sábado, julho 25, 2009

ORQUESTRA RAY CONNIF - LA MAR


JOE DASSIN - SALUT


PATRIC JUVET - LA MUSICA





A COBRA E O PIRILAMPO









Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um pirilampo que só vivia para brilhar.

Ele fugia muito depressa com medo mas a cobra não desistia de o perseguir, um dia, dois dias e nada, ela não desistia.

No terceiro dia, já sem forças, o pirilampo parou e disse à cobra:

- Posso fazer três perguntas?

- Podes. Não costumo abrir precedentes para ninguém mas como te vou comer, podes perguntar.

- Pertenço à tua cadeia alimentar?

- Não.

- Fiz-te alguma coisa de mal?

- Não.

- Então por que me queres comer?

- Porque não suporto ver-te brilhar!!!

Tratamento por Tu e por Você

Vocês sabem a diferença entre o tratamento por tu e por você? Vocês pensam que sabem, mas vejam abaixo. Um pequeno exemplo, que ilustra bem a diferença:

O Director Geral de um Banco, estava preocupado com um jovem e brilhante Director, que depois de ter trabalhado durante algum tempo com ele, sem parar nem para almoçar, começou a ausentar-se ao meio-dia. Então o Director Geral do Banco chamou um detective e disse-lhe:
- Siga o Dr. Mendes durante uma semana, durante a hora do almoço.

O detective, após cumprir o que lhe havia sido pedido, voltou e informou:
- O Dr. Mendes sai normalmente ao meio-dia, pega no seu carro, vai a sua casa almoçar, faz amor com a sua mulher, fuma um dos seus excelentes cubanos e regressa ao trabalho.
Responde o Director Geral:

- Ah, bom, antes assim. Não há nada de mal nisso.
O detective pergunta-lhe:
- Desculpe. Posso tratá-lo por tu?
- 'Sim, claro' respondeu o Director surpreendido!
- Então vou repetir : o Dr. Mendes sai normalmente ao meio-dia, pega no teu carro, vai a tua casa almoçar, faz amor com a tua mulher, fuma um dos teus excelentes cubanos e regressa ao trabalho.

A lingua portuguesa é mesmo fascinante!



THE BEATLES - A HARD DAY'NIGHT



sexta-feira, julho 24, 2009

VÍDEO

Quando a vocação musical é irresestível...

O BOM, O MAU E O VILÃO


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 189






Ricardo esconde um sorriso ao ver o irmão a se coçar, irrequieto, a cara de desgosto, de infinita chateação. Detalha os bancos onde o mulherio reza. De pé, junto à parede, quase ao fundo, reconhece Zuleika Cinderela, algumas vezes a vira na rua, fazendo compras. Meia dúzia de raparigas a seu redor, nenhuma delas ousara sentar-se, grupo isolado, à parte. Foi então que Ricardo pousou a vista em Maria Imaculada e a reconheceu pois não era outra senão a tia Antonieta mocinha, como se por milagre da Senhora Sant’Ana houvesse voltado à adolescência quando, segundo ela mesmo lhe contara, ia encontrar-se com namorados na beira do rio, na sombra dos chorões, cabrita árdega.

A face aberta e franca, o fulgor dos olhos, o corpo esbelto mas não magro, os anéis dos cabelos negras serpentes, a boca de gula.

Olhando para ele e rindo, Ricardo ergue mais uma vez o turíbulo, acompanhando o gesto do padre Mariano a abençoar, dá um passo em frente querendo ir ao encontro da inesperada aparição para a dádiva do incenso.

Terminada a cerimónia todos tomam o caminho do ancoradouro onde Leôncio e Sabino já se encontram com os fogos e as achas de madeira, acesas.

Demora-se Ricardo na sacristia a retirar a sobrepeliz e a estola, ajudando Vavá Muriçoca e padre Mariano na limpeza e arrumação dos objectos de culto.

O padre estranha: dona Antonieta não comparecera ao Te Deum, por quê? Não estava sentindo bem, ainda no abalo da morte do pai, explica Ricardo.

