sábado, janeiro 21, 2012

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A dura vida de pastor, sacerdócio de verdade...


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NARA LEÃO - "SINA DE CABOCLO" - Letra e música de João de Vale e J.B. Aquino

Do Disco "Opinião de Nara" de 1964 que é fundamental para a discografia básica da música brasileira pois despertou em Oduvaldo Viana Filho a produção de um dos mais importantes shows de todos os tempos com Nara (voz maravilhosa), Zé Kéti, João do Vale e foi responsável pelo lançamento de Maria Betânia.

A CULPA


A culpa é do pólen dos pinheiros
Dos juízes, padres e mineiros
Dos turistas que vagueiam nas ruas
Das 'strippers' que nunca se põem nuas
Da encefalopatia espongiforme bovina
Do Júlio de Matos, do João e da Catarina
A culpa é dos frangos que têm HN1
E dos pobres que já não têm nenhum
A culpa é das prostitutas que não pagam impostos
Que deviam ser pagos também pelos mortos
A culpa é dos reformados e desempregados
Cambada de malandros feios, excomungados,
A culpa é dos que têm uma vida sã
E da ociosa Eva que comeu a maçã.
A culpa é do Eusébio, que já não joga a bola,
E daqueles que não batem bem da tola.
A culpa é dos putos da casa Pia
Que mentem de noite e de dia.
A culpa é dos traidores que emigram
E dos patriotas que ficam e mendigam.
A culpa é do Partido Social Democrata
E de todos aqueles que usam gravata.
A culpa é do BE, do CDS e do PCP
E dos que não querem o TGV
A culpa até pode ser do urso que hiberna
Mas não será nunca de quem governa.

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA



Episódio Nº 2





Naquele ano, em vez de ficarem nos bares bebericando estavam todos eles na procissão, de vela em punho, contritos, prometendo mundos e fundos a São Jorge em troca das chuvas preciosas.

A multidão, atrás dos andores, acompanhava pelas ruas a reza dos padres. Paramentado, as mãos unidas para a oração, o rosto compungido, o padre Basílio elevava a voz sonora puxando as preces.

Escolhido para a importante função por suas eminentes virtudes, por todos consideradas estimadas, o fora também por ser o santo homem proprietário de terras e roças, directamente interessado na intervenção celestial. Rezava assim com redobrado vigor.

As solteironas numerosas, em torno à imagem de santa Maria Madalena, retirada na véspera da Igreja de São Sebastião para acompanhar o andor do santo padroeiro em sua ronda pela cidade, sentiam-se transportar em êxtase ante a exaltação do padre habitualmente apressado e bonacheirão, despachando sua missa num abrir e fechar de olhos, confessor pouco atento ao muito que elas tinham a lhe contar, tão diferente do padre Cecílio, por exemplo.

Elevava-se a voz vigorosa e interessada do padre na prece ardente, elevava-se a voz fanhosa das solteironas, o coro unânime dos coronéis, suas esposas, filhas e filhos, comerciantes, exportadores, trabalhadores vindos do interior para a festa, carregadores, homens do mar, mulheres da vida, empregados no comércio, jogadores profissionais e malandros diversos, os meninos do catecismo e as meninas da Congregação Mariana.

Subia a prece para um diáfano céu sem nuvens onde, assassina bola de fogo, queimava um sol impiedoso – capaz de destruir os recém-nascidos brotos brotos dos cocos de cacau.

Certas senhoras da cidade, numa promessa combinada durante o último baile do Clube Progresso, acompanhavam a procissão de pés descalços, oferecendo o sacrifício da sua elegância ao santo, pedindo-lhe chuva. Murmuravam-se promessas diversas, apressava-se o santo, nenhuma demora se lhe podia admitir, ele bem via a aflição dos seus protegidos, era milagre urgente o que lhe pediam.

São Jorge não ficara indiferente às preces, à repentina comovente religiosidade dos coronéis e ao dinheiro por eles prometido para a igreja matriz, aos pés nus das senhoras castigados pelos paralelepípetos das ruas, tocado sem dúvida mais do que tudo pela agonia do padre Basílio.

Tão receoso estava o padre pelo destino dos seus frutos de cacau que, nos intervalos do rogo vigoroso, quando o coro clamava, jurava ao santo abster-se um mês inteiro dos doces favores de sua comadre e ama Otália.

Cinco vezes comadre, pois já cinco robustos rebentos – tão vigorosos e promissores quanto os cacauais do padre – levara ela, envoltos em cambraia e renda, à pia baptismal. Não os podendo perfilhar, era o padre Basílio padrinho de todos cinco – três meninas e dois meninos – e caridade cristã, lhes emprestava o uso do seu próprio nome de família: Cerqueira, um belo e honrado nome.

Como poderia São Jorge ficar indiferente de tanta aflição? Vinha ele dirigindo, bem ou mal, os destinos dessa terra, hoje do cacau, desde os tempos imemoriais da Capitania.

