sábado, julho 18, 2015

IMAGEM

Um rosto no frio.



Abba - Chiquitita


Foi tal o sucesso que na terra deles já só recebiam em géneros... é que o dinheiro ia todo para os impostos.


Mixórdia de temáticas - Rodas Viva


Nunca mais volta a ser o que já foi
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 287



















Nas fazendas, as roças de cacau, sobretudo as plantadas nas proximidades do rio, sofreram com a cheia, houve prejuízos a lastimar, menos porém do que se previu e se temeu.

Como se o rio, prosseguindo na assentada tradição do continente grapiúna, tivesse preferido violentar e destruir a morada dos homens a prejudicar a lavoura do cacau.

Alguns dias depois, viajando para Ilhéus onde dona Ernestina se excedia em promessas e em missas, consultava espíritos de luz sobre a meteorologia, o coronel Boaventura Andrade, acompanhado pelo capitão Natário da Fonseca e pelo negro Espiridião, passou por Tocaia Grande, gleba de charcos, escombros e entulhos onde o povo ainda recolhia restos de pertences.

Balançando a cabeça, o Coronel lastimou penalizado:

- Bem que a comadre disse: se acabou. De vez. Nunca mais volta a ser o que já foi.

Dizia para o Capitão, para Fadul e Castor, estavam os três e também Pedro Cigano bebericando junto ao balcão da venda.

Nos lábios de Natário perpassou aquela sombra fugidia de sorriso: mal elevou a voz como se fosse desnecessário sublinhar as palavras:

- Com sua licença, Coronel, vou lhe dizer: vosmicê ainda vai ver Tocaia Grande duas vezes o que foi.

Olhou para os demais, gostaria que estivessem todos: o velho
Gerino e Coroca, Lupiscínio e Bastião, Balbino e Guido, Merência e Zé Luiz, Dodô Peroba e o povo da outra margem:

- Não sou eu sozinho quem tá dizendo. Pergunte a Fadul e a Tição, a qualquer um que vosmicê encontrar por aí vivendo nos outeiros.

Olhou além da porta para a paisagem novamente bela sob o sol luminoso do verão:

- Não sei de ninguém que tenha ido embora daqui por causa da enchente. Nem as raparigas que não são de parar em lugar nenhum. Só se fala em fazer casa, casa que a água não derrube. Vosmicê há de voltar aqui comigo um dia desses: vai ver Tocaia Grande e vai se admirar.


NO DIA DA FESTA DO BARRACÃO, A FEBRE CHEGA E SE INSTALA


1

Fosse Pedro Cigano, cigano de verdade, de nação e sangue, e se transformaria em artigo de fé a abusão de certas raparigas que costumavam emprestar caráter sobrenatural às periódicas aparições do troca-pernas em Tocaia Grande.

Mas sendo ele cigano apenas de apelido, atribuíam a concordância de datas e fatos à reconhecida sabedoria do sanfoneiro: em simples casualidade ninguém acreditava.

- Tu adivinha festa, não é, meu bom? — Exclamou a dolente
Anália ao vê-lo transpor o batente da porta na pensão de Nora Pão-de-Ló: - Como foi que tu soube?

Assim Nasceu 

Portugal

(Domingos Amaral)



Episódio Nº 19












Constrangido por a ver assim, o meu amigo forçou um sorriso e depois largou a correr. Saiu para o varandim, desceu as escadas de madeira a grande velocidade e avançou pelo pátio, sem reparar nas duas raparigas mouras, Zaida e Fátima, que se encontravam uns metros à sua direita, junto à mãe delas, Zulmira.

Eu estava no centro do terreiro com meu irmão Afonso Viegas e esticava um arco. O príncipe viu-me apontar a flecha a um boneco de feno, uma imitação primária de um mouro, com um miserável pano enrolado e colocado no topo, fingindo um turbante.

- Mata-o! – gritou o meu irmão.

