sábado, setembro 24, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 92




















Há meses que o desejávamos e a espera, talvez longa de mais, justificara-se pelo recuperar das tropas, pois o fossado de Peres cativo fora longo e cansativo e não tínhamos homens suficientes para travar guerras simultâneas em duas frentes.

Não era, no entanto, sobre a iminente operação bélica que se falava naquele fim de tarde na sé, onde estávamos reunidos quando Ramiro e o Rato por lá apareceram.

O tema imposto pelo bispo Bernardo era a festa da inauguração da capela do mosteiro de Santa Cruz, às portas de Coimbra. Embora parte do edifício ainda estivesse em obras, o prior Teotónio não queria esperar pela sua conclusão e pretendia dizer uma missa antes da partida do príncipe de Portugal.

A fúria do bispo Bernardo, sempre exposta quando se falava de Santa Cruz, crescera mais uma vez e ele voltava a recordar-nos o cisma que a Igreja de Roma vicia no presente, dividida entre Inocêncio II, o Papa eleito, e Anacleto, o anti -Papa, apoiado por alguns monarcas da cristandade, incluindo Afonso VII.

Um dos motivos da discórdia era precisamente o impulso que Inocêncio II dava aos monges apostólicos a quem os defensores de Anacleto se opunham.

O bispo Bernardo, depois da derrota dos portucalenses em Celmes, acirrara a sua oposição “apostólico” às portas de Coimbra, alegando que isso iria enfurecer ainda mais os leoneses e castelhanos contra o Condado Portucalense.

Afonso VII, o mais poderoso rei de Hispânia que já nos humilhara em Celmes podia usar o novo Mosteiro “apostólico” de Coimbra para atiçar contra nós mais ódios e prejudicar-nos junto de Anacleto.

Se o Antipapa vencesse o cisma estaríamos perdidos, proclamara o palavroso bispo!

 - A prudência é o rigor dos fracos – ripostou João Peculiar.

O calvo e fino prelado, que fora um ermita no passado, considerava um enorme sinal de fraqueza a suspensão da construção do mosteiro, devido a uma hipotética vitória de Anacleto.

O cisma papal, contrapunha Peculiar, estava votado ao fracasso. Poderia durar ainda uns anos, mas os apoios de Inocêncio II eram muito mais vastos dos que os de Anacleto.

Além disso, sobretudo depois da derrota de Celmes, os portucalenses não podiam amochar perante Afonso VII mas sim persistir, com genica e ânimo, na luta pela independência.

Afonso Henriques sempre recusara prestar vassalagem ao primo e devia invadir Tui em breve! A guerra seria aberta e frontal!

Contudo, o bispo Bernardo mantivera-se entrincheirado na sua crença e apresentara um argumento poderoso: Afonso I de Aragão estava velho e doente. Afonso VII em breve lhe conquistaria os tronos de Aragão e Navarra. Como poderia o Condado Portucalense resistir sozinho, em toda a Hispânia cristã contra o rei de Leão, que ambicionava ser o futuro imperador da península?


Numa derradeira tentativa para mudar a estratégia portucalense, o bispo propusera a Afonso Henriques fazer a paz com seu primo direito, prestando-lhe vassalagem, enquanto dirigia as nossas forças militares contra Abu Zahkaria, o novo governador de Santarém.

            Simon Cowel - Ritmo de la Noche



        

Camada de Nervos - Calções de Ganga


IMAGEM


Estas habitações foram feitas no Butão, país entre a China e a Índia, no topo do mundo, bem perto do céu, lá para a cordilheira dos Himalaias. Nele vive um povo que se considera feliz.




CONQUISTA DE 

SANTARÉM

AOS MOUROS












Os Mouros tentaram duas vezes reconquistar o planalto de Santarém após terem sido derrotados por D. Afonso Henriques. A conquista tinha ocorrido na madrugada de 15 de Março de 1147, sob o comando de D. Afonso Henriques, numa estratégia de reconquista cristã rumo ao sul, encetada logo após a criação do Condado Portucalense.

Já com a nova designação de Santa Herene (antes Shantarîn), a povoação medieval e o seu castelo foram alvo de uma nova investida muçulmana em 1171. O ataque fracassou e as forças árabes foram derrotadas pelas tropas de Fernando II de Leão, genro de D. Afonso Henriques que se encontrava em Santarém na altura.

