sábado, fevereiro 14, 2009

CHARLES AZNAVOUR - MOURIR D'AIMER



JEAN CLAUDE PASCAL - C'EST SI BON



MIREILE MATHIEU - UNE HISTOIRE D'AMOUR




Ray Charles - BABY PLASE DON'T GO




Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 50


DO PASSEIO NA FEIRA COM O ANÚNCIO DO PRÓXIMO FIM DO MUNDO, CAPÍTULO DR PROFECIAS



A feira de Agreste é uma festa semanal. No primeiro sábado após a chegada das paulistas, transformou-se num festival, em regozijo público, por pouco termina em fuzuê.

Após a missa pela alma do Comendador, Tieta e Leonora passam em casa para trocar de roupa: ninguém aguenta fazer feira com vestidos negros, pesados, elas nem sabem por que milagre os puseram na mala. A comitiva inclui Elisa, Barbozinha, Ascânio Trindade, Osnar, o Velho Zé Esteves, paletó no braço, bastão e esposa, faz-lhes companhia até à Praça do Mercado (Praça Coronel Francisco Trindade), de onde a feira se estende pelas ruas vizinhas. Ali se despede, à tarde irá buscar Tieta para correrem duas casas à venda, entre as muitas oferecidas, as únicas convenientes.

Perpétua agradece o convite, não aceita. Vai à feira cedo, acompanhada por Peto, a carregar as cestas. Dia de feira, dia dos mendigos: Perpétua passa o resto das manhãs de sábado em casa, distribuindo esmolas, mercadejando com Deus um lugar no paraíso em troca de caridade. Em cada uma das casas das ruas principais, durante a semana, as famílias guardam as sobras de pão, as bolachas envelhecidas, restos de comida de véspera, frutas amassadas, algumas moedas, para a multidão de esmoleres a invadir a cidade, vindos quem sabe de onde. Seu Agostinho da padaria fornece por preço de ocasião sacos cheios de pães dormidos, duros como pedras, de bolachões moles, de bolos mofados, filantropia a preço módico. Quem dá aos pobres empresta a Deus. Com juros altos, bom emprego de capital.

Alguns pedintes são fixos em Agreste, passam diariamente pela manhã ou ao cair da tarde, possuem freguesia certa. O cego Cristóvão senta-se na escadaria da igreja na hora da missa chova ou faça sol e ali se demora de mão estendida a recitar sua litania. O beato Possidónio, somente aos sábados e na feira. Vem de Rocinha, sob o queixo a barba rala de profeta caboclo, sem dentes e boca de praga; traz um caixote de querosene, vazio e uma cuia de queijo. Prega nas proximidades do local onde ficam os vendedores de pássaros, trepado no caixote, a cuia ao lado para as esmolas – só aceita dinheiro. Estende-se em nebulosa lengalenga sobre os pecados dos homens; anuncia desgraças aos montes, profeta de um Deus terrível, vingativo, cruel. Cita os evangelhos, condena protestantes e maçons, proclama a santidade do padre Cícero Romão. Basta enxergar uma mulher mais pintada, ergue-se a insultá-la, destinando-as às chamas eternas.

A voz esganiçada, Perpétua queixa-se dos mendigos a Antonieta, fala deles como de inimigos: cada vez mais ousados e exigentes, o exercício da caridade transforma-se em sacrifício:

- Não aceitam nem mangas nem cajus, dizem que ninguém compra, tem demais, manga não é esmola que se dê, já se viu? Mesmo banana torcem a cara. Não tem um trocado? Querem dinheiro. Outro dia um me chamou de canguinha.

Na feira, montes de frutas se sucedem, muitas delas Leonora não conhece; bate palmas encantada. Que goiabinas pequenas! Não são goiabas, são araçás, araçá-mirim, araçá cagão. Com elas se faz o doce que comemos em casa de Elisa. As goiabas estão aqui, vermelhas e brancas: vermelhas e brancas. Comparadas às goiabas dos japoneses de São Paulo, são pequenas, mas sinta o gosto, meça a diferença. Melhor ainda se estiver bichada. Cajus, não há fruta igual para a saúde. A não ser o jenipapo, que cura até doença do peito. Você precisa comer jenipapada para ficar forte. E o gosto? Para mim não há nada mais gostoso. Vamos comprar agora mesmo; o jenipapo quanto mais encarquilhado melhor. Tieta escolhe, conhecedora. Mangabas, cajás, cajaranas, umbus, pitangas. Os mendigos têm razão ao recusarem esmolas de manga, sobram pela feira, as cores de aquarela, as variedades numerosas: rosa, espada, Carlota, coração-de-boi, coração magoado, itiúba, tantas. As jacas, duras e moles, descomunais, das talhadas expostas sobe um odor de mel. Que fruta é essa que parece pinha? Condessa. E essa maior? Jaca-de-pobre, o sorvete é sublime. Leonora quer ver de perto, quer tocá-la. Curva-se, exibe a calçola diminuta sob a mini-saia. Júbilo geral.

Quando a viu de mini-saia, Ascânio pensou desaconselhar o traje na visita à feira mas temeu passar por tabaréu, por retrógrado, calou-se. Agora é ir em frente, buscando não ver e não escutar. Difícil, pois a animação aumenta.

Nunca a feira de Agreste conheceu pagodeira igual. Barbozinha, entretido a explicar a Tieta problemas de encarnação e reencarnação, da vida no astral, assuntos em que é professor emérito, não se dá conta do sucesso, mas Ascânio Trindade aflige-se com tamanho atraso, indeciso sobre a maneira de agir. Aflito apenas? Ou sofre também ao ver expostas ao público aquelas formosuras que desejaria exclusivas, reservadas a quem conduza ao altar a inocente Leonora Cantarelli? Inocente de todo o mal não imagina o mal, não imaginaria o escândalo que provocaria indo à feira vestindo de mini-saia, moda banal no sul do país e no estrangeiro. Nas páginas coloridas das revistas, Ascânio admirou mini-saias bem mais ousadas, a de Leonora até que lhe encobre a bunda se ela se mantém a prumo.

- É melhor que ela se curve menos – sussurra Osnar a Ascânio.

Nem Osnar, um cínico, se anima a aconselhar a cândida vítima da ignorância local, quanto mais Ascânio. Prossegue o passeio pela feira arrancando exclamações de Leonora e do bando de moleques a seguir a comitiva. De quando em vez um assobio, uma interjeição, uma frase em língua de sotaque

- Espia, Manu, o andor da procissão está passando…

Sacos de alva, olorosa farinha de mandioca, torradas em casas-de-farinha da região: a puba, a tapioca, os beijus. Prove, Leonora. Com café são óptimos, vamos comprar. Esses molhados levam leite de coco, não há quem resista, vou engordar como uma porca. Mas que é isso, meu Deus, essa meninada a segui-los? Antonieta contempla o ajuntamento.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009


Quanto Tempo Vai Durar a Crise?





Esta é uma das perguntas cuja resposta valeria, nos dias de hoje, muito dinheiro.

Pedro Arroja, economista, professor universitário e consultor financeiro, afirma que, perante o caos que se vive, não serão menos de cinco anos: é uma estimativa, provavelmente outras haverá e muitos nem sequer adiantam palpites sobre o assunto com receio de dizerem disparates.

Tratando-se de uma situação completamente nova, não vale a pena procurá-la nos livros e qualquer pessoa está livre de pensar e dar a sua opinião sem correr o risco de ser corrigido.

Ninguém tem a garantia de como é que vai ser, estão todos um bocadinho à descoberta, do tipo: adopta-se a medida que se tem como boa e acende-se a velinha para que resulte rapidamente.