- Pessoas distinta e generosa, pilar da Igreja – define o reverendo – leve para ela a bênção do Senhor que eu lhe envio.

Ao dar a mão a beijar ao seminarista, recorda-se:

- Nunca mais você veio se confessar, qual o motivo?

- Estive em Mangue Seco esse tempo todo, tenho me confessado no Arraial do Saco com um professor do seminário que está veraneando lá.

- Qual?

- Frei Timóteo.

- Está em boas mãos, nas mãos de um santo.

Na esquina da praça, embuçada na sombra da mangueira, Maria Imaculada espera. Ricardo não se surpreende, adivinhando-a próxima; ao cruzar a porta da sacristia a buscara com a vista. Ao se encontrarem frente a frente, fitam-se sorrindo, ela pergunta:

- Já está livre, bem?

- Vou ter de encontrar a Mãe e a prima no ancoradouro.

- Também vou para lá.

Estava vazia a praça, apenas por detrás da Igreja o vulto do padre, recolhendo-se à casa paroquial. Vavá Muriçoca partira apressado, antes de Ricardo, para não perder nem um único foguete. Andam uns passos em direcção às margens do rio. Apenas deixam a rua e penetram no escuro, ela lhe estende os braços. Ricardo a acolhe, prendem-se num beijo e nele permanecem. O gosto da tia mas outro perfume, cheiro agreste de mato. Ricardo toca-lhe o seio e o modela na mão: um dia será igual ao de Tieta, quando de todo se formar no correr do tempo; agora é fruta verde, urbe de cabrita. As bocas se separam num suspiro para novamente se fundirem, ela amolece nos braços de Ricardo.

- Tenho de ir.

- Demore mais um pinguinho só, bem.

Abrem-se em oferenda os lábios da menina:

- Me beije de novo, bem.

Bocas de fome e sede e o roçar da língua. A mão de Ricardo desce do botão do seio para as ancas recentes, altaneiras proas de barco em começo de navegação; ao chegar ao ponto de destino alcançarão a grandeza da bunda da tia.

Sucedem-se os foguetes, explodem morteiros e rojões.

- Como a gente faz para se ver?

- Amanhã te espero, bem, quando a luz apagar.

- Onde’

Ela ri, gaiata:

- Tu é aprendiz de padre não pode ir em casa de dona Zuleika. Vou esperar no mesmo lugar de hoje.

O beijo de despedida prolongado na saudade, sob o foguetório. Os dentes da menina marcam o lábio do seminarista, ai.

- Doeu, bem? Perdoe, Ricardo.

- Tu sabe meu nome?

- Sei, mas tu não sabe o meu – Ri novamente, vitoriosa.

- E como é que tu se chama?

- Maria Imaculada, bem.

- Feliz entrada de ano, Imaculada.

Parte correndo e ali a deixa na feliz entrada de Ano-Novo. Volta-se na curva do caminho a tempo
de vê-la coberta e iluminada pela chuva-de-prata. Até amanhã, meu bem.

quinta-feira, julho 23, 2009

CANÇÔES BRASILEIRAS


CAÇADOR DE MIM - MILTON NASCIMENTO E FABIANO MEDEIROS
Música e Letra - Sérgio Magrão e Luís Carlos Sá
Música lançada no LP de Milton "Caçador de Mim" de 1980




OUÇA COM ATENÇÃO ESTE CORO
Os Sons de Uma Trovoada Apenas Usando As Mãos


AVENTURAS E DESVENTURAS DE UM PEQUENO URSO
Fime de Jean- Jaques Annaud



BILLY VAUGHTZ - TENESSE WALTZ




TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 188



ONDE, NESTA ALTURA DA NARRATIVA, APRESENTA – SE PERSONAGEM NOVA, MAIS UMA PUTA, POR SINAL, NUM LIVRO EM QUE JÁ EXISTEM TANTAS


Na mesma hora em que Tieta estende-se nua na cama para esperá-lo a dormir, Ricardo por entre a fumaça do incenso, vê pela primeira vez Maria Imaculada e leva um susto, Muito moça, ainda menina, não deve passar dos quinze anos. Vestido de organdi azul-celeste, branca flor nos cabelos crespos, jasmim-do-cabo, cheia de corpo, os olhos duas brasas, a boca a sorrir. A sorrir para ele.

