sábado, março 21, 2009


Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 77



DO RECADO URGENTE


No melhor da festa o recado urgente. Devorado o almoço, repetida a sobremesa, dona Laura, Elisa e Leonora servem o cafészinho. Rega-bofe grandioso, com variado fundo musical: o moderníssimo som do toca fitas competindo com a harmónica de Claudinor das Virgens. O trovador possui extraordinário faro para detectar odores culinários, perfume de batida, aroma de cachaça. Sem esperar convite aparece de sanfona em punho, o sorriso aberto, caradura simpático e bem-vindo: com vossa permissão!

Enquanto Elisa, Aminthas, Fidélio, Seixas e Peto curtem o rock-and-roll, os demais aplaudem Claudinor e Elieser. O reportório do trovador dá preferência à música sertaneja enquanto o dono da lancha, habitualmente casmurro, de pouca conversa, animado pelos tragos, solta a voz agradável e atendendo às sugestões saudosistas de Tieta e de dona Carmosina, canta esquecidas melodias. Tieta, sentada numa esteira, enorme chapéu de palha a defender-lhe o rosto, pede:

- Toque aquela que Chico Alves cantava, Claudinor.

- Qual?

- Uma que começa: Adeus, adeus, adeus,, cinco letras que choram…

Elieser abre o peito, Claudinor acompanha na sanfona. Tieta deixa-se levar pela música, está distante, não participa das conversas. Leonora inquieta-se. Conhece Mãezinha: quando está assim, calada, é porque algum problema a preocupa, uma chateação qualquer. O que será? Não se anima a perguntar, não vale a pena, melhor é deixá-la em paz até o riso voltar. Quando estou de calundu me larguem de mão, não se metam, recomendava ela no Refúgio. Em silêncio senta-se a seu lado.

Tieta percebe a presença de Leonora, volta-se, acaricia-lhe a face. A moça toma-lhe da mão e a beija com ternura. Cabrita sem juízo, reflecte Tieta, corre o risco de se apaixonar, de perder a cabeça. Somente ela, de cabeça oca? Mais ninguém?

Que espécie de obrigação inapelável exigira a presença de Ricardo ao lado do padre na devoção de Rocinha? Obrigação, coisa nenhuma! O sobrinho estava fugindo dela, isso sim; fora com o padre para não ir a Mangue Seco, não manchar os olhos castos – castos?, carolas! – na nudez da tia, soberba no reduzido biquini, bestalhão! Nos últimos dias sentira a ausência do rapaz, no banho do rio, dos passeios. Até a hora da banca ele mudara, sem dúvida para não lhe fazer nova massagem. E Tieta, burra velha, a sonhar com o sobrinho, a vê-lo noite e dia com asas de anjo e aquele pé de mesa. Jamais se interessara por jovens, muito menos por meninotes de dezassete anos, preferindo homens feitos sempre mais idosos do que ela. Fizera-se necessário voltar a Agreste para desejar um rapazola, sentir frio na espinha ao pensar nele, ficar mal humorada, desagradável, vazia devido à sua ausência. Triste, irritada em pleno calundu. Com essa não contava. Ainda por cima sobrinho e seminarista. Vendo-a tão longe, perdida em pensamentos, Leonora levanta-se, vai ao encontro de Ascânio. Tieta toca-lhe novamente a face, num afago.

- Sabe, “Foi tudo um sonho”, Elieser?

- Sei mais ou menos, dona Antonieta. Mete os peitos Claudinor!

Tieta veleja na música, conduz Ricardo pela mão. Osnar, encharcado de cerveja, acomodou-se na sombra, mamando um charuto. Barbozinha ressona debaixo de um coqueiro, esquecido dos projectos de declamação no alto dos cômoros.

O cansaço começa a se fazer sentir, no cair da tarde, após a maratona e pimenta, coco e gengibre, batidas, cachaça, cerveja. A manhã fora fatigante: banho de mar no embate das ondas bravias, escalada das dunas sob o sol de verão. Ainda assim, Ascânio e Leonora projectam uma fuga para a praia. Quando calor diminua, antes da volta marcada para o pôr-do-sol.

Inesperado, o barulho de um motor na distância. Comandante Dário, aquém todos os ruídos do mar e do rio são familiares, decreta:

- É o barco de Pirica.

LUÍS REPRESAS - AMAR PERDIDAMENTE




21 de Março, Dia da Poesia


Amor que Morre

O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!


Florbela Espanca

sexta-feira, março 20, 2009

Pinturas magníficas de Leonid Afremov
(p/ ursamenor)


Fiquei maravilhada quando vi isso. Original e talentoso, Leonid Afremov nasceu em Belarus, é um pintor moderno israelense que cria retratos únicos de paisagens, cidades e imagens usando uma espátula (de passar massa corrida) ao invés de um pincel.

“Eu tentei diferentes tecnicas durante minha carreira, mas eu me apaixonei especialmente pela pintura a óleo com a espátula. Cada trabalho é resultado de um longo processo de pintura; cada tela nasce durante uma pesquisa criativa; cada pintura é cheia de meu mundo interior. Cada uma de minhas pinturas traz diferentes humores, cores e emoções. Eu amo expressar a beleza, harmonia e espírito desse mundo nas minhas pinturas. Meu coração esta completamente aberto para a arte. Me regozijo criando belas e inspiradas pinturas, do fundo da minha alma. Cada um dos meus trabalhos reflete meus sentimentos, sensibilidade, paixão, e a música da minha alma. A arte verdadeira está viva e inspirada pela humanidade. Eu acredito que a arte ajuda a sermos livres de agressividade e depressão.”

Falou quase tão belo quanto pinta, porque sério, essas obras são de deixar boquiaberto.
























THE SQUARE SET - THAT'S WAT I WANT



THE TREMELOES - SILENCE IS GOLDEN



THREE DOG NIGT - JOY TO THE WORLD



TONY CHRISTIE - IS THIS THE WAY TO AMARILO



TANGO DOS BARBUDOS




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 76



Quando em São Paulo, Felipe mantinha-se assíduo ao corpo de agreste sabor, ao dengue, às carícias, quase sempre castas, ao cafuné, aos ingénuos acalantos. Quando em viagem, tomava as medidas necessárias para que nada lhe faltasse, tivesse dinheiro para não esquecê-lo e para respeitá-lo.

- Não botava chifres nele, Mãezinha?

