sexta-feira, março 17, 2017

Mar Me Quer
(Mia Couto)


Episódio Nº 23










Luarmina levantou-se, atrapalhada. Rondou para trás e para diante como se procurasse não uma ideia mas coisa como se estivesse perdida na desarrumação do quarto.

De repente parou junto à cama e deu uma ordem:

- Levante-se Zeca.

Me admirei. E recusei incapaz de meximento. Mas ela insistiu, me repuxou, alavanqueando-me pelas axilas.

- Mas eu não aguento. Me deixe na cama.

- Deixe as conversas e me ajude a levantar-se, Zeca.

- Mas o que me quer fazer, Dona?

- O que eu quero fazer? Eu quero dançar consigo, homem.

Ironia do destino: toda a vida sonhei dançar com aquela mulher. Agora que ela queria, eu não podia. Luarmina ainda me arrastou como se eu fosse um saco cheio de coisa sem peso. Eu me esforçava mas os meus pés não se encontravam com os passos.

Até que ela me depositou, fardo falecido sobre a cama.

- Desculpe Dona Luarmina.

- Você está doente eu não devia ter forçado.

- Não é doença. Para nós, doença é outra coisa, não é isso que vocês brancos...

- Eu sou mulata, não esqueça.

- A senhora, para os indevidos efeitos, é branca. A verdade de minha doença é esta: estou sendo castigado por meu pai.

- Castigado?

- Porque não cumpri o pedido dele.

 - Isso não pode ser motivo...

- Não pode? Se fui infiel com a promessa que deixei. Não se lembra do que lhe contei? Eu Prometi que tratava dessa mulher dele. Prometi que lhe dava água, alimento...

- Mas você fez tudo isso.

- Não, não fiz nada.

- Fez, sim. 

Mixórdia de Temáticas - Pré Sono

             

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Os Novos

Dez 

Mandamentos











A nossa moralidade não se fundamenta nos livros sagrados, a verdade é que existe um consenso muito alargado do que está certo e está errado e que não tem uma ligação óbvia com a religião.


A maior parte de nós não inflige sofrimentos desnecessários, acredita na liberdade de expressão e protege-a mesmo quando discorda do que é dito, paga os seus impostos, não engana, mão mata, não comete incesto, não faz aos outros o que não gostaria que lhe fizessem.

Alguns destes bons princípios constam dos livros sagrados mas sepultados ao lado de outros que nenhuma pessoa decente desejaria seguir com a agravante de que os livros sagrados não facultam regras com base nas quais possamos distinguir os bons dos maus princípios.

Uma forma de exprimir a nossa ética consensual pode ser através de Dez Mandamentos, não só dos Dez Mandamentos do Antigo Testamento, ou os do Novo Testamento, mas também de Novos Dez Mandamentos, da actualidade, não esquecendo que, de acordo com “o espírito do tempo”, eles reflectirão sempre o nível do avanço intelectual e cultural do mundo na sua época, como ficou dito no meu texto anterior.

Mas, para que melhor se possam avaliar as diferenças entre os Novos Dez Mandamentos, que não são da autoria de nenhum sábio, nem de um profeta ou de um eticista profissional, mas tão só de um comum utilizador da web que mais não fez do que resumir, hoje, os princípios consensuais da nossa vida, e compará-los com os Dez Mandamentos bíblicos, enunciaremos estes em primeiro lugar e de seguida os Dez Mandamentos da Igreja Católica antes de passarmos aos Novos Dez Mandamentos:

Antigo Testamento


1º Eu sou o Senhor teu Deus que te tirei da terra do Egipto, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim.

2º Não farás para ti imagem de escultura nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra; nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a eles nem os servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso que visito a maldade dos pais nos filhos até à 3ª e 4ª geração daqueles que me aborrecem, e faço misericórdia em milhares aos que me amam e guardam os meus mandamentos.

3º Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.

4º Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o 7º dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus, a terra e o mar e tudo o que neles há, e ao 7º dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia de sábado, e o santificou.

5º Honra o teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá.

6º Não matarás.

7º Não adulterarás.

8º Não furtarás.

9º Não dirás falsos testemunhos contra o teu próximo.

