sábado, janeiro 24, 2009

Rita Pavoni - Datemi um Martelo (1964)



Neil Diamond - Girl You'll Bee A Woman Soon



Gal Costa - Baby




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº29


ONDE O AUTOR REDIGE CONCISA NOTÌCIA SOBRE O PRÓSPERO E LONGÍNQUO PASSADO DO MUNICÍPIO DE SANTANA DO AGRESTE E SUA DECADÊNCIA ACTUAL



Enquanto o povo comenta a excitante nova do próximo retorno da filha pródiga, as beatas na Igreja, os ociosos no bar, os comentários fervendo, a Agência dos Correios engalanada em festa, aproveito para constatar desde logo a benéfica influência de Tieta.

Ainda na rodagem para a Baía e já influindo no burgo natal, retirando-o do marasmo no qual mergulhara havia tantos anos.

A notícia não atinge e comove somente a população urbana; espalha-se por todo o município, despertando curiosidade e interesse das mansas margens do rio às encapeladas vagas do mar atlântico, segundo revela Barbosinha em estado de poesia. Elabora um poema em versos livres e ático sabor, onde Vénus surge das ondas, nua, coberta de espumas e conchas, rediviva. Actualíssimo e um tanto erótico.

Ninguém ficou indiferente em toda a população de alguns milhares de pessoas – nem mesmo dona Carmosina pode fornecer o número exacto de habitantes do Agreste; no censo de 1960 somavam nove mil, setecentos e quarenta e dois cidadãos prestáveis e imprestáveis pois vários passavam dos noventa e muitos dos oitenta anos; no último lustre após o recenseamento, a população diminuíra, não em consequência de mortes, ainda mais raras que os nascimentos e sim da sistemática partida de jovens em busca de oportunidades noutras terras.

O visitante, chegado a estas ruas mortas nos dias de hoje, exausto com a travessia de marinete de Jairo, entupido de poeira, hóspede da pensão de dona Amorzinho, não acreditará que, antes da construção da estrada de ferro ligando Baía a Sergipe, Agreste foi terra de muito progresso e muito movimento comercial, entreposto da maior importância para todo o serão dos dois Estados.

Naquela época, a prosperidade presidia os destinos do actual cafundó de Judas. A situação privilegiada do município, às margens do rio, estendendo-se até o mar, fizera de Santana do Agreste o centro de abastecimento de toda uma enorme região. Navios e escunas vinham até à altura da barra de Mangue Seco, paravam ao largo, as alvarengas recolhiam a carga. De Agreste, no lombo dos burros, as mercadorias partiam no rumo do sertão.

Hoje, existe apenas a pensão de dona Amorzinho, no começo do século existiam para mais de dez, repletas sempre de comerciantes e caixeiros-viajantes, as lojas e armazéns não davam abasto à freguesia. Casa de mulher-dama nem se conta, uma animação, um correr de dinheiro. As melhores residenciais da cidade datam dessa época, também o calçamento de pedras da Praça da Matriz e das ruas do centro. Os ricos mandavam vir pianos e gramofones, encomendavam retratos coloridos a firmas do sul, para pendurar nas paredes das salas. Construíram o sobrado da Intendência. Ergueram a nova Matriz de Sant’Ana, deixando a velha capela para a devoção de São João Batista, cuja festa em Junho, precedida pela de Santo António e seguida pela de São João Pedro, trazia a Agreste forasteiros até de Sergipe, além dos numerosos estudantes em férias, libertos por quinze dias dos internatos da capital.

Agreste em Junho era uma alegria, só dança e foguetório todas as noites, após as trezenas e novenas.

Das primeiras cidades a instalar electricidade, das últimas a conservar a vacilante luz amarela e fraca do cansado motor, ainda não substituído pela ofuscante luz da usina de Paulo Afonso. Quem adquiriu o motor e iluminou o então florescente burgo foi o intendente coronel Francisco Trindade, avô de Ascânio. Deve-se ao neto, em dias recentes obstinada luta para trazer até ali os fios de alta – voltagem da Hidroeléctrica de São Francisco que, como a estrada de ferro e a rodovia, haviam passado longe dos limites do município.

Nos últimos decénios, o progresso só fizera desfechar golpes contra Agreste. O primeiro, o mais terrível: a construção da estrada de ferro, trilhos a ligar a capital baiana a Sergipe, chegando às ribanceiras do rio São Francisco, em Propriá; deixando nossa cidadezinha à margem, órfã de trem – de-ferro e de estação onde as moças namorarem. Tentou manter-se Agreste no convívio dos navios e escunas mas o transporte de mercadorias fez-se mais fácil e muito mais barato nos vagões da ferrovia. Dispersaram-se as tropas de burros, as alvarengas apodreceram junto aos mangues, de raros navios e escunas desembarca apenas contrabando e mesmo assim sem outro lucro para Agreste além da paga recebida pelos pescadores de Mangue Seco, pois não é do município que os géneros tomam destino. As lanchas nem escalam em Agreste, indo directas para o porto do Crasto, em Sergipe. Só Elieser, morador na cidade, ali ancora, de volta da entrega, vem dormir a casa. Não se pode considerar comércio digno de tal nome a garrafa de uísque escocês, de gim inglês, de conhaque espanhol que Elieser surripia e vende a Aminthas, a Seixas ou a Fidélio; nem o vidro de perfume com destino certo: Carol, a retraída moça de Cardoso Pires.

Essa moça, aliás, precisa de aparecer mais nas páginas deste folhetim para proveito e gáudio de todos nós.

As esperanças de retorno à prosperidade concentrara-se durante longo tempo na rodagem, anunciada com ruidoso espalhafato, a vir do sul cruzando o país inteiro pela costa.

Enquanto isso, Agreste diminuíra a olhos vistos, os caixeiros-viajantes desertaram das ruas: restando poucas lojas e armazéns, os pedidos não pagavam as custas da viagem. Fecharam-se as pensões, já ninguém vinha de longe para as festas de Junho, apesar da água continuar a fazer milagres, do clima manter-se digno de sanatório, da insólita beleza ribeirinha e da audácia da praia de Mangue Seco, incomparável.

A rodovia, como se sabe passou a quarenta e oito quilómetros de poeira e lama. Novo e definitivo golpe do progresso, Agreste entregou-se de vez, reduzido à mandioca e às cabras. Nem trem de ferro, nem caminhões nem sombra de estação, rodoviária ou ferroviária, onde as moças namorarem. No ancoradouro, meia dúzia de canoas, o barco de Pirica, a lancha de Elieser e os caranguejos, gordos, gordíssimos. Em matéria de comida, nada se compara a um escaldado de caranguejo com pirão de farinha de mandioca, verde-escuro, pirão de lama como se chama aqui. Nunca comeram? Uma lástima, não sabem o que é bom. Manjar a exigir tempo e paciência para catar a carne a carne dos caranguejos, pata por pata, faz-se raro até mesmo em Agreste onde sobram o tempo e o gosto. Mas vale a pena, eu asseguro. É de se lamber os dedos; come-se com a mão, ensopando o pirão na gordura verde do molho, na lama incomparável do caranguejo.

