osnar?

- A senhora pergunta logo a mim, Marechala? Eu que não sou chegado a doces e não frequento essas casas… pergunte ao Tenente Seixas que é freguês… - além de debochado, cínico.

Jantar de muitos convidados: afora as homenageadas, Perpétua, Elisa e Astério, Barbosinha, Ascânio, a malta do bilhar. O Comandante e dona Laura estão em Mangue Seco.

Sucedem-se os pratos, a frigideira de maturi levanta exclamações entusiásticas, Barbozinha proclama-a digna de um poema, pelo menos de um brinde, corre a cerveja, a conversa entremeada de pilhérias, de risos e de algumas piadas de mau gosto. Devidas a Osnar e a Aminthas, a propósito da lírica melancolia em que se consomem Leonora e Ascânio: ela sonhadora, ele ansioso.

Retiraram-se para a varanda, querem estar a sós. Dona Carmosina, enternecida, adora alcovitar um namoro, torcendo pelo sucesso, pelo casamento – festa rara em Agreste. Tão bom se tudo desse certo, ele recuperando do golpe vibrado por Astrud, a traiçoeira víbora, recuperando-se ela do fracasso do noivado com o ignóbil caça-dotes. Céu azul, sem nuvens.

- Não fiquem aí a fofocar, seus cretinos. Não acham um quadro lindo? Ela é tão mimosa! – dona Carmosina aponta o casal isolado, mastigando teiú e maturi entre suspiros – Ascânio tirou o prémio grande na lotaria do amor.

- Lotaria do amor, vulgarmente conhecida como golpe do baú – goza Osnar – em troca perdemos nosso futuro prefeito.

- Não vejo porquê.

- Coronela, por amor de Deus… Onde está o tutu? Em São Paulo.

- Leonora já disse que gosta daqui.

- Diz isso agora, na influência do rabicho. Depois passa. Aminthas é céptico como compete a um humorista. – Namoro sem futuro, Carmosina. Não vai adiante.

- Sem falar que a Generala não vai deixar a enteada ficar aqui, mesmo que ela peça. Se Ascânio quiser tem de ir para São Paulo – retorna Osnar. – E quem vai ser prefeito, me diga? Só se for
você, Coronela. Tem meu voto.


Fernando Pessoa


Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser,
Viverei fugindo
Mas vivo a valer

terça-feira, fevereiro 24, 2009

RITA LEE - MANIA DE VOCÊ

SALVATORE ADAMO - J'AIME



Fernando Pessoa






Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.

Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.

Edit Piaf - Je ne Regrette Rien

MIREILL MATHIEU - UNE FEMME AMOUREUSE









Fernando Pessoa












Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.



Tieta do Agreste



EPISÓDIO Nº60


DOS ALEGRES DIAS QUASE INTERTENIMENTO LIVRES DE PREOCUPAÇÃO



O programa de festejos continua e se intensifica. Dias alegres, despreocupados, felizes, dias de passeio, de prosa e rede, no trino dos passarinhos a infinita paz.

Na rede pendurada na varanda, ouvindo o gorjeio do pássaro sofrê, Leonora Cantarelli pergunta-se como a vida pode ser tão maravilhosa. Ascânio passa por um momento, para desejar bom-dia, a caminho da Prefeitura. Na cidade, conta ele, fervem as discussões sobre o problema da electricidade: Tieta obterá, através das suas relações paulistas, mandões da política, a instalação dos postos da Hidrelétrica? Uns dizem que sim, outros que não, os últimos em maioria. Ninguém duvida da riqueza, da importância social da viúva do Comendador Cantarelli, mas daí a mover graúdos da estirpe de governador e senadores vai distância. De qualquer maneira, bom assunto para as conversas para os debates, para matar o tempo longo, as lentas horas arrastadas. Ditosas ao ver de Leonora.

Após cumprimentar as senhoras e comentar a polémica da luz eléctrica, Ascânio dirige-se ao trabalho. O rosto esfogueado, a loira cabeleira, o riso de cristal, finíssimo bacará aos ouvidos do rapaz, Leonora acena adeus da porta de casa. Adeus? Até logo, até daqui a pouco, pois ele passará de novo, meio sem jeito, com receio de parecer importuno. Mas se demora a chegar, Leonora reclama, a fala doce queixume:

- Demorou, por quê?