Durante a cerimónia festiva do Te Deum, muito do agrado do seminarista devido à pompa e ao júbilo das vestes e dos cânticos. Ricardo sentira-se cercado pela admiração e pela cobiça de pelo menos três mulheres, todas lhe parecendo de interesse. Próximas do altar, uma na primeira fila da direita, outra na primeira fila da esquerda, Cinira e dona Edna.

Na primeira fila da direita e nos limites do barricão das vitalinas, sentada no banco, Cinira revira os olhos, abre a boca súplice e ameaça desmaiar ante a visão divina, quando ele se adianta portando o incensório. Na primeira fila da esquerda, ajoelhada no pequeno e baixo genuflexório, ao pé de Terto que não parece ser mas é seu marido de papel passado, dona Edna, magra e nervosa mas não a desprezível bruaca das injúrias de Tieta, os olhos de verruma, morde os lábios, arrisca acenos. Ah!, se pudesse pegá-lo num canto da sacristia e cobri-lo de beijos! Ricardo atravessa em frente do altar, detém-se à direita e à esquerda, ante a semivirgem e a adúltera, na direcção e na intenção de uma e de outra e lhes envia o aroma do incenso, quase uma mensagem.

Gostava de poder atravessar a nave e chegar aos últimos bancos, num dos quais, contrita e recatada, Carol, os olhos postos no altar, segue cada passo, cada gesto do altivo coroinha.

Tendo Modesto Pires voltado para Mangue Seco, para o seio da família, ela necessita ser duplamente discreta, vigiada que é pela população, amásia do ricalhaço. Não podendo ir até onde Carol se encontra, Ricardo ergue bem ao alto o incensório e o agita no ar a fitá-la sorrindo, oferecendo-lhe olorosa nuvem de fumaça branca. Percebe ela a significação do gesto? Provavelmente, pois baixa os olhos e coloca a mão aberta sobre o coração, comprimindo o seio arfante.

Ricardo percorre com os olhos a nave da Matriz completamente cheia. Quantidade de mulheres sentadas ou ajoelhadas. Ao fundo, de pé, os homens exibindo roupas domingueiras, à excepção de uns poucos maridos mais ciosos e devotos, postados próximo das esposas; Terto, por exemplo, que assim prova aos incrédulos ser o feliz consorte da apetitosa dona Edna. Em face do altar, Perpétua e Peto ajoelhados lado a lado em vistosos genuflexórios que exibem placa de metal com o nome dos proprietários: dona Perpétua Esteves Batista e Major Cupertino Batista, para que neles não se dobrem joelhos estranhos e indignos. Nem a honra de substituir o pai comove Peto, fazendo-o contrito e satisfeito. Queria estar entre os homens, ao fundo ou, melhor ainda, no átrio animado de
comentários, Aminthas destilando veneno. Osnar alardeando patifarias.

quarta-feira, julho 22, 2009


(BRASIL)


A CASA DOS HORRORES

A última edição do Economist faz uso do humor e diz que a classe política britânica tem muito que aprender com o Senado do Brasil.

Isto porque o escândalo das despesas ilegais e consequente descrédito do Parlamento de Westminster não tem comparação com os esquemas usados pelos senadores do maior país da América Latina.

Daí a referida revista ter chamado “Casa dos Horrores” à Câmara Alta do Parlamento de Brasília.

Os factos até agora aprovados falam por si: os 81 Senadores dispõem de 10.000 funcionários para servi-los e o custo dessa mordomia ascende 974 milhões de euros anuais.

Em Janeiro passado, foram pagos 2,235 milhões de euros em horas extras a 3.883 funcionários em férias. O Director Administrativo da instituição, Agaciel Maia, não declarou ao Fisco a casa onde reside avaliada em 1,8 milhões de euros.