- Quem podia botar chifres nele era a esposa, dona Olívia, mas não me consta que pusesse. Eu era sua protegida. Nunca me proibiu nada, a não ser que eu fizesse a vida. Dei a quem quis, por querer, assim como dava em Agreste, antes de ser mulher-dama, para satisfazer o fogo me queimando o rabo, nunca por dinheiro. Fui discreta nos meus casos, sempre o respeitei e jamais falamos disso.

E ele não tinha outras?

- Nunca quis saber, nunca perguntei pelas mulheres que ele comia mundo afora. Me contaram de uma que ele trouxe da Suécia.

Alta, escultural de trigo e neve, belíssima disseram a Tieta as intrigantes. Ela cerrara os dentes, não abrira a boca. Apenas recomeçou a frequentá-la e se viu nos dengues, rindo, adormecendo no cafuné, Felipe despediu a escandinava.

Despediu, não: a beldade foi cedida, em troca de charutos cubanos, a um amigo importador, maníaco de material estrangeiro. Mesmo de segunda mão, em bom estado – observou Felipe de bom humor, concluindo que, em matéria de rapariga, tinha tendências à monogamia.

- Penso que ele ficou comigo a vida inteira porque nunca liguei para a fortuna dele, para mim não fazia diferença que fosse rico ou não, o que me prendiam eram as atenções. Nunca pedi nada a Felipe, a não ser, por duas vezes, dinheiro emprestado. A primeira, no dia em que nos conhecemos, se não tivesse a quantia exacta perderia a ocasião de comprar um casaco de napa, argentino, um espectáculo, novo em folha.

Tudo mais o que ele me deu foi de livre e espontânea vontade.

Os apartamentos, um a um, em prédios cuja construção incorporara. Um dia chegou com a planta de um edifício, abriu na cama.

Estou construindo esse prédio, doze andares, na Alameda Santos.

- Puxa! Que colosso!

- Reservei um apartamento para você. São todos iguais: sala e dois quartos. Tem quatro em cada piso.

- Tu ficou doido? Para eu pagar com quê?

- Quem falou em pagar? É um presente, está completando três anos que nos conhecemos.

Com tanta coisa em que pensar, Felipe recordava datas, aniversários. Apegara-se a Tieta, mais ainda se apegara ela a esse homem que lhe dava tanto e tão pouco lhe pedia. Aos pés do leito, os chinelos sob travesseiros, o pijama de Filipe. Os edifícios cresceram em andares, os apartamentos em tamanho. No último prédio, imenso, uma cidade, ganhou loja no andar térreo, ponto caríssimo. Se ela lhe deu carinho, ele pagou em dinheiro – ou em bens, a mesma coisa: o melhor é pagar em dinheiro, fica mais barato e não dá aporrinhação.

- Um dia, Madame Georgette me chamou para conversar. Queria passar o negócio adiante, ia a voltar para França, me ofereceu a preferência.

Madame Georgette depositava na França economias e lucros, comprara casa na banlieue de Paris, sempre pensara no regresso e na aposentadoria.

Quando falou em Tieta, já adquirira a passagem de navio para daí a dois meses. Pela segunda vez, ela pediu a Felipe dinheiro emprestado.

- Você não me pagou o que tomou no dia em que conheci – pôs-se ele a rir – deixe comigo, acerto com Georgette, o Nid é seu.

- Faz mais de treze anos que assumi. Reformei tudo, modernizei, separei um apartamento para mim e Felipe, aquele luxo. Mudei o nome e aumentei os preços.

- Por que mudou o nome Mãezinha?

- Nid d’Amour cheirava muito a casa de puta. Refúgio dos Lordes é mais decente. São todos uns lordes, os meus fregueses. Em troca, tive de mudar meu nome. Conselho de Felipe.

- Um randevu de alto bordo e preços de esfolar tem de ser dirigido por francesa, ma belle. Madame Antoinette vai muito bem com o seu tipo – assim ele dissera.

- Nome francês com minha cor, meu bem? Não pode ser.

- Francesa da Martinica, como Josefina, a de Napoleão. Os fregueses fizeram-se amigos, o prestígio do rendevu cresceu, frequentar o Refúgio dos Lordes tornou-se privilégio mais disputado do que ser sócio do Jóquei Clube, da Sociedade Hípica, dos clubes mais fechados de São Paulo. No apartamento reservado, com o máximo conforto, aos pés do leito, os chinelos de Felipe, sob o travesseiro, o pijama.

Envelhecera, enviuvara, o Papa agraciara-o com o título de comendador, viajava pouco, viajava pouco, apenas superentendia as múltiplas empresas, cada vez mais presente à cama e ao riso cálido de Tieta.

- Para Felipe não mudei de nome, fui Tieta do Agreste até ao fim.

Para os demais, Madame Antoinette, francesa nascida nas Antilhas do casamento de um General de La Republique com uma mestiça.

Educada em Paris, desperdiçando charme, mestra no ofício de escolher mulheres, especiarias para o gosto caro dos clientes, os mais ricos de São Paulo, Dieu Merci. Para as duas ou três raparigas que, como Leonora que, como Leonora, habitam permanentemente no Refúgio dos
Lordes, é
Mãezinha, exigente e generosa, temida e amada.

quinta-feira, março 19, 2009


UMA HISTÓRIA PARA REFLECTIR



Um agricultor coleccionava cavalos e só lhe faltava uma determinada raça.

Um dia ele descobriu que o seu vizinho tinha esse determinado cavalo e atazanou-o até conseguir comprá-lo.

Um mês depois o cavalo adoeceu e ele chamou o veterinário:

- Bem, o seu cavalo está com uma virose; é preciso tomar este medicamento durante 3 dias, no terceiro dia eu regressarei e, caso ele não esteja melhor, será necessário sacrificá-lo.

Ali perto, o porco escutava a conversa toda...

No dia seguinte deram o medicamento ao cavalo e foram-se embora. O porco aproximou-se

do cavalo e disse:

- Força, amigo! Levanta-te daí, senão serás sacrificado!!!

No segundo dia, deram-lhe o medicamento e foram-se embora. O porco aproximou-se do cavalo e disse:

- Vamos lá amigo, levanta-te senão vais morrer! Vamos lá, eu ajudo-te a

levantar... Upa! Um, dois, três!

No terceiro dia deram-lhe o medicamento e o veterinário disse:

- Infelizmente, vamos ter que sacrificá-lo amanhã, pois a virose pode contaminar os outros cavalos.