O povo já perdeu as derradeiras esperanças, os moços partem na marinete de Jairo, moços e moças, porque nos últimos anos também as mulheres começaram a buscar vida melhor em terras mais ricas. Vão ser copeira ou cozinheira, costureira ou bordadeira, grande número acaba na zona, em Salvador, em Aracajú, em Feira de Santana. Muito apreciadas, por sinal.

Rod Stewart - Have You Ever Seen The Rain



Gary Puckett - Young Girl



Paul Anka - Puppy Love





Na Minha Aldeia


A CASA DA LENHA



Rapaz, disse-me o meu pai quando o sol desaparecia no horizonte: a partir de hoje, começa a ser Inverno nesta casa, vai ao chaveiro, leva a chave da casa da lenha e uma cesta e tráz cavacas para debaixo da chaminé.

Peguei num candeeiro a petróleo e segurando a chave na mão direita, lá fui andando na direcção da casa da lenha, a última do corrupio, já encostada ao muro que separava a propriedade do vizinho.

Não era fácil abrir a porta da casa da lenha, fechada desde o Inverno anterior, para além de que a chave, de ferro, era grande para a minha mão e era-me difícil manipulá-la, depois, havia o trinco, a aldraba e por fim a lingueta e todos aqueles sons metálicos a fazerem de acompanhamento sonoro que emprestava solenidade à abertura de uma porta nas casas antigas.

Empurrei-a com dificuldade empecilhada que estava pelos gravetos da lenha, alguém se tinha esquecido de varrer o chão como era de obrigação. Lentamente, levantei o candeeiro um pouco acima dos meus olhos e dei tempo a que a luz definisse os contornos do amontoado da lenha contra as paredes caiadas de branco, mais amareladas que brancas, convenhamos.

Finalmente, olhei para o chão e bem na minha frente, a uns três metros de distância, esperava-me um pequeno exército de ratinhos. À frente, aquele que deveria ser o chefe, cabecita levantada na minha direcção, bigodes espetados de um lado e de outro numa pose, toda ela, de desafio.

Atrás dele, em formação militar, filas de ratinhos, uns a seguir aos outros, todos eles, à imagem do chefe, cabecitas levantadas na minha direcção, bigodes eriçados, ar desafiador e hostil não deixando dúvidas de que eu não era bem recebido.

Não estavam ali por acaso, há muito que, de certo, me esperavam. Os mais velhos, aqueles que pela idade já não teriam forças para estarem na primeira linha, teriam avisado que um dia, que eles não saberiam qual, viria um humano estragar o seu belo castelo de cavacas e mais grave, levá-las, umas após outras… as suas belas cavacas!

Naquele momento, aguardando o desfecho da situação, lá atrás, escondidos com medo mas dispostos ao sacrifício, estariam com certeza, os familiares daqueles ratinhos-soldados, orgulhosos pela coragem e determinação dos que assumiram heroicamente a responsabilidade de uma luta tão desigual.

Eu estava perplexo, não sabia o que pensar. Talvez se saltasse para cima deles com as minhas botas de tacão e cano alto e pulasse e voltasse a pular com certeza que sairia vencedor esmagando-os a todos mas, algo me tolhia os movimentos e inibia a decisão… e se eles tivessem uma poção mágica, como a do Obelix?

Se assim fosse estaria explicada tanta coragem e ousadia que roçavam a loucura e o suicídio.

Defrontarem-me a mim, um humano? e eles simples ratinhos, tão pequeninos… hum!, teria que haver uma qualquer arma secreta!

Resolvi dar um passo em frente, seriam eles ou eu, aquela situação de impasse não podia continuar.

Avancei um passo, nem rápido nem lento, determinado, não deveria demonstrar medo, a vantagem era toda minha, essa era a minha convicção, era isso que eu tinha de lhes dar a entender.

Eles fizeram um recuo que percebi que era estratégico e como eram muito pequeninos, ao meu passo eles fizeram uma pequena corrida atrás sem alterarem entre si as posições e muito menos a atitude de hostilidade e desafio.

Depois, foi a minha vez de dar um passo atrás e eles, acto contínuo, uma corridinha à frente e tudo voltou à situação inicial.

Continuavam a olhar-me com os seus olhos muito pequeninos mas que irradiavam a enorme força e convicção dos seus propósitos, não era um desafio qualquer… para eles era a conquista do seu espaço, do seu território, o tudo ou nada, a vida ou a morte.

O meu olhar é que já não era o mesmo, a surpresa e perplexidade tinham desaparecido, tal como o meu natural instinto de esmagar o mais fraco.

Caí em mim, desinteressei-me das cavacas e percebi que estava perante a decisão suprema de um grupo que face ao direito à vida no seu espaço e no seu território, tinha decidido morrer com honra lutando sem hipóteses de vencer.

Eu seria um adversário imbatível, as minhas botas de tacão e cano alto, arma demasiado poderosa, a poção mágica apenas produto da minha imaginação, o destino daquela luta estava traçado à partida.

O massacre seria o desfecho inevitável e eu não estava preparado para ele. Sentia, no fundo, que a razão lhes assistia e o simples exercício da lei do mais forte deixou de fazer sentido.

Fortes, eram eles que morreriam corajosamente enquanto que eu não passaria de um simples executor sem honra nem glória.

Voltei-lhes as costas e regressei com a cesta vazia, não sem antes ouvir atrás de mim a porta da casa da lenha fechar-se com fragor.

Sentei-me ao pé de meu pai que olhou para a cesta e perguntou-me pelas cavacas da casa da lenha.

Deixei passar tempo sem responder, ele insistiu na pergunta: disse-lhe que já não tínhamos casa da lenha… pertencia, por direito próprio, a uma comunidade de heróicos ratinhos.

Não sei o que o meu pai respondeu, tão pouco se disse alguma coisa… entretanto acordei!

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Daniela Mercury - Rapunzel - Clip



Cat Stevens - Morning Has Broken




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 28


PRIMEIRO FRAGMENTO DE NARRATIVA, NA QUAL – DURANTE A LONGA VIAGEM DE ÔNIBUS – LEITO DA CAPITAL DE SÃO PAULO À DA BAÍA – TIETA RECORDA E CONTA À BELA LEONORA CANTARELLI EPISÓDIOS DA SUA VIDA. AQUI VAI A AMOSTRA: OUTROS LANCES, MAIS SUBSTANCIAIS, VIRÃO DEPOIS.



- Penso que as cabras não sentiam o sol, não esse calorzinho daqui, o calor daqui, o calorão de lá, o sol em brasa nas pedras. Nem elas nem eu.

Nas pedras, as cabras imóveis sob o solo; pedras, estátuas, elas também. De súbito, saltam, disparam a correr, uma, logo outra, todas. Vão descobrir tufos de capim nos mais altos oiteiros.

- Eu ia atrás, pastoreando. As cabras me conheciam, eu botava nome, apelido em cada uma. Chamava, elas atendiam. Cuidava delas, quando uma se feria nos espinhos, eu tratava, punha mastruz nas feridas.

