sexta-feira, janeiro 13, 2006

Viver, viver - na Semana Internacional da Ami-za-de

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  • Vale a pena viver

  • Às vezes vale a pena pensar...Se acordaste hoje mais saudável que doente, tens

  • Se nunca experimentaste o perigo de uma batalha, a solidão de uma prisão, a agonia da tortura, a dor da fome, tens mais sorte que 500 milhões de habitantes no mundo.

  • Se podes ir à igreja sem o medo de ser preso ou torturado,tens mais sorte que 3 milhões de pessoas no mundo.
  • Se tens comida no frigorifico, roupa no armário, um tecto sobre a cabeça, um lugar para dormir, considera-te mais rico que 75% dos habitantes deste mundo.

  • Se tens dinheiro no banco, na carteira ou uns trocos em qualquer parte, considera-te entre os 8% das pessoas com a melhor qualidade de vida no mundo.

  • Se os teus pais estão vivos e ainda juntos, considera-te uma pessoa muito, muito rara.
  • Se puderes ler esta mensagem, recebeste uma dupla benção,pois alguém pensou em ti e tu não estás entre os dois mil milhões depessoas que não sabem ler.
  • Vale a pena tentar:

  • a.. Trabalha como se não precisasses de dinheiro
  • b.. Ama como se nunca ninguém te tivesse feito sofrer
  • c.. Dança como se ninguém estivesse a olhar
  • d.. Canta como se ninguém estivesse a ouvir

  • É a Semana Internacional da Amizade.
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terça-feira, janeiro 10, 2006

Memórias futuras - no presente.

Image Hosted by ImageShack.us Agradeço-te os comentários oportunos e enriquecedores que fizeste no teu blog ao texto que te enviei sob o tema “Quando o Tempo que nos Ultrapassa” que, reconheço, é “coisa” demasiado pomposa e pretensiosa para servir de moldura a uma pequenina história, ou mais precisamente a um episódio da minha juventude com as pessoas da nossa aldeia que eu descobri trinta e tal anos antes de ti quando ela era ainda mais aldeia e os seus habitantes mais genuínos e autênticos na sua ligação a um passado em que durante séculos tudo ou quase tudo sempre girou à volta da horta, do burro, do porco e de algumas cabras e ovelhas e dessas pessoas, sem dúvida, a tua bisavó, a minha avó “pequenina” e o cognome não é de agora, já vem desse tempo, era para mim a mais querida.

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Claro que este desfasamento entre os avanços da tecnologia e as pessoas iletradas (gosto mais deste termo do que analfabetas) da Concavada era inevitável, e foi comum a todas as aldeias do nosso Portugal mas não tenho dúvidas que o que aconteceu ao longo do século XX nunca tinha acontecido nem voltará a acontecer na história da humanidade com a mesma intensidade, e o mesmo impacto, tendo eu a sorte de estar lá a testemunhá-lo sem ter bem a noção da raridade do momento que vivia.
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Não mais viremos a ser surpreendidos como então o fomos porque o mundo da comunicação veio para ficar, e mesmo quando tivermos as televisões da 3ª geração em que as pessoas de dentro da “caixinha” vão ver as que estão cá fora - da mesma forma que as que estão fora vêm as que estão dentro e que a minha avó “pequenina”, num rasgo de premonição, muito ao estilo do Júlio Verne, conseguiu antecipar, mesmo quando isso acontecer, já não nos admiraremos tanto - ouquase nada.

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Neste momento, como todos nos apercebemos, existe até uma antecipação relativamente às descobertas científicas que nos são dadas pela televisão como se já tivessem acontecido quando, como é o caso muitas vezes da medicina, apenas existe um processo de cura bem encaminhado nos laboratórios e quando no mercado aparece uma máquina nova que normalmente é o resultado de uma anterior mas aperfeiçoada já todos a conhecíamos dos ecrãs da TV. As utopias de hoje são sempre as realidades de amanhã; lembremo-nos do automóvel, do avião e o mais.
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E eu pergunto-te quantos portugueses por este país fora tinham visto automóveis antes do primeiro aparecer lá nas estradas da aldeia a acelerar no meio de uma nuvem de pó, de tal forma que o pessoal até fugia com medo? Quando muito, alguns, tinham ouvido falar deles.