Mais de 650 decretos secretos permitiram a criação de centenas de cargos fictícios e até reembolsos a cirurgias plásticas. As contas com viagens ao estrangeiro já ascendem a mais de 7,2 milhões de euros – muitas vezes para financiar a deslocação de amigos, familiares e namoradas.

As facturas de telemóvel são uma fortuna porque os Senadores têm direito a plafond ilimitado.

Os contribuintes pagam também ao mordomo da filha do Presidente do Senado, José Sarney – que foi Presidente do Brasil entre 1985 e 1990 – que recebe 4,3 mil euros mensais quando o salário mínimo no Brasil é de 167 euros.

Mas o ex-Chefe de Estado recusa demitir-se e é bem capaz de se manter no cargo até Outubro de 2010, dia em que se realizam as próximas eleições presidenciais e em que o PT de Lula espera contar com o apoio de Sarney e do seu Partido do Movimento Democrático Brasileiro.



Um pouco por todo o lado, mais nuns países do que noutros, a política é feita de cumplicidades. O Poder é constituído por uma teia que leva mais em linha de conta os interesses de quem governa do que os daqueles que são governados.

Os que acompanham a história da Tieta, neste blog, já se aperceberam como Jorge Amado, seu autor, a propósito do episódio da empresa Brastânio e da projectada fábrica de titânio, conhecia bem os seus concidadão e descreveu na exacta perfeição a podridão dos homens do poder na sua terra.

A democracia tem a vantagem de tornar os cidadãos “cúmplices” de todas estas situações porque estas são conhecidas, denunciadas e as pessoas expressam livremente as suas opções relativamente aos políticos que elegem.

O resto… o imenso resto, chama-se, civismo, cidadania, instrução, educação, em suma: um imenso caminho que tem que ser percorrido por gerações de pessoas, mas preserve-se a liberdade democrática para que esse caminho possa ser percorrido sem recuos ou tropeções.

Não há alternativa à democracia. As experiências efectuadas por este mundo fora nos últimos cem anos, e algumas que ainda por aí estão, são mais que suficientes para nos mostrar que sem respeitar a liberdade e dignidade dos cidadãos só pode haver retrocesso.

As correcções a introduzir numa sociedade para diminuir e evitar os abusos no Senado Brasileiro (e em quantos outros Senados por esse mundo fora!) têm que ser da responsabilidade dos cidadãos numa demorada aprendizagem.


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 187





Ali os dois casais se deram e se possuíram, também ela e Lucas, quando o jovem médico lhe revelou os requintes do prazer, as loucas e absurdas regras do ipicilone. Nada se compara, porém, ás noites de Tieta e Cardo, o fogo do sobrinho adolescente, a ardida fogueira da tia em plena madurez.

Virá após o Te Deum e o foguetório; deve esperar na rede que Perpétua e Leonora se recolham e durmam para somente então cruzar numa passada o corredor e vir aninhar-se no seu regaço. Tieta chega à janela aberta sobre o beco, dali não enxerga a Matriz mas distingue o distante rumor das rezas.

O povo de Agreste agradecendo a Deus. Também ela deveria fazê-lo mas nunca foi chegada a orações e missas, pouco sabe de religião. Padre Mariano, interesseiro e adulador, declara que ela, Tieta, viúva de comendador do Papa, é parte integrante da Igreja de Roma. Devido a Felipe, reverendo? Não era seu marido, apenas seu marchante, ilícita relação. Talvez devido a Ricardo, levita do santuário, menino de Deus, seu menino. Ligação pecaminosa também, padre, em Tieta tudo é espúrio, tudo é farsa.

Volta ao espelho, examina o rosto em geral alegre, nesse instante melancólico. Como acusar os demais de hipocrisia e fingimento? Ela, a viúva Antonieta Esteves Cantarelli, não passa de uma invenção, de uma intrujice armada peça a peça.

Em Agreste houve Tieta, pastora de cabras, cabra ela própria, em cio. Em São Paulo, existe, famosa e rica proxeneta, Madame Antoinette, francesa de Martinica. Antonieta Esteves Cantarelli não existe.