10º Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

Dez Mandamentos do Catolicismo que muitos de nós aprendemos ainda na infância, nas aulas da catequese:


1º Amar a Deus sobre todas as coisas.

2º Não invocar o nome de Deus em vão.


3º Guardar Domingos e Festas de Guarda.

4º Honrar pai e mãe.

5º Não matar.

6º Não pecar contra a castidade.

7º Não roubar.

8º Não levantar falsos testemunhos.

9º Não desejar a mulher do próximo.

10º Não cobiçar as coisas alheias.


Cerca de 1500 anos separam estas duas listas de Dez Mandamentos e percebe-se que o “espírito do tempo” que ambas reflectem pouco ou nada difere, talvez menos do que na realidade dado o carácter conservador dos textos religiosos.

Tanto numa como na outra a permanente preocupação de manter os crentes obedientes e tementes ao Senhor que Ele, sim, é a verdadeira razão justificativa dos próprios Mandamentos.

De forma paternalista, autoritária, ameaçadora, o objectivo é manter o grupo unido, coeso, obediente e servil em torno de um Chefe que é o Senhor mas que, na prática, são os dignitários da Igreja, sendo que a crença, a tal necessidade genética de acreditar (nos nossos pais, nos chefes, nas pessoas mais velhas) que nos primórdios da humanidade foi factor de sobrevivência, constitui o íman que atrai as pessoas para as religiões da mesma forma e pela mesma razão que leva a borboleta da traça ao voou suicida contra a chama da vela. (ver neste blog o texto As Raízes da Religião de 7 de Maio).

Chegados a este ponto, Dawkins, através de um motor de busca da Internet encontrou por acaso, numa página ateia, os seguintes Novos Dez Mandamentos em paralelo com muitos outras listas que aí se podem encontrar.

Novos Dez Mandamentos (da autoria de pessoas assumidamente não crentes):


1º Não faças aos outros aquilo que não quiseres que te façam a ti.

2º Em tudo, esforça-te por não fazeres o mal.

3º Trata os teus semelhantes, os seres vivos e o mundo em geral com amor, honestidade, lealdade e respeito.

4º Não ignores o mal nem te retraias de aplicar a justiça mas está sempre pronto a perdoar a injustiça reconhecida livremente e lamentada honestamente.

5º Vive a vida com alegria e admiração.

6º Procura sempre aprender algo de novo.

7º Testa todas as coisas; confronta as tuas ideias com os factos e está pronto a pôr de parte mesmo uma crença acalentada se ela não estiver em conformidade com eles.

8º Nunca procures censurar-te ou abster-te das divergências; respeita sempre o direito dos outros a discordarem de ti.

9º Forma opiniões independentes com base na tua própria razão e experiência; não te permitas ser levado cegamente pelos outros.

10º Interroga-te sobre tudo.


O filósofo John Rawls poderia incluir nesta lista algo deste género:

- Imagina sempre as tuas regras como se não soubesses se vais estar no topo ou na base da hierarquia.

O povo Inuit segue uma regra para repartir a comida que também poderia fazer parte da lista:

- Quem reparte fica sempre com o último bocado.

Ritchard Dawkins gostaria também de incluir numa lista destas e da sua própria autoria, os seguintes Mandamentos:

- Desfruta da tua vida sexual (desde que não prejudique ninguém) e deixa que os outros desfrutem da sua em privado, quaisquer que sejam as suas tendências, que não são da tua conta.

- Não discrimines nem oprimas em função do sexo, da raça ou, na medida do possível, da espécie.

- Não inculques ideias à força nos teus filhos. Ensina-os a pensarem por si, a ajuizarem das provas e a discordarem de ti.

- Valoriza o futuro em função de uma escala de tempo maior do que aquele que tu tens.


Três mil e quinhentos anos após os velhos Mandamentos bíblicos surge-nos hoje, da autoria de pessoas não religiosas, outros Mandamentos que revelam um mundo novo, diferente e, quanto a mim, incomparavelmente melhor.

Que cada um de nós os julgue e os faça seus, se quiser, de acordo com a sua própria razão, entendimento e sensibilidade. 

              Barbara Streisand - Woman in love
( Esta voz que dura, dura, dura como se não tivesse fim...)


                

Este pescador do Gana foi ao mar. Em vez de peixe trouxe à cabeça... o barco.