Parece comum a ideia de que esta crise tem uma enorme componente de pessimismo, de desconfiança nas estruturas dos estados, das entidades financeiras, reguladoras, de inspecção, enfim, tudo aquilo que nos deveria deixar dormir descansados e que, afinal, falhou rotundamente.

Outro estado de espírito, também, não era de esperar: gente respeitável e importante que durante uma vida assegurou o funcionamento de Bancos, apresentadas à sociedade como exemplos a seguir são, de um dia para outro, presas, consideradas arguidas, suspeitas de fraudes e manigâncias, desviando milhões e defraudando milhares de pessoas, só poderia conduzir a uma rotunda perda de confiança generalizada.

Os homens das esquerdas, que sempre foram adeptos da intervenção do Estado na sociedade, parecem ser “os que tinham razão” e aproveitam agora para reivindicarem o regresso ao Marxismo esquecidos de outros recentes fracassos, enquanto os defensores do sistema capitalista, de economia de mercado, recusam o regresso ao tempo das “dialéticas” como coisas do antigamente, não acreditando “nas manhãs que cantam”.

Mais regulação, dizem estes e, principalmente, regulação mais eficaz. A bem ou a mal, há que moralizar o capitalismo: à solta, faz disparate, é como o homem, a ocasião faz o ladrão!

Felizmente, todos temos a memória curta, para o bem e para o mal, e alimentar um estado de espírito pessimista durante mais de cinco anos parece-me tempo demasiado para pensamentos negativos.

Uma coisa parece indispensável:

- Impor respeito e seriedade no mundo financeiro. Aqui residirá a chave da crise, a solução para os problemas do futuro.

Mas não se pense que vai ser fácil, essa gente continua lá, agora um pouco despercebidos e não vão responder pela actuação que tiveram em toda esta crise, nem moral nem criminalmente, com excepção de um ou outro.

Em Davos, os banqueiros de investimento, “os maus da fita”, primaram pela ausência, naturalmente estão envergonhados e comprometidos mas, segundo nos disse António Bernardo, Vice – Presidente da Roland Berger, que esteve presente, estavam lá mais políticos e representantes de sectores industriais do que na reunião do ano passado.

E lá foram ditas coisas importantes e que despertam a esperança:

- Os líderes da China e da Índia prometeram passar de um modelo de desenvolvimento baseado nas exportações para outro que tenha mais a ver com o crescimento do investimento e consumo interno;

- O líder chinês afirmou que o seu país iria, em 2009, crescer a uma taxa de 8%;

- Existe uma esperança colectiva no papel que Obama irá desempenhar para ajudar o mundo a sair da crise;

- O processo de globalização é assumido como imparável mas foi reconhecida a falta de mecanismos que o coordenem;

- Foi aplaudido um mundo multipolar com os BRICs a ocuparem um papel mais importante na cena global e definitivamente os G8 a passarem a G20;

- Houve grandes banqueiros que “deram a cara” e assumiram os erros das diferentes instituições, apresentando ideias sobre novos modelos de negócios financeiros coincidindo todos na necessidade de maior transparência e de uma regulação mais eficaz.

Eu acho que se sabe mais sobre as mediadas certas a tomar a nível mundial do que, na generalidade, as pessoas pensam, simplesmente, duvida-se da força e capacidade para, de forma coordenada, implantar essas medidas rapidamente sem se poder garantir o tempo preciso para que elas provoquem os efeitos desejados.

Mas não tenhamos dúvidas, os caminhos que vinham a ser trilhados iriam conduzir fatalmente a este desfecho mas, de acordo com o ditado, “depois da tempestade virá a bonança”, ou “há males que vêm por bem”.

Iremos, com certeza, ter no futuro um mundo melhor, pena que, mais uma vez, seja o justo a pagar pelo pecador”.

MIDDLE OF THE ROAD - SOLEY SOLEY



HERVER VILLAR - CAPRI C'EST FINI




GIANI MORANDI - NON SON DEGNO DE TE




Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 49





Tieta, Leonora e Elisa preparam-se para ir ao encontro de Ascânio, mas ele salta à frente de todos e se afasta no caminho de casa, em marcha batida.

- Vai tomar banho. Depois de viajar na marinete de Jairo ninguém pode fazer nada sem gastar água e sabão. Muito menos ver a criatura dos seus sonhos… - esclarece dona Carmosina: - Daqui a pouco bate por aqui.

Demoraram-se na Agência dos Correios, à espera. Aminthas vem juntar-se ao grupo, comentam o diálogo já agora histórico. Aminthas acrescenta o diálogo final: doutor Caio, lívido na madrugada, querendo falar sem poder, os olhos fuzilando. Osnar e ele, Aminthas, saíram de mansinho, não fosse ele ter um ataque de apoplexia.

O tempo passa, Barbozinha surge, traz uma rosa na mão, uma rosa chá. Ao ver Tieta estende-lhe a flor.

- Colhi para você, no jardim de dona Milú, ia levá-la a casa de Perpétua mas os meus guias dirigiram-me os passos para aqui. Pena não ter mais três para homenagear todas as presentes.

- E Ascânio, vai aparecer ou não? – interroga Elisa, cansada de esperar.

Leonora, a criatura dos sonhos de Ascânio, na opinião de dona Carmosina, aguarda em silêncio, olhos postos na rua. Nem sinal de Secretário de Prefeitura, de cavaleiro andante, limpo ou empoeirado. O jeito é mandar chamar. O moleque Sabino, requisitado, abandona a sorveteria, vai correndo com o recado para Ascânio; esperam-no impaciente na Agência dos Correios, venha rápido. Para matar o tempo vão tomar sorvete de cajá, servido pelo próprio árabe. Amanhã será de pitanga, difícil saber qual o mais gostoso. Voltem para comparar e decidir.

Finalmente desponta na esquina o caleiro andante, o passo lento, a face descomposta, Cavaleiro da Triste Figura. Mesmo antes de ele subir o degrau da porta da Agência dos Correios todos se dão conta da derrota do campeão de Agreste na batalha travada em Paulo Afonso. Os destroços do guerreiro, o fracasso da missão, o rosto em luto, sepulcral.

- Negativo, não foi, pergunta Aminthas – Eu avisei. Não havia nenhuma possibilidade. Ainda bem que o motor vai aguentando: quando pifar voltaremos ao fifó.

- Não se importe – disse Leonora, você fez o que pôde. Cumpriu o seu dever.

- Foi horrível, humilhante. O director da Companhia, o que fica permanente em Paulo Afonso, nem queria me receber. Tive que pedir e suplicar e por fim me atendeu. Nem comecei a expor, me cortou a palavra. Não podia perder tempo, esse assunto do Agreste estava encerrado, não havendo nenhuma possibilidade de instalação da luz da usina no município.

A Prefeitura não recebeu o memorando, negando o pedido? Então? Não adiantava falar com os técnicos, Agreste tem de esperar sua vez e não vai ser tão cedo, daqui a alguns anos, quando levarmos força e luz aos últimos recantos dos Estados servidos pela Hidrelétrica. Agora, impossível, meu caro. Não adianta argumentos, deixe-me trabalhar, meu tempo é precioso.

Ascânio suspende o relato, abana as mãos. Onde o entusiasmo, o ânimo de luta? Evaporaram-se, rolaram na cachoeira, esmagados pelo director da Companhia.

- No fim ainda me gozou. Tem uma única maneira, disse. Obtenha uma ordem do Presidente da Companhia do Vale de São Francisco, do presidente, não de um director igual a mim, mandando instalar luz em Agreste e no dia seguinte lá estaremos. Passe bem. Riu e me voltou as costas.