Será que não existe, que não serve para nada? Ricardo lhe fizera desprezar o lucro de um bom investimento do coqueiral para sair em defesa do clima, do céu, das águas de Agreste, dando realidade e vida a Antonieta Esteves Cantarelli, ao lhe dar uma causa e uma bandeira. Seu menino. Sorri para a imagem no espelho, nem triste nem cansada.

Despe a camisola, estende-se nua na cama para esperá-lo, vestida apenas com as marcas roxas dos lábios e dos dentes de Ricardo e vagos vestígios das queimaduras. Estará dormindo quando ele entrar, acordará em seus braços, juntos romperão o Ano-Novo. Com atraso e sem champanha, detalhes de pouca importância se comparados à ternura e ao desejo desmedidos. Acenderão os fogos de madrugada para saudar o Ano-Novo e, na barra da manhã, em homenagem, praticarão o ipicilone duplo. O duplo, não o simples. Para executá-lo como devido, na exactidão das regras absurdas, loucas e no entanto rígidas e inalteráveis, necessita-se de matrona experiente de cama, da máxima competência, e de adolescente ávido de gozo. Ou vice-versa, um veterano de mil batalhas e uma recruta apenas púbere. Em qualquer dos casos, no
desvario da paixão.

Ao Vitó

Manuel Freire: Pedra Filosofal (António Gedeão)



- Ao Vitó
Do Quim, da Grâ e do Rui - num perpétuo movimento...

terça-feira, julho 21, 2009

VÍDEOS
COMO É BOM VIVER NO CAMPO...

RICHARD CLAYDERMAN - ADELINE



OLÍVIA NEWTON JOHN - SILENT NIGHT



TITANIC - MY HEART WILL GO ON



TIETA DO AGRESTE

EPISÓDIO Nº 186



Voltará após o Te Deum e os fogos, acompanhando Perpétua e Leonora. Ao pensar na pseudo-enteada, Tieta balança a cabeça, descontente.

Trouxera-a consigo para lhe proporcionar uma trégua na vida sem alegria, limpar-lhe os pulmões com o ar saudável de Agreste, abrir-lhe em riso a boca amarga. Fizera bem? Tudo indica que sim pois ela anda feliz, parece outra. Mas, e depois? É preciso fazer com que Leonora e Ascânio se decidam a ir aos barrancos da Bacia de Catarina, inaugurando as grutas sob os chorões. A data da partida se aproxima. Leonora necessita e merece deitar com um homem por amor, até agora só o fez por ofício ou engano. Tieta terá de cuidar desse problema, resolvê-lo. Na próxima semana, O Curral do Bode Inácio estará pronto para ser habitado, ocasião propícia para levar o casal a Mangue Seco onde, no deslumbramento da noite marítima e mágica, naufragam escrúpulos e timidez, que o diga Ricardo.

Antes, porém, precisa de convencer Ascânio a abandonar essa infeliz ideia de abrir as portas de Agreste à tal fábrica de dióxido de titânio, capaz de envenenar o ar puro, de ofuscar a limpidez do céu, capaz de degradar o rio e o mar terminando com os peixes e os pescadores. Contrabandistas? Sempre o foram mas não existem marujos mais valentes e audazes do que os de Mangue Seco, enfrentando os tubarões e as vagas do mar em fúria. De súbito, imensa piedade, incomensurável ternura a invade, esquece agravos, fingimentos, mentiras familiares. Gente pobre, pobre e adorável gente do Agreste!

Todos lhe querem bem, sem excepção, os bons e os ruins. Fizeram-na heroína e santa enquanto ela não passa de uma reles puta, pior ainda, de patroa de rendevu, cafetina, exploradora de putas.

Diante do espelho, Tieta se prepara para a cama. Perfuma-se, embeleza-se para Ricardo. Na véspera não o teve; entre o gabinete e o quarto, no corredor, a lembrança do pai e avô, recém-falecido e enterrado. Mas hoje ela espera o seu menino. Luto de xibiu é curto, segredou-lhe de passagem.