 
    

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“A felicidade consiste em ter boa saúde e má memória”. Quem nos diz isto é um psiquiatra espanhol, Enrique Rojas, que no seu livro, “SOS Ansiedade”, lançado recentemente, entende que esta fórmula, “ter boa saúde e má memória” é a chave para a felicidade.

Por outras palavras, é preciso melhorar a expressão dos nossos sentimentos para nos sentirmos bem.

Uma relação conjugal, por exemplo, foi concebida pela natureza para durar três anos: durante a gravidez e mais dois anos para protecção da criança nos primeiros tempos de vida, naquela linha de que o homem é essencialmente macho e a mulher essencialmente mãe, como dizia o nosso único Prémio Nobel, Prof. Egas Moniz.

Por quê, então, a boa saúde e a má memória?

Ser feliz, implica um esforço, um compromisso com os outros. As pessoas têm um reduzido diálogo interior ou, em linguagem mais corriqueira, falam demasiado ao telemóvel para fugirem à conversa consigo próprios.

- Quem sou? – Para onde vou? – Com quem vou?

Para se dar alguma profundidade à vida tem que se reflectir sobre estas três questões essenciais.

Quem não faz este esforço dificilmente consegue ser feliz, aumentando a ansiedade, que é natural que exista em todos nós, e é positiva, se não atingir os limites do patológico.

Daí a “boa saúde e a má memória”.

Pessoalmente, na minha vida, combati a ansiedade, baixando o nível das expectativas não deixando, contudo, em segredo de mim próprio, de lutar por elas.

Sim, a gente sabe que há nas farmácias uns comprimidos que nos ajudam a suprir a ansiedade, os ansiolíticos mas, melhor do que eles, é criar na nossa vida, ordem, disciplina e desenvolver a vontade para que ela não seja um barco à deriva.

Nada se consegue que não seja através de um acto de vontade, ou seja, sem esforço, mas esta luta é só a primeira forma de combater a ansiedade.

O nosso cérebro, é a última expressão de um processo de criação que começou há 4,5 mil milhões de anos e apelar para ele é o que de mais inteligente podemos fazer, por nós e para nós... Aqui entra a má memória.

A vida é o presente e o futuro, o resto é a embalagem que nos fez chegar até aqui. Um colega e amigo meu de carteira, nos últimos dias da sua vida, atormentado por um cancro, pedia à mulher que o levasse a ver o mar procurando nele algo para além da saúde, definitivamente perdida, mas um futuro desconhecido.

Mas enquanto esses momentos não chegam e por aqui continuemos a viver, lembremo-nos que pedir perdão é um acto de amor e a felicidade consiste em ter "boa saúde e má memória".


quinta-feira, março 16, 2017

            Mixórdia de temáticas


           

CRENÇAS RUINS























Por que razão é tão difícil erradicar crenças ruins?

- A razão tem a ver com a natureza das próprias crenças que estão biologicamente preparadas para serem resistentes à mudança porque foram designadas para aumentar a nossa habilidade de sobreviver.

Para mudar as crenças os cépticos devem aceder às habilidades de sobrevivência do cérebro discutindo os significados e as implicações para além dos dados.

Uma noção básica do espírito crítico e científico é de que as crenças estão erradas e por isso, é muitas vezes confuso e irritante para cientistas e cépticos que as crenças de tantas pessoas não mudem diante de evidências contraditórias.

Perguntamo-nos como é que as pessoas acreditam em coisas que contradizem os factos?

Essa confusão pode criar uma terrível tendência da parte dos pensadores cépticos de diminuir e menosprezar as pessoas cujas crenças não mudam face às evidências.

Elas podem ser olhadas como inferiores, estúpidas ou até malucas. Esta atitude, resulta de uma falha dos cépticos ao não compreenderem o propósito biológico das crenças e a necessidade neurológica de que elas sejam resistentes à mudança.

A verdade é que, por causa do seu pensamento rigoroso, muitos cépticos não têm uma compreensão clara ou racional do que são as crenças e por que, mesmo as mais erradas, não desaparecem facilmente.

Entender o propósito biológico das convicções pode ajudar os cépticos a serem muito mais eficientes no desafio às crenças irracionais e na divulgação de conclusões científicas.