Um silêncio pesado cai sobre a Agência dos Correios. A primeira a abrir a boca, dona Carmosina:

- Filho da mãe! É por isso que eu sou contra essa gente.

Leonora aproxima-se de Ascânio:

- Não se aflija tanto, tudo no mundo tem jeito – os doces olhos plenos de ternura.

Tieta levanta-se da cadeira onde ouvira em silêncio.

- Quem é o presidente, Ascânio e o que é essa mesma Companhia! Me ilumine o pensamento.

Ascânio, ainda sem graça, deprimido, explica o que é a Companhia do Vale de São Francisco, a importância da Hidrelétrica de Paulo Afonso, termina citando o nome do deputado que exerce a Presidência da grande empresa estatal, aquele que manda e decide, o único a poder mudar planos estabelecidos. Mas como atingi-lo? Impossível. Quem tem razão é Aminthas: mais do que importância económica, falta a Agreste o prestígio de um grande chefe, alguém cujo pedido seja uma ordem.

Tieta repete o nome do deputado:

- Já ouvi falar mas não conheço pessoalmente. Mas, em São Paulo, não tem político importante com quem eu me dê – esclarece – Todos amigos de Filipe, todos frequentam minha casa. Carmô, Ascânio me ajudem a redigir um telegrama. Ou melhor, dois.

Pronuncia nomes ilustres, manda chuvas em São Paulo e no país. Dona Carmosina escreve. Tieta pede que intervenham a favor do Agreste junto ao presidente da Companhia do Vale de São Francisco, seguem-se as razões detalhadas por Ascânio mas a principal é o interesse de Antonieta, o favor que lhe farão e ela ficará devendo.

- Telegrama enorme – observa dona Carmosina – vai custar uma nota.

- A Prefeitura paga – adianta-se Ascânio.

- Quem paga sou eu, meu filho, que estou enviando. Carmô assine Tieta do Agreste. Os amigos mais íntimos me tratam assim, era como Filipe gostava de me chamar.

Ainda não haviam retornado a casa de Perpétua e já a notícia dos telegramas abalava a cidade – dona Antonieta Esteves Cantarelli telegrafara a um senador paulista e ao próprio Ademar, amigos do peito do falecido Comendador, pedindo a instalação em Agreste da luz de Paulo Afonso. Os comentários cívicos cobrem os ecos do fescenino diálogo sobre os hábitos sexuais de Osnar; se as mensagens telegráficas não resultarem em iluminação feérica, já terão servido à moral pública.

Sucedem-se as hipóteses; possui a viúva realmente tanto prestígio, conhece, trata, é íntima de senadores e governadores ou está fazendo farol? Qual o resultado: luz ou trevas? Até apostas são feitas. Fidélio bota dinheiro no sucesso, Aminthas continua pessimista, por que esses lordes de São Paulo se hão de mover por agreste, o cu do mundo? Dobra a aposta Fidélio.

Por quê? Tieta poderia responder que se moverão exactamente por serem lordes e ela a Tieta do Agreste.

NAT KING COLE - PERFÍDIA



EROS RAMAZOTI - OTRA COMO TU



GLENN MILLER - CIRIBIRIN



CONNIE FRANCIS - NEVER ON SANDEY



quinta-feira, fevereiro 12, 2009

HARRY BELAFONTE - BANANA BOAT




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 48



DA TRISTE VOLTA DO CAVALEIRO ANDANTE, ESCORRAÇADO, E DOS TELEGRAMAS ENVIADOS POR TIETA MOTIVANDO COMENTÁRIOS, HIPÓTESES E APOSTAS – PRECEDIDOS, VOLTA E TELEGRAMA, DO DIÁLOGO ENTRE OSNAR E DOUTOR CAIO VILASBOAS QUE POR FRASCÁRIO E INÚTIL NÃO DEVIA FIGURAR EM OBRA LITERÁRIA PRETENSAMENTE SÉRIA



Tieta e Leonora aguardam a chegada da marinete na Agência dos Correios. Esperar a marinete, assistir ao desembarque dos passageiros, é das mais excitantes diversões do Agreste.

Quando o atraso é grande, a espera torna-se por vezes enfadonha mas, em compensação, não se paga nada. Há sempre um grupo de vadios rondando a porta do cinema onde Jairo estaciona o glorioso veículo. Outros ficam de tocaia no bar, os ilustres batem papo com dona Carmosina.

Elisa veio encontrá-las na Agência, muito excitada, querendo saber se dona Carmosina estava a par do acontecido entre Osnar e doutor Caio Vilasboas; na véspera Astério a acordara para lhe contar o escabroso diálogo. Esse Osnar não passa de um patife, não respeita ninguém: afinal doutor Caio é médico, possui terras e rebanhos, é compadre da Senhora de Sant’Ana, madrinha da sua filha Ana, cidadão de idade, devoto e respeitável. Dona Carmosina está a par, é claro. Aminthas, testemunha do encontro, amanhecera em casa de dona Milú; relatara, palavra por palavra, a conversação na madrugada. Pois bem, de tudo o que Osnar dissera, nada se compara, na opinião de dona Carmosina ao deboche final, pois esse doutor Caio é santo-de-pau-oco, minha filha, por fora Senhor São Bento, por dentro pão bolorento. Osnar é um porreta, de vez em quando lava a alma da gente.

Tieta interrompe a discussão, curiosa de saber de que conversa se trata, capaz de causar tanto riso, de provocar indignação e entusiasmo.

Dona Carmosina não se faz de rogada, capricha nos detalhes. Sucedera há dois dias, naquela noite em que Osnar e Aminthas ficaram até tarde em casa de Perpétua, saindo depois a mariscar nas ruas. Altas horas, quando voltaram da beira do rio, Osnar acompanhado de uma quenga de baixa extração, encontraram-se com o doutor Caio Vilasboas, um catão, vindo de atender à velha dona Raimunda, asmática incurável. Fosse algum pobre de Deus agonizando, o doutor não abandonaria o calor da cama, mas a velha dona Raimunda tinha dinheiro grosso, destinado em testamento a pagar a conta do médico quando o Senhor a chamasse ao seu seio.

Ao ver Osnar despedir-se da esfarrapada criatura, medonhosa, doutor Caio, psicólogo amador, abelhudo de nascença, não se conteve:

- Satisfaça-me, caro Osnar, a curiosidade, respondendo a uma pergunta que me permito fazer-lhe.

- Mande brasa, meu doutor, sou seu criado às ordens.

- Você é um rapaz endinheirado, já meio entrado em anos mas sendo solteiro ainda passa por rapaz, de boa família, com hábitos de asseio, tendo com que pagar cortesã de melhor nível, por que não frequenta a casa dirigida pela rapariga que atende por Zuleika Cinderela, onde, segundo me consta – lá estive na exercício sagrado da medicina e não como cliente – praticam esse infame comércio de mulheres limpas, de belo porte e figura amena, por que prefere essas imundas, essas bruxas?

- Primeiro permita, meu doutor, que eu lhe informe ser um dos fregueses prediletos das meninas da casa de Zuleika e da própria patroa, boa de rabo. Parte sensível da minha renda se esvai naquele antro. É certo, porém, que não desprezo um bucho quando saio de caçada, vez por outra. Alguns, devo confessar bastante deteriorados.

- E por quê? Deixe que eu lhe diga tratar-se de apaixonante problema de psicologia digno de memória dirigida à Sociedade de Medicina Psiquiátrica.