Dez anos mais tarde, em 1181, teve lugar um segundo assalto muçulmano mas os invasores tiveram de recuar perante a contra-ofensiva das tropas do Infante D. Sancho acantonadas na cidade.




PS - E hoje, somos nós que visitamos os Jardins das Portas do Sol e nos debruçamos das muralhas para ver cá em baixo a linha do comboio com destino à Beira- Baixa e, lá ao longe, a perder de vista, a lezíria ribatejana.

O menino Zézinho depois de grande...
E não sabe fazer

 nada...

























Quando o Zézinho era pequenino, queria ser bailarino e os seus pais desencorajaram-no, porque era coisa de paneleiros.

Logo depois, o Zézinho quis ser cabeleireiro, mas os seus pais não deixaram porque era coisa de paneleiros.

Passado algum tempo quis ser estilista, mas os seus pais não permitiram porque era coisa de paneleiros.

Agora o Zézinho cresceu, é paneleiro e não sabe fazer nada ...

O QUE ACONTECE MAIS
NESTA ALTURA DO ANO !



















O pai entra no quarto do filho e vê um bilhete em cima da cama. Lê o 
bilhete, temendo o pior:

 - "Pai, é com grande pesar que te informo que fugi com meu novo namorado, o João, um italiano muito lindo que conheci no Algarve. Estou apaixonado por ele. Ele é muito gato, com todos aqueles 'piercings', tatuagens e aquela super-moto BMW que comprou há dias. Mas não é só por isso que vou com ele, é que também descobri que não gosto de mulheres e, como sei que não vais consentir decidimos fugir e ser muito felizes neste mundo. Ele quer adoptar filhos comigo, e isso é tudo o que eu sempre desejei para mim. Aprendi com ele que a maconha é óptima, uma coisa natural, que não faz mal a ninguém, e ele garante que no nosso pequeno lar não vai faltar marijuana. O João acha que eu, os nossos filhos adoptivos e os seus colegas 'gays' vamos viver em perfeita harmonia. Não te preocupes pai, eu já sei cuidar de mim, apesar dos meus 15 anos já tive várias experiências com outros tipos e tenho certeza que o João é o homem da minha vida.

Um dia eu volto, para que tu e a mãe conheçam os nossos filhos. Um
grande abraço e até algum dia.

De teu filho, com amor."

O pai quase a desmaiar, continua a ler.


PS: 

 - Pai, não te assustes, é tudo mentira!!!

Estou na casa da Cátia, a nossa vizinha toda boazona. Só queria
mostrar-te que existem coisas muito piores do que as minhas notas
escolares, que estão na primeira gaveta.

Abraços,

Teu filho, burro, mas macho!

sexta-feira, setembro 23, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 91






















Ramiro fulminou-o com o olhar, como se lhe desse uma ordem silenciosa, mas imperativa, para evitar aquele caminho e Mem teve a certeza de que aqueles dois eram amantes desavindos.

Talvez Ramiro houvesse optado pela abstinência, cancelado as clandestinidades com o Rato para não comprometer a sua reputação na Ordem do Templo, concluiu Mem, vendo que o barqueiro atracava e levantando-se para se dirigir à embarcação.

Puxou pela trela os seus dois jumentos e a carroça, enquanto os templários traziam o cavalo.

A travessia do rio decorreu em silêncio e foi só quando se meteram a caminho das portas de Coimbra perguntou:

- Onde ides pernoitar? No vosso casão?

Mem confirmou, mas reparou na careta enervada de Ramiro, enquanto ouvia o rato murmurar:

- Se desejardes, posso visitar-vos esta noite. Posso ensinar-vos truques secretos e prazenteiros, as vossas mulheres iriam gostar!

Mem não desejava ser incorrecto com ele, mas também não lhe queria dar esperanças. Preparava-se para o desincentivar quando Ramiro gritou, gritou, voltando-se para trás em cima do cavalo:

 - Rato estúpido, acabai com isso!