Eu tinha nove anos e jeito para aquilo. Mantive o arco tenso e depois libertei a corda. A flecha silvou no ar e acertou na barriga do espantalho.

Afonso Viegas de oito anos, saudou entusiasmado, a minha pontaria, enquanto o meu outro irmão, Soeiro Viegas, batia palmas.

Ao lado dele estava uma rapariga, com os mesmos sete anos que Soeiro, chamada Raimunda, filha ilegítima de meu tio Ermígio que não procriara no seu único casamento religioso.

Morena, magricela com o cabelo curto, a minha prima parecia um dos irmãos Viegas. Era uma menina tímida mas muito engenhosa.

Sempre encostada pelos cantos dava pouco nas vistas que meu pai e meu tio haviam descoberto nela uma utilidade inesperada: escutar conversas no castelo e reportá-las a eles.

A única perdição dela era o meu melhor amigo. Ficava fascinada na presença de Afonso Henriques. Mal o viu o seu sorriso abriu-se.

Para sua sorte ninguém lhe ligava ou suspeitava daquela profunda afeição.

Quando o príncipe chegou junto de mim, entreguei-lhe o arco, cedendo-lhe a vez, e enquanto ele colocou a flecha ouvi uma previsão maldosa nas minhas costas. A feroz Fátima era sempre assim, e sempre seria, ao longo da vida.

 - Ides falhar!

Afonso Henriques examinou Fátima, com a irmã mais nova à ilharga. A moura desafiava-o com palavras agoirentas. Orgulhoso, meu irmão Afonso Viegas declarou, sem olhar para as raparigas:

 - É um mouro e já tem uma flecha espetada na barriga.

Falemos da Grécia














A Grécia moderna tem suas raízes na civilização da Grécia antiga, considerada o berço de toda a civilização ocidental. Como tal, é o local de origem da democracia da filosofia ocidental, dos Jogos Olímpicos, da literatura ocidental.

Da historiografia, da ciência política, de grandes princípios científicos e matemáticos, das artes cénicas ocidentais, []incluindo a tragédia e a comédia.

As conquistas culturais e tecnológicas gregas influenciaram grandemente o mundo, sendo que muitos aspectos da civilização grega foram transmitidos para o Oriente através de campanhas de Alexandre o Grande, e para o Ocidente através do Império.

Este rico legado é parcialmente reflectido nos 17 locais considerados pela UNESCO como Património Mundial no território grego, o sétimo maior número da Europa e o 13º do mundo.

O Estado grego moderno, que engloba a maior parte do núcleo histórico da civilização grega antiga, foi criado em 1830, após a Guerra da Independência Grega contra o antigo Império Otomano.

A Grécia é actualmente um país democrático membro[ fundador da Organização das Nações Unidas (ONU), membro do que é hoje a União Europeia desde 1981 e da Zona Euro desde 2001, ]além de ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) desde 1952. A economia grega é a maior dos Balcãs.

Foi neste pequeno país que a civilização ocidental começou há mais de dois mil e oitocentos anos. Naquele tempo a civilização grega estava dividida em Cidades – Estado (pólis) que dominavam grandes áreas das margens do Mediterrâneo e do mar negro.
Após seu desaparecimento, ressurgiu em torno de 700. A.C. até ser conquistada militarmente por Roma em 168 a.C.

No entanto, a superioridade da cultura grega gerou uma profunda influência na cultura romana, por isso o filósofo Horácio fez a seguinte afirmação:
- “Graecia capta ferum victorem cepit (A Grécia, embora capturada, manteve seu selvagem conquistador em cativeiro).
Na verdade, na parte oriental do império a língua e a cultura gregas continuaram a ser muito influentes na sociedade.

O Império Bizantino estabeleceu-se como um dos maiores impérios da história da Europa e abrangia um território que ia do Mar Adriático ao sul da Itália e ao médio Oriente.
Constantinopla destacou-se como uma segunda Roma como o centro herdeiro das civilizações da Grécia e da Roma antigas.
O império grego de Bizâncio também foi um dos impérios mais longos da história: existiu durante mais de 1000 anos, do século V ao XV.