- Vou-lhe dizer por que, meu doutor, e escreva a razão se quiser, não me oponho. Se chamo um bucho aos peitos quando calha o motivo é não viciar o pau, o Padre-Mestre.

- Padre-Mestre?

- Foi o apelido que ele ganhou, dado por uma beata ainda passável com quem andei praticando umas sacanagens, meu doutor. Imagine se eu servisse ao Padre-Mestre somente pitéus finos, material de primeira, formosuras, perfumarias, e ele se acostumasse apenas a comer do bom e do melhor. De repente, um dia, por uma circunstância qualquer, dessas que acontecem quando a gente menos espera, me vejo obrigado a pegar um estrepe em más condições e o Padre-Mestre, viciado, se recusa, fica peruruca, brocha. Não lhe dou vício, vou comendo as bonitas e as feias e tem cada feia que vale mais do que um exército de bonitas porque uma coisa, meu doutor, é mulher para se ver e admirar a imagem e outra é o gosto da boceta.

Doutor Caio emudece, o queixo caído, Osnar conclui:

- De suas visitas profissionais à pensão de Zuleika, ouvi falar; Sílvia Sabiá me contou muito em segredo que chuparino igual a vosmicê não há por essas bandas. Meus sinceros parabéns.

Enquanto riem as quatro – esse Osnar é de morte! – buzina na curva a marinete, naquela quinta feira por milagre quase no horário, desprezível atraso de vinte minutos, Jairo recebendo felicitações dos passageiros.


MÁRIO QUINTANA





Mário Quintana nasceu em Alegrete, no Brasil, em 1906 e faleceu em 1994, em Porto Alegre. Foi poeta, jornalista, tradutor.

Considerado o poeta das coisas simples, com um estilo marcado pela ironia, profundidade e perfeição técnica.

Traduziu mais de cento e trinta obras da literatura universal: Marcel Proust, Virgínia Woolf, Giovanni Papini foram alguns dos escritores que traduziu.

Em 1940 lançou o seu primeiro livro de poesias, “A Rua dos Cataventos” iniciando a sua carreira de poeta, escritor e autor infantil.

Em 1966 foi publicada a sua Antologia poética com sessenta poemas inéditos, lançada para comemorar os seus sessenta anos de vida sendo, por esta razão, saudado na Academia Brasileira de Letras que em 1980 lhe atribuiu o Prémio Machado de Assis pelo conjunto da sua obra.

Por três vezes tentou uma vaga para a Academia de Letras Brasileira mas, por razões de oportunidade político-partidária, nunca foi admitido.

Numa 4ª vez, já com a unanimidade conseguida à volta do seu nome, foi a Academia que o convidou mas o poeta recusou:

“ – Só atrapalha a criatividade. O camarada lá vive sob pressões para dar voto, discurso para celebridades. É pena que a Casa fundada por Machado de Assis esteja tão politizada. Só dá ministro”

- “Se Mário Quintana estivesse na Academia de Letras Brasileira não mudaria a sua vida ou a sua obra. Mas não estando lá é um prejuízo para a própria Academia.” (Luís Fernando Veríssimo).

“ Não ter sido um dos imortais da Academia Brasileira de Letras é algo que revolta a maioria dos fãs do grande escritor, a meu ver, títulos são apenas títulos e acredito que o maior de todos os reconhecimentos ele o recebeu: o carinho e o amor do povo brasileiro por sua poesia e pelo grande poeta e ser humano que foi…” (Cícero Sandroni)

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

JUCA CHAVES - A CÚMPLICE




Millôr Fernandes





Nasceu no Rio, em 1923, e é um desenhista, humorista, escritor, tradutor e dramaturgo.

Aos dez anos de idade vendeu por dez mil réis o seu primeiro desenho para a publicação “O Jornal do Rio de Janeiro”.

Trabalha para a revista “Cruzeiro” e acumula com actividade de escritor, tradutor e autor de peças para Teatro.

Deixa de colaborar com a revista “O Cruzeiro”em 1963 por causa de um texto,“A Verdadeira História do Paraíso”, que foi considerado ofensivo pela a Igreja Católica.

Em 1964, colaborou com o Diário Popular de Lisboa, em 68 começa a trabalhar com a revista “Veja” e em 69 torna-se um dos fundadores do Jornal “O Pasquim”.

Nos anos seguintes escreve peças de teatro, textos de humor, poesia e volta a expor no Museu de Arte Moderna no Rio.

Traduziu do inglês e do francês várias obras, principalmente peças de teatro, entre elas, clássicos de Sófocles, Shakespear, Molière, Brecht e Tennessee Williams.

Regressa à revista “Veja” onde se encontra desde 2004.


A Importância do Palavrão





Por Millôr Fernandes (para maiores de 18 anos), advertência desadequada e ridícula nos tempos que correm.



O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de (foda-se!) que ela diz.

Existe algo mais libertário do que o conceito do “foda-se!?”

O “foda-se!” aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas, liberta-me.

- “Não quer sair comigo?” então, “foda-se!”

- “Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! então, “foda-se!”

O direito ao “foda-se” deveria estar assegurado na Constituição.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos.

É o povo a fazer a sua língua. Como o latim vulgar, este virá a ser o português vulgar que vingará, plenamente, um dia.

“Comó caralho”, por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade do que “comó caralho”?

“Comó caralho” tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.

A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó caralho!
Eu gosto do meu clube comó caralho!
O gajo é parvo comó caralho!

Entendes?

No género do “comó caralho” mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso “nem que te fodas”. Nem o não, não e não e tão pouco o nada é eficaz e sem nenhuma credibilidade, “não, nem pensar!” o substituem.

O “nem que te fodas” é irretorquível e liquida o assunto. Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.

Aquele pintelho, de 17 anos, que lá tens em casa, atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo, nem paciência, solta logo um definitivo: “Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas! O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD…

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um “pu-ta-que-o-pa-riu”, falando assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.

Diante de uma notícia irritante um qualquer “puta-que-o-pariu”, dito assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar o devido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.

E o que dizer do nosso famoso “vai levar no cu”? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação, “vai levar no olho do cu”? Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha do seu interlocutor e solta: “Chega, Vai levar no olho do cu!”

Pronto, retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto estima, desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: “Fodeu-se!” e a sua derivação ainda mais devastadora: “Já se fodeu!”

Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.

Algo assim como quando estás sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene da polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes: “Já me fodi!” Ou quando te apercebes que és de um país onde quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação, a justiça são de baixa qualidade, tal como os empresários que procuram lucro fácil e rápido, as reformas são baixas, o tempo para a reforma aumenta…o que é que tu pensas? Já me fodi!

Então:

-Liberdade,
- Igualdade,
- Fraternidade,
- E… Foda-se!!!

Mas…não desespere, este país ainda vai ser “um país do caralho”!



PERCY SLEDGE - TAKE TIME TO KNOW HER



THE PLATTERS - UNCHANED MELODY



ENGELBERT - QUANDO, QUANDO, QUANDO



GAL COSTA - TREM DAS ONZE




Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 47



Pobre Perpétua! O que já engoliu de sapos de ontem para hoje! Faz visível esforço para mostrar-se atenciosa, tolerar a invasão de sua casa, a violação de tantos preconceitos. Antonieta não pode imaginá-la casada; pena não tê-la visto com o marido. Como se comportava? Precisa perguntar a Carmosina. Beijavam-se em público? Certamente, não. Percebera Aminthas segredando a Osnar que Perpétua não beija, oscula. Ao Major oscularia ou, perdida a tramontana, aplicava-lhe uns chupões? Na cama como seria? Não passavam, sem dúvida, nos embates nocturnos, do clássico papai e mamãe. Ou passariam? Nesse particular, o impossível acontece. Tieta pode dar testemunho. Devia ser algo monumental, Perpétua embolada com o marido naquela cama, sobre o colchão de lã de barriguda.