- Medo de ser chato.

- Se repetir isso me zango.

Sempre com numerosa e alegre comitiva, subiram e desceram o rio na canoa a motor do Comandante, lerda e segura, na lancha de Elieser, no bote veloz de Pirica. No sábado finalmente irão a Mangue Seco, Tieta e Leonora serão hóspedes de dona Laura e do Comandante Dário. O Secretário da Prefeitura, restabelecido, pelo menos em aparência, da decepção da viagem a Paulo Afonso, anuncia à bela Leonora Cantarelli:

- Já tomei as necessárias providências burocráticas para encomendar um luar deslumbrante para você. Sabe que noite de lua cheia em mangue Seco é a coisa mais linda deste mundo?

- Tem de ser um luar daqueles senão não aceito.

- Deixe comigo, sou chapa de São Jorge.

Um luar para namorados, gostaria ela de dizer mas se contém, tudo é tão novo e inesperado, um sonho antigo fazendo-se de súbito realidade. Tarde demais. Também Ascânio gostaria de dizer: encomendei um luar de namorados, onde a coragem? Pobre, reles funcionário municipal como elevar os olhos para a herdeira milionária?

Nem em sonhos. Ainda assim, pensa Leonora, pensa Ascânio, são dias plenos, venturosos, benditos. O melhor é não pensar.

No meio da semana, jantaram em casa de dona Milú. Dona Carmosina anunciara espantoso cardápio, um despotismo de pratos, todos eles da mais alta qualidade, para regalar o mais fino paladar sulista. Da maioria desses quitutes, Leonora nunca ouvira falar.

Na sala repleta de bibelôs, recordações de um tempo de abastança – abastança dos Sluizer consumida pelo finado Juvenal Conceição, amigo do bom e do melhor, restaram apenas os bibelôs e o tenaz amor à vida da mãe e da filha – Leonora se informa com Ascânio:

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

AMIZADE


PARA PERCEBER MELHOR A CRISE FINANCEIRA - E AGORA IRÃO PODER CONTINUAR?




ELVIS PRESLEY - HEARBREAK



EDDY GRANT - BABY COME BACK




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 59


DA MASSAGEM COM ORAÇÂO


Ricardo mergulha, foge nas águas do rio. Mergulha nas folhas do livro, na hora da banca, após o passeio, o bate-bola, a pesca, o banho antes do almoço, diariamente. De volta do banheiro, pingando água, a tia senta-se diante do espelho, afrouxa o penhoar, toma dos tubos de creme, dos potes, dos frascos. O perfume flutua, estende-se, invade as narinas do rapaz.

Do sobrinho mais velho, atencioso e recatado. Sempre às ordens da tia e da prima – não esqueça que Leonora é sua prima, recorda-lhe Perpétua – mas não a segui-las, brechando contornos e profundezas, o olho vicioso como o menor. Ao contrário a afastar a vista, a desviá-la para o outro lado quando um seio aflora ou uma sombra se ilumina sob robes e shortes.

Mergulha nos livros, foge nos teoremas de álgebra, abstractos. Necessita manter-se atento, não se deixar distrair, os olhos rumam para o quarto onde a tia, porta aberta e nenhum cuidado, se embeleza. Cometerá pecado mortal, com certeza absoluta se espiar a tia. Mas quando acontece ver por acaso, sem querer? Por mais que faça, impossível não enxergar tão expostos atributos.

Pior que ver é pensar. Não olhara quando Peto chamara a tenção para os pelos da tia, atirou-se ao rio. Mas, mesmo dentro de água, nadando sem espiar, ele os imaginara. De olhos fechados ou abertos, queira ou não, pensa, imagina.

A gente imagina sem querer, mesmo não querendo, é a maneira de Deus provar a fé, o zelo dos eleitos. É preciso controlar-se; vencer os maus pensamentos.