Aquela podia apenas ter sido uma desagradável ordem dada por um superior hierárquico, preocupado com a incontinência pecaminosa de um monge guerreiro, mas o almocreve teve a certeza de que não era apenas isso que se tratava.

Homens enciumados, horários alterados...

Ramiro transtornara-se por ver o Rato encher Mem com ofertas de ternuras e isso tinha um significado óbvio. Aqueles dois dificilmente se manteriam castos em Coimbra...


 Coimbra, Outubro de 1133


Notava-se na cidade de Coimbra a agitação que precedia os grandes momentos militares. Centenas de homens circulavam na Almedina e outros tantos encontravam-se acampados fora das muralhas., esperando a ordem de partida.

O exército portucalense reagrupara-se depois do fossado de Peres Cativo e preparava-se para rumar ao Norte, na ânsia de vingar a derrota de Celmes.

Quase todos estávamos lá naquele dia. Afonso Henriques, meu tio Ermígio, eu e meus dois irmãos, Peres Cativo e os prelados Teotónio, Telo e João Peculiar e ainda o bispo Bernardo. A estes, haviam-se juntado o jovem Pêro Pais, filho de Chamoa, bem como o cavaleiro vilão que o trouxera desde Tui, Paio Guterres, que o príncipe de Portugal considerava um valoroso guerreiro.

Só faltava meu pai, Egas Moniz, que em Guimarães supervisionava já a reunião dos restantes exércitos, e o Braganção, senhor de Bragança, que prometera juntar-se a nós perto do local dos combates.


O plano da batalha estava traçado: marcharíamos para Tui, cercando a cidade e os trava, que lá se reuniam no Natal. Além da humilhação de Fernão Peres, obteríamos a libertação do nosso amigo Gonçalo de Sousa, preso nas masmorras do castelo galego.

Tomar - Rio Nabão

Das minhas recordações enquanto jovem estudante no Colégio Nuno Álvares



        Camada de Nervos



              

A maior árvore do mundo
As Árvores,

minhas Irmãs






















Conta-se a história daquele homem que já muito velhinho, sentindo-se doente, saiu ao seu quintal e por momentos abraçou cada uma das suas árvores. Depois, regressou a casa, deitou-se e morreu tranquilo. Para ele, era indiferente que uma fosse figueira, outra laranjeira e três ou quatro oliveiras. A todas, ao longo de uma vida, tratara de igual modo. Regara-as, arrancara-lhes os ramos secos e tratara da terra que as possuía.

Elas, em troca, deram-lhe a sombra à qual se recolhia no fim das tardes solarengas de verão e os frutos: figos pretos de tamanho médio, doces e saborosos, laranjas grandes e sumarentas e azeitonas pretas que ele retalhava, demolhava para perderem o sabor azedo e depois temperava com sal e orégãos. Com nacos de pão de trigo caseiro eram o melhor acompanhamento.

Naqueles momentos em que percebera que a vida o ia abandonar não conseguiu evitar vê-las mais uma vez, tocar-lhes com afecto, no fundo… despedir-se delas.

De certa forma, é uma falácia afirmarmos que somos donos das árvores… Elas vivem muito mais tempo que nós. Já cá estavam quando nascemos, cá ficam depois de morrermos e as suas vidas correspondem à vida de gerações de pessoas. Algumas, chegam mesmo a manterem-se vivas durante séculos, para não referir já o velho pinheiro chamado de “matusálém”, na Califórnia, que pela contagem dos anéis, já leva 4.800 anos de existência.

Outras, pelo seu tamanho, deveriam ser consideradas monumentos da Natureza:

- As Sequóias “Sempre Verdes” da costa norte-americana do Pacífico batem todos os recordes chegando a atingir, a mais alta de todas, 115,6 metros. A Sequóia “Gigante”, a maior árvore do mundo, tem cerca de 1.500 m3 de volume o que significa que para a transportar seria necessária uma frota de 40 camiões TIR.

Da minha meninice trago comigo um sobreiro, um pinheiro manso e uma tangerineira. Guardei-as na minha memória com todo o carinho. O sobreiro era uma árvore centenária, enorme, cheia de “personalidade”, respeitável, como são todos os sobreiros velhos.