Embora faça muito mais do que isso a finalidade primária dos nossos cérebros é manter-nos vivos e a sobrevivência irá ser sempre o seu principal propósito e virá sempre em primeiro lugar.

Se formos ameaçados ao ponto dos nossos corpos ficarem apenas com energia suficiente para suportar a consciência ou o coração a bater mas não as duas coisas em simultâneo, o cérebro não tem problema em “apagar-se” e colocar-nos em coma (sobrevivência à frente da consciência) em vez de ficar alerta até à morte (consciência à frente da sobrevivência).

Como cada actividade do cérebro serve fundamentalmente para isso, a única maneira de entender precisamente qualquer função cerebral é examinar o seu valor como instrumento de sobrevivência.

Mesmo a dificuldade de tratar desordens comportamentais como a obesidade e vícios pode ser entendida examinando a sua relação com a sobrevivência.

Qualquer redução no consumo calórico ou na disponibilidade de uma substância na qual um indivíduo é viciado é sempre interpretada pelo cérebro como uma ameaça à sobrevivência e o resultado disso é que o cérebro defende-se criando aquelas reacções típicas da síndrome da abstinência.

As ferramentas primárias do cérebro para garantir a nossa sobrevivência são os sentidos. Obviamente, devemos ser hábeis em perceber com precisão o perigo para podermos tomar atitudes que nos mantenham em segurança.

Para sobreviver temos que ver o leão à saída da caverna e ouvir o intruso invadindo a nossa casa a meio da noite.

Apesar disso, os sentidos sozinhos são inadequados como detectores do perigo porque são limitados no alcance e na área. Nós só podemos ter contacto sensorial directo com uma pequena porção do mundo de cada vez.

O cérebro considera esse um problema significativo porque, mesmo o dia-a-dia, requer que estejamos constantemente em movimento, dentro e fora do nosso campo de percepção do mundo como é agora.

Entrar num território que nós nunca vimos ou ouvimos coloca-nos na perigosa posição de não termos nenhuma noção dos perigos possíveis. Se entrar num prédio desconhecido ou numa parte perigosa da cidade, as minhas chances de sobrevivência diminuem porque não tenho como saber se o teto está para cair na minha cabeça ou se um atirador está escondido atrás da porta.

É aqui que entra a crença.

Crença: é o nome que damos à ferramenta de sobrevivência do cérebro que existe para aumentar a função de identificação de perigos dos nossos sentidos.

As crenças estendem o alcance dos nossos sentidos de maneira que podemos detectar melhor o perigo e aumentar as nossas chances de sobrevivência em território desconhecido. Em essência, elas servem-nos como detectores de perigo de longo alcance.

Do ponto de vista funcional, os nossos cérebros tratam as crenças como “mapas” da parte do mundo que não podemos ver no momento.

Enquanto estou sentado na minha sala de estar não posso ver o meu carro. Apesar de o ter estacionado na minha garagem há algum tempo, se eu usar os dados sensoriais imediatos, eu não sei se ele ainda lá está, por isso, neste momento os dados sensoriais não são de grande utilidade para encontrar o meu carro.

Para que eu encontre o meu carro com algum grau de eficiência, o meu cérebro deve ignorar a informação sensorial actual e voltar-se para o seu “mapa” interno do local do meu carro.

Esta é a minha crença de que o carro ainda está no local onde o deixei. Se me referir à minha crença em vez de aos dados sensoriais, o meu cérebro pode “saber” alguma coisa sobre o mundo com o qual não tenho contacto imediato.

Esta faculdade “estende” o conhecimento e o contacto do cérebro com o mundo para além do alcance dos nossos sentidos imediatos aumentando as nossas possibilidades de sobrevivência.

Um homem das cavernas tem mais hipóteses de sobreviver se acreditar que o perigo existe na floresta embora ele não o veja, da mesma forma que um polícia estará mais seguro se acreditar que alguém parado por infracção de trânsito pode ser um psicopata armado embora tenha aparência de boa pessoa.

Tanto os sentidos como as crenças são ferramentas para a sobrevivência e evoluíram para se alimentarem um ao outro e, por isso, o nosso cérebro considera-os separados mas igualmente importantes como fontes de informação para a sobrevivência.