Tieta ri baixinho, imaginando Perpétua de pernas abertas por baixo do Major, visão insólita. Esquecendo-se de que, se não fosse a rápida passagem de Lucas por Agreste, tão pouco ela provaria ali outro gosto de homem além do trivial. Acontecera também naquela cama de casal, de dona Eufrosina e do doutor Fulgêncio, louca coincidência. Durara pouco, algumas noites tão-somente, todas elas por inteiro de delírio. Pela janela aberta penetrava o céu de mil estrelas. No seu xibiu nascia a estrela da manhã.

Quando pela primeira vez pulou a janela, invadiu o quarto, subiu na cama e suspendeu a saia, era uma cabra em cio, faminta de homens, ignorante de tudo o mais. Lucas entendeu e riu. Vou te ensinar a amar, prometeu e ensinou do a ao zê, passando pelo ipicilone.

Não sabe como é o ipicilone? É o melhor de tudo, vou-lhe mostrar.

No decorrer da vida tão vivida, Tieta não voltara a encontrar a prática sensacional do ipicilone; a muitos ensinara, trunfo irresistível.

Nas ruas da Baía, procurara Lucas, inutilmente. Indagou de muitos: conhece doutor Lucas? Lucas de quê? Não tivera curiosidade de perguntar, sabia-o apenas médico e bom de cama. Ninguém pôde lhe informar.

Educara-se em curso intensivo naquele leito de dona Eufrosina, onde depois Perpétua e o Major dormiram e fizeram filhos. Burro como um toco de pau, escrevera Carmosina na carta sobre os presentes, a propósito do falecido cunhado. Se o Major fosse vivo, você podia trazer para ele uma cangalha, ia-lhe bem. Curto de inteligência mas bem dotado de físico, um tipão: moreno de pescoço! Tanta moça dando sopa em Agreste, qualquer delas feliz se arranjasse casamento, fosse com ele ou com quem fosse, desde que vestisse calças e o obtuso escolhe, prefere, leva ao altar a beata Perpétua, aquele estrepe, donzela encruada, cara de prisão de ventre. Mais estranho ainda, foram felizes e o luto que ela enverga, fechado e exposto, nada tem de hipócrita, reflecte sentimento verdadeiro, dor profunda.

Deus tivera pena dos meninos, contara Carmosina na carta relatório de tanta utilidade; saíram ao pai na presença e no carácter, alegres, cordiais, simpáticos, da mãe herdaram apenas a inteligência. Perpétua pode ter todos os defeitos mas não é tapada, sabe raciocinar e agir, poço de ambição.

Tieta pensa nos meninos, goste dos dois. Quando decidira a viagem, pensara que se iria apegar ao pequeno de Elisa, adorava crianças. Mas esse morrera, Carmosina explicara na carta o motivo do silêncio da irmã – a culpa é sobretudo minha, melhor dito da pobreza; sem a ajuda mensal, Elisa se encontraria privada de quase tudo, mentiu sob conselho meu. Tieta perdoara mas não esquecera. Sobraram os dois de Perpétua: no leito perseguindo o sono, a tia com os sobrinhos.

O pequeno, um malandro, malicioso, sabidíssimo. Não tira os olhos dela e de Leonora, medindo as coxas desnudas, bispando nos decotes as curvas dos seios. Ainda não atingiu a idade mas para isso haverá limites rígidos, realmente?

Em troca, Ricardo é exemplo de recato e pudicícia, vive desviando a vista, com medo de pecar, violentado coroinha. Coroinha, não, seminarista, destinado ao serviço de Deus. Tamanho de corpanzil e de camisolão! Tieta recorda e morde os lábios.

Um frangote, não chegou ao ponto exacto. Se fosse mulher estaria de pito aceso, homem tarda mais, sobretudo se lhe enfiam uma batina, capam-lhe os bagos com o temor de Deus, ameaçam-no com as chamas do inferno. O pequeno vai desarnar cedo, é um corisco; o destino de Ricardo é permanecer donzelo, que maldade!

Fosse mais taludo, a tia lhe ensinaria o que é bom. Está porém, ainda muito verde. Tieta jamais gostou de homem jovem, preferindo-os sempre mais velhos do que ela. Bode bom de cabra é aquele que tem idade e experiência.

POEMA DE AMOR


SE TU ME AMAS, AMA-ME BAIXINHO

NÃO O GRITES DE CIMA DO TELHADO

DEIXA EM PAZ OS PASSARINHOS

DEIXA EM PAZ A MIM !

SE ME QUERES A MIM,

ENFIM,

TEM DE SER DEVAGARINHO, AMADA,

QUE A VIDA É BREVE, E O AMOR MAIS BREVE AINDA




MÁRIO QUINTANA
(1906 – 1994)

SHIRLEY BASSEY - IT'S IMPOSSIBLE


terça-feira, fevereiro 10, 2009

ROBERTA FLACK - KILLING ME SOFTLY WITH HIS SONG



GLENN MILLER - FRENESI




Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 46





DA INSÓNIA NO LEITO DE DONA EUFROSINA, POVOADA DE EMOÇÕES, SENTIMENTOS E MEMÓRIAS



Na primeira noite, vencida pelo cansaço da viagem da marinete, rude prova, das emoções da chegada, após retirar a maquiagem, Tieta arriara na cama e dormira de um só sono.

Há quantos anos não se recolhia às nove horas da noite? Ainda mocinha, já atravessava a madrugada nos escondidos do Agreste.

Na segunda noite, porém, quando por volta das onze as últimas visitas despedem-se, Tieta prossegue acesa, sem sono. Na porta, ela e Leonora renovam os votos de êxito a Ascânio na missão cívica a conduzi-lo a Paulo Afonso.

- Vá e vença… - deseja Tieta.

- E volte…- acrescenta Leonora.

Aminthas declara-se pessimista sobre os resultados: luz Hidrelétrica? Bobagem, nem pensar. Terra esquecida dos políticos, município de eleitorado ralo, sem prestígio, sem um chefe capaz de falar grosso, de influir na directoria, de manobrar junto do Presidente da Empresa e das autoridades federais, Agreste está destinada a continuar com escassa luz de motor – enquanto – o motor ainda funciona. Depois, voltaremos aos fifós e placas, prevê, em alarmante presságio.

Ascânio merece todos os louvores, sujeito rectado, não se dá por vencido. Mas não tem prestígio político, força junto aos grandes, essa a verdade. Não é mesmo Ascânio? De facto, concorda o Secretário da Prefeitura. Nem por isso deixará de tentar.

Me perdoem senhoras e senhores mas eu sou contra essa luz de Paulo Afonso, forte, brilhante, iluminando as ruas a noite inteira – proclama Osnar – um desastre para os pobres caçadores nocturnos, vai afugentar a caça…

- Que caça? Quis saber Leonora.

- Descaração de Osnar, minha filha. Com caça ele quer dizer mulher, esses debochados ficam procurando mulher nas ruas…

- A caça já é vasqueira, imagine com essa iluminação toda…

Em risos se separam. Barbozinha declamando farrapos de poemas de amor de sua autoria, compostos todos, segundo diz, para uma única musa, adivinhem quem? Tieta eleva os olhos para os céus, põe a mão sobre o coração, suspira, gaiata. Perdem-se as visitas na escuridão. Despede-se também Leonora:

- Estou morta de sono. Boa noite, Mãezinha, estou adorando.