Mesmo sem referir os jornais e revistas que se publicam diariamente, sem esquecer que todas as pessoas hoje sabem ler, temos a inevitável TV que nos mostra tudo quanto há e também o que se espera vir a haver.

E é neste aspecto que eu digo que a situação é irrepetível e aquilo a que eu assisti quase em cheio e tu ainda de raspão, (não esquecer do fulano que ajeitava o cabelo para não parecer mal a quem lia o telejornal) é qualquer coisa que provoca um tipo de sentimentos e reacções que não estou a ver que voltem a acontecer.

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É como se a humanidade andasse aos solavancos: durante muito tempo tudo num “rame-rame” e depois um salto para um novo patamar e a seguir outro “rame-rame” e durante os entretantos destes “rame-rames” cozinha-se a fogo lento o salto seguinte até quando, até onde?

Ultimamente entrámos numa espécie de vertigem em que os avanços nas comunicações com recurso a satélites irão permitir que qualquer um de nós, vá para onde for, em qualquer lugar do mundo, seja localizado com uma margem de erro de um metro e a leitura do nosso código genético que levada até às suas últimas consequências - poderá eliminar todas as deficiências congénitas, reparar em vida as avarias do nosso corpo e, desse modo, prolongar a nossa existência até sei lá que idade quando o mecanismo do envelhecimento vier a ser completamente compreendido e depois manipulado. Tudo isto serão mais uns tantos saltos que, não tarda muito, virão a ser dados.
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Por cá, entre nós… é a Globalização, não sei se a Feliz mas é ela o grande salto e disso não temos dúvidas, com que novos desafios? Os que irão ser levantados pelas ideologias suicidas do Sartori? Imigração económica, criminalidade importada, desemprego importado somado ao desemprego endógeno e o mais...

Em todos estes domínios caminhamos tão rapidamente que nos faz pensar como seria interessante nascermos novamente daqui a 100 anos, recordando com todo o pormenor o mundo que tínhamos deixado 100 anos antes. Grande tese de doutoramento que farias então com o título: “Regressando aos Clássicos 100 anos Depois”…. era batota mas era giro…

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E agora que estamos a falar de batota, já sei porque é que a brasileira te perguntou se tu eras "paulista" quando lhe disseste que a tua terra tinha 900Km de comprimento por 300 de largura. É que com estas dimensões a superfície de Portugal seria de 270.000Km quadrados, ou seja, mais do tripulo dos seus 89000 km quadrados. Sabendo isto muito bem, a “brasuca,”mulher muito informada, percebeu logo que português não podias ser mas Paulista porque não se até falavas brasileiro?

O Sr. Emílio...

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Se há personagens que se cruzam na nossa vida e que pela sua originalidade nunca as esquecemos, o Sr. Emílio foi, para mim, uma delas. Era uma figura típica de um velho suíço nascido ainda bem dentro do século XIX, pois quando o conheci tinha 19 anos e ele teria ultrapassado já os 80 com a sua farta e impecável cabeleira branca a coroar uma cabeça grande de larga testa.
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Como hóspede, partilhava comigo e com um colega meu, um dos quartos de uma casa no Príncipe Real que duas senhoras, viúvas, mãe e filha, alugavam para poderem sobreviver quando o Estado social não constituía preocupação para o governo de Salazar e as pessoas na velhice e na doença ou se amparavam na família ou socorriam-se da assistência das Misericórdias.

Era uma figura que não conseguia passar despercebida na nossa pacata cidade de Lisboa, dos primeiros anos da década de sessenta, porque ao contrário dos lisboetas dessa época, tristonhos e sisudos, ele era um homem comunicativo, invariavelmente bem disposto e que entendia que a convivência com os outros não podia ser apenas simples figura de retórica e por isso cumprimentava toda a gente que na rua, com regularidade, se cruzava com ele desde o polícia de giro, o guarda-nocturno e o guarda-freio do elevador da Glória apenas para citar os que são identificáveis.

A sua comunicabilidade era um convite para os miúdos lá da rua se meterem com ele. Um dia, pelo Carnaval, surpreenderam-no com aquela conhecida partida da carteira deixada no chão, mas à qual está preso um fio de nylon quase invisível e que o Sr. Emílio teria apanhado se os rapazes não tivessem rapidamente puxado o fio.