A perda de qualquer um deles coloca-nos em perigo. Sem os nossos sentidos não poderíamos conhecer o mundo perceptível e sem as nossas crenças nada poderíamos saber do que está fora dos nossos sentidos, nem sobre significado, razões e causas.

Isto significa que as crenças existem para operar independentemente dos dados sensoriais.

Na verdade, todo o valor das crenças para a sobrevivência baseia-se na sua capacidade de persistirem não obstante as evidências em contrário.

As crenças não devem mudar facilmente ou simplesmente por causa de evidências que as neguem. Se elas o fizessem não tinham nenhuma utilidade para a sobrevivência. O nosso homem das cavernas não duraria muito se a sua crença em perigos potenciais na floresta se evaporasse toda a vez que ele não visse esses perigos.

Para o cérebro não há absolutamente nenhuma necessidade que os dados e as crenças concordem entre si. Cada um delas evoluiu para aumentar e melhorar a outra pelo contacto com diferentes secções do mundo.

Foram preparadas para poderem discordar e por isso é que cientistas podem acreditar em Deus e pessoas que são geralmente razoáveis e racionais podem acreditar em coisas sem evidências dignas de crédito como discos voadores, telepatia ou psicocinese.

Quando dados e crenças entram em conflito o cérebro não dá preferência aos dados e é por isso que crenças, mesmo disparatadas, ruins, irracionais ou loucas, raramente desaparecem diante de evidências contraditórias.

O cérebro não se importa se a crença concorda com os dados, ele apenas se preocupa se a crença ajuda à sobrevivência e ponto final.

Então, enquanto a parte racional e científica do nosso cérebro pode pensar que os dados deviam confirmar a crença, a um nível mais profundo ele nem liga a isso. Ele é extraordinariamente reticente em reavaliar as suas convicções.

E como um velho soldado com o seu revólver que não acredita que a guerra acabou, também o cérebro se recusa a entregar as armas mesmo que os factos desmintam aquilo em que ele crê.

Mesmo as crenças que não parecem, estão intimamente ligadas á sobrevivência porque as crenças não ocorrem individualmente ou no vácuo. Elas relacionam-se umas com as outras formando uma rede que cria a visão do mundo fundamental do cérebro e daqui a importância de manter intacta essa rede.

Pequenas que sejam e aparentemente sem importância, qualquer pequena convicção é defendida até ao fim.

Por exemplo, um Criacionista não pode tolerar a precisão dos dados que indicam a realidade da evolução, não por causa dos dados em si mas porque mudar qualquer crença relacionada com a Bíblia e a natureza da criação, quebrará todo um sistema, uma visão do mundo e, em última análise, a experiência de sobrevivência do seu cérebro.

O que está em causa, portanto, é uma questão de valor da sobrevivência da credibilidade e, perante ela, as evidências negativas são insuficientes para mudar as crenças mesmo em pessoas inteligentes em outros assuntos.

- Em primeiro lugar, os cépticos não devem esperar mudanças de crença simplesmente como resultado dos dados ou pensar que as pessoas são estúpidas porque não mudam de ideias.

Devem evitar tornarem-se críticos ou arrogantes como resposta à resistência à mudança. Os dados são sempre necessários mas raramente suficientes.

- Em segundo lugar, os cépticos devem aprender a nunca ficarem só pelos dados mas discutirem também as implicações que a mudança dessas crenças podem ter na visão do mundo e no sistema de convicções das pessoas envolvidas.

Os cépticos devem acostumar-se a discutir a filosofia fundamental e a ansiedade existencial que se estabelece quando crenças profundas são abaladas.

A tarefa é tão filosófica e psicológica quanto científica.

- Em terceiro lugar, e talvez a mais importante, os cépticos devem perceber quanto difícil é para as pessoas verem as suas convicções abaladas. É, quase literalmente, uma ameaça ao senso de sobrevivência dos seus cérebros.

É perfeitamente normal que as pessoas fiquem na defensiva em situações como essas. O cérebro acha que está lutando pela sua própria vida.

A lição que os cépticos devem aprender é que as pessoas, geralmente, não têm a intenção de serem teimosas, irracionais, nervosas, grosseiras ou estúpidas, quando as suas convicções são ameaçadas.