- Ainda bem. Tinha medo que você se chateasse.

No quarto, Tieta, abre a janela sobre o beco, espia a noite, o céu de estrelas. Nos tempos de moça sabia o nome de todas elas e gostava de fitá-las na hora do amor, quando leito era o capim da beira do rio. Durante quantas noites pulara aquela janela para encontrar Lucas?

Apaga o lampião, deita-se, cadê o sono? Ali está ela, outra vez em Agreste, em busca da moleca Tieta, pastora de cabras. Andara longo caminho, pisara pedras e cardos, rompera os pés e o coração, antes de começar a subir, a ganhar, juntar e aplicar dinheiro sob a orientação de Felipe, a ter propriedades e a ser senhora do seu nariz. Durante todos esses vinte e seis anos, imaginara a volta a Agreste, sonhara com esse dia.

Recorda o embaraço do desembarque, aflora-lhe aos lábios um sorriso: a família de luto cerrado, ela ostentando blusa e turbante vermelhos, Leonora em delavê azul, esposa e filha sem coração, desnaturadas. Ao chegar em casa, dissera em brusca explicação: para mim luto se carrega é no peito, coisa íntima; a dor da ausência não se exibe, nem a saudade; assim eu penso mas cada um deve pensar como quiser e agir de acordo.

Fim de papo, Perpétua. Zé Esteves apoiara em virulenta língua de sotaque: muito bem dito, minha filha, luto não passa de hipocrisia; eu só botei essa roupa preta para não ser tachado de cabra ruim, mas se nem conheci o teu finado porque havia de pôr luto? Só por que era rico? Fosse ou não da boca para fora, a própria Perpétua concordara: cada qual pensa à sua maneira e age de acordo. A dela era o respeito aos costumes antigos; vestida de negro por que com a morte do Major – Deus o tenha em sua guarda! – perdera o gosto pela vida. Mas não criticava Antonieta, respeitando seu ponto de vista; não sendo nenhuma ignorante sabe que em São Paulo ninguém liga para esses hábitos do passado.

GEORGE MOUSTAKI - LE METÉQUE




Diário de um Padre



Eu estava tão nervoso na minha primeira missa que no sermão não conseguia falar, por isso, antes da segunda missa falei com o Bispo e perguntei-lhe o que poderia fazer para melhorar o meu desempenho no meu próximo sermão.

Coloque umas gotinhas de vodka na água, sugeriu-me o Bispo.

No Domingo seguinte apliquei a sugestão do meu Bispo e estava tão relaxado e descontraído que podia falar alto e fazer-me ouvir até no meio de uma tempestade.

Ao regressar a casa encontrei um bilhete do Bispo que dizia assim:

Caro Padreca:


1º- Da próxima vez coloque umas gotinhas de Vodka na água e não umas gotas de água no Vodka;

2º - Não há necessidade de pôr na borda do Cálice sal e limão;

3º - O Missal não é nem deve ser usado como base de apoio para o copo;

4º - Aquela casinha ao lado do Altar é o Confessionário e não o WC;

5º - Evite apoiar-se na imagem de Nossa Senhora e muito menos abraçá-la e beijá-la;

6º - Os Mandamentos são 10 e não 12;

7º - 12 são os Apóstolos e nenhum deles era anão;

8º - Não deve referir o Salvador como o “JC & Companhia”;

9º - Não deverá referir Judas como o “filho da puta”;

10º - Não deverá tratar o Papa por “padrinho”;

11º - Judas não enforcou Jesus e Bin Laden não tem nada a ver com esta história;

12º - A água benta é para benzer e não para refrescar a nuca;

13º - Nunca reze a Missa sentado nas escadas do Altar;

14º - Quando se ajoelhar, não utilize a Bíblia como apoio para o joelho;

15º - Utiliza-se o termo Ámen e não “o meu”;

16º - As hóstias devem ser distribuídas pelos fiéis e não como aperitivo antes do vinho;

17º - Procure usar roupas debaixo da batina e evite abanar-se quando estiver com calor;

18º - Os pecadores vão para o inferno e não para “a puta que os pariu”;

19º - A ideia de chamar os fiéis para dançar foi plausível mas fazer “um comboio” pela Igreja…;

20º - Não deve sugerir que se escreva na porta da Igreja “Hóstia Bar”;

PS. – Aquele que estava sentado no canto do Altar e a quem se referiu como “paneleiro, travesti de saias” era eu!!!.

Espero que estas suas falhas sejam corrigidas no próximo Domingo.


A Festa de Darwin




Comemora-se este ano o 150º Aniversário do livro mais incendiário da história da Ciência e, por coincidência, 200º do aniversário do inglês de modos suaves que o escreveu.

Charles Darwin não inventou a ideia da evolução, tal como Abraham Lincoln não inventou a ideia da liberdade. O que Darwin ofereceu com “A Origem das Espécies” foi uma teoria consistente sobre a forma como a evolução pode ocorrer unicamente através de forças naturais, dando aos cientistas liberdade para explorarem a gloriosa complexidade da vida em vez de a aceitar simplesmente como mistério impenetrável.

“Nada em biologia faz sentido excepto à luz da evolução” escreveu há 36 anos o geneticista Theodosius Dobzansky.

Se criaturas vindas do espaço algum dia visitarem a Terra, a primeira pergunta que farão, para se aperceberem do nível da nossa civilização, será:

“Eles já descobriram a evolução ?”.

Os seres vivos existiam na Terra sem saberem porquê durante mais de 3 biliões de anos antes da verdade ocorrer, finalmente, a um deles. O seu nome foi Charles Darwin. Na verdade, outros antes dele também tinham suspeitado dela mas foi Darwin quem, pela primeira vez, construiu uma explicação coerente e defensável da razão da nossa existência.

À pergunta, “Porque Existem Pessoas” já podemos dar uma resposta sensata em vez de recorrer à superstição.

- Há um sentido para a vida?

- Para que existimos?

- O que é o Homem?

“Antes de 1859 todas as tentativas de responder a estas perguntas eram desprovidas de valor e estaremos melhor se simplesmente as ignorarmos completamente” diz-nos o eminente Zoólogo G.G. Simpson.

Hoje, a Teoria da Evolução está tão sujeita à dúvida quanto a Teoria de que a Terra anda à volta do Sol, contudo, as implicações profundas da revolução de Darwin ainda estão para serem completamente compreendidas.

A maior Exposição do mundo dedicada a este famoso naturalista inglês não vai ser inaugurada em Londres, Paris ou Nova York, mas sim em Lisboa, a 12 de Fevereiro, dia em que se completam 150 anos da publicação da sua principal obra “A Origem das Espécies por Selecção Natural”.

No entanto, as celebrações, começaram em Portugal ainda em 2008 com conferências, debates, exposições, edição de livros e concursos escolares.

Entre Outubro de 2008 e Janeiro de 2009 a Gulbenkian (quem haveria de ser? !) realizou quatro conferências de divulgação com especialistas e auditórios esgotados por pessoas de todas as idades, obrigando a instalar monitores e cadeiras nos átrios de acesso para que os interessados pudessem ouvirem tudo de perto.

Cem mil visitantes são esperados até Maio. As visitas guiadas - mais de 600 – estão esgotadas desde Dezembro e nove especialistas da Evolução, de renome mundial, vão realizar Conferências na Gulbenkian.