Apanhado no logro o Sr. Emílio riu tanto que mais parecia ter sido ele o autor da partida.

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O seu dia a dia processava-se com a pontualidade dos relógios suíços. Trabalhava na Baixa e quando, na rádio, às 13 horas, Os Parodiantes de Lisboa, começavam o seu programa com a música do genérico, invariavelmente, o Sr. Emílio metia a chave à porta e acto contínuo brindava-os, alto e bom som, com o seu arrevesado “Boa Tarrde”.

Nunca casou mas tinha dois amores na vida: a ópera e os americanos.

Não perdia nenhum espectáculo de ópera daqueles que por vezes eram dados no Coliseu mesmo quando o lugar era lá para cima, no chamado “galinheiro” mas ele só tinha olhos e ouvidos para a música e o lugar seria o que mais próximo estaria da sua bolsa.

O meu colega, uma vez, enquanto almoçávamos, referiu-se de forma crítica aos americanos e por uma única vez vi os olhos do Sr. Emílio ganharem um brilho especial, o seu largo rosto ruborizar-se e com todo o ardor da sua argumentação sair em defesa da sua “dama”.

Ele era um dos muitos europeus que tinha vivido e sentido as humilhações do regime nazi e não podia esquecer o papel libertador do exército dos E.U.A. e do sacrifício das vidas de tantos americanos que saíram das suas casas, do seu país, atravessaram o oceano para ajudarem a devolverem-lhe a dignidade de ser um europeu livre e isto, o Sr. Emílio, não podia esquecer, a sua gratidão seria eterna e ai de quem lhe dissesse mal dos americanos.
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O Sr. Emílio era um poliglota, a sua vida já longa tinha sido repartida pelo Cantão alemão da sua Suiça natal para onde, todos os anos, se deslocava em férias matar saudades da terra e encontrar-se com os seus irmãos dos quais ele era o mais novo. Mas o resto da sua vida tinha sido repartida pela Itália, França, Espanha e finalmente Portugal e embora nunca se referisse ao seu passado como se de um tabu se tratasse, o que todos nós respeitávamos nunca lhe fazendo perguntas, presumo que ele sempre perseguiu a tranquilidade que veio finalmente encontrar na paz bolorenta do regime do Salazar.

Apaixonado pelas línguas que tinha sido obrigado a aprender ao longo das suas deambulações pela Europa, ajudado pelo seu bom ouvido musical, o Sr. Emílio adorava as frases idiomáticas, quando as palavras diziam uma coisa e todas juntas, de seguida, diziam algo que não tinha nada a ver com o significado de cada uma delas. Expressões como: “fazer tijolo” ou”ter bicho de carpinteiro” faziam as delícias do Sr. Emílio que se divertia com elas até às sonoras gargalhadas.

Realmente, a parte cómica de uma língua é quando o povo cria uma espécie de segunda língua como se de uma pura brincadeira se tratasse para chatear quem a queira aprender, uma espécie de código reservado apenas aos nacionais dessa língua e muitas vezes desse lugar.

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Mas a língua portuguesa reservava ainda para o Sr. Emílio uma outra curiosidade constituída por uma palavra tão simples como “isso” que num determinado contexto e conforme a entoação remetia para situações e significados próprios de uma história detectivesca mas quem a vai contar é o Sr. Emílio:
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-O pai de uma filha casadoira mas com idade já a passar dos limites do casamento recebe em sua casa mais um namorado e candidato à mão da rapariga. Esperançado que daquela vez é que seria, o preocupado pai criava todas as condições para que o namoro decorresse sem nenhuns entraves arranjando afazeres de última hora para os deixar sozinhos fazendo as delícias do rapaz que não esperaria tantas facilidades.

Dali até à boda foi um passo e porque se tratava de gente pouco endinheirada a noite de núpcias foi em casa dos pais da noiva. A meio da noite, o jovem marido desiludido com a situação que tinha encontrado, levantou-se e percorrendo o corredor da casa de cá para lá e de lá para cá ia dizendo em voz alta: por isso, por isso, por isso! e passado mais um bocado repetia: por isso, por isso, por isso!

O sogro, que no seu quarto acordou com aquele coro de lamentações levantou-se e disse ao genro:

-Por isso, por isso, por isso, quais por isso nem meios por isso, quando me casei não encontrei isso e nem por isso me pus com isso!