O donatário, Jorge de Figueiredo Correia, a quem o rei de Portugal dera, em sinal de amizade, essas dezenas de léguas povoadas de silvícolas e de pau-brasil, não quisera deixar pela floresta os prazeres da corte lisboeta, mandara seu cunhado espanhol morrer nas mãos dos índios.

(click na imagem da nova IGREJA MATRIZ DE SÃO JORGE DE IHÉUS vendo-se, à direita, assinalado, o Bar Vesúvio do Siô Nacib, brasileiro das arábias)

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

À ENTREVISTA Nº 35 SOBRE O TEMA:

“ SUA SANTIDADE, SUA REVERÊNCIA” (4º e último)


Quanto mais Hierarquia, mais Cerimonial



As formalidades, tanto na linguagem como nas atitudes, sempre tiveram a ver com o uso ou abuso de poder. Um dos maiores desafios na sociedade de hoje para alcançar uma consciência democrática está em que os actos públicos - políticos, sociais, académicos - tanto de direita como de esquerda são sinónimos de protocolos, atitudes estereotipadas e palavras alti-sonantes. Falta-lhes simplicidade e espontaneidade. Um pouco menos de cerimonial seria importante para provocar sentimentos de igualdade.


Todo o formalismo – mais quando é faustoso – é uma maneira de afirmar a hierarquia e, portanto, reafirmar que tem o poder, e quem tem de obedecer.


Ao estudar a parafernália de comportamentos que exigem nos exércitos e na hierarquia da Igreja Católica, o sociólogo peruano e psicanalista William Nugent conclui:


- Quanto mais hierarquia há mais importante é o cerimonial. Pensar que o problema se resume a uma luta entre formalidade e informalidade é um erro importante de avaliação pois os cerimoniais são a principal fonte de reconhecimento de identidades.


As hierarquias das igrejas cristãs não têm sido fiéis à mensagem igualitária e "democrática" de Jesus e, com excepção das autoridades de algumas igrejas protestantes e de algumas autoridades católicas excepcionais, cultivam em seus templos e entre os seus líderes uma pompa anti-evangélica.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

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Aspecto noturno da Baixa da cidade de Lisboa

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Chicago, Dezembro de 2011.


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A liberdade e a democracia não acabam com os malandros e os corruptos mas permite a sua denúncia... e isso faz uma grande diferença.

NARA LEÃO E ERASMO CARLOS - CAFÉ DA MANHÃ

Nara Leão, provavelmente a mais versátil cantora que o Brasil já teve, com o maravilhoso Erasmo Carlos para o Especial da Rede Globo "Erasmo Convida" (1980)


GABRIELA,

CRAVO

E

CANELA





Primeira Parte

AVENTURAS E DESVENTURAS DE UM BOM BRASILEIRO (NASCIDO NA SÍRIA) NA CIDADE DE ILHÉUS, EM 1925, QUANDO FLORESCIA O CACAU E IMPERAVA O PROGRESSO – COM AMORES, ASSASSINATOS, BANQUETES, PRESÈPIOS, HISTÒRIAS VARIADAS PARA TODOS OS GOSTOS, UM REMOTO PASSADO GLORIOSO DE NOBRES SOBERBOS E SALAFRÁRIOS, UM RECENTE PASSADO DE FAZENDEIROS RICOS E AFAMADOS JAGUNÇOS, COM SOLIDÃO E SUSPIROS, DESEJO, VINGANÇA, ÓDIO, COM CHUVAS E SOL E COM LUAR, LEIS INFLEXÌVEIS, MANOBRAS POLÍTICAS, O APAIXONADO CASO DA BARRA, COM PRESTIDIGITADOR, DANÇARINA, MILAGRE E OUTRAS MÁGICAS


Ou

UM BRASILEIRO DAS ARÁBIAS


CAPÍTULO PRIMEIRO

O Langor de Ofenísia

(que tão pouco aparece, mas nem por isso é menos importante)


Episódio Nº 1

Do Sol e Da Chuva Com Pequeno Milagre

Naquele ano de 1925, quando floresceu o idílio da mulata Gabriela e do árabe Nacib, a estação das chuvas tanto se prolongara além do normal e necessário que os fazendeiros, como um bando assustado, cruzavam-se nas ruas a perguntar uns aos outros, o medo nos olhos e na voz:

- Será que não vai parar?

Referiam-se às chuvas, nunca se vira tanta água descendo dos céus, dia e noite, quase sem intervalos.

- Mais uma semana e estará tudo em perigo.

- A safra inteira…

- Meu Deus!

Falavam da safra anunciando-se excepcional, a superar de longe todas as anteriores. Com os preços do cacau em constante alta, significava ainda maior riqueza, prosperidade, fartura, dinheiro a rodo.

Os filhos dos coronéis indo cursar os colégios mais caros das grandes cidades, novas residências para as famílias nas novas ruas recém-abertas, móveis de luxo mandados vir do Rio, pianos de cauda para compor as salas, as lojas sortidas multiplicando-se, o comércio crescendo, bebida correndo nos cabarés, mulheres desembarcando dos navios, o jogo campeando nos bares e nos hotéis, o progresso enfim, a tão falada civilização.