Ao regressar a São Paulo já não haverá Felipe. A prosa incomparável, o riso divertido, a prudência e a audácia, o saber sem medidas.

Foge dessa ausência definitiva para a fugaz ausência de Ricardo. Pouco falta para o rapaz vir a seu encontro na cama de dona Eufrosina e do
doutor Fulgêncio, de Perpétua e do Major
Cupertino.


TIETA DO AGRESTE


EPISÓDIO Nº 185


Somente então, deitada ao lado de Felipe no leito colonial da alcova do palacete da família Camargo do Amaral, deu-se conta da exacta significação de sentimento a ligá-la ao milionário comendador do Papa.

Ainda há pouco parecera-lhe absurda aquela ligação na qual interesse, amizade, compreensão, desejo e prazer se misturavam. Sobre os lençóis de cambraia de dona Olívia, entendera, enfim o significado da palavra amor, tão gasta e repetida, tão jogada fora na agonia das paixões e dos rabichos. Amor, sim, singular e exclusivo.

Muitas paixões, tantas, tão diversas. Passageiras ou renitentes, todas impetuosas, possessivas. As de menina moça ávida de homens; abrindo-se nos esconsos do rio, nos altos dos cômoros de Mangue Seco, as de mulher-dama em trânsito do sertão para São Paulo. Durante o tempo longo de Felipe, rapariga às ordens, despesas por conta dele, sua propriedade pessoal, o pijama sob o travesseiro, os chinelos ao pé do leito, repetidas vezes se apaixonara, a cabeça virada, doidinha. Nunca, porém, deixara de ser a terna amante, companheira e amiga do poderoso cinquentão – quando o conheceu, Felipe completara quarenta e nove, aparentava quarenta – a envelhecer nos seus braços.

Desconfiaria Felipe das aventuras da protegida, desvairados xodós? Tieta jamais recebera homem no Nid d’Amour, nem Madame Georgette permitiria tal leviandade, tão pouco no Refúgio dos Lordes, desde o dia que ele comunicara a decisão de mantê-la com exclusividade. Encontrava-se com os eventuais amantes em apartamentos, garçonieres ou em rendevus bem mais modestos. Apesar das precauções tomadas, Felipe, experiente e arguto, devia dar-se conta do fogo a consumi-la, exibindo-se no brilho dos olhos, no nervosismo dos gestos, no assanhamento na cama pois, quanto mais enrabichada por outro, com maior ardor e ofício a ele se entregava como a compensá-lo.

Jamais Felipe demonstrara a menor suspeita. Nos últimos meses, porém, quando os sinais da velhice começaram a lhe marcar a face bem tratada, mais além da fleuma e da sobranceria, Tieta percebera ou pensara perceber uma ponta de tristeza no olhar do Comendador, ao senti-la vibrante e incontida.

Para não magoá-lo cuidou de reservar-se, controlando a ânsia e o apetite. Para não magoá-lo ou porque, de tão presa ao marchante, sentia-se menos necessitada?

Por ocasião da morte de Felipe achou-se tão sozinha e perdida, a ponto de romper a jura feita na hora da partida de Agreste – nunca mais porei os pés aqui – e vir buscar segurança e forças, renovar o gosto de viver no meio da família, no chão onde nascera e se criara, nos outeiros a tanger cabras, aprendendo ser a vida dura prova, nos cômoros de areia fazendo-se mulher sob o peso do mascate com cheiro de alho e cebola. Buscava respiração de ar puro, visão de céu límpido, noite de estrelas inumeráveis, banho de luar.

Fugitiva da poluição de São Paulo, do deprimente comércio do Refúgio, da ausência de Felipe, inútil pijama, abandonados chinelos.

Nessa outra noite de Ano-Novo, tão diversa da última.

segunda-feira, julho 20, 2009

SAUDADES




domingo, julho 19, 2009



Adeus, meu querido…




Que posso fazer quando me apercebo que não voltarei a receber mais uma das tuas chamadas de telemóvel em que, invariavelmente, perguntavas: “então meu querido?”, que não seja tentar reter lágrimas de saudade?