- Quando se foram embora, o porco aproximou-se do cavalo e disse:

- É agora ou nunca, levanta-te depressa! Coragem! Upa! Upa! Isso, devagar! Óptimo, vamos, um, dois, três, agora mais depressa, vá... Fantástico! Corre, corre mais! Upa! Upa! Upa!!! Tu venceste, Campeão!!!

Então, de repente o dono chegou, viu o cavalo a correr no campo e gritou:

- Milagre!!! O cavalo melhorou! Isto merece uma festa... para comemorar, vamos matar o porco!!!




Uma Lufada de
Ar Fresco...



Primeiro a notícia:

- O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, instruiu o Secretário do Tesouro, Tim Gheithner, para tomar todas as medidas legais para impedir o pagamento de bónus milionários aos responsáveis da AIG, American International Group, inc.

Isto é um insulto injustificável aos contribuintes”, disse Obama, durante a apresentação de um plano para empréstimos a pequenas empresas em Washington.

E agora, a suprema lata do Presidente da Empresa:

- “Não é uma questão de dinheiro. É uma questão de princípios” – (de maus princípios, dizemos todos nós).

Esta Seguradora, pasme-se, recebeu do Estado 134 mil milhões de euros para não falir e vai pagar de prémios aos seus executivos 128 milhões e o presidente executivo da AIG, numa carta dirigida ao Secretário do Tesouro, ameaça:

“…se os bónus não forem pagos haverá consequências legais e empresariais graves”.

Deveremos assistir, agora, a longa contenda de vencedor incerto pois, presidente de empresa que fala assim para o Estado, ou faz bluf ou tem muitos trunfos para jogar.

De realçar, as palavras do Presidente Obama, autêntica lufada de ar fresco neste mundo de interesses fétidos que não se comovem sejam quais forem as circunstâncias e condições do mundo que os rodeia.

A ganância de certos senhores pelo dinheiro, recebido de mão beijada, justifica-se a si própria como uma espécie de direito consuetudinário que se perde na noite dos tempos e por isso, por mais injusto que seja, não deve ser questionado e muito menos posto em causa.

O poder destas pessoas responsáveis pelas grandes empresas e grupos económicos, o volume de dinheiro que as suas decisões arrastam, os milhares de pessoas que deles dependem, fá-los sentir fora deste mundo, das nossas leis, dos nossos critérios de justiça.

Transportam-se em velozes automóveis, negros e enormes conduzidos por ex-profissionais do volante em circuitos que parecem estar sempre abertos para eles, vivem, como no tempo dos senhores feudais, em refúgios rodeados de jardins e de muros inacessíveis e a circunstância de terem conduzido o mundo à beira da banca rota não lhes abala a consciência, que a não têm, a soberba e a prosápia.

E por cá?

- O senhor ministro das Obras Públicas, em tom humilde e receoso de não ser ouvido, concorda com o Presidente da República na necessidade de contenção dos salários dos gestores, dizendo que já pediu reforço de transparência e contenção (as palavras bonitas que eles utilizam…) à Administração da Portugal Telecom (PT).

Entretanto, essa personagem silenciosa que se vai esgueirando de Banco para Banco, o Sr. Armando Vara, que ganhava 244.000/ano na CGD foi para o BCP, cujas acções passaram de 4 euros para 50 cêntimos, ganhar quase 500.000.

Com estes exemplos todos, quando a população se vê cada vez em maiores apertos, não admira que o Sr. Loução suba nas sondagens só que, o Bloco não quer assumir responsabilidades de governação, a Drª Ferreira Leite, ela que me desculpe, mas só me consegue deprimir, o Sr. Jerónimo continua “na justa luta dos trabalhadores e lá continuará” e o “enfant terrible” do PP não interrompe a sua veia demagógica e exige mais polícias, mais GNR(s), mais investigadores para descobrir os ladrões, mais subsídios para os desempregados e, provavelmente, também para os ex-combatentes da guerra do ultramar que até já lhe renderam uns votosinhos…

Claro que, com tantas razões de queixa e mau estar, Sócrates, pela certa, não renovará a maioria absoluta e a instabilidade política, expoente máximo da nossa democracia, irá regressar com ou sem queijos Limianos.

Como é natural, todos vão querer ter uma palavra na governação mas, como essas palavras se chocam, as decisões vão tardar e o país vai arrastar-se… e, nas actuais circunstâncias, temo por ele e por nós.

SHOCKING BLUE - VENUS 1991



OLD FASHIONED LOVE SONG (1975) - THREE DOG NIGHT


CHRISTIE - YELLOW RIVER

DANIEL BOONE - BEAUTIFUL SUNDAY


Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 75


ÚLTIMO FRAGMENTO DA NARRATIVA, NA QUAL – DURANTE A LONGA VIAGEM DE ÓNIBUS-LEITO, DA CAPITAL DE SÃO PAULO DA BAHIA – TIETA RECORDA E CONTA À BELA LEONORA CANTARELLI EPISÒDIOS DE SUA VIDA


- Quando conheci Filipe, ele não era ainda comendador e eu ainda era Tieta do Agreste, meu nome no sertão, na cidade da Bahia, no Rio de Janeiro e em meus começos em São Paulo. Filipe tinha voltado da Europa.

Filipe Camargo do Amaral, aos cinquenta anos, considerava-se realizado como homem de negócios, empresário vitorioso em todos os sectores onde actuava. Realizado também como paulista, cidadão e homem. Na revolução de 32, não aceitou o cargo burocrático no gabinete do Governador, providenciado pela família tradicional, marchou para a frente do combate, praça voluntária e, ali chegando, foi imediatamente promovido a 1º Tenente, ajudante-de-ordens, um Camargo do Amaral não pode ser soldado raso. Terminou Major no Estado-Maior Revolucionário, redigindo manifestos e proclamações. Nascera rico fazendeiro do café, já com fartas colheitas e quatrocentos anos de cidadania ou mais, se for considerado o sangue indígena, algumas gotas, o suficiente para dar-lhe condição nativa, autêntico bandeirante.

Por conta própria tornou-se industrial, um génio para ganhar dinheiro, presidente de empresas, consórcios, bancos, entupido de acções e dividendos. Rápida passagem pela política. Deputado, em 1933, ao regressar do cómodo exílio em Lisboa, não disputou a reeleição. Faltava-lhe paciência para os inócuos debates, para as sessões chatas e, quanto à astúcia, preferia empregá-la melhor do que em trincas eleitorais.

Assim o fez, crescendo em riqueza e sabedoria.