É uma luta pela sobrevivência e a única maneira de lidar, efectivamente, com esse tipo de comportamento defensivo é amenizar a luta em vez de inflamá-la.

Os cépticos só podem pensar em ganhar a guerra pelas convicções racionais se continuarem, mesmo contra respostas defensivas, mantendo um comportamento digno e respeitoso que demonstre respeito e sabedoria. Para que os argumentos científicos se imponham, os cépticos devem manter sempre o controle e não se irritarem.

- Finalmente, o que deve servir de consolo é que a parte realmente fantástica disto, não é que somente algumas crenças se modifiquem ou que as pessoas sejam tão irracionais, mas sim que as crenças de qualquer um podem modificar-se.

A habilidade que os cépticos demonstraram em alterar as suas próprias convicções a partir das descobertas científicas, constituiu um verdadeiro dom; uma capacidade poderosa, única e preciosa, só possível por uma alta função do cérebro na medida em que vai contra algumas das urgências biológicas mais fundamentais.

Eles possuem uma aptidão que pode ser assustadora, modificadora e que causa dor. Ao projectarem nos outros essa habilidade devem ser cuidadosos e sábios.

As convicções devem ser desafiadas com cuidado e compaixão.

Os cépticos não devem perder de vista os seus objectivos, devem adoptar uma visão de longo prazo, tentarem vencer a guerra pelas crenças racionais, não entrarem numa luta até à morte.

Não são só os dados e os métodos dos cépticos que têm que ser limpos, directos e puros, mas também a sua conduta e comportamento.


(Este texto é da autoria de Gregory W. Lester, Professor de Psicologia da Unversidade de St. Thomas em Houston nos EUA)

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Nada como Ouvir uma
Segunda Opinião...














Briga feia de um casal durante o café da manhã. No meio dela, o marido, já atrasado para o trabalho grita ao pé da porta:


- E fique sabendo... nem na cama você é boa!!!


Passado um tempo, depois de chegar ao trabalho, arrependido, liga para a esposa a pedir-lhe desculpa... Ela demora a atender...


- Por que é que demoraste tanto para atender?


- Eu? - Estava na cama, respondeu ela.


- Na cama, fazendo o quê a uma hora destas?


- Estava a ouvir uma segunda opinião...

Mar me quer
(Mia Couto)


Episódio Nº 22










Minha doença piorou: já não me levanto da cama. Mais grave: não posso dormir sequer. Mal palpebrejo, a dobra do lençol se converte em água e, no instante seguinte, tudo se avermelha e eu desaguo em rios de sangue. Se durmo me afogo, se vigio me foge o juízo. Me faz falta o sonho, tudo quanto queria era sonhar.

Ouço ruído na porta. Devem ser ladrões, mas já isso não me importa.

- Venho-lhe visitar, Zeca.

- Verdade, sorrio incrédulo.

- Você sempre me visitou. Hoje sou eu a vir ter consigo.

Luarmina desembrulha um lençol novo. Ordena que a ajude a mudar a roupa da cama.

- Essas estão ensopadas. Como é possível transpirar-se tanto?

Eu queria dizer-lhe que aquilo não era suor, era o próprio mar me castigando. Mas não entrei em atalho, fui direito ao assunto:

 - Ainda bem que veio, Luarmina.É que estou quase para morrer.

- Não fale disparate, Zeca. Você ainda me há-de atirar umas pazadas.

Pedi à vizinha o mesmo que o velho Celestiniano me pedira em seu último momento: que ela ficasse junto ao meu leito só para eu me distrair nos olhos dela.

- Lhe peço, vizinhinha: quero desfalecer a olhar os seus olhos

Luarmina sorriu, indulgente, como se eu me tivesse acriançado de vez.

- Se você continua com essa conversa, vou-me embora daqui.

- Então me faça um favor, Dona. Me conte uma história.

- Uma história, eu?

- Sim, eu já lhe contei tantas, vizinha.

- Mas eu não tive história, eu tive pouca existência.

- Como é possível?

- Minha vida é muito pobre. Eu vivi tão poucochinho que já tenho pouco para morrer.

- Dona Luarmina, faça um esforço. É uma vergonha para um homem, mas eu queria me embalasse até chegar a um sonho.

É que preciso sonhar, preciso tanto de sonhar!

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