Após a queda de Constantinopla, a capital do antigo Império, os turcos otomanos invadiram a Grécia, assim como o resto da península Balcânica. Os gregos viveram por 350 anos sob domínio turco que terminou em 1821, com a Guerra da Independência Grega.

Ao recuperar a independência em parte do seu território, a Grécia tornou-se um Estado europeu moderno, sendo o nobre Ioannis Kapodistrias, o primeiro-ministro da Grécia moderna.
No final do século XIX, os gregos continuaram a batalha contra os turcos para continuar libertando territórios anteriormente ocupados, como a Tessália e o Epiro.

Durante as Guerras dos Balcãs a Grécia conseguiu também recuperar a Trácia e a Macedónia. Em 1922, a invasão grega da Ásia Menor durante a Guerra Grego –Turca acabou com a derrota e expulsão de 1,5 milhão de gregos, pondo fim a 4000 anos de presença grega ininterrupta no leste do Mar Egeu.

Durante a década de 1930, a Grécia foi arrastada para o fascismo através do ditador Oánnis Metaxás.

Durante a II G.G. o país foi ocupado pelas potências do Eixo (Alemanha Nazi e Itália Fascista) e nele estabeleceu-se um governo colaboracionista. A ocupação nazi foi seguida pela guerra civil grega que terminou em 1949[]

Em 2010 a Grécia, já castigada pela crise financeira de 2008-2009, foi o protagonista de uma crise de confiança que se espalhou por toda a União Europeia.

O país então viu o crescente interesse que os investidores exigiram para comprar sua dívida e foi forçado a realizar reformas fiscais destinadas a reduzir o seu défice à custa do crescimento económico e do perigo de uma recaída na recessão, correndo o risco de ter que sair da zona euro.


Nota- Na madrugada do passado dia 12 foi aprovado mais um pacote de 86 mil milhões de euros à Grécia que lhe vai permitir continuar na zona euro, ao fim de um debate considerado humilhante para os representantes do governo grego mas que foi aceite por este por ter sido considerado o desfecho menos grave quando a alternativa era sair logo do euro.
Os pormenores desta reunião ficarão para a história da Europa em que parece evidente o poder da Alemanha.

sexta-feira, julho 17, 2015

IMAGEM

Eles já morreram ou estão no grupo dos homens...



Satchita - Playing For Change


Camada de Nervos - A Linhagem



Indo de cova em cova podia contar-se a história
TOCAIA GRANDE
 (Jorge Amado)


Episódio Nº 286




















Se as putas satisfaziam-lhe as exigências, não discutia preço e pagamento.

Pelo jeito, na opinião dos entendidos e eram muitos, Ção se afogara tentando salvar seu Cícero Moura, que não sabia nadar, banhava-se na água rasa, no Bidé das Damas.

Na hora do desespero atracara-se com a lesa, impedindo-lhe os movimentos; com o braço rodeara-lhe o pescoço e o apertara. Ninguém quis comentar o acontecido: não sendo na animação da sentinela, o melhor era esquecer.

Altamirando e Das Dores carregaram a rede com o corpo da filha. O Capitão e Fadul levaram o corpo franzino de seu Cícero Moura, calçado com as botas, vestido com o capote, os olhos abertos, esgazeados.

No acompanhamento não faltou quase ninguém. Zé dos Santos e sia Clara, o povo de Ambrósio, o clã dos estancianos, à exceção de sia Leocádia que não estimava cemitérios.

Dos morros onde se acoitavam desceram os moradores do
Caminho dos Burros e o enxame de putas. Merenda fez o pelosinal, rezou um padre-nosso.

Outra adivinha a decifrar: quem conseguira colher, nos cúmulos das baronesas, uma flor intacta, azulceleste, e a colocara entre os dedos de Ção?