Vivia no meio de um caminho que dava acesso a uma propriedade que o meu pai tinha de renda. Não empatava o trajecto do velho Vauxal comprado pelo meu pai, logo a seguir à guerra, era eu ainda menino, porque ele aprendera a desviar-se e já lá tinha o trilho marcado para que não houvessem dúvidas no trajecto.

Um dia, o dinheiro falou mais alto e o meu pai mandou matá-lo. Eu, garoto, infelizmente assisti. Vieram uns homens com uns machados e começaram a cortar-lhe as raízes que estavam fora da terra, para o enfraquecer. Depois ataram-lhe cabos de aço aos ramos mais altos e grossos e com alavancas e roldanas fixadas no chão puxaram, puxaram até que as raízes, escondidas debaixo da terra, rebentaram e ainda hoje sinto vontade de tapar as orelhas para não ouvir os roncos surdos que saíam das entranhas da terra, como se fossem gritos de protesto e de dor.

Uns anos mais tarde, foi a vez do pinheiro manso. Era muito alto, completamente direito e teria já, com certeza, muita idade. Estava sozinho naquela encosta, numas terras que eram da minha avó, junto à aldeia, ao lado da estrada. No tempo das pinhas íamos  apanhá-las debaixo dela e à noite abríamo-las ao calor do fogo da lareira e era uma “festa” com as cascas dos pinhões a saltarem para todo lado ao sabor das marteladas e a minha avó a ralhar porque tinha de ser ela a varrer o que eu e o meu irmão sujávamos. Nunca mais voltei a comer pinhões tão saborosos...

Também, um dia, o meu pai o matou. A sua madeira, muito boa, depois de aparelhada, para a construção de casas, deve ter rendido bom dinheiro e durante toda a minha vida, sempre que passava na estrada evitava olhar para o local onde ela já não estava para não ter o desgosto de a não ver.

A terceira árvore era uma delicada tangerineira no quintal da minha avó. Havia lá mais mas aquela era muito pequenina, airosa e redondinha e nenhuma das outras dava tangerinas tão doces e saborosas. Ainda miúdo, de calções, sentava-me no poial, junto dela, e saboreava deliciado as tangerinas com a sensação que elas as tinha criado só para mim.

Mas o homem, tem-se permitido destruir sem dó nem piedade esta herança fabulosa de vida, sacrificando no altar de interesses mesquinhos de pessoas muito ricas que podem pagar tudo, seja a que preço for, florestas cheias de vida animal de uma maneira perfeitamente criminosa.

No fundo, prevalece o egoísmo da geração presente numa postura que se traduz no tal: -  “quem vier atrás que feche a porta…”

Nem sempre terá sido assim.

O homem do paleolítico vivia em comunhão com a natureza numa época em que predominavam as florestas. No silêncio da noite, nos seus locais de dormida, ele ouvia os sons do vento perpassarem por entre as folhas dos ramos mais altos e sensíveis das árvores que o rodeavam.

Esses sons pareciam uma conversa em privado, umas vezes ligeiramente mais acalorada, outras, em frases mais longas e monocórdicas interrompidas por silêncios intermitentes.

O homem do paleolítico ouvia, deitado, e pareceu-lhe a ele, ser primitivo, que eram os deuses que falavam com as árvores.

Humilde e frágil, dependente da natureza, mas muito sagaz e observador, pensou aproveitar aquele relacionamento entre árvores e deuses a seu favor utilizando-as como intermediárias...

Assim, discretamente, levantava-se, dirigia-se a uma das árvores mais altas, tocava-lhe com respeito e contava-lhe em segredo as suas angústias e receios e pedia-lhe que solicitasse aos deuses a protecção para si, para a sua família e para o seu grupo.

Passaram-se milénios e quase tudo aconteceu de então para cá.

Fomos compreendendo melhor as forças da natureza, domesticámos plantas e animais, construímos cidades e civilizações.

Progressivamente, começamos a desenlear o fio do conhecimento e, no entanto, apesar de um tão longo caminho percorrido desde então, eu próprio, que nem sequer sou crendices, dou por mim a bater com os nós dos dedos da mão fechada na madeira do tampo da mesa – à falta de uma árvore - para afastar os mais presságios…

…. Por isso eu lhe chamo, de uma forma talvez menos veneranda que o meu antepassado do paleolítico: Minha Irmã Árvore..