- Que idade você tinha, Mãezinha?

- Acho que dez anos, quando comecei. Dez ou onze, tinha terminado o grupo escolar.

Preferia o sol cozinhando pedras, a terra árida, os cactos, as serpentes, os lagartos, o coaxar dos sapos na água do riacho, os calvos cabeços dos morros, as touceiras de capim, as cabras – enquanto a primogénita cuidava da casa.

- Perpétua nasceu velha, nem sei como conseguiu casar. Mocinha, se meteu na sacristia da Igreja com as carolas, a mais beata de todas. Para ela eu era o diabo em pessoa… – ri: - Tinha razão, eu não era gente. Desde pequena vi o bode Inácio montando cabras.

Inteiro, sereno, majestoso, o bode Inácio, pai do rebanho, aparece, passo medido, cavanhaque longo, inhaca forte. De bagos assim de grandes, quase a tocar a terra, senhor da chibarrada, patriarca dos caprinos.

Lento e inexorável, vem vindo para o lado da cabrita irrequieta no primeiro cio, os quartos agitados à aproximação de Inácio, as patas traseiras escoiceando o ar, na idade de ser coberta e emprenhar. Caminha Inácio no rastro do aftim da fêmea, o saco balançando. Emite o berro, vibrante e límpido, anúncio, ameaça, declaração de amor.

- Primeiro eu via, não ligava, era nova demais. Mas depois, quando comecei a ter as regras, o berro de Inácio entrava por mim adentro. Passei a espiar, me estendia no chão para ver melhor.

A cabrita dispara, Inácio não se dá ao trabalho de correr, pára e espera; a menina aprende. Duas ou três escapadas mais e ele monta a indócil quando assim decide, dono, pai do rebanho.

Deitada no chão, a moleca aprecia, não perde detalhe. De bruços contra a terra safara, sente um calor subindo pelas pernas até aos gorgomilos, vontade, moleza. Inácio era um bodastro, um bodastro e tanto, a chiba se debateu quando ele a fez cabra e a emprenhou. Um berro final de dor e acolhimento. Ecoando no ventre da menina. Conjugados cabra e bode na altura sobre as pedras, petrificados, rocha única, penhasco, Capricórnio.

- Assim eu aprendi. Vi mais que isso, nos meus começos. Mais.

Não só assiste ao bode Inácio montar as cabras. Acontece-lhe ver, escondida nos oiteiros, moleques se pondo nelas. Osnar e seu bando de perdidos. Homens feitos também. O próprio pai, imaginando-a ausente.

- Em casa um deus-nos-acuda, austero, moralista por demais, mandando todo o mundo para a cama nem bem a gente se levantava da mesa do jantar. Em namoro era proibido se falar.

Namorado de filha minha se chama palmatória e taça de tanger burro; bordão de marmelo é o nome completo, roncava Zé Esteves. Punha-se nas cabras quando julgava o pasto vazio. Existiam cabras viciadas.

- Eu era uma cabrita igual a elas. A primeira vez não teve diferença.

- Com que idade, Mãezinha, a primeira vez?

- Sei lá. Treze, catorze, botei sangue cedo.

- Depois?

- Fui cabra viciada, não havia homem que me desse abasto.

George Harrison - My Sweet Lorde



quinta-feira, janeiro 22, 2009

Pee Wee Hunt - 12 th Street Rag


Willie Nelson - Allways On My Mind


Rightous Brothers - Unchained Melody


Elvis Presley - Falling In Love




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nª 27

DA RESSURREIÇÃO E DO LUTO


Tieta ressuscitou na terça-feira, às cinco e vinte da tarde, e somente então a família falou em luto. Na preocupação com os problemas resultantes da falta do cheque e das possibilidades de herança, não houvera tempo. Nem necessidade. Morreu, acabou-se. De que lhe serviria roupa treta dos parentes? Missa, sim, pelo descanso da alma. De sétimo dia, com certeza. De mês, caso a dinheirama se confirmasse.

Na terça-feira a marinete atrasou: dois pneus furados, o motor pifando a cada cinco quilómetros, nada além do costumeiro. Assim, só de tardezinha dona Carmosina abriu a mala do Correio.

Na mesma viragem, Perpétua regressou de Esplanada para onde fora na véspera, na companhia de Ricardo que ali tomou o ônibus para Aracajú.

O juiz a recebera após o jantar e ao final da conversa felicitou-a pelo empenho em defesa dos interesses dos filhos, do pai e da irmã. Para mim não quero nada, Meritíssimo, mas pelo direito dos meus filhos e de minha irmã e do meu velho pai brigo até morrer. Pobre, sozinha e desprendida. O juiz se impressionou e dona Guta, empolgada, serviu à corajosa viúva bolo de aipim e licor de pitanga.

De volta, Perpétua trouxe volumosa bagagem de conhecimentos e conselhos. Em São Paulo, informara o juiz, ela encontraria facilmente advogado disposto a se ocupar da causa, financiando-lhe as despesas, à base de participação nos lucros obtidos, se a questão, como parecia, oferecesse reais possibilidades de vitória. Cobram percentagem elevada, naturalmente. Quantos por cento? Não saberia dizer com exactidão: talvez quarenta, cinquenta por cento. Tanto? Um despropósito, doutor! Minha cara senhora, para correr o risco, botar dinheiro no fogo, pedem caro, é justo. Os jornais do sul publicam anúncios de escritórios de advocacia que trabalham nessas bases. Existem, inclusive, especialistas em causas perdidas, mas a percentagem em tais casos sobe a setenta, oitenta por cento.

Doutor Rubim releu a notícia do recorte da Folha da Manhã. Os Almeida Couto, gente graúda, minha senhora, de nata, muito dinheiro e muitos brasões. Se os dados da questão estiverem correctos, tal como a senhora afirma, trata-se de causa ganha. O mais provável é que nem causa venha a haver, logo se chegue a acordo, gente desse porte não ama ver-se imiscuída em trincas na Justiça. A senhora e sua família precisam apenas de um bom advogado. Deus lhe pagará, Meritíssimo, o tempo perdido com uma pobre viúva, sua criada às ordens. De volta, acertará com o Velho e Astério a divisão das despesas da viagem: deixará Pêro com Elisa, levando Ricardo, cujas férias começarão daí a uma semana. Em Esplanada averiguara os preços das passagens de ônibus para São Paulo, embarcaria em Feira de Sant’Ana. Nem o preço, as despesas, a distância, nem os perigos da grande cidade, nada a amedronta. Não chegara a ir a Salvador com o Major como haviam programado; Perpétua sente um aperto no coração ao recordar o projecto. Mas não viajou sozinha a Aracajú para falar com o bispo, agradecer a matrícula de Ricardo? Fora e depois voltara várias vezes, onde o perigo?

São Paulo é maior, capital mais desenvolvida, mas não pode ser muito maior nem muito mais assustadora, Aracajú é um colosso.