Foi anteontem, era mais uma das sardinhadas que organizavas em tua casa, pretexto para reunires os teus amigos, especialmente aqueles de quem gostavas como se fossem teus irmãos.

Tínhamos começado a almoçar quando o teu “amigo-irmão”, Rui Silvério, recebeu um toque no telemóvel que lhe enviaste depois de te teres levantado da mesa sem nos apercebermos.

Pressentindo que se aproximava mais um “surto” da esclerose múltipla de que sofrias, ausentaste-te para uma outra parte da casa sem que depois conseguisses evitar um mudo pedido de SOS.

Foram minutos de pânico, desespero, em que cada um de nós procurou agarrar a vida que se escoava de ti. Os apelos eram dramáticos: “vá, companheiro, reage, abre os olhos, vive…” mas neste último “surto” já não haveria retorno.

Com os teus amigos de quem tanto gostavas à tua volta, em desespero, perfeitamente atordoados, tinhas adormecido para sempre em paz e sem sofrimento.

Ao longo de cerca de vinte anos, até aos quarenta e cinco, carregaste uma sentença de morte denominada esclerose múltipla mas durante esses anos em que o “copo foi enchendo até à gota que o fez transbordar”, na expressão do Zé Manel, médico, amigo,“irmão”, tu viveste… caramba, se viveste, como qualquer outro mortal dificilmente conseguirá viver em cem anos que cá esteja.

Durante anos exploraste estufas na Concavada produzindo principalmente feijão verde e meloa com os elogios dos técnicos da especialidade, mas lutando contra um micro clima que era adverso foste obrigado a desistir.
Montaste uma empresa de serviços na área das limpezas industriais e na Central Eléctrica do Pego, competindo com outras bem mais poderosas, foste sempre ganhando todos os concursos periódicos para a renovação do contrato de prestação dos serviços, pelas tuas imensas capacidades de trabalho, inteligência e qualidade das relações humanas que desenvolvias.
Em colaboração com o teu pai, meu único irmão, do qual, em muitos aspectos, eras uma continuação, montaste com total sucesso uma actividade de comércio de móveis que exigia permanentes deslocações à Holanda.
Construiste e exploraste um empreendimento turístico em Pipa, no Brasil e mantiveste negócios no imobiliário em João Pessoa e Natal.
Em incursões prolongadas a Cuba, percorrendo o seu interior, conseguiste trazer a Portugal músicos daquele país que actuaram e ganharam dinheiro melhorando as condições de vida na sua terra e abrindo-lhes as perspectivas do mundo deixando atrás de ti, por essas terras e essas gentes, um rasto de humanidade.

Tudo isto fizeste com respeito pelos outros, sem amachucar ninguém, ajudando, estendendo a mão, semeando amigos, deixando por todo o lado por onde passaste pessoas que te adoraram.

Foi assim porque o coração que finalmente se recusou a manter-te vivo por mais não poder, era grande, enorme... e bom.

Na minha qualidade de homem orgulho-me que tenhas sido meu sobrinho e se me é permitido este desabafo, dizer que aquilo que aconteceu contigo só não constitui a maior injustiça deste mundo porque não há critérios ou preocupações de justiça nestas coisas.

Às cegas, ao acaso, as escleroses múltiplas e muitos outros males são por esse mundo distribuídas pelas pessoas sem cuidar de nada, de forma totalmente aleatória e eu próprio me sentia incomodado por ter a saúde que tu não tinhas, sentia-me "injustiçado" porque tu eras melhor que eu e da maioria de qualquer um de nós.

Sei que relativamente a estas coisas da vida e da morte pensavas como eu: desligado o interruptor da vida regressamos ao mesmo local onde sempre estivemos até nascer. Tal como então, nada nem ninguém jamais te incomodará mas atrevo-me a dizer, que mesmo com a esclerose múltipla, pelas muitas pessoas que te amaram nesta vida, foi um feliz acaso teres nascido.

Adeus, meu querido.

Tio Jaquim.

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