A Idade é uma porra...















Um homem com cerca 90 anos fez o seu check-up anual e o médico disse-lhe:

- Amigo, para a sua idade, está numa forma que eu nunca vi.

O paciente respondeu:

- Sim. Porque sei levar uma vida cuidada, simples e espiritual.

- Que quer dizer com isso?
- Se não levasse uma vida cuidada e simples, Deus não me acendia a luz da casa de banho cada vez que me levanto no meio da noite.
O médico estranhou a resposta.

- Quer dizer que cada vez que se levanta a meio da noite para ir à casa de banho, o próprio Deus acende-lhe a luz??

- Sim! Cada vez que vou à casa de banho urinar, Deus acende-me a luz!

O médico não adiantou mais nada, mas quando foi a vez da esposa do sujeito ir à consulta, sentiu a necessidade de lhe transmitir o que o marido lhe havia dito.
- Eu quero que saiba que o seu marido está em óptima forma, mas estou preocupado com o seu estado mental. Ele disse-me que todas as noites, quando vai à casa de banho urinar, Deus lhe acende a luz.

- Ele disse-lhe o quê???

- Ele disse-me que todas as noites quando se levanta para ir à casa de banho Deus lhe acende a luz...

- Ahhh!!! (exclamou a velhota). 

- Então é ele que tem mijado dentro do frigorífico!!!...

Erros de Cópia 















Por causa deste erro fatal... quantos "pecados" não têm sido cometidos ao longo dos séculos! Pobres monges, afinal...


Um jovem noviço chegou ao mosteiro e logo lhe deram a tarefa de ajudar os outros monges a transcrever os antigos cânones e regras da Igreja.


Ele se surpreendeu ao ver que os monges faziam o seu trabalho, copiando a partir de cópias e não dos manuscritos originais.


Foi falar com o velho abade e sugeriu que, se alguém cometesse um erro na primeira cópia, esse erro se propagaria em todas as cópias posteriores.


O abade respondeu-lhe que há séculos copiavam da cópia anterior, mas que achava procedente a observação do noviço.


Na manhã seguinte, o abade desceu até às profundezas do porão do mosteiro, onde eram conservados os manuscritos e pergaminhos originais, intocados há muitos séculos.

Passou-se a manhã, a tarde e a noite, sem que o abade desse sinal de vida.

Preocupado, o jovem noviço decidiu descer e ver o que estava acontecendo. Encontrou o velho abade completamente descontrolado, possesso, com as vestes rasgadas, desgrenhado, batendo com a cabeça ensanguentada nos veneráveis paredes do mosteiro.

Espantado, o jovem monge perguntou:

- Abade, o que aconteceu?

- Aaaaaaaahhhhhhhhhh!!!...

CARIDADE... era CARIDADE!

Eram votos de "CARIDADE" que tínhamos que fazer... não de "CASTIDADE"!!!

quinta-feira, setembro 22, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 90





















Os três saíram de Soure e chegaram à estrada principal, que ligava Santarém a Coimbra, rumando ao Norte. O almocreve temia a curiosidade de Ramiro, as perguntas sobre Sohba.

Não queria mentir, não gostava de o fazer e, portanto, deixou-se ficar calado e assim prosseguiram cada um com os seus pensamentos privados até chegarem ao Mondego.

Enquanto esperavam por um barqueiro, já a tarde caía, Mem partilhou com os monges guerreiros um pedaço de pão, carne e fruta, mas só depois de comer o Rato produziu uma inesperada apreciação:

 - Deveis ter muitas mulheres... sois tão bonito.

Fez uma careta insinuante e Mem percebeu onde ele queria chegar. Como nunca tivera curiosidade nem receio dessas coisas não se incomodou e apenas disse:

 - As mulheres precisam de atenção,

À sua frente, Ramiro enervou-se e comentou:

 - Precisam é de pedir perdão por serem tão mentirosas!

O acinte do bastardo de Paio Soares continuava uma ferida aberta. Mem conhecia a velha afeição do jovem templário por Chamoa, o seu sofrimento por ela ter casado com o pai dele, mas o que mais o espantava era que, passados todos aqueles anos, Ramiro ainda destilasse tanta raiva às mulheres, quando só uma o desgostara.