Encontrava-se Perpétua ainda no banho, tentando limpar-se da poeira quando dona Carmosina abriu a sacola das cartas registadas. Havia apenas uma, a de Antonieta. Num brado de aleluia, dona Carmosina abandonando o resto da remessa, saiu, porta fora, desabalada para a casa de Elisa, a carta na mão, bandeira desfraldada ao vento:

- Chegou, Elisa, chegou!

- Deus seja louvado!

Abriram o envelope, lá estavam o cheque e novidades sensacionais: houvera morte, sim, não existe fumaça sem fogo. Mas quem morrera fora o Comendador e não era nenhum Almeida Couto de quatrocentos anos e brasões. Nem por isso menos rico industrial paulista, Comendador Felipe Cantarelli, meu inesquecível esposo, quase um pai, cujo passamento me deixa viúva inconsolável.

Para consolar-se, rever a família e, quem sabe, adquirir uma casa, terreno na praia, de preferência nas imediações de Mangue Seco – no futuro viria a curtir velhice e esperar a morte na doçura do clima de Agreste – Antonieta anuncia próxima chegada. Avisarei com tempo e levarei comigo Leonora, minha enteada, filha do primeiro matrimónio de Felipe.

- Ela vai vir, Carmosina! Ela vai vir, que coisa boa! – também Elisa ressuscita.

Convocados às pressas, acorreram todos: o pai e Tonha, Astério vindo do bar acompanhado pela turma solidária, Perpétua trazendo Peto pela orelha.

Como se fosse o chefe da família, dona Carmosina, de pé, solene, declamou a carta, Astério apoderou-se do cheque para descontá-lo.

Enquanto ouvia, Perpétua engolia informações e conselhos de juiz, a viagem a São Paulo, a herança; com Antonieta viva, viúva milionária, mudara a situação, cabia adaptar-se.
Perpétua ergueu-se das cinzas e fitando a família reunida, comandou:

- Fosse quem fosse, o falecido era nosso parente, genro, cunhado e tio. Devemos mandar dizer missa por sua alma e botar luto. Quando nossa querida irmã chegar, deve nos encontrar vestidos de negro, sofrendo com ela. Eu sei o que ela está passando, conheço a dor da viuvez.

Dona Carmosina não conhece mas pode imaginar. Virar a perna na cama de casal, à noite, e não encontrar o apoio do corpo do marido, do homem antes a compartilhar do leito, solidão medonha, ai! Maior só a solidão da solteirona, dor sem tamanho, nem sequer a recordação da gostosura.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Águaviva - Poetas Andaluzes



Renato Motha - Eu Sonhei Que Estavas Tão Linda



Alcione - Delírios de Amor



Nat King Cole - Autumn Leaves




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 26


Lá o que conta é a categoria, a classe, a beleza, a inteligência. Nenhuma boa qualidade foi negada a Tieta, durante o fim-de-semana, quando a cidade se comoveu com o anúncio do seu falecimento.

Enterraram-na virtuosa, exemplar.

Ao cair da tarde de Domingo, na hora da bênção, ninguém mais sustentava a frágil tese de Elisa – Tieta está viajando, gozando a vida em New York ou em Paris, Saint – Tropez ou em Bariloche. Nem ela própria, desfeita, amparada pelo marido e por dona Carmosina. Ao abençoar o povo, padre Mariano, sem querer assumir responsabilidade por notícia não inteiramente confirmada, referiu-se no entanto, com visível sentimento, à triste versão a circular nas ruas. Louvou o coração puro daquela que, tendo merecido os bens do mundo, não esqueceu a família distante, a terra onde nascera.

Emocionado, revelou aos fiéis ter sido doação de Antonieta e não de anónimo paroquiano como fora dito na ocasião, a grande, a magnífica imagem em gesso da Senhora Sant’Ana, entronizada com festa e júbilo havia três anos, em substituição à anterior, velhíssima, semidestruida pelo tempo, de carcomida madeira, sem valor nem arte.

Como se vê, também o padre Mariano possuía um segredo em comum com Tieta, conhecido apenas de dona Carmosina, é óbvio. Também ele, além da agente dos Correios e do sobrinho Ricardo, a ela se dirigira, às escondidas, em peditório.

Sorri dona Carmosina, ao lado de Elisa. Por seu gosto estaria no fundo do adro com os rapazes, comentando. Amizade obriga, porém. O sobrinho chora, em frente ao altar, todo paramentado, a saia branca, a bata vermelha, a sacudir o turíbulo, odor de incenso, bastante para os servos de deus, nuca mais o perfume no envelope.

- Beleza de coroinha! – murmura Cinira, gulosa, à beira do barricão, uma coceira nas partes.

- Divino! – Dona Edna estala a língua no outro lado da Igreja, de joelhos ao lado de Terto, muito seu marido embora não pareça.

Ricardo, envolto em fumaça, ouve o louvor do padre à velha tia. Pensa nos cabelos brancos, nas rugas, nas mãos trémulas, mais avó do que tia. Modesta, a generosa doadora exigira não fosse revelado seu nome. Somente agora, quando fúnebres notícias se ouviam, padre Mariano, passando por cima da promessa feita, põe os pontos nos ii, para que todos os devotos de Sant’Ana rezem com ele pela saúde de tão piedosa filha de agreste, rogando a Deus não passe a trágica nova de rebate falso, encontrando-se a boa dona Antonieta em gozo de perfeita saúde.

Alguns rezaram. Pela alma da defunta; em perfeita saúde ninguém a acreditou.

Em nenhum momento falou padre Mariano sobre o destino da velha imagem. Ainda bem, pois o novo cardeal anda com a mania de investigar o sucedido com as antigas e valiosas esculturas de santos, roubadas das igrejas e vendidas a antiquários e colecionadores.

Quem pode de boa fé, culpar o padre?

A imagem, pedaço de pau corroído pelo tempo, em péssimo estado, inútil, ele não a jogara no lixo por ter sido consagrada séculos atrás. Mas quando o famoso artista apareceu, atraído pela beleza da praia de Mangue Seco, e enxergando a destronada imagem da padroeira relegada para um canto da sacristia, ofereceu por ela o dinheiro necessário à compra do turíbulo, padre Mariano não vacilou. O novo incensório precioso nas mãos de Ricardo a cercar de odorosa fumaça da Senhora Sant’Ana - a nova, refulgente, em gesso, pintada de cores lindas, uma obra de arte – foi adquirido com o dinheiro pago pela apodrecida madeira carunchosa. O artista afirmara tratar-se de problemas de devoção: no reino dos céus era a Senhora Sant’Ana a sua preferida e quanto lhe dissesse respeito, mesmo sem valor material – caso da velha imagem – tocava-lhe a alma, por isso a levava deixando razoável quantia em doação à igreja. Só quem o conhece sabe até onde vai a lábia do pintor Carybé. Muitas dele eu poderia contar, se me restasse tempo, cada qual a pior.

Hoje, restaurada, a velha imagem é parte da famosa colecção de outro celebrado artista, Mirabeau Sampaio. Como lá foi ter, não me atrevo sequer a pensar.