Situado numa encosta, o cemitério não fora atingido pela cheia, permanecia incólume. Entre as covas vicejavam mamoeiros, bananeiras, cajueiros, pitangueiras, agreste pomar, alegre de cores, rico de aromas.

Indo de cova em cova podia-se contar a história inteira de Tocaia Grande, desde o remoto e nebuloso começo de lenda e patranha, até o descalabro da enchente ainda acontecendo.

23

A enchente durou mais de trinta horas de agonia até que na segunda noite as chuvas tornaram-se intermitentes e as águas começaram a baixar, a refluir lentamente para o leito do rio.

Um sol mofino iluminou o chão de lama e a devastação se mostrou plena, desnuda e suja.

Numa e noutra margem, a ruína e o abandono: as plantações alagadas, o cultivo destruído, a criação dizimada. No arraial restaram as poucas casas de tijolos e de pedra-e-cal, meia dúzia de barracos de adobe, o depósito de cacau, o curral, o forno da olaria, a oficina do ferreiro, o armazém do turco, a residência do Capitão no alto da colina.

Na Baixa dos Sapos apenas a casinhola de madeira de Coroca e Bernarda.

Assim Nasceu 


Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 18











Dona Teresa que nos últimos anos se aproximava da família Trava, substituíra-o pelo marido Bermudo, uma nulidade em questões de armas, e já se dizia que era Fernão, o irmão mais novo, quem comandava verdadeiramente as vontades da rainha.

 - A Raimunda ouvia as criadas de Dona Teresa cochicharem. O Fernão entra no quarto, mas o Bermudo fica à porta – contou Ermígio.

Egas indignou-se! O que iriam pensar Paio Mendes, arcebispo de Braga, ou mesmo Teotónio, prior de Viseu?

A imprudência e desregramento de Dona Teresa só poderiam ter consequências nefastas para o Condado!

Contudo, meu tio Ermígio abanou a cabeça:

 - Talvez não... Dizem que o Fernão é mais hábil do que o irmão. Parece que foi dele a ideia de envenenar as águas levadas aos mouros.

Ao ouvi-lo seu irmão ainda se enervou mais:

 - Se o plano resultar, Fernão de Trava será visto como o salvador de Coimbra e Dona Teresa nunca mais o larga!

Inesperadamente, uma trombeta suou no ar da manhã. Egas e Ermígio Moniz estacaram de imediato e olharam para a tenda do califa Yusuf. O que era aquilo, um toque de retirada?


Coimbra, Julho de 1117


Afonso Henriques contou-me que, depois daquele grito de revolta, desceu a escada interior da torre do castelo, entrando na habitação principal da alcáçova, onde se cruzou com Dórdia, minha mãe.

Sentada num banco corrido, ela parecia inanimada, com as pálpebras cerradas, quase sem respirar, mas deve ter ouvido o som dos pés dele no chão, pois abriu os olhos.

Inquieto, o meu melhor amigo deu-lhe os bons dias. Ela exigiu um beijo, mas nem era necessário, ele ia dá-lo na mesma.

Abraçou-a e sentiu-a sem forças, nem mexia os braços. Avisou que ia brincar connosco.

- Ide andando, já lá vou ter com vocês – murmurou Dórdia.

Todos sabíamos que ela não iria, mas tentávamos acreditar no contrário.


"Frequência!!!"











Uma Alentejana entra numa farmácia e pede uma garrafa de frequência.

O farmacêutico olha e diz:


- Desculpe-me, nos meus 30 anos de experiência na profissão, nunca ouvi falar desse produto. É algum novo tipo de perfume?

A alentejana respondeu:


- Ê cá na sê!...  O dotôri disse-me que aquando ê tiver lôca com comichão na perseguida, pra me lavar com "Frequência"!

Ganhou a simpatia, pelo menos dos gregos.
Capital de simpatia















Creio que hoje em dia, com a velocidade, diria mesmo instantaneidade, com que circula a informação, desde notícias, comentários, simples desabafos, a simpatia dos povos, ou o seu contrário, é um valor que vai formando a imagem que temos deles.