E os sonhos? Os sonhos, a gente não controla. Cosme, um asceta, o pusera em guarda contra os sonhos, neles o demónio tenta os homens, nem os anacoretas escaparam. Dormindo, a gente pode pecar e se condenar. Cosme, aconselha espalhar grãos de milho ou de feijão sobre o lençol, deitar em cima, castigando a carne. Na rede, impossível.

Da rede, no escuro, ouve e percebe a tia na toalete nocturna, retirando a maquiagem. Fechar a porta não resolve, ao contrário. De porta aberta fica reduzido a pequenos ruídos de potes e frascos, a limitadas amostras, vislumbres de carnação surgindo do robe. Mas para a imaginação não há limites, quando fecha a porta o robe se abre inteiro e é tão curta a camisola! Só as orações desviam a vista e o pensamento.

De qualquer maneira, de noite ou de dia, é árduo o combate com o demónio, só a ajuda de Deus permite a vitória. Na banca, antes do almoço, tenta absorver-se no estudo da matemática ou da história, enquanto, no quarto em frente, a tia se pinta e se perfuma. Os teoremas de álgebra, os navegadores portugueses. Impossível concentrar-se, o perfume acalentou o seu sono no seminário, aqui o entontece.

- Cardo!

- Diga, tia.

- Estás ocupado?

- Estou estudando, é hora da banca. Mas, se quiser alguma coisa…

- Quero sim. Venha cá.

Ricardo deixa o livro, entra no quarto.

- Passe creme nos meus ombros, faça uma massagem. Abra a mão. – Espreme a bisnaga, põe-lhe no côncavo da mão o creme oloroso. – Vá, espalhe primeiro, depois amasse com a mão e os dedos.

Baixa o penhoar, exibe as espáduas nuas; com a mão fecha-o sobre os seios, fica composta, ainda bem. Curva-se para facilitar a tarefa do sobrinho. Ricardo espalha o creme e começa, desajeitado, a esfregar-lhe os ombros.

- Nas costas, filho.

Esse não tem malícia, se fosse o pequeno estaria tentando ver a curva do busto sob as rendas. O rapaz sente o cheiro doce do creme, a maciez da pele. Não pode entupir o nariz nem retirar as mãos. Sente sem querer sentir. O demónio o possui pelos dedos e pelas ventas. Que fazer Senhor? Orar, pois a oração é a arma que deus entregou aos homens para vencer as tentações, derrotar o inimigo. Padre-Nosso que estais no céu…

- Força, meu bem.

Curva-se ainda mais Antonieta, a mão já não prende o robe. Ricardo desvia a mirada pois o seio, solto, surge inteiro, moreno, volumoso. Onde parou na oração? Não nos deixeis cair na tentação…

- Chega, meu filho, muito obrigado.

Ao agradecer volta-se com um sorriso, surpreende o sobrinho a mover os lábios.

- Que é que você está fazendo? Rezando?

Espoca em riso, Ricardo encabula, vermelho, escabreado.

- Tem medo de mim? Não sou diabo, não.

- Oh!, tia.

- Nem fazer massagem no cangote da tia é pecado.

- Não pensei nada disso. Tenho o costume de rezar enquanto faço algum trabalho manual – mente ainda por cima.

- Então me dê um beijo e vá estudar.

Beijo do pequeno não seria esse distante roçar de lábios na face. Peto é um perigo. Aos
doze anos nem
Tieta possuía igual

DALIDA & SERGE LAMA - JE SUIS MALADE



LES CHAT SAUVAGES - TWIST A St. TROPEZ (1962)


Eugénio de Andrade


SOBRE FLANCOS E BARCOS


Havia ainda outro jardim
O da minha vida
Exíguo é certo mas o do meu olhar
São talvez dois pássaros que se amam
Um sobre o outro ou dois cães de pé
É sempre a mesma inquietação

Este delírio branco ou rumor
Da chuva sobre flancos e barcos
O Inverno vai chegar
Sobre a palha ainda quente a mão
Uma doçura de abelha muito jovem

Era o sopro distante das manhãs sobre o mar
E eu disse sentindo os seus passos nos pátios do coração
É o silêncio é por fim o silêncio
Vai desabar…