As barganhas entre esses cavalheiros são mais sujas e imorais do que a de dona Carmosina com Canuto Tavares, por mim desmascarada antes.

A Long Way - From George Washington To Barack Obama



Shirley Bassey - It's Impossible




“O Coveiro da Pátria”



Já lá vão vários dias após Manuela F. Leite ter acusado José Sócrates de ser o “coveiro da pátria”. Entretanto, Barack Obama foi empossado Presidente dos EUA, e responsáveis pelo Partido Socialista reagiram àquela estapafúrdia acusação afirmando que a líder da oposição estava a ficar desesperada.

Mas esta expressão de “coveiro da pátria” ficou-me a matraquear a cabeça talvez porque coveiro faz-me lembrar cemitérios e eu sou alérgico a cemitérios que me recordam que a vida é finita.

Mas, fazendo um esforço e pensando melhor, há um aspecto que seria bom esclarecer:

Das duas, uma:

- Ou a pátria já estava morta e José Sócrates, num acto de higiene pública em defesa do ambiente, limitou-se a enterrá-la;

- Ou foi ele próprio que a matou.

No primeiro caso temos que o louvar e não censurá-lo, no segundo, teremos que apurar se ele esteve sozinho nesse tresloucado acto ou teve cúmplices e, falando em cúmplices, seria bom que Manuela F. Leite estivesse muito caladinha porque, parece, há uns anitos atrás fez negócios muito pouco vantajosos para a pátria com umas dívidas que ela negociou, enquanto que, José Sócrates, conseguiu grandes recuperações no défice público.

Mas morre não morre ou já morreu, está ou não enterrada, o que me angustia nesta conversa do “coveiro da pátria” é o tom fúnebre e odiento das palavras de Manuela F. Leite a quem estou a imaginar de luto cerrado, casaco preto até aos pés, mala da mesma cor pendurada na mão direita, ar compungido, passo lento, olhos no chão, a acompanhar a carreta onde segue esta que era a nossa ditosa pátria bem amada.

A seu lado, ombro a ombro, no seu ar de intelectual assumido e prestigiado, seu apoiante incondicional nas lides partidárias, Vasco Graça Moura segue triste a remoer as estrofes do discurso fúnebre que, por certo, não deixará de fazer.

A sua versão é, contudo, um pouco diferente: afinal, a pátria de que José Sócrates terá sido coveiro, na versão F. Leite, foi antes, de acordo com o seu comentário político de hoje no DN, metida a pique, afundada sem alma nem coração, pelo 1º Ministro.

De qualquer forma, “enterrada” por José Sócrates ou “afundada” por ele nas águas oceânicas - esta versão mais de acordo com a nossa história trágico – marítima - o que me impressiona e aflige nestes discursos lúgubres é que eles são tudo menos o recomendado para os portugueses escutarem nesta hora difícil.

Queremos ouvir falar da vida e não da morte, da esperança para além da crise e não de missas de “requiem”, queremos discursos que nos estimulem e apelem para as nossas energias em vez de nos dizerem que estamos mortos e enterrados ou jazemos no fundo do mar.

Estes políticos que nos falam desta maneira deprimem-nos, não nos interessam e muito menos à pátria.

Para baixarem as expectativivas no futuro dos portugueses já bastam os Telejornais.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Nico Fidenco - What a Sky




Domenico Modugno - La Montananza



Richard Anthony - Ecoute Dans Le Vent



Alcione - Se Não é Amor




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nª 25


DA MORTE E DO ENTERRO DE TIETA COM SERMÃO E INESPERADAS REVELAÇÔES DO PADRE MARIANO – AO TURÍBOLO O SOBRINHO RICARDO, COROINHA


Naquele fim-de-semana em Sant’Ana do Agreste, Tieta morreu e foi enterrada em meio à consternação geral. Não se faltará à verdade dizendo-se que toda a gente da cidadezinha participou do prematuro velório. A notícia atravessou os portões da Fazenda Tapitanga, tirou o coronel Artur do sossego dominical, trazendo-o aflito às ruas de Agreste. O rebanho de Zé Esteves só prosperara enquanto Tieta, meninota, dele se ocupou. Cabras gordas e parideiras.

Lágrimas e orações, tristeza e ameaças, compaixão e elogios, projectos e comentários, gente a apresentar pêsames. Alguns, rancorosos, mal escondendo a satisfação de ver chegada ao fim a imerecida boa vida de Zé Esteves, de cujo passado de enrolão maldoso e salafrário guardavam memória e cicatrizes.

- Na dependência de Perpétua, ele vai roer boca de sino…

- É o que tu pensa… agora é que o filho da puta vai se encher de grana, não há justiça na terra…

- Troque em miúdos.

- A família vai herdar um dinheirão, metade é dele.

- Velhas comadres, xeretas de idade indefinível, esquecidas pela morte que só de raro em raro dá-se à pena de passar por aqueles cafundós, desenterraram do profundo esquecimento onde jaziam sepultados os desplantes e pecados da moça Tieta, de tampos comidos.

- Ainda me lembro da surra. Naquele tempo o Velho morava na praça, perto da gente. Foi quase de manhã. Quebrou o pau com vontade.

- Também, aqui para nós, ela fez por merecer. Desavergonhada, escandalosa. Até homem casado.

- Veja a cara de seu Barbosinha, é um desgosto só.

- Dizem que não se casou pensando nela.

- Será? É bem capaz. E essa história da herança, que é que vocês sabem?

- Psiu! Lá vem Perpétua.

Caras de enterro, olhos lamurientos seguindo Perpétua no caminho do adro. O busto empinado, um pente negro de espanhola enfiado no alto do coque – não o usava desde a morte do Major, presente dele – o mesmo vestido dos funerais do marido, contudo parece mais moça do que aquela jovem de vinte e poucos anos, já velha de mantilha negra, já solteirona e carola apesar da pouca idade, a beata mais beata, a xereta mais xereta, indo xeretar da irmã ao pai: todas as noites pula a janela, vai encontrar o caixeiro-viajante na beira do rio. Todo o mundo fala, nos cobre de vergonha.

Andam para Perpétua, cercam-na, num coro de louvores à falecida, filha e irmã admirável a ajudar a família e agora a enriquecê-la. Quantas missas vai mandar dizer pela alma dela? Pelos pecados antigos, em parte certamente perdoados por Deus, resgatados em vida de decência e caridade.

Mesmo as mais obstinadas a recordar malfeitos reconhecem os atributos de coração, bondade e gentileza, o riso alegre, o prazer em ajudar, sem falar na graça e na formosura, rosto angelical, corpo, ai, de requebro e dengue. Dona Milú resume tudo numa frase:

- Nunca fez nada por mal e o bem que fez não tem medida.

A boa filha, aquela que, sem guardar rancor, fora o amparo dos pais e das irmãs, sendo a mãe apenas madrasta e a irmã mais moça apenas meia-irmã, o que torna ainda mais meritório o procedimento, mais valiosa cada moeda.

Tudo isso vindo de São Paulo, da grande metrópole, onde Antonieta triunfara, com marido rico e ilustre, industrial, comendador, paulista de quatrocentos anos, dinheiro à farta, à la godaça. Elevando o nome de Sant’Ana do Agreste.