Resta saber qual a importância desse valor no relacionamento das sociedades umas com as outras, especialmente agora, quando se circula livremente por todos os países.

Simpatia, na prática, significa afectividade e quem é que não gosta de ser amado? – Pelos vistos, Merkel, Shaueble e os alemães que os suportam eleitoralmente, não apreciam a afectividade dos outros ou, simplesmente não lhe atribuem grande valor.

A mim, parece-me que essa história do afecto e da simpatia, para eles, é uma questão de pieguice dos povos mediterrâneos de crença católica, calões e propensos ao sentimentalismo, uma maneira de pensar e sentir que o “nosso” Passos Coelho partilha, pela frieza e distanciamento com que viveu, ao longo de quatro anos, os sacrifícios dos seus concidadãos.

Não me parece, por isso, que o seu capital de simpatia junto dos portugueses seja por aí além faltando saber se isso irá ter alguma consequência nas próximas eleições.

Que ele representa no nosso país a linha dura e disciplinadora de Merkel e Shaueble, disso, não parece haver dúvidas mas as pessoas são medrosas e egoístas e decidem, muitas vezes, não pelo coração mas pelo medo e receio que lhes incutem.

Na Alemanha, parece que as sondagens favorecem Merkel e Shaueble porque os alemães, arrogantes e superiores, estão pouco interessados no seu capital de simpatia, mais interessados em não querem passar por ingénuos e incompetentes e desde que sejam eles a mandar.

Passos Coelho, agora, em período de campanha, vai tentar iludir os eleitores com uma simpatia que nunca teve nem terá mas os portugueses são submissos e, alem disso, muitos estão velhos e esquecidos.

Quem beneficiou muito com o que se passou naquela madrugada do dia 12, em termos de capital de simpatia, foi o Presidente Hollande, especialmente junto dos gregos que, por sua vez, por terem sido humilhados pelos alemães que os queriam fora do euro, também ganharam a simpatia de muita gente.

Uma avozinha grega enviou-lhe um objecto de porcelana com o pedido de ser entregue a Holland e outro, um simples bouquet com quatro flores e um cartão onde se lia:

 - Merci La France!

Estas coisas, agora, correm mundo e começam a mostrar uma ruptura, mais uma, entre a França e a Alemanha.

Estamos naquela fase em que os alemães atiram com números e os gregos respondem com o ressentimento e humilhação de que estão a ser vítimas.

Poder-se-à esperar pela compreensão, humildade e solidariedade de todos os povos da Europa num esforço para viverem todos, uns com os outros, de uma forma pacífica e digna? – Ou isso nunca fará parte da política?

quinta-feira, julho 16, 2015

IMAGEM

Sendo tudo natureza por que não consigo tirar os olhos dela?



AUREA - THE WITCH SONG

A nossa Aurea alentejana - não parece mas é - até canta descalça.


Mixórdia de Temáticas - Hamburgueres infanto Juvenis



Vou tomar ele pra criar.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 285



















Cercaram-no de todos os lados. Zilda carregava ao colo o filho de Bernarda:

- Vou tomar ele pra criar.

O Capitão assentiu com a cabeça; pintando o sete, reinavam
pela casa meninas e meninos que Zilda parira ou adotara, todos com a mesma cara de curiboca, sangue forte de índio: a bênção, meu pai.

22

Colocados em redes, iluminados pelas tochas, os corpos foram levados diretamente ao cemitério ao escurecer. Não havia local em condições para compassiva e influída sentinela na qual, entre tragos de cachaça, recordassem as boas qualidades dos falecidos.

Ção, bonita e simples do juízo, fora a alegria do arraial, quem não a estimava?

Os moleques corriam atrás dela, em algazarra. Os rapazes derribavam-na no emborco da canoa, nos cerrados em macios leitos de capim, nas clareiras da mata na vista dos lagartos impassíveis.