- Filipe sabia viver e me ensinou. Eu era uma cabrita andeja, com ele virei madame. Aprendi com Filipe o valor do dinheiro mas aprendi também que a gente deve ser dono e não escravo do dinheiro.

Sabedoria para ele era viver bem. Não se deixar aprisionar pelos negócios.

Música, quadros, livros, boa mesa, boa adega, viagens, mulheres. Conheceu os cinco continentes. Europa e Estados Unidos de cabo a rabo, pagou montes de mulheres – mulher a gente paga de qualquer forma, o melhor é pagar com dinheiro, fica sempre mais barato e não dá aporrinhação. Bom chefe de família, vivendo em paz com a esposa, escolhida no seio da exportação do café, em clã de muita linhagem e maior pecúnia, doido pelos filhos: um com ele, lugar-tenente nas empresas, o outro irremediavelmente ancorada num laboratório de pesquisas científicas da universidade norte-americana onde estudara e permanecera, casado com gringa.

Felipe não tinha queixas da vida.

- Foi ele quem teve a ideia do Refúgio muito antes de me conhecer. O primeiro nome era francês.

A ideia propriamente não fora dele. Com um pequeno, seleccionado grupo de senhoras do mesmo padrão económico e de idênticos altos ideais, financiara benemérito projecto de diligente e encantadora amiga, Madame Georgette.

Um dos filhos de Felipe estudara nos Estados Unidos, o outro em Oxford, na Inglaterra. Ele, porem, preferia la douce France, familiar de Paris, guloso de vinhos, queijos e fêmeas. Quanto mais conheço outras cidades, mais gosto de Paris, dizia. Madame Georgette transportara para a capital paulista algumas especiarias francesas, condimentadas, picantes, às quais somara o melhor produto nacional. Perita na escolha das gentis parceiras.

O projecto referia-se ao estabelecimento de reservadíssimo rendevu a ser frequentado apenas pelos reis do latifúndio e da indústria – terras e fábricas, financeiras e bancos – pelos maiores da política, ministros, senadores; grandes das letras e das artes, excepcionalmente, para dar lustre à casa. Experiente e capaz, madame Georgette superou-se. Assim nasceu o Nid d’Amour onde os fatigados, nervosos senhores, repousavam em braços jovens, em colos perfumados, em dóceis e eruditas jeunes-filles.

Quando Filipe chegava de viagem, vinha farto de brancas, tinha um pendor pela cor morena, assim tostada igual à minha – minha bisavó foi negra escrava. Cabrita montês, queimada de nascença, fui-lhe servida com champanhe.

Madame Georgette conhecia o gosto de Monseigneur Le Prince Felipe – somente de príncipe o tratava – guardara para ele pitéu digno de tão fino paladar: Tieta do Agreste, morena de cabelos anelados, curtida no sol do sertão, educada nos bordéis dos povoados pobres, a flor da casa.

- Por que se engraçou de mim, não sei. O certo é que não me deixou mais.

- Que homem não se engraçaria, Mãezinha? Além de bonita devia ser saliente, uma brasa, imagino.

- Eu era bonita, sim, e esporreteada. Falava pelos cotovelos, ria à toa e quando topava parceiro de respeito, não tinha rival na cama, te garanto. Não sei se gostou de mim por isso ou porque acalentei seu sono.

O que prendeu Felipe e o fez constante? O conversê de moça a contar coisas do burgo e do sertão, da vida pacata, das cabras saltando sobre as pedras, do banho no rio? A competência? Ou o calor a desprender-se dela, a vida intensa e o gosto de viver? No quarto, com Tieta, sentiu-se jovem. Não mais o gasto senhor, refugiado no rendevu para repousar de afazeres com prostitutas de alta classe, a ser usada uma vez, quase nunca repetida. Madame Georgette mantinha vasto e renovado estoque, inumeráveis telefones no caderno azul, todas seleccionadas no capricho. Ficara assombrada quando Le Prince Felipe pediu de novo a cabrita sertaneja e, depois de umas quantas vezes a, reservou – não fará mais a vida, fica por minha conta, à minha disposição.

quarta-feira, março 18, 2009

YVONE ELLIMAN - I DON'T KNOW HOW TO LOVE HIM

IF I WERE A RICH MAN

BOBY GOLDSBORG - HONEY

BOB MARLEY

NEIL DIAMOND - SONG SUN BLUE



Tieta do Agreste


EPISÓDIO Nº 74




Vidrou-se em Pipo, o primeiro a quem se deu por bem querer. Achava-o o máximo com os cabelos longos caídos pelo pescoço, despenteados; aos dezanove anos já citado nas páginas de esporte dos jornais, pinta de craque. Elevado dos juvenis para o time de cima na ausência do titular da ponta esquerda, abafou. Finalmente, o ponteiro ofensivo de que tanto necessita nosso futebol. Foi o começo do sucesso de Pipo, o fim do romance de Leonora.

- Não enche, civeta. Não se enxerga?

Vez por outra, se quiseres, numa folga dos treinos e das boates, quando de visita ao bairro, à família no cortiço em tudo igual àquele onde vivia Leonora.

Vez por outra, ela não quis; romântica, exigia carinho, doçura, amor, desejos absurdos naquele confuso labirinto.

Ainda chorava quando reencontrou Natacha, antiga vizinha, também de visita aos pais. Leonora lhe narrou a paixão e o abandono, da curra ela já sabia. Um punhal no peito, cravado pelo festejado Pipo, agora de automóvel, cercado de admiradores. Segundo a crónica esportiva, o sucesso está subindo à cabeça do rapaz, se continuar assim não irá longe.

Natacha, bem posta e perfumada, lhe falou da profissão de puta. Não contou vantagens, disse que dava para viver, se a fulana evitasse cafetões e gigolôs – para Natacha melhor que oito horas ou doméstica em casa rica. Para Leonora soara a hora decisiva – a fábrica ou a zona.

Dois anos andou aqui e ali, de mão em mão, em hotéis baratos, no quarto sem janela dividido do vizinho por um tabique, foi presa, medida correctiva, viveu desvairada paixão por Cid Raposeira.