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E é ao som das gargalhadas com que o Sr. Emílio rematava esta história que termino este texto que naturalmente lhe dedico.

domingo, janeiro 08, 2006

Quando o Tempo nos Ultrapassa...

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Image Hosted by ImageShack.us Há que convir, que para quem nasceu ainda no século XIX, primeiras décadas do século XX, sofreu em vida as maiores surpresas e transformações que qualquer outra geração já teve que enfrentar. E não me refiro propriamente às alterações do ponto de vista social e político, pois que, ao longo da história, sempre se registaram grandes mudanças quando os impérios caíam, se faziam guerras ou revoluções. Embora, em muitos casos, passados alguns anos, a tendência era a de repor as situações anteriores com personagens diferentes e tudo mais ou menos voltava ao mesmo.

Refiro-me, antes, às novidades que a ciência e a tecnologia trouxeram para o dia a dia da vida de todos nós e que mexeram profundamente nos nossos hábitos, condicionando a nossa maneira de viver e de pensar. Tudo no breve lapso que é o tempo de duração de uma vida humana. Foi como um dique que pressionado pelos avanços da ciência que há muito vinham ocorrendo, silenciosamente, não suportasse mais o sentido de oportunidade de uma sociedade que descobriria a volúpia do lucro e a adrenalina do risco empresarial - característicos do sistema capitalista e das leis inexoráveis da economia de mercado, e umas atrás das outras inundou-nos de máquinas que deram a volta às nossas cabeças e às nossas vidas:
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-O automóvel, os electrodomésticos, a televisão, essa caixinha que se diz ter mudado o mundo, e mais recentemente os telemóveis, os computadores e a Internet.
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Assim, na segunda metade do século XX, no último período de cinquenta anos, tudo isto entrou, mais ou menos de rompante pelas nossas casas, com o contributo, não direi da invenção mas da generalização do sistema de pagamento em prestações que, para além de ter permitido o enriquecimento dos Bancos, conduziu, igualmente, em muitos casos - infelizmente, ao endividamento das famílias.., mas esse já é outro assunto.
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Para todos quantos nasceram nas décadas de 40 e 50 e de então para cá, todos estes maravilhosos objectos foram como que os seus brinquedos de infância, a começar pelas miniaturas de automóveis que fizeram as delícias da minha juventude, da mesma forma que os pequenos telemóveis são hoje peças indispensáveis na mão dos nossos jovens, não falando já dos que nasceram nas primeiras décadas do século passado e ainda muitos outros nascidos nos fins do século XIX quando, ainda por cima, a sociedade portuguesas era fortemente rural e analfabeta.
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Foi um choque, uma agressão à sua capacidade de entendimento, um abanão nas suas estruturas mentais, uma “maldade” que lhes fizeram:

- 20 de Julho de 1969, Armstrong sai do módulo lunar, pisa pela primeira vez a lua e diz para todo o planeta que em directo o está a ver e a ouvir pela televisão: “um pequeno passo para o homem, um salto de gigante para a humanidade”.
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Foi, naturalmente, o momento em que os espectadores da televisão mais indecisos ficaram entre o que mais admirar: o feito em si mesmo, a descida do homem à lua, ou a circunstância de estarem a vê-la ao mesmo tempo que ela acontecia como de um qualquer outro espectáculo servido em suas casas à hora do serão.
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Nesse fim-de-semana fui de Almeirim para a Nazaré onde a família estava de férias, a banhos, e pelo caminho parei numa bomba de gasolina, das que tinham um Café onde as pessoas se juntaram para assistir ao evento:

- Não foi pacífico, contou-me o senhor da bomba enquanto atestava o depósito. Tinha havido briga, pois um determinado cliente afirmava que tudo aquilo não passava de uma grande mentira o que recolheu a concordância de uns e a discordância de outros, e daí às ofensas e insultos com murros e pontapés à mistura tinha sido “um ver se te havias”…; é o que acontece quando nos deixamos ultrapassar pelo nosso próprio tempo….
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Mas o impacto da televisão foi qualquer coisa de inteligível quando, pela primeira vez, apareceu nas nossas aldeias, aos olhares pasmados dos habitantes cujas vidas se desenrolavam exclusivamente à volta da horta, do jumento e do porco e de algumas cabras e ovelhas quando as haviam.