Não somente rapazes novos, também homens feitos e maduros a desfrutarem e eram esses os que ela preferia. Teria sido compassivo e indiscreto velório de fuxicaria, fecundo em indagações: quem sabe, na fiada de lembranças e inconfidências, se tirasse a limpo o segredo em que se mantinha envolto o descabaçamento de Ção.

Quem lhe comera os tampos, enfrentando a ira de Deus? Que não fora nenhum dos três insistentes e ineptos gabirus, Aurélio, Zinho e Durvalino, se sabia com certeza. Quem então?

Pedro Cigano, sanfoneiro? Dodô Peroba que amansava passarinhos?

Guido? Balbino? Seu Cícero Moura, de colarinho duro e gravata-borboleta?

Seu Cícero Moura, não. Somente se aproveitou e se regalou depois dela ter perdido os tampos. Havia muito também o que contar sobre seu Cícero: começando pelas razões do apelido de Doutor Permanganato, as manias de limpeza, o gosto pelas mucamas, o odor de brilhantina, a risca no cabelo.

Pessoa importante nos atalhados do rio das Cobras, comprador de cacau, comissário de firma exportadora. Quem o substituísse, de fazenda em fazenda, carregando a pasta de documentos e o livro de notas, continuaria, ou não, a ofertar as pequenas estampas de santo, prenda piedosa e cobiçada?

Quem quer que fosse, não haveria de ser tão engomado e divertido quanto seu Cícero Moura.

Assim Nasceu 

Portugal
 (Domingos Amaral)




Episódio Nº 17












Por isso Egas Moniz, sugeriu um arrojado plano.

- Ide vós, hoje à noite, em segredo. Levai o infante, mais dois ou três homens. Ide pela estrada do Norte, há menos mouros ali, e ide para Santa Maria da Feira.

Estavam agora na zona norte da muralha e viam-se poucas tropas, pois o califa, concentrara as suas forças a leste e a oeste da cidade, e sobretudo a sul, junto ao rio.

Havia razões para isso: Coimbra só tinha a oriente a Porta do Sol; a sueste a porta da Traição; a sudoeste a Porta do Arco; e a ocidente a Porta de Almedina. Não havendo porta a norte, era inútil atacar por aí.

Ermígio Moniz duvidou da arriscada fuga. Acreditava na resistência da cidade, protegida pelos seus ancestrais muros.

Os árabes haviam saqueado as igrejas dos arrabaldes, a de São Vicente, a de São Pedro e a de Cucufate, mas a Almedina era favorável aos que a defendiam e a alcáçova de Coimbra quase inatacável.

Além disso, grande parte da população era composta por moçárabes, leais aos cristãos desde que Sesinando recebera o governo da cidade das mãos do seu conquistador, o pai de Afonso VI, Fernando Magno.

Há mais de cinquenta anos que Coimbra era cristã e os infiéis acabariam por se cansar, como acontecera no ano anterior.

-É muito perigoso, murmurou Ermígio – E se nos apanham?

Com convicção meu pai insistiu:

 - Levam bons cavalos, rápidos, a meio da noite. É preciso salvar Afonso Henriques! O ataque final do califa está para breve!

Ermígio torceu o nariz. Transportar o jovem príncipe era uma enorme responsabilidade e ele temia falhar. Lamentou-se:

- Faz-nos falta Paio Soares e os seus conselhos.

O antigo alferes do conde Henrique e de Dona Teresa tinha-se afastado da corte do Condado Portucalense depois da morte do conde, com receio da fúria de dona Urraca, e vivia agora pacatamente nas suas terras, na Maia.

Agora Já Não Morro...
















A partir de uma certa idade já não se morre... a vida é que nos vai deixando, progressiva e lentamente, a um ritmo cada vez maior à medida que se avança e nada tem a ver com doenças, apenas com a natural perda da vida que se está escapando.