Quando o conheceu, Cid atravessava uma fase calma, os médicos deram-no como curado sem dúvida para se verem livre dele. Magro, calado, Durão, quase sempre. De repente, terno e frágil. Para quem nada tivera, era bastante. Leonora se prendeu. Cid Raposeira odiava o mundo e a humanidade, mas exceptuava a companheira, um dia vou casar contigo e teremos filhos, sinal de crise à vista – amiudavam-se os ataques, cada vez mais curtos os intervalos de lucidez. Do carinho passava ao ódio, directo: sai da minha frente, demónio. Dias de xingos e tabefes, ameaças de morte, tentativas de suicídio, terminando no manicómio ou na delegacia. Passada a crise lá vinha ele humilde, esquelético, esfomeado, pedinchento, inútil. Leonora, um aperto no coração, varada de pena o acolhia. Não houvesse Raposeira partido com uma boliviana que transava drogas, talvez Leonora ainda permanecesse com ele, sem coragem de abandoná-lo.

Novamente Natacha mudou-lhe o curso da vida. Cruzaram-se na rua por acaso, num começo de tarde. Leonora perseguindo michês, Natacha, próspera, elegante, superiora.

- Agora, faço vida em rendevu. No melhor de São Paulo, o mais caro, o refúgio dos lordes, já ouviu falar?

Mediu Leonora cuja beleza não apenas resistira mas crescera, absurda beleza virginal, translúcida, os enormes olhos de água, os cabelos doirados, a face pura, toda ela recato e inocência.

Quem sabe Madame Antoinete lhe aceita. Você faz o tipo moça de família. Se quiser lhe apresento.

Madame Antoinete pôs as mãos nas cadeiras, estudou a recém-chegada:

- O que deseja?

Natacha antecipou-se:

- Leonora…

- Perguntei a ela, não a você, cabrita.

- Desejo trabalhar aqui se a senhora me aceitar.

- Porquê?

- Para melhorar de sorte.

- É casada? Já foi?

- Não mas já vivi uns meses amigada.

- Por que deixou?

- Ele me deixou.

- Por que foi ser rapariga?

- Para não ir para a fábrica. Antes tivesse ido.

- Tem algum homem? Algum rabicho? Cafetão, gigolô?

- Tive esse que falei, era doente.

- Doente? De quê?

- Esquizofrénico. Quando estava são era um cara legal.

- Filhos?

- Não, senhora. Não peguei nunca, nisso tive sorte.

- Sorte? Não gosta de crianças?

- Gosto demais. Por isso digo que tive sorte. Não tenho com que criar menino. Para passar fome, não quero.

- Já teve doenças? Não minta.

- A senhora quer dizer doença comprada, venérea?

- Isso mesmo.

- Me cuido muito, sempre tive medo. Sou asseada.

- Está bem. Vou fazer uma experiência com você. Pode começar hoje mesmo.

Alguns meses depois Lourdes Veludo, morenaço digno da melhor consideração, uma das três mulheres de residência fixa no Refúgio, deixou a casa para incorporar-se a um show de mulatas, espectáculo de sucesso com possibilidades de excursão à Europa. Madame Antoinette, que

apreciava a descrição e gentileza de Leonora, convidou-a a ocupar a vaga. Acontecera dois anos atrás.

terça-feira, março 17, 2009


HOMENS....
eheheh






QUANDO É QUE UM HOMEM MOSTRA QUE TEM PLANOS PARA O FUTURO?
- Quando compra 2 caixas de cerveja .

QUAL A DIFERENÇA ENTRE UM HOMEM E UMA MANGA VERDE?
- A manga amadurece .

PORQUE É QUE AS PIADAS SOBRE LOIRAS SÃO TÃO CURTAS?
- Para que os homens se consigam lembrar delas .

QUANTOS HOMENS SÃO NECESSÁRIOS PARA TROCAR UM ROLO DE PAPEL HIGIÉ NICO?
- Não sabemos, nunca aconteceu antes!!!

POR QUE MULHERES CASADAS SÃO MAIS GORDAS DO QUE AS SOLTEIRAS?
- A solteira chega em casa, vê o que tem no frigorífico e vai para a cama, a casada vê o que tem na cama e vai para o frigorífico.

POR QUE É TÃO DIFÍCIL ACHAR HOMENS BONITOS, SENSÍVEIS·E CARINHOSO?
- Porque normalmente eles já têm namorados .

COMO SE CHAMA UMA MULHER QUE SABE ONDE ESTÁ O SEU MARIDO TODAS AS NOITES?
- Viúva.

COMO CONSEGUIR QUE UM HOMEM FAÇA ABDOMINAIS?
- Colocando o controle remoto entre os dedos do pé.

O QUE EXISTE EM COMUM ENTRE OS HOMENS QUE FREQUENTAM BARES DE SOLTEIROS?
- Todos são casados.

O HOMEM PERGUNTOU A DEUS: PORQUE FEZ A MULHER TÃO BONITA?
- Deus: para que pudesses amá-la.
Homem: MAS PORQUE A FEZ TÃO ' BURRA?'
- Deus: para que ela te pudesse amar .

O QUE DISSE DEUS DEPOIS DE CRIAR O HOMEM?
- Tenho que ser capaz de fazer coisa melhor.

O QUE DISSE DEUS DEPOIS DE CRIAR A MULHER?
- A prática traz a perfeição



Curiosidades


Há dias, num Jornal Diário de grande tiragem dizia-se, entre outras informações sobre as características físicas do nosso Planeta Terra, que o seu peso era de seis milhões e tal de toneladas.

Embora muito mais preocupado com o meu peso do que com o da Terra, saltou-me à evidência que aquilo era uma gaffe quase maior do que a própria Terra.

Efectivamente, o peso da Terra é de seis mas não de milhões, como se está mesmo a perceber.

De acordo com a consulta efectuada na Internet – é só digitar e clicar - o que o jornalista não fez por ter pensado que aquele peso era bem capaz de ser o do nosso planeta, a Terra pesa:

- 6 seistrilhões, 586 quintilhões, 242 quatrilhões e 500 trilhões de toneladas.

- Agora, só em algarismos: 6.586.242. 500. 000.000.000.000 de toneladas.


Sempre acertou no 6.

THE ANIMALS - HOUSE OF THE RISING SUN (1964)


FRANK SINATRA - AS TIME GOES BY


DAVE - VANINA

PLATTERS - ONLY YOU



Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 73



ONDE É SUSPENSO O VÉU QUE ENCOBRE O PASSADO DA BELA LEONORA CANTARELLI E FICA-SE SABENDO DE TUDO OU QUASE TUDO


Lar, vida de família, calor humano, afecto verdadeiro, Leonora veio a conhecer quando, aos dezanove anos, chegou ao randevu do Refúgio dos Lordes e obteve aprovação de Madame Antoinette. Antes aprendera em curso intensivo a fome, a maldade, o desconsolo.