A Evolução é um tema entusiasmante, mobilizador, que desafia a nossa inteligência e imaginação e, por tudo isto, o nosso país está de parabéns e a Câmara de Oeiras, muito especialmente, porque através de um protocolo com a Gulbenkian, já garantiu a instalação definitiva, a partir de 2011, desta exposição num Museu da Ciência de Oeiras, a funcionar na antiga Fábrica da Pólvora.

Como se explica a popularidade de Darwin em Portugal, foi perguntado ao Professor e Paleontólogo do Cento de Geologia da Universidade de Lisboa Carlos Marques da Silva que responde:

- “As suas teorias vêm ao encontro da diversidade de formas de vida no mundo que nos rodeia, o que fascina muitas pessoas. São, sem dúvida, um dos pilares da nossa cultura”;

- “A evolução não é um processo caótico, uma espécie de roleta russa. Ela tem um fio condutor, uma lógica de adaptação ao meio físico e biológico, mas o resultado final é contingente”;

- “O homem vai continuar a evoluir e é natural que se modifique, simplesmente, ninguém sabe é como, porquê e em que direcção ela vai acontecer, porque o processo evolutivo é imprevisível”.

Os argumentos apresentados por Darwin no seu livro, cujo título completo é: “Sobre a Origem das Espécies Através da Selecção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta Pela Vida” não convenceu logo muitos cientistas tal como membros do clero vitoriano e isto, durante décadas.

Apenas em 1940, depois da clarificação que lhe proporcionou a genética das populações, é que, a realidade da evolução se tornou amplamente aceite.

Hoje, para compreender a história da evolução, a sua narrativa e o seu mecanismo, os Darwins modernos não precisam de conjecturar, basta consultarem o código genético, e que melhor prova para a crença de Darwin na origem comum de todas as espécies do que encontrar um gene, o mesmo gene, a cumprir a mesma função em aves e peixes de diferentes continentes?

A genética moderna defende o legado de Darwin e esse é o aspecto mais importante para o cientista que, de todos, terá tido a ideia mais brilhante de quantas já afloraram ao espírito humano. No entanto, também cometeu erros:

- As suas ideias sobre o mecanismo da hereditariedade estavam erradas.
Ele pensava que o organismo fazia uma mistura das características dos seus progenitores e, mais tarde, defendeu que também transmitia as características adquiridas em vida.

Ao contrário do monge Gregor Mendel, Darwin nunca compreendeu que um organismo não é uma mistura dos seus dois progenitores, mas o resultado composto de características individuais, transmitidas pelo pai e pela mãe, por sua vez provenientes dos seus próprios pais e avós.

O trabalho de Mendel sobre a natureza independente da hereditariedade foi publicado numa obscura revista em 1866, sete anos depois da Origem das Espécies. Alguns cientistas proeminentes da época receberam-no mas ignoraram-no.

O destino do monge foi morrer anos antes do significado da sua descoberta ser reconhecido, tal como Darwin, que morreu dois anos antes, em 1882.

Mas o importante é que o legado de ambos nunca esteve tão vivo.

JOANA - MEU NAMORADO



GILBERT BECAUD - JE REVIEN TE CHERCHER



COLDPLAY - VIVA LA VIDA



segunda-feira, fevereiro 09, 2009


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 45





NOVO FRAGMENTO DA NARRATIVA, NA QUAL – DURANTE A LONGA VIAGEM DE ÔNIBUS LEITO DA CAPITAL DE SÃO PAULO À DA BAÍA – TIETA RECORDA E CONTA EPISÓDIOS DE SUA VIDA À BELA LEONORA CANTARELLI



- Fui gulosa, gulosa de homens, quanto mais melhor. Pai tinha muitas cabras, bode inteiro só um Inácio. Eu era cabra com vários bodes, montada por esse ou por aquele, no chão de pedra, em cima do mato, na beira do rio, na areia da praia. Para mim, prazer de homem, só isso e nada mais: deitar no chão e ser coberta. Na mesa do Velho, sempre a mesma coisa, feijão, farinha, carne seca. Quem primeiro me ensinou os pratos finos, os que aumentam a gula em vez de saciá-la, foi Lucas de Lima, na cama do finado doutor Fulgêncio.

Jovem médico em busca de trabalho, doutor Lucas de Lima bateu-se para Agreste ao saber do falecimento do doutor Fulgêncio Neto.

A viúva o hospedou na alcova pois nunca mais ali dormira, desde a morte do marido. Mostrou-lhe o gabinete, as notas do meticuloso clínico sobre cada cliente.

Antigamente, antes de Judas descalçar as botas em Agreste, contaram-se até cinco médicos exercendo na cidade, ganhando bom dinheiro, construindo casa e pecúlio. Foram morrendo com o lugar, sem substitutos. Ficara doutor Fulgêncio, sozinho, no lombo do cavalo, no banco da canoa, tantas vezes de noite.

A simples presença do ancião com a maleta preta bastava para aliviar dores e curar enfermos. Remédios simples e poderosos: óleo de rícino, Maravilha Curativa, Saúde da Mulher, Emulsão de Scott, Bromil, chá de sabugueiro. Aplicados com economia: o melhor remédio eram as águas e o ar do Agreste, a brisa do rio, o vento do mar.

Dona Eufrosina mandara buscar as malas do doutor na pensão de dona Amorzinho. Não iria deixar um colega do marido pagando hospedagem. Cozinhou para ele galinha de parida, prato preferido do doutor Fulgêncio, escalfado de pitu com ovos, carne-de-sol com pirão de leite. Na falta de doentes, os petiscos, os doces, as frutas.

Nem Tieta o segurou ali, naquele mundo saudável e agonizante. Talvez ficasse se a natureza, o rio, o mar, significassem alguma coisa para ele. Outra, sua paisagem, noctívago, boémio, nos castelos e cabarés da capital. Médico em Agreste não pode ser solteiro, deve ter esposa, constituir família, não tem direito a frequentar casa de mulher-dama, a entregar-se à farra.

- Lucas tinha medo da língua das xeretas, todas de olho nele, dia e noite. Querer me agarrar, ele queria. Mas não na beira do rio, nem arriscar uma fugida a Mangue Seco. Quando eu soube que dormia na alcova, na cama do doutor Fulgêncio ri e disse: deixe a janela aberta. Saltar janela sem ser vista, sem fazer barulho, era comigo.

Quando Lucas se deu conta, Tieta estava na cama, estendida no colchão de lã de barriguda, afundando. Mole, não tinha a solidez do chão. Ela se abriu para ser montada.

- Pra ser coberta, outra coisa não sabia. Quando ele veio com os dedos me tocar, com a boca me beijar o corpo inteiro, a lâmina da língua e o hálito quente, quis impedir sem entender. Com ele aprendi, na cama do doutor e da dona Eufrosina, os molhos e os temperos, e soube que homem não é apenas bode. Com ele virei mulher. Mas penso que ainda hoje há em mim uma cabra solta que ninguém domina.

Nem mesmo Tieta o reteve. Quando no meio da noite ela chegou, deu com a janela fechada. Lucas beijara a face maternal de dona Eufrosina, vou-me embora enquanto é tempo. Apesar de Tieta, engordara quilos e começara a gostar daquela pasmaceira, fugiu antes que fosse tarde.

Já não fui a mesma, diferente a minha gula. Não demorou, veio o caso do caixeiro-viajante; quando ele apareceu rondando a casa, Perpétua pensou que fosse por ela, a infeliz. Logo se deu conta, seguiu meus passos. O Velho me quebrou no pau e eu fui embora. Só queria reencontrar Lucas em qualquer parte da Baía. Não vi ele nunca mais, em troca fiz a vida no interior, vida de rapariga, em Jequié, em Milagres, em Feira, por aí fora. Eu te digo que escola de verdade é casa de mulher à-toa no sertão. Aí, sim, se aprende o ofício. Quebrei a cabeça nesse mundéu até que me toquei para o sul, cansada de sofrer. Queria a boa vida, comer do bom e do melhor, beber champanha, provar as iguarias do homem. Não feijão e carne seca.