- Gostais muito de mulheres, perguntou o Rato.

Mem recitou uma frase bíblica que o pai costumava usar.

 - Não se procuram figos nos pinheiros.

Insistente, o Rato lançou nova questão:

 - Nunca nenhuma vos mentiu?

Como o almocreve não lhe deu troco, o monge guerreiro riu-se. Convicto de que tinha tocado num ponto fraco, avançou uma constatação ousada e intrometida:

- Se mentem aos maridos para estarem convosco, é provável que vos mintam também!

A fama de Mem era conhecida, corriam rumores de que se deleitava com senhoras casadas de Coimbra, chifrando os respectivos esposos. Também se dizia que tomava criaditas do castelo, além de muitos suspeitarem de que o fizera igualmente com Zulmira e Zaida.

Só que o almocreve nunca se gabava e por isso o Rato repetiu o elogio inicial com que o brindara:

 - As mulheres pelam-se por homens bonitos como vós.

Mem observou o rio para ver se o barqueiro estava mais próximo mas viu-o ainda distante. Teria de aturá-los mais algum tempo e, por isso, decidiu mudar de atitude e mirou o Rato nos olhos.

 - Gostais de homens bonitos?

O Rato soltou um risinho nervoso e Mem percebeu que ele estava disposto a tudo. Era um monge guerreiro com voto de castidade mas não se conseguia conter com homens, só perante mulheres.

Quem não se havia espuma na pia.

Agora que chegava a Coimbra, onde poderia gozar uns dias de liberdade, a excitação já o consumia.

- Um homem bonito é uma dádiva de Deus! Sentimo-nos vivos só de olhar!

Mem notou que Ramiro cruzava e descruzava as pernas, agitado. Estava obviamente enciumado com os galanteios do Rato, embora tenha usado um argumento religioso para o criticar.

- É pecado falar assim, ó miserável! – avisou.

O Rato enfrentou o amigo, ofendido e magoado.

 - Escusais de me apoucar, só vos quero bem!

Depois, como quem remói algum agravo anterior, acrescentou:

 - De há uns meses para cá tratais-me com os pés.

Nana Mouskouri - I Have a Dream



Uma Bala Perdida
(José Niza)





Um soldado perdeu uma bala
E
Que nem um tiro
O cabo disparou
A levar a notícia ao furriel
Que
De imediato
A transmitiu ao sargento
e estava na latrina a latrinar
mas puxou as calças correu a informar
o oficial de dia
embora fosse de noite


o capitão
ciente da má nova
foi acordar o major
que estava a sonhar
com as mamas da Sofia Loren
e praguejou
porra
o que é que se passa
que horas são
já um gajo não

foi ele quem alertou o tenente-coronel
que via rádio comunicou
meu coronel
há uma bala perdida não se sabe
exactamente onde nem porquê
nem por quem nem quando
eu até penso que
chega
o que é preciso é avisar o nosso brigadeiro
disse o coronel em pijama de flanela
às riscas
vai ser o bom e o bonito
quando o nosso general souber


uma ba-la per-di-da
uma ba-la per-di-da
gritou o general
procurem-na imediatamente
mensagem urgente
a todos os comandos
encontrem-me essa bala
viva ou morta
está em causa a honra do nosso batalhão
a minha carreira
a minha condecoração
quem perde uma bala
também perde uma guerra
faça-se um inquérito
levante-se um auto
vírgula
palavras do general
convoque-se o conselho de guerra
cancelem-se todas as saídas
as licenças as guias de marcha
apaguem-se as luzes das casernas
constitua-se o tribunal militar
decrete-se o alerta geral
e o estado de sítio
em que sítio meu general
perguntou o alferes
aqui minha besta onde é que havia de ser
quero sentinelas reforçadas
até ordem em contrário está tudo proibido
excepto o que não está
que a filha da puta dessa bala
há-de aparecer
a senha é
cherchez la balle
e a contra-senha é
a contra-senha é sei lá
que se lixe
agora não há tempo para essas merdas

dias depois
a bala
foi finalmente encontrada

dentro da cabeça do soldado 

Site Meter