Um filho da terra chegara a possuir padaria em Cascadura e, recordando a cidade natal e a santa padroeira, baptizou-a de Panificação Sant’Ana do Agreste; enviou aos parentes fotografias da inauguração. Fotografias, várias; dinheiro que é bom, nem um tostão – segundo parece, a esposa, unha de fome, não permitia. Na capital do Estado alguns se destacaram, à frente de todos o poeta De Matos Barbosa, cujo nome completo, Gregório Eustáquio de Matos Barbosa, se reduzira a Barbosinha na estima de seus concidadãos, em geral orgulhosos dos versos e da filosofia do ex-funcionário da Prefeitura Municipal de Salvador, do boémio recordado nas mesas dos cafés que, aliás, já não existem.
De crónica ainda mais extensa, o comandante Dário de Queluz, cujo amor ao clima de Agreste e à paisagem de Mangue Seco o fizera abandonar a Marinha de Guerra para vir instalar-se de vez e para sempre na terra onde nascera, trazendo com ele a esposa, dona Laura, robusta gaúja logo adaptada aos costumes locais. Vive o casal mais na Toca da Sogra, casinhola plantada entre coqueiros ao lado das dunas de Mangue Seco, do que no pequeno bangalô da cidade onde se acumulam máscaras, barcos, santos, animais, peças esculpidas a canivete nas cascas de coco seco ou em pedaços de coqueiros. Como se não lhe bastasse a patente, a condição invejável de militar, a saga das viagens – até no Japão esteve – acumula sucessos de artesão, a admiração geral, um artista de mão cheia. Ele e Barbosinha, os dois primeiros. Falando de cultura, talvez devêssemos acrescentar o nome de dona Carmosina Sluizer da Consolação, o que ela sabe é demais; nunca saiu, porém, de Agreste a não ser em rápidas idas a Esplanada. Falta-lhe o verniz das cidades grandes, da vida metropolitana. Não deve ser esquecido, entre os ilustres a triunfar lá fora, o Dr. José Augusto de Faria, farmacêutico em Aracajú. E terminou-se a lista, pois Ascânio Trindade não chegou a se formar, deixando a Faculdade de Direito no segundo ano.

Ninguém, nenhum deles, poeta, militar, farmacêutico, dono de padaria no Rio de Janeiro, voou tão alto, teve êxito igual, elevando aos paramos da glória o nome da obscura e decadente cidadezinha de Sant’Ana do Agreste, como Antonieta Esteves a brilhar na alta sociedade paulista, única entre todos a ostentar fortuna, gastando dinheiro a rodo, o nome nos jornais do sul.

Aminthas, Osnar, Seixas e Fidélio, os tacos em repouso.:

- Como é mesmo o nome do marido? Matarazo?

- Nada disso, um nome tradicional, quatrocentão, Perpétua sabe

- Prado, talvez.

- Não, parece que são dois nomes, desses importantes.

- Astério vai lavar a égua… dinheirama retada.

Paulista sem preconceitos, casou com moça furada. Os costumes mudam de lugar para lugar; em Agreste e circunvizinhanças ainda hoje moça para casar deve ser virgem – e ainda assim raras casam pois os homens emigram em busca de trabalho, restando para as mulheres a igreja, a cozinha, as colchas de retalho, o croché, os dias longos, as perturbadas noites.

No Rio e em São Paulo, porém, casamento já não exige virgindade, obsoleto prejuízo. Aliás, a moda se faz nacional, estende-se país afora, a pílula esconde o rombo. Não chegou, porém, às margens do rio Real; houvesse Tieta permanecido no Agreste, nunca arranjaria marido. Mas, em São Paulo quem liga para os três vinténs das moças?

segunda-feira, janeiro 19, 2009


BARACK OBAMA

”…UM DIA DE SONHO…”



A Tomada de Posse do Presidente Barack Obama que hoje tem lugar, acontece após terem passado 80 anos sobre o nascimento de Martin Luther King, e quase 41 depois de o terem assassinado, a 4 de Abril de 1968, por defender a exequibilidade de um sonho em que brancos e negros convivessem em condições de igualdade na sociedade americana:

“… eu tenho o sonho de ver um dia os meus quatro filhos viverem numa nação em que não sejam julgados pela cor da sua pele mas pelo seu carácter.”

Era isto, apenas, o que ele pedia:

- Condições de igualdade para as pessoas de raça negra na sociedade americana!

- Pagou com a vida a ousadia de ter pedido aquilo que, à data, já era escandaloso não acontecer na América, terra da liberdade e da esperança para milhões de pessoas que construíram as suas vidas naquele país.

- O futuro vingou-o, passados pouco mais de 40 anos, a sociedade americana deu-lhe um Presidente! … e o mundo comoveu-se, todas as expectativas foram ultrapassadas por mérito de um homem que parece ter asas em vez de braços…

Barack Obama foi sábio na escolha das pessoas para o ajudarem na sua missão, surpreendeu por não ter surpreendido, coerente consigo, correspondendo totalmente ao que tinha sido o seu discurso anterior.

Abrangência, terá sido, talvez, a nota mais importante da sua intervenção até este momento.

O mundo está com ele, uma parte cada vez maior da sociedade americana, a mais sã, atrevo-me a dizer, está fervorosamente com ele… mas ele necessita de ter ao seu lado os melhores, os mais competentes pelo saber e experiência, não olhando a facções partidárias, e o respeito e consideração que demonstrou pelo seu oponente, que na derrota esteve à altura do adversário vencedor constituiu, igualmente, um exemplo de como se constrói um futuro a partir das relações entre vencedores e vencidos.

A vitória de Obama foi, juntamente com a revolução do 25 de Abril, a maior alegria política da minha vida… sempre o manifestei neste blog.

Foi muito mais que uma questão política, a vitória deste homem na disputa pelo poder nos EUA, ultrapassou em muito vantagens meramente partidárias, ideológicas, do jogo natural da democracia. Ela inscreveu-se a um nível mais profundo onde radica a esperança e o orgulho de sermos homens.

Não sei o que vai acontecer: o cenário, não sendo de confrontação militar entre países, não pode, contudo, apresentar-se mais difícil depois de décadas do que foi o mundo virtual de “economias de casino” em que fulanos ambiciosos, sem escrúpulos, brincaram a seu belo prazer a partir do dinheiro que empresários e trabalhadores honestos produziram nas suas empresas.

Provavelmente, nem tudo irá correr bem, vivemos num mundo real em que interesses legítimos muitas vezes se confrontam, atender a mais ou a menos a uns e a outros, conciliar, por vezes, o inconciliável, não é tarefa para um só homem, mesmo da craveira de Barack Obama, e esse é o meu grande receio: que os seus inimigos, porque os tem, o procurem desacreditar por ele ficar aquém daquilo que só está ao alcance de muitos homens e em muitos países.