Na infância, caixa de pancadas. A qualquer pretexto, os pais batiam-lhe na cara, um e outro, a magra Vicenza e o troncudo Vitorio Cantarelli, quando não se batiam entre si – nem sempre Vitorio levava a melhor. Cinco filhos, quatro homens e ela, a caçula. Os homens foram caindo fora do cortiço, para as fábricas, ou má vida. Giuseppe morreu mocinho, sob as rodas de um caminhão, ao voltar para casa, bêbado. Puseram o corpo em cima da mesa, os pés sobrando, dependurados. Único a ter compaixão da irmã, Giuseppe afagava-lhe o rosto imundo, dava-lhe, vez por outra um caramelo. Ela completara treze anos e queria ir-se dali para evitar a fábrica, destino próximo.

Todos a achavam bonita e o diziam. Não para felicitá-la, não em elogio, em bom presságio e, sim, em lástima, em ameaça:

- Non saquelo che l’aspetta di éssere cosi bella.

- Bonita e pobre vai acabar mal.

Tinham razão. Rapazolas e homens perseguiam-na. Antes de ser púbere tentaram violá-la no campo de futebol invadido pelo capim. De que adianta chorar se mais dia menos dia há-de acontecer? Inexperiente, contou em casa, apanhou de Vicenza e de Vitorio para deixar de ser debochada, para não viver na rua se oferendo.

Frequentou a escola, aprendeu a ler e a fazer contas devido à merenda, devorada – a comida em casa insuficiente. Seu Rafael, dono da Pizzaria Etna, a barriga de nove meses, dava-lhe um pedaço de pizza dormida, de carne sentida, e lhe apertava os peitos enquanto ela engolia, sôfrega. A combinação durou meses e meses, nunca trocaram uma única palavra, estabeleceram e cumpriram em silêncio os termos do acordo. Um dia, vendo-a espiar os pratos expostos na vitrine, seu Rafael se adiantara, na mão um naco de pernil, mostrando-o como se atraísse um cão. Leonora entrara, ele avançou as duas mãos, uma a exibir a carne sedutora, a outra dirigida ao busto nascente, protuberâncias sem forma definida. A menina quis pegar o pedaço de pernil e sair, seu Rafael não deixou, sacudiu a cabeçorra proibindo: enquanto ela mastiga, ele apalpa, amassa, belisca os seios nascentes, corre-lhe a mão na bunda quando a gulosa volta as costas para ir embora. Assim Leonora pagou desde de cedo comida e formosura sem conseguir, no entanto, saciar a fome.

Os seios cresceram, a beleza também, visível mesmo na farda pobre de escolar – Leonora dava um jeito no corpo, tentação.

Aos quinze anos, a curra. Era fatal, disseram os vizinhos, assim bonita, desamparada e metida a moça. Quatro no automóvel, um bem mais velho, de barbas, os outros três muito jovens, a exibir revólveres. O mais brutal não aparentava sequer a idade dela, picou-lhe perna e braço com um canivete. O barbado permaneceu ao volante, os três adolescentes desceram, empurraram-na para o fusca, os passantes viram, deram-se conta, ninguém tomou sua defesa.

Quem é louco para se envolver com marginais armados, maconheiros? Levaram-na, serviram-se dela, espancaram-na, rasgaram-lhe o vestido, o único além da farda. Esteve na polícia, ouviu graçolas, um tira propôs encontro, os jornais noticiaram a ocorrência em duas linhas, facto corrente, sem impacto. Tivessem-na matado, a matéria ganharia certo interesse. Estupro, curra – bobagens. Se alguma vez pensara em casamento, abandonou a ideia. Queria apenas ir embora,
fosse para onde fosse, com quem a quisesse levar.

DEUS É IMORAL - 1/2


DEUS É IMORAL - 2/2



segunda-feira, março 16, 2009

CHUBBY CHECKER - LET'S TWIST AGAIN


SALVATORE ADAMO - TU NOMBRE


CHARLES TRENET - DOUCE FRANCE



Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 72


SHERLOKS A POSTOS


Interrompo a narrativa para deixar claro que todos os dados necessários à solução do enigma a envolver Tieta (e com ela Leonora) estão colocados na mesa das deduções, diante do leitor. Não é preciso ser Sherlock Holmes ou Hercule Poirot para tudo descobrir. Por que então dona Carmosina foi no embrulho? Os olhos cegos pela amizade, acreditou no conto.

Aliás, não houve em nenhum momento, da minha parte, a intenção de enganar o público, de esconder-lhe factos, de baratiná-lo. Tampouco havia por que sair contando o fim no começo, desvendando o passado antes de fazer-se necessário. Nos folhetins sempre se considerou essencial um pouco de suspense para atiçar a emoção dos leitores.

Estão à disposição da capacidade de cada um, nas páginas já lidas, pistas e indícios, mais do que suficientes. A maioria, com certeza deu-se conta da verdade desde o início e, se nada disse, fez bem para não alertar os lerdos de entendimento. Não pensem sobretudo que eu escondi, torci ou inventei detalhes, na intenção de não manchar a imagem de Tieta. Se ela, em respeito à família e aos preconceitos de Sant’Ana do Agreste, teceu uma teia de enganos, não me cabem responsabilidades e culpa. Não a julgo, por isso, nem melhor nem pior, nem creio que a actuação posterior por ela desenvolvida tenha menos mérito por causa da sua condição. Mérito ou demérito, dependendo, é claro, da posição de cada um diante das propostas do Magnífico Doutor. Quais? Já veremos, no decorrer da narrativa.




Os Meus Camaradas da Guerra

Colonial


Faz agora um ano que os encontrei de novo pela primeira vez, quarenta e três anos após termos desembarcado do Vera Cruz, no Cais da Rocha, vindos da guerra de Angola.

Estávamos em Março de 1965, éramos jovens e trazíamos saudades da família e dos amigos, saudades que alimentámos e foram crescendo ao longo de vinte e sete meses de uma espera contada dia a dia com risquinhos no calendário.

Finalmente o dia chegara e ali estávamos, debruçados na amurada do navio, olhando a curta distância os parentes e amigos que nos esperavam com ansiedade lá em baixo no cais.

Depois, foram os intermináveis abraços, as lágrimas e a debandada, cada um para seu lado, cada um à sua vida, como se aquele interregno de vinte e sete meses nas nossas vidas não tivesse acontecido, não contasse e viradas as costas ao barco e ao mar tudo se esquecesse rapidamente.