RESPIRO O TEU CORPO


Sabe a lua de água
Ao amanhecer,
Sabe a cal molhada,

Sabe a luz mordida
Sabe a brisa nua,
Ao sangue dos rios,

Sabe a rosa louca

Ao cair da noite
Sabe a pedra amarga,
Sabe à minha boca…

domingo, fevereiro 22, 2009

MICHEL POLNAREFF - LOVE ME PLEASE LOVE ME



FRANCO MICALIZZI - TRINITÁ



CRISTIE - YELLOW RIVER




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº58


Ambas vestidas, despidas em sumários biquinis, Antonieta e Leonora deitam-se sobre as pedras. Estendidas de bruços, desabotoam os sutiãs para melhor bronzearem as costas, sobram volumes proibidos, dignos de ver-se.

Ricardo mergulha, nada para longe. Peto atira o anzol bem perto, aproveita, os olhos vão e vêm. O melhor banho é à noite, sob o luar. Quando a lua crescer, virão com Ascânio, já combinaram.

Tieta admira Ricardo, nadando em grandes braçadas, mergulhando, atravessando o rio, um jovem atleta, moreno, musculoso. Alguém se aproxima, vem deitar-se perto, sobre as pedras: dona Edna, desejando bom dia. Acompanhada por Terto, seu marido embora não pareça. Ricardo vem vindo em direcção à enseada, Tieta acompanha o olhar de dona Edna a envolver o rapaz, a cabra deve gostar de meninos, ei-la mordendo o lábio inferior. Não vê que ainda não está no ponto, verde demais. Delambida, descarada. Ricardo se aproxima, sai da água, senta-se nas pedras ao lado do irmão, sorri para a tia e para Leonora. Atrevida, dona Edna:

- Bom dia, Ricardo.

- Bom dia dona Edna, não tinha visto a senhora.

- Você nada bem.

- Eu? Peto nada muito melhor.

Também dona Edna baixou as alças do maiô e Ricardo desvia a vista enquanto Peto confere e julga. Não há comparação possível, as tetas da tia e da prima vencem facilmente e dão lambujem. Tieta acompanha a cena, apoia-se no cotovelo, deitada de lado. Casada e puta, dona Edna, e o marido, que mansidão de corno! Zangada, Antonieta? Ficou puritana ou protege a integridade da família e da Igreja? O sobrinho não chegou ao ponto, nem de vez está.

Peto, menino perdido, ousado, sem noção do respeito, toca o braço de Ricardo, segreda:

- Os cabelos da tia estão saindo do biquini.

- Cabelos?

- Os de baixo, espie. Os pentelhos.

Ricardo não espia; severo, fita o irmão, olhar de censura e advertência, atira-se no rio novamente. Peto nem liga: Cardo vive por fora, um careta.

Enquanto passa creme nas costas da esposa – marido deve ter alguma serventia – Terto dirige-se a Tieta:

- É verdade, dona Antonieta, que a senhora…

- Telegrafei, sim. E o senhor apostou? Achando que vai vir a luz ou não?

- Eu não apostei, onde vou buscar dinheiro para apostas? Edna acha…

Antonieta não se interessa pela opinião de dona Edna. Vagabunda! Prende o sutiã, durante a operação os seios aparecem duros, opulentos, não esses molambos que dona Edna faz questão de exibir. Põe-se de pé, de um salto mergulha nas águas da Bacia de Catarina, em braçadas largas nada para o meio do rio onde está Ricardo. Peto abandona vara e anzol, convida Leonora:

- Vamos?

Dona Edna mede o garoto, ainda não lhe acende o pito.


Eugénio de Andrade


QUASE NADA

O amor
É uma ave a tremer
Nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
Por ignorar
Que as manhãs mais limpas
Não têm voz…



ADEUS

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.

Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastamos as mãos à força de as apertarmos,
Gastamos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras
E não encontro nada.
Antigamente
Tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.


Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
Que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água
O passado é inútil como um trapo
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.




CHARLES AZNAVOUR - LA MAMÃ



RICHARD ANTONY - CIN,CIN



JOE COKER - WITH A LITTLE HELP FROM MY FRIENDS



Site Meter