Escrevi ontem, aqui, como provérbio, que na vida “não há prémios nem castigos, apenas consequências”… estamos a viver as consequências de crimes lesa-humanidade que foram praticados, mais ou menos, um pouco por todo o mundo por pessoas que esperávamos que fossem honestas e responsáveis … a nossa confiança foi traída.

Há que partir do zero, da confiança perdida para o seu restabelecimento.

Barack Obama defende um regresso às origens, à pureza dos pais fundadores do seu país e pede aos americanos uma nova Declaração de Independência Moral e o caso não é para menos.

- Temos vindo a caminhar pela “estrada errada”, será ele capaz de mover consciências e alterar o rumo?

- Conseguirá ele ajudar a salvar o capitalismo global, no respeito e liberdade pelas pessoas?

- Na defesa da livre iniciativa e das legítimas aspirações de cada um de nós de uma forma responsável?

O mundo precisa de “Barack Obamas” porque a missão é demasiada só para um.

Em honra de Barack Obama, no dia da sua Tomada de Posse como Presidente dos EUA, coloco a seguir a este texto o Hino do seu país pela voz de Whitney Houston.

Whitney Houston - Hino dos EUA




Conselhos Úteis

ALFABETO EMOCIONAL:


O Dr. Juan Hitzig estudou as características de alguns idosos saudáveis e concluiu que além das características biológicas, o dominador comum entre todos eles estava nas suas condutas e atitudes:

“Cada pensamento gera uma emoção e cada emoção mobiliza um circuito hormonal que terá impacto nos triliões de células que formam o organismo – explica:

- “As condutas “S”: Serenidade, Silêncio, Sabedoria, Sexo, Sorriso, Sabor, promovem a secreção de Cortisol, um hormona corrosivo para as células, que acelera o envelhecimento.

- “As condutas “S” geram atitudes “A”: ânimo, amor, apreço, amizade, aproximação”.

- “As condutas “R”, pelo contrário, geram atitudes “D”: depressão, desânimo, desespero, desolação.”

“Aprendendo este alfabeto emocional, lograremos viver mais tempo e melhor porque o “sangue ruim” (muito cortisol e pouca serotonina) deteriora a saúde, oportuniza as doenças e acelera o envelhecimento”.

“O bom humor, pelo contrário, é a chave para a longevidade saudável”

TENHA UMA EXCELENTE VIDA!
PLENA DE SEROTONINA!!!

Demis Roussos - We Shall Dance



Camilo Sesto - Quieres Ser Mi Amante




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº24


ONDE PERPÉTUA ASSUME A CHEFIA DA FAMÌLIA APÓS DERROTAR DONA CARMOSINA POR NOCAUTE



- A Bênção, Pai – Fala Perpétua, tranquila na cadeira: - Peço a Vosmiçê que se sente e a mãe Tonha também. Para ouvir notícias de Antonieta e do marido dela.

- Ela está viva ou não? Que invenção é essa de dizer que ela morreu? É só o que ouço falar. Foram lá a casa para mais de dez pessoas.

- O mais certo é que tenha morrido. Se morreu, como parece…

- … nós estamos ricos, seu Zé, podres de ricos… - interrompe Astério, já sem dor, curado.

Dona Carmosina recupera-se:

- Seu Zé, Perpétua vai ler uma notícia de um jornal de São Paulo que fala de Tieta.

Tonha ocupa uma cadeira, o Velho permanece de pé:

- Pois que leia.

Novamente o recorte próximo da luz, Perpétua pigarreia limpando a voz, informa antes de começar a leitura:

- Tomei nota da data do jornal, 11 de Setembro, não tem ainda três meses…

- Dois meses e dezasseis dias… - ninguém liga para a conta de dona Carmosina.

- O Comendador Filipe de Almeida Couto – lê pausadamente Perpétua – e sua esposa, Antonieta, convidam os inúmeros amigos e admiradores do casal para a missa em acção de graças, comemorativa dos seus quinze anos de casamento, que será celebrada na Igreja da Sé que será celebrada pelo mesmo reverendo, padre Eugénio Melo, que celebrou o matrimónio.

À noite, Antonieta e Filipe abrirão as portas da sua mansão para receber com a fidalguia de sempre. De Brasília virá especialmente para participar dos festejos o Ministro Lima Filho que, sendo na época juiz na capital, presidiu ao acto civil. A champanhota se prolongará noite adentro, com ceia e dança à meia-noite.


O recorte passa de mão em mão, cada um o lê, o alívio é geral.

Perpétua fita dona Carmosina, num desafio:

- Que me diz, agora?

Quem responde é Elisa, a voz vibrante:

- Quer dizer que tu sabia o nome do marido dela e não disse nada à gente? – Elisa pensa na missa, na mansão, na festa, na champanhota.

- Sabia, há mais de dois meses. Contar a você para quê? Para quê, me diga?

Astério se exalta e propõe:

- Vou com você a Esplanada falar com o juiz…

- Falar com o Juiz? Porquê? – pergunta Zé Esteves.

- Por causa da herança, metade é da gente.

Perpétua explica:

- É, sim, Pai. Metade é da família dele, metade é nossa, da família de Antonieta.

- Eu vou também, quero saber disso direito.

- Não precisa ir ninguém. Eu vou sozinha, é melhor. Converso com o juiz em nome de todos, sem confusão. Depois a gente decide o que fazer. – Expulsa a vencida dona Carmosina: - Nós, da família, sem estranhos.

Erecta na cadeira, Perpétua é o chefe da família, assumiu o lugar.

Dalida/ Alain Delon - PAROLES




Provérbios



O sábio pode sentar-se em cima de um formigueiro mas só o néscio permanece em cima dele.


Se fores paciente num momento de ira escaparás a cem dias de tristeza.


As ideias não são responsáveis com aquilo que os homens fazem com elas.


Na vida não há prémios nem castigos, apenas consequências.


Quem não compreende uma imagem dificilmente entenderá uma longa explicação.


Se caíres sete vezes, levanta-te oito.


As perguntas nunca são indiscretas, as respostas, às vezes, sim.


Se a juventude é um defeito, cura-se demasiado depressa.

Como não temos nada de mais precioso que o tempo, não há maior generosidade do que perdê-lo sem o ter em conta.


A paciência é uma árvore de raiz muito amarga mas de frutos muito doces.


Que sentido faz correr se estivermos na estrada errada?


Foge dos elogios mas faz por merecê-los.


Do sublime ao ridículo vai um pequeno passo.


Quando falares procura que as tuas palavras sejam melhores que o silêncio.


O mundo inteiro afasta-se quando vê um homem que sabe para onde vai.


É melhor agitares-te na dúvida do que descansares no erro.


Devíamos usar o passado como um trampolim e não como um sofá.


FOLHA DE LÓTUS



Na existência não há ninguém que seja superior e ninguém que seja inferior.

Uma folha de grama e uma estrela são absolutamente iguais…

O homem, porém, quer estar acima dos outros, quer conquistar a natureza, e por isso precisa de lutar continuamente.