No sábado passado, quando no meu segundo almoço anual com os meus camaradas os voltei a abraçar, muitos deles pela primeira vez porque não tinham ido ao almoço do ano anterior – o Justino, meu amigo do peito, o inconfundível “Pétrack”, que me disseram já ter falecido, o “Quim Médico”, que na fazenda Rainha Santa me fez passar uma noite à sua cabeceira a velar por uma febre de mais de 40º de um paludismo que o atacou, o Zé Cozinheiro, entre outros - alicerçou-me a convicção, pelo entusiasmo das palavras, espontaneidade dos abraços e brilho nos olhares, que esses vinte e sete meses não estavam esquecidos, longe disso… nem tudo terá ficado gravado com precisão nas memórias, talvez alguma confusão no relato dos factos, mas que importância isso tem?

O que se recorda são as emoções, os medos, os sustos, as experiências, as aventuras quando tudo era uma aventura, é isso que se recorda, e os que estavam junto de nós nesses momentos, que os partilharam, que fizeram parte deles, confundiram-se connosco: sem eles a “minha guerra” não teria existido.

O inimigo nunca o vi, não se deixava ver, ele estava no olhar de medo e cumplicidade dos meus camaradas… como era estranha aquela guerra!

Sim, o medo, ele foi a chave da nossa sobrevivência, era preciso ter medo para estar alerta, para ter cuidado, para termos uma postura de guerreiros, para que o inimigo, estivesse ou não estivesse lá, percebesse que o nosso medo poderia ser a morte deles e não a nossa.

Medo do princípio até ao fim, do primeiro dia até ao último momento quando, finalmente, já estávamos fora de cena.

A história daquela guerra contou alguns mortos porque deixaram de ter medo em determinados momentos, ou não o tiveram mesmo até ao fim e morreram quando festejavam precocemente o fim da “sua guerra” na viagem de regresso a Luanda.

Eles tinham medo do nosso medo porque, paradoxalmente, o nosso medo era a nossa coragem. Sem medo éramos presas mais fáceis.

No princípio do ano de 1963, tirando uma determinada zona no norte de Angola onde se concentravam os melhores recursos humanos e de armamento do então inimigo, havia como que uma igualdade em matéria de experiência de guerra: eles estavam a começar, nós começávamos sempre a cada renovação dos contingentes militares.

Em fins de 1962, a guerra ainda fazia algum sentido para a generalidade de todos nós porque estavam frescas as imagens das atrocidades cometidas no Norte de Angola sobre a população indefesa: homens, mulheres, crianças, negros e brancos, pela UPA (União dos Povos de Angola) mas esse sentido foi-se perdendo quando os nossos generais e comandantes davam às tropas instruções para procedermos de igual modo e esta, terá sido apenas uma das razões.

Hoje, quando o Presidente José Eduardo dos Santos desembarca em Lisboa em visita oficial, acompanhado da filha, ele e ela das pessoas mais ricas do continente africano, apenas porque ele é o Presidente e ela a filha do Presidente e Comandante Chefe das Forças Armadas desde 1979, não posso deixar de sorrir, não fossem as vítimas da guerra, porque enquanto portugueses – eu e os meus camaradas da guerra incluídos - e angolanos, combatiam e morriam nas matas e nas picadas do norte de Angola, José Eduardo dos Santos, desde Novembro de 1961 coordenava, na segurança do exílio, a actividade da Juventude do MPLA….

Bem se pode dizer que “guardado está o bocado para quem o há-de comer”, e que bocado…

Bem, mas isto são coisas do presente a “meterem-se” com a “minha guerra e a dos meus camaradas”, passado e presente, presente e passado, e o tempo não pára e com ele envelhecemos.

Hoje, estamos todos na casa dos setenta, uns à beirinha, outros já entraram. Vencemos a guerra porque lhe sobrevivemos há 45 anos, e embora já na fase de balanço, continuamos na vida.

Projectos, se os havia, ou os realizámos ou se esfumaram para sempre. Ficaram as enxaquecas, as artroses, os bicos de papagaio, o reumático, a dor ciática e as preocupações com os netos.

Daqui por uns anos, esperemos que muitos, virá um novo contingente para nos render… desta vez rendição individual e então, "embarcaremos", não como fizemos há 45 anos, em Luanda, no Vera Cruz, para o Cais da Rocha do Conde de Óbidos mas, dessa vez, para um lugar incerto ou lugar nenhum.

Por isso, sempre que nos voltarmos a encontrar nos nossos almoços anuais, os abraços que trocarmos se, por um lado, vão sendo cada vez mais fracos porque as forças vão faltando, o seu sentido será, ano após ano, sempre mais forte:

- “Aguenta-te, pá, temos que continuar a ganhar a guerra da vida e agora, cada ano que passa, será uma vitória.”

É o ciclo da vida: primeiro viver, depois envelhecer e felizes os que podem cumprir este ciclo em paz e tranquilidade.

Recordo, de entre todos que não nos acompanharam na viagem de regresso, o meu amigo “Setúbal”da CªC. 389, apenas porque o conheci melhor: era um rapaz inteligente, muito educado, casado e com uma filha que nunca conheceu aquele que seria, de certo, um excelente pai.

Foi vítima de uma emboscada juntamente com outros camaradas. Morreu com um tiro na testa disparado de muito perto, não sofreu. À sua frente, talvez empunhada, a metralhadora Breda que vinha montada no Unimog e de que nada lhe valeu.

Há semanas que por ali passavam diariamente para irem dar protecção a um grupo de trabalhadores que andava a fazer obras de melhoria na estrada… nunca tinha acontecido nada.

Naquele dia iam distraídos, um lia revistas, o carro que os precedia estava demasiado longe e eles estavam lá, nos seus postos, esperando o dia, esperando o momento em que os nossos, finalmente, perdessem o medo.

Quero elegê-lo, enquanto for vivo, como a vítima que me foi mais querida, que mais me doeu de toda aquela guerra…o meu amigo “Setúbal”.