- Quem me dera o feijão e a carne seca, um filho, um casal. Era tudo o que eu queria – disse a bela Leonora Cantarelli.

- Cada qual carrega seu castigo, nem as cabras são iguais em seu desejo, quanto mais as criaturas. Conheço cabra e gente, posso te dizer.


Histórias de Crianças




Uma menina estava conversando com a professora que lhe disse que era fisicamente impossível a uma baleia engolir um ser humano porque apesar de ser um animal muito grande, a sua garganta era muito pequena. Mas a menina afirmou que Jonas tinha sido engolido por uma baleia.

Irritada, a professora repetiu que uma baleia não podia engolir um ser humano porque era fisicamente impossível.

A menina então, disse:

- Quando eu morrer e for para o céu, vou perguntar a Jonas.

- Então, a professora disse:

- E se o Jonas tiver ido para o inferno?

- Então é a senhora que vai perguntar.


XXX


Uma professora, na creche, observava as crianças da sua turma desenhando. Ocasionalmente, passava pela sala para ver os trabalhos de cada criança. Quando chegou junto de uma menina que trabalhava intensamente perguntou-lhe o que desenhava.

- A menina respondeu:

- Estou a desenhar Deus.

- A professora parou e disse:

- Mas ninguém sabe como é Deus.

Sem levantar os olhos do desenho a menina respondeu:

- Vão ficar a saber dentro de um minuto.


XXX



Uma honesta menina de sete anos admitiu calmamente a seus pais que o Luís Miguel lhe havia dado um beijo depois da aula.

- E como aconteceu isso, perguntou a mãe assustada.

Não foi fácil, respondeu a filha, mas três colegas minhas me ajudaram a segura-lo.


XXX


Uma menina estava observando a mãe a lavar os pratos na cozinha e percebendo que ela tinha vário cabelos brancos sobressaindo da vasta cabeleira escura, perguntou:

- Por que tens tantos cabelos brancos, mamã?

- Bem, quando fazes alguma coisa de ruim, me fazes chorar, me entristeces, um dos meus cabelos fica branco.

- Mamã:

- Por que é que então, todos os cabelos da avó estão brancos?...

XXX


Um menino de três anos foi com o pai ver uma ninhada de gatinhos que tinham acabado de nascer.

De volta a casa, excitado, contou à mãe que havia gatinhos e gatinhas.

- Como é que soubeste isso? – perguntou a mãe.

- O papá levantou-os e olhou para baixo, respondeu o filho, acho que estava lá a etiqueta.


XXX


Todas as crianças tinham ficado na fotografia e a professora estava a persuadi-las a que cada uma ficasse com uma cópia da fotografia do grupo.

- Já repararam como irá ser engraçado, daqui por uns anos, dizerem:

- Olha ali a Catarina, é uma grande médica, e o Luís Miguel é advogado… e uma voz lá de trás: “olha a professora, coitada, já morreu!


XXX

domingo, fevereiro 08, 2009

SHIRLEY BASSEY - MY WAY




ABBA - TAKE A CHANCE ON ME





Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 44




INTERREGNO ONDE O AUTOR, ESSE PILANTRA, EXPLICA A SUA POSIÇÃO OPORTUNISTA


Enquanto Ascânio Trindade se apaixona, enquanto Elisa e Leonora sonham uma com São Paulo outra com a paz do Agreste, aproveito para referir-me à notícia publicada nas colunas de A Tarde, lida pelo indignado comandante Dário.

Pobre Nordeste!, exclamou o bravo marujo ante a possibilidade da poluidora indústria estabelecer-se em nossas plagas onde já temos seca e latifúndio, o hábito da miséria, o gosto da fome e as famosas trevas do analfabetismo antes tão citadas hoje tão esquecidas: não se falando nelas talvez desapareçam na luz dos tempos novos. Jogar sobre tudo isso dióxido de titânio parece-lhe um exagero antipatriótico. Opinião dele, da qual, como se verá, há quem discorde, muitos e importantes personagens, alguns tão poderosos que me apresso a esclarecer minha posição: sou neutro. Contaram-me o caso quando aqui cheguei, eu o passo adiante sem opinar.

Assim, por exemplo, a empresa referida na notícia e no comentário do jornal pode ser a mesma que deu lugar a tanta discussão dividindo o povo em dois campos, mas pode não ser ela, e sim outra, pois nunca ficou completamente esclarecida a origem da sociedade nem a dos directores, dos patrões verdadeiros. Como sabemos o Dr. Mirko Stefano não passa de um testa de ferro a comandar relações públicas e privadas, assinando cheques, abrindo garrafas de uísque em rodas alegres, na gentil companhia de permissivas e agradáveis dondocas, acendendo esperança e ambições, amaciando, passando vaselina para permitir mais fácil penetração de ideias e interesses.

Saiu uma notícia no jornal, em sua divulgação não tenho a mínima responsabilidade, não transcrevo sequer o título registrado pela sociedade em causa, nem o dela nem de nenhuma outra. Se a fabricação de dióxido de titânio faz economizar divisas aos cofres da nação e cria mercado de trabalho para uns quinhentos chefes de família – quinhentos vezes cinco são duas mil e quinhentas pessoas vivendo da empresa – como acusar de falta de patriotismo quem em tal indústria coloca seu dinheiro e aqueles a apoiar suas pretensões?

Para provar-lhes o patriotismo e o desinteresse, argumentos não faltam, de todos os tipos e de todos os géneros, inclusive aquele a convencer o nosso ardente Leonel Vieira, plumitivo cuja integridade ideológica exigiu que o cheque viesse acompanhado de razões sólidas. A fábrica ajudará à formação do proletariado, classe que, amanhã, bandeiras reivindicativas em punho, exigirá a posse do poder. Um teórico do talento de Leonel Vieira não pode desprezar tal argumento. Como se vê, de todos os tipos e para todos os géneros. Sem dióxido de titânio não há progresso.

Não faltam igualmente razões aos que se opõem, pois na fumaça, nos gases expelidos, no dióxido de enxofre pairam a destruição e a morte. A presença de SO2 na atmosfera fabril é altamente danosa à saúde dos operários e dos habitantes que estão dentro do raio de diluição do gás, assim leu o comandante no comentário do jornal. Morte para a flora e para a fauna, morte para as águas e para as terras. Pequeno ou grande é o preço a pagar.

Não que eu fique indeciso: fico neutro, coisa muito diferente. Não me meto na briga, quem sou eu? Desconhecido literato nas restauradas ruas antigas da Baía, hoje atracões turísticas, enfermo a buscar saúde no clima do sertão, não me cabem conclusões Nesse interregno, nessa pausa na narrativa da chegada a Agreste de Tieta e de Leonora Cantarelli, enquanto Ascânio discute em Paulo Afonso, antes da missa pela alma do comendador, nesse interregno, repito, quero apenas colocar aqui uma afirmação que, em geral, se inscreve no início dos livros de ficção: toda semelhança é mera coincidência. Sem esquecer outro lugar comum: a vida imita a arte. Falta-me arte, certamente, mas estou disposto a responder a processo por crime de calúnia ou a ser agredido por um pau mandado de Mirko Stefano, melífluo e untuoso, quase sempre. Colérico e violento se preciso.

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