É um processo gradual, muito engenhoso de que a natureza se socorreu para atenuar o desgosto da morte.

Sei lá, é um desgaste do corpo, uma coisa por dentro de nós que não acontece em todos os órgãos ao mesmo tempo.

Parece que começamos com os óculos dos 50 e depois vai-se por aí fora... As células que se renovam periodicamente já não o fazem com a mesma rapidez, cuidado e atenção. Sempre me fizeram lembrar o dono de um automóvel novo.

Quando o trazemos para casa, acabadinho de sair do stand, ele são lavagens, polidelas, cuidados de toda a espécie e qualquer toque, pequenino que seja, aí vamos a fugir à oficina para repor tudo impecável e rapidamente.

Com os anos, a nossa natureza, tal como o dono do automóvel que já foi novinho, começa a ficar descuidada com o nosso corpo e a reposição das células já não ocorre com a mesma perfeição. 

Olho para as costas das minhas mãos: durante anos e anos, a um ritmo que desconheço, a pele foi reposta sem que me apercebesse de qualquer alteração. A partir de um determinado momento, já não me lembro quando, é o que se vê: - pequenas manchas castanhas dispersas ao acaso, umas maiores, outras mais pequenas, a merecerem justificadas reclamações.

Felizmente, sou uma pessoa com sorte, vivo no Século XXI, com próteses e comprimidos de toda a espécie para compensar os males da idade, a perda de faculdades, o desgaste dos órgãos e que nos dão esta maravilhosa sensação de juventude.

Na Idade Média, independentemente da classe social a que se pertencia, andávamos sujos e mal cheirosos, poucos eram os que tinham dentes e se possuíam alguns, estavam partidos ou podres, o hálito era insuportável e em muitos as marcas da varíola cobriam-lhes o rosto.

Mesmo num Castelo feudal ou num Paço senhorial as condições de vida eram muito piores do que numa pensão dos nossos dias por muito rasca que ela seja. As paredes não tinham revestimento e os edifícios eram escuros, húmidos e frios. As camas eram ninhos de pulgas e percevejos. Começava-se a viver a vida adulta na adolescência, quando não era mesmo na infância, e aos 30 anos era-se velho.

A natureza dos nossos corpos era a mesma de hoje mas o processo de desgaste e envelhecimento era terrível.

Na nossa Europa, mil anos atrás, os nossos conterrâneos praticamente não comiam e não era porque tivessem falta de apetite ou andassem preocupados com a linha. Simplesmente não tinham que comer... o que lhes faltava era a comida!

Só se comia o que era produzido localmente e esse pouco ia parar às mãos dos senhores locais.

Eu sei que aos 76 anos a minha natureza acusa os efeitos da idade. Bem vistas as coisas são já muitos anos, mais do que a esperança de vida que me era dada quando nasci, mas ela não se pode queixar que eu lhe tenha dado maus-tratos mas todo o mérito, para além da sorte que tive em sobreviver à queda para o fundo de um poço sem água e ferramentas, 12 metros lá em baixo, quando tinha uns 13/14 anos de idade, e mais tarde ter conseguido passar pelo intervalo das balas... numa emboscada na guerra de Angola, vai na sua quase totalidade para a época em que vivo e isso foi obra do acaso, para além da outra sorte, a de ter nascido.

Agora, a maioria das pessoas, só morre porque a vida os vai deixando, quando a “esperança de vida ao nascer” não cessa de aumentar e a medicina não pára de fazer descobertas que a prolongam a ponto de certas pessoas, em condições excepcionais, terem de fazer requerimentos para poderem morrer.

Em seu devido tempo a morte aceita-se sem drama. Lembro-me da minha sogra que aos oitenta e muitos anos, na fase terminal de um cancro, se despedia de mim, na cama do hospital, com um sorriso doce nos lábios que nunca esquecerei, dizendo:

- Sejam felizes!

quarta-feira, julho 15, 2015

IMAGEM


Encantamento de Portugal...




Site Meter