Para os generais que fazem as guerras e para os políticos que as decidem, para todos eles, o “Setúbal” foi apenas uma baixa, um número, um risco numa lista de vivos ao qual muitos outros se iriam acrescentar…era ainda só o princípio da guerra, de um imenso calvário que se haveria de estender à Guiné e a Moçambique e enlutar a família portuguesa, tudo com a assinatura desse “insigne” político chamado António de Oliveira Salazar, que decidiu conduzir-nos "orgulhosamente sós" no mundo.





domingo, março 15, 2009

DEMIS ROUSSOS - MY ONLY FASCINATION


GINO PAOLI - SAPORE DI SALE (1963)


LEONARDO FLÁVIO - SIMPLEMETE LE REGALE UNA ROSA

Charles Aznavour - Isabelle







Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº71

(A história continua…)



DOS CIÙMES E DAS ESPERANÇAS DE ELISA COM CURIOSOS DETALHE SOBRE QUESTÃO DE TRATAMENTO



Elisa não sabe nadar. Foram-lhe proibidos rio e mar na meninice e na adolescência. Zé Esteves empobrecido tornara-se intransigente e virulento – basta uma puta na família, advertia, o bastão em punho. No exemplo do sucedido com Tieta, Elisa cresceu de rédeas curtas, a qualquer pretexto o pau cantava-lhe nas pernas e nas costas. Bacia de Catarina, praia de Mangue Seco, nem pensar.

Se namorou foi de longe, namoro de caboclo, o olho comprido, vendo o velho expulsar os gabirus em roda pela rua. Somente quando aparecer um bom partido, disposto a noivado e casamento: senão boto no convento, ameaçava. Ameaça vã, cadê convento? Astério, filho único, herdara a loja onde desde menino trabalhava no balcão, rapaz inteiro. Pareceu um bom partido, Zé Esteves concordou. Aos dezasseis anos, beleza de noiva. Elisa se casou, pensando que se libertava. Mudou de servidão.

Fica no raso, não se atreve a ir mais longe, enquanto Tieta e Leonora em meio às ondas e à animação da comitiva inteira no rastro das paulistas. Elisa ali sozinha, abandonada. Nem sequer o marido lhe faz companhia, prefere os amigos do bilhar. Também, pelo que vale e serve…

Elisa tem ciúmes. Não que a irmã ou a moça paulista possam se interessar por Astério, imagine-se! Leonora está de namoro com Ascânio, os dois sempre juntos, não se largam. Antonieta, viúva recente, não veio a Agreste tomar marido de ninguém. Tomaria, se quisesse com facilidade. Apesar dos quarenta e quatro anos confessados – proclamados! – quando passa na rua, alegre e descontraída, os homens correm a saudá-la, assanhados. A pele lisa e macia, tratada, tratadíssima, o corpo esplendoroso. Já fez plástica, com certeza, comentara Elisa com dona Carmosina, ambas a par dos hábitos das artistas e das grã-finas, dos milagres realizados pelo doutor Pitanguy em nacionais e estrangeiras. Certamente, Tieta, recondicionou sua beleza na clínica célebre, limpando-a de rugas e pelancas: basta ver-lhe os seios jovens, magníficos, opulentos porém firmes, mais firmes que os dela, Elisa.

Outros são os ciúmes de Elisa. Da riqueza que elas ostentam, dos hábitos da cidade grande, da falta de preconceitos, de limitações, ciúmes por não viver no mesmo mundo, tabaroa do sertão, condenada ao desconsolo.

Ciúmes também de Leonora, do amor que Tieta lhe dedica, a chamá-la pelo: Nora, a dizer-lhe filha, com desvelos maternos. Deseja os mesmos cuidados, amor idêntico, sentir-se mimada como filha, adoptada. Em certos momentos, Antonieta é extremosa com ela, alisa-lhe a cabeleira negra, beija-lhe a face, elogia-lhe a beleza: tu é bonita de mais. Trata-a de filha e de Lisa, ternamente, tudo parece encaminhar-se como ela deseja. Mas noutros momentos a irmã a fita, pensativa, como se duvidasse do calor do seu afecto. Elisa não consegue entender o motivo da desconfiança, do desagrado da Tieta. Intrigas de Leonora, quem sabe? Com receio da concorrência, de perder o lugar privilegiado junto àquela de quem chama de Mãezinha.

Um dia, estando a sós com Tieta, também Elisa a tratara de Mãezinha. A irmã dirigiu-lhe um olhar estranho, disse ríspida:

- Prefiro que me chame de Tieta.

Voz e olhar deixaram Elisa trémula:

- Desculpe. Só quis lhe agradar, agradecer o que tem feito por mim.

Adoçaram-se olhar e voz de Antonieta, afagou os cabelos negros da irmã mas não voltou atrás relativamente ao tratamento:

- Não estou zangada. Apenas prefiro que você me trate de Tieta. Em Agreste todos me tratam assim, eu gosto. Mãezinha é nome de São Paulo, coisas de Nora e das outras meninas.

- As filhas do finado?

- As filhas, as sobrinhas, a família é grande.

A essa família, sim, queria Elisa pertencer, prol de Comendador, de rico industrial, gente graúda, linhagem fina. Quer elevar-se da mediocridade do Agreste, salvar-se do cansaço, da inutilidade, da avidez quotidiana. Quer as luzes, o brilho, a agitação, as possibilidades, a aventura de São Paulo. Em Agreste, sem horizontes, sem futuro, vegeta, morre a cada dia.

Vestindo um maiô emprestado por Leonora – o seu está velho e fora de moda – que lhe molda o corpo esplêndido, os cabelos nocturnos caindo no cangote, sai da água, vem sentar-se na praia. Enxerga Perpétua adormecida. Elisa sabe que a irmã mais velha tem um plano traçado, essa é a opinião de dona Carmosina, a quem nada escapa. Perpétua ambiciona vender – vender muito bem vendidos – os dois meninos a Tieta, mandá-los para São Paulo onde serão adoptados como filhos e herdeiros. Plano diabólico, dona Carmosina o desvenda inteiro, de dedução em dedução.

Elisa não deseja tanto, não quer ser adoptada de papel passado e sim de coração, não se candidata a herdeira única. Contenta-se com muito menos: basta que a irmã se compadeça da mesquinha sorte dela e do bestalhão do Astério e os leve para São Paulo, dando a ele emprego nas fábricas da família e tendo ela, Elisa, a seu lado, quase filha, amada tanto ou mais que Leonora. Já disse não desejar casa própria em agreste. Se a irmã pretende lhe dar alguma coisa, que seja em São Paulo onde a vida é digna de viver-se, repleta de novidades e de tentações. Lá terá quem lhe admire a beleza, não apenas um árabe velho, um moleque sujo, um fétido mendigo. Será alguém, tendo onde, tendo onde e a quem mostrar-se. Em São Paulo tudo pode acontecer.

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