As distracções aconteciam por alturas das festas anuais da aldeia e das aldeias próximas, ou de alguma feira mais virada para o negócio do gado e que ao longo dos anos tinha ganho importância, mas tudo quanto se ia lá encontrar já era conhecido dos anos anteriores mas a televisão…, senhores, coisa nunca vista, muito diferente daquelas imagens que aquele homem do cinema uma vez levou à aldeia e mostrou na sala onde ao sábado tinham lugar os bailes.
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Eu tinha os meus 18 anos e assisti a tudo na aldeia dos meus avós, na Concavada, para lá de Abrantes, quando as aldeias regurgitavam de gente e todas as pessoas de idade eram nossos tios e tias como reconhecimento dos seus estatutos de respeitabilidade que os anos lhes conferiam.
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O meu pai foi a primeira pessoa da aldeia a ter uma televisão, mesmo antes de qualquer uma das várias tabernas que à noite funcionavam como cafés.
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Lembro-me perfeitamente dela, era alemã, marca SABA, rectangular e acastanhada. Foi posta num armazém que também servia de sala de jantar e à frente foram dispostos bancos corridos onde as pessoas que quisessem assistir, a troco de 5 tostões que o meu pai justificava destinarem-se à limpeza da sala, se iam sentando, à excepção da minha avó, a t’Lena Mela, que tinha direito a tratamento VIP numa cadeirinha de vime, daquelas que eram próprias para as pessoas se sentarem à lareira e que colocávamos logo na primeira fila mesmo em frente do aparelho.

Nunca me esquecerei da expressão do rosto da minha avó quando assistia às imagens da televisão que ela não via, antes admirava. Dizia sempre que gostava de ver tudo, as variedades com o Camilo de Oliveira, o teatro com a Dª. Palmira Bastos ou o cinema com o Sr. Vasco Santana, mas percebia-se que tinha uma especial deferência para com o Sr. Fialho Gouveia que, diáriamente, a olhava nos olhos e lhe lia as notícias, coisa que ela apreciava mais que os outros espectáculos.

Um dia a minha avó adoeceu porque embora sendo uma mulher saudável, de gripes e constipações ninguém estava a salvo, doentes ou saudáveis e, por isso, durante 15 dias, não ocupou o lugarzinho que lhe estava reservado em frente da televisão.

Finalmente, sentindo-se em condições, lá foi ocupar a sua cadeira porque antes da emissão começar já todos deveriam estar sentados e em silêncio. Da mira técnica passava-se ao hino da televisão e, de seguida, começava a programação a que eu assistia sempre ao lado da minha avó para a poder atender nalguma pergunta que me quisesse fazer, o que era raro.

A minha avó era daquelas velhinhas que gostava de passar despercebida. Em toda a sua vida habituou-se, talvez influenciada pela personalidade dominadora do meu avô, a ouvir e calar, no caso dela não como forma de submissão mas antes por ser a sua maneira de estar na vida, e eu adorava-a porque era a minha avó, porque era pequenina e pelos seus silêncios que me pareciam esconder um mundo que ela, com o seu quê de mistério, guardava só para si.

Mas nessa primeira noite, depois da ausência de todos aqueles dias, a minha avó parecia-me algo ansiosa, pelo menos não aguardava com a serenidade do costume o início da emissão.

De repente, enchendo-se de coragem e vencendo alguma espécie de pudor, puxou-me para ao pé dela e meio em segredo, confidenciou-me:

- “ Ah, o Sr. Fialho Gouveia naturalmente vai estranhar…há já quinze dias que não me vê”.

Não me lembro do que lhe disse mas a esta distância só espero e desejo que não lhe tenha dito nada.
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Mais tarde, já depois de ter morrido, soube através de outras pessoas que ela, meio às escondidas meio à socapa, ajudava com comida as pessoas mais pobres da aldeia que a procuravam e aí veio mais uma razão para eu gostar da minha avó pequenina, como carinhosamente lhe chamava.

  • E agora saber qual delas era?!
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PS. Rui, esta “história” que corresponde rigorosamente à verdade e que gravei na minha memória para te poder contar, sei agora que foi para isso, é dedicada à tua bisavó pequenina que não me contava histórias como a outra, a avó grande, nem me pedia beijos mas por quem sempre senti imenso carinho.

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