Toda a complexidade é fruto dessa luta. A pessoa inocente é aquela que renunciou à luta. Que não está mais interessada em estar acima, que não está mais interessada em mostrar desempenho, em provar que é alguém especial; é aquela que se tornou semelhante a uma rosa, ou a uma gota de orvalho sobre uma folha de lótus; que se tornou parte desta infinidade; aquela que se fundiu, se misturou e se tornou uma coisa só com o oceano, e agora é simplesmente uma onda; é aquela que não tem qualquer ideia do “eu”.

O desaparecimento do “eu” é a inocência.


OSHO

domingo, janeiro 18, 2009

Bobby Goldsboro - Honey



Art Sulivan - Petite Demoisele



Ántónio Prieto - A Noiva




Samba - Atire A Primeira Pedra




Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº23



DO SEGUNDO ROUND, COMPLETAMENTE FAVORÁVEL A DONA CARMOSINA, A CAMPEÃ DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS



Nem dona Carmosina tomada de surpresa, tenta negar que Perpétua lavrara um tento. Confirma a tese jurídica, mas exibe aquele sorriso inocente, suspeitíssimo, de quem possui naipe marcado, carta decisiva:

- É isso mesmo. Vocês estão aí, estão ricos. Metade para seu Zé Esteves, a outra metade para vocês as duas. Só falta é encontrar marido, não é?

- Exactamente – Perpétua domina a conversa e mesmo a agente dos Correios ouve com atenção: - A gente nunca soube o nome inteiro do marido dela. Felipe, como se não tivesse pai. Rico, isso se sabe, comendador também. Mas Felipe de quê? Que tipo de indústria? Comendador do Papa ou do Governo? Sempre achei isso esquisito mas encontrei logo a explicação, faz tempo.

Ao contrário do que pensara dona Carmosina, a Perpétua não bastara o cheque, o dinheiro mensal. Também ela pusera a cabeça a pensar, a deduzir.

Igual a dona Carmosina, em cujos lábios, no entanto, permanece o sorriso inocente, de criança.

- E que explicação encontrou?

Todos ansiosos por saber, Perpétua esconde a vaidade na voz sibilante, desagradável, apesar da súbita fortuna:

- O marido proibiu que ela nos falasse dele para não ter, um dia, que prestar contas… exactamente para isso.

- Será? – Dona Carmosina demonstra o cepticismo.

- Ela tinha era vergonha da gente, medo de que a gente, se soubesse mais sobre o marido dela, começasse a explorar.

- Para Elisa, as sujeiras, as más intenções são dela, de Astério, do pai. Tieta e os seus são ricos e bons, inatacáveis.

- Talvez. – Dona Carmosina parece pesar e medir, comparar os argumentos.

- Seja como for, minha parte ele vai me entregar, nem que eu tenha de virar mundos e fundos. – Cada vez maior na cadeira, Perpétua não se dá ao trabalho de contestar Elisa: - Vou descobrir o endereço, quando ele menos esperar estouro na casa dele. O que é meu e dos meus filhos ninguém me tira.

- Tu falou hoje com padre Mariano, o que foi que ele disse?

- Disse para não nos apressarmos, que ainda não há provas da morte de Antonieta, que a gente esperasse. Espere quem quiser, não eu! Segunda-feira me toco para Esplanada, vou conversar com o doutor Rubim…

- Com o Juiz de Direito? – Dona Carmosina balança a cabeça, parece de acordo. Os olhos pequenos, semicerrados, consideram Astério e Elisa, pousam na imponência de Perpétua refastelada na cadeira de palha, parece um sapo-cururu. Perdoa-me, Elisa, roubar a tua herança, tu e Astério merecem melhor sorte, mas não posso suportar a arrogância dessa caga-sebo. – É, essa história de sobrenome do marido de Tieta, eu também sempre achei muito atrapalhada. Só que cheguei a outra conclusão, diferente da de vocês duas.

- Perpétua não teme competição:

- Pois venha lá.

- Você, Perpétua, não levou em conta certos dados, eu diria pistas. Ela mandou falar nas enteadas, não?

- Sim metade é para a família dele.

- Não é de herança que falo, essa herança não existe…

- Como?

- Não diga isso… - pede Astério, recaindo em dores.

- Tenho pena, Astério, de lhe desiludir, mas se vocês pensarem um minuto, se puserem as células cinzentas em acção, compreenderão que Tieta vivia ou vive, com este senhor Comendador como esposa mas sem casamento legal, certamente ele é desquitado. Um casal como milhares de outros no Brasil. É a única explicação que existe e, nesse caso, somente a família dele tem direito à herança.

- Ai! – padece Astério, vendo a fortuna dissolver-se, a riqueza ir água abaixo, breve ilusão, novamente pobre como Jó.

Perpétua é a única que não se altera, a não ser que se chame de sorriso a leve contracção dos lábios:

- Como teoria, é engenhosa. Fora disso, não vale nada.

- Você tem melhor?...

- A minha é melhor e tenho provas.

- Provas, como?

- Casada, casadinha da silva, no religioso e no civil. Posso garantir e vou provar.

- É o que eu quero ver. – Leve vacilação na voz de dona Carmosina.

Elisa, em lágrimas, Astério, rico e pobre, pobre e rico, sem saber se a dor persiste ou não. Do fundo do bolso, Perpétua extrai um envelope e do envelope um recorte de jornal:

- Você, que lê tantos jornais à custa dos outros, Carmosina, não leu esse.

- Vangloria-se da ajuda divina: - Quem é devoto de Sant’Ana, quem ocupa seu tempo com as coisas da Igreja, conta com a protecção de Deus.

- Fale de uma vez! – até Astério se irrita, ele, em geral, tão tímido diante da cunhada. - Desembuche!

Recorte na mão, Perpétua não tem pressa.

- Ainda não fazem dois meses, fui a Aracaju beijar a mão de Dom José, saber dos estudos de Ricardo. Aproveitei e fiz uma visita a dona Nícia, a esposa do doutor Simões, do Banco…

- Foi vender vestidos mandados por Tieta…

- Os que ficaram para mim. Melhor vender do que me exibir com eles. Nas capitais, vá lá que se use, mas aqui… Dona Nícia me mostrou um jornal de São Paulo, Folha de Manhã, a página social com as notícias da gente importante, onde falavam de uma amiga dela que foi visitar parentes. Me apontou uma notícia, dizendo: Penso que é sobre sua irmã. Depois cortou o pedaço e me deu.

Coloca os óculos lentamente, aproxima o recorte da luz. Astério se levanta da cadeira, Elisa muda de lugar para ficar perto, ninguém quer perder uma palavra.

Nesse momento exacto ouvem-se vozes na porta da rua:

- Tenha calma, homem!

- Nem calma nem meia calma, cambada de ladrões!

O velho Zé Esteves penetra na sala, acompanhado de Tonha. Plantado sobre as pernas, o rosto fechado em ira, ergue o bordão e brada:

- Quero meu dinheiro, seus ladrões! Onde meteram, que fizeram dele?

O dinheiro que me manda e vocês roubam! Que invenção é essa de dizer que ela morreu e por isso o dinheiro não chegou? Cambada de ladrões! Quero meu dinheiro, agora!

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