E dizer-se agora que essas chuvas demasiado copiosas, ameaçadoras, diluviais, tinham demorado a chegar, tinham-se feito esperar e rogar!

Meses antes, os coronéis levantavam os olhos para o céu límpido em busca de nuvens, de sinais de chuva próxima. Cresciam as roças de cacau estendendo-se por todo o sul da Bahia, esperavam a chuva indispensável ao desenvolvimento dos frutos acabados de nascer, substituindo as flores nos cacauais.

A procissão de São Jorge, naquele ano, tomara o aspecto de uma ansiosa promessa colectiva ao santo padroeiro da cidade.

O seu rico andor, bordado de ouro, levavam-no sobre os ombros, orgulhosos, os cidadãos mais notáveis, os maiores fazendeiros vestidos com a bata vermelha da confraria e não é pouco dizer, pois os coronéis do cacau não, primavam pela religiosidade, não frequentavam igrejas, rebeldes à missa e à confissão, deixando essas fraquezas para as fêmeas da família:

- Isso de Igreja é coisa para mulheres.

Contentavam-se com atender os pedidos de dinheiro do bispo e dos padres para obras e folguedos: o Colégio das Freiras no alto da Vitória, o Palácio Diocesano, escolas de catecismo, novenas, mês de Maria, quermesses, festas de santo António e São João.


(Click na imagem da esplanada do Vesúvio na qual, duas jovens, se fizeram fotografar junto de "Jorge Amado".)

INFORMAÇÔES COMPLEMENTARES


À ENTREVISTA Nº 35 SOBRE O TEMA:

“SUA SANTIDADE, SUA REVERÊNCI” (3)



Jesus Não Concordou


Jesus expressamente proibiu que se chamasse a alguém Mestre, Pai, Doutor (Mateus 23, 8-12).
A história de Pedro e do capitão romano Cornélio que Jesus lembra à jornalista Raquel aparece nos “Echos dos Apóstolos” (10,24-26). Toda a mensagem de Jesus, todas as suas atitudes e pensamentos são consistentes com a rejeição da arrogância e superioridade que se expressa não apenas em palavras mas em todos as formalidades externas que os homens com poder procuram para se promoverem em auto-importância e reclamarem submissão e obediência.

E ainda que isto dos títulos pareça coisa irrelevante ou de importância secundária, não é. A hierarquia da linguagem, protocolos, formalidades e cerimoniais, são apenas expressões de poder entendido como uma imposição e não como um serviço.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

HERMAN JOSÈ - A Família Maçon e a Família Opus

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Barcos Rabelos Alinhados no Cais


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NARA LEÃO - OPINIÃO (1964)

Música de Zé Kéti que vem precedida de tambores, lembrando toques marciais militares para não esquecer que então se vivia no Brasil momentos de um poder político oriundo das casernas.

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Numa noite normal com o passado largado na memória, um homem reencontra o lugar a que chama casa, lembranças de um tempo que viveu. Fragmentos de pura felicidade e instantes de sublime partilha surgem com a esperança de um presente que não voltará a ser o mesmo.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES



À ENTREVISTA Nº 35 SOBRE O TEMA:


“SUA SANTIDADE, SUA REVERÊNCIA”(2)






Uma Arrogância Extrema



Seja qual for a sua origem, é nítida a arrogância e vaidade nos títulos e formalidades com que são tratados os líderes católicos traindo, assim, uma ordem expressa de Jesus (Mateus 23,4 -11).

Os líderes católicos "obsequiam" também os seus com graus de proeminência. De acordo com o historiador alemão Horst Herrmann, o Vaticano vende títulos nobiliárquicos da igreja para aqueles que querem ostentá-los e que por eles chegam a pagar até 150 000 euros. Há casos extremos.

Um dos cerca de 500 "santos" canonizados pelo Papa João Paulo II foi o sacerdote espanhol José María Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei, uma organização católica que tem enormes recursos financeiros e cerca de 80 000 homens e mulheres dispostos a promover um Catolicismo elitista, sectário e opulento, seguindo o exemplo de seu fundador.

Na vida, Escrivá, um homem de origem humilde rural, comprou, embora não no Vaticano, mas pela mesma vaidade, o título de marquês de Peralta.

Em Roma, os devotos deste novo "santo" encontram-se num “bunquer”, na rua Bruno Buozzi, em Roma. Descem as escadas que os levam a uma cripta de luxo onde os restos mortais de Escrivá estão num altar. Após a morte de Escrivá, em 1975, foram mesmos os membros do Opus Dei, que revelaram que o seu fundador tinha planeado tudo para que, após a morte, tivesse início a sua adoração: almofada de veludo para expor o seu corpo, o nome de quem lhe devia fazer a máscara para o seu corpo que foi embalsamado; mecha de cabelo a ser cortado para expor aos seus devotos, lápide de mármore para o túmulo e nele a inscrição "O Pai".

Difícil encontrar tanta arrogância anti-evangélica num "santo".

GABRIELA,
CRAVO
E
CANELA




Introdução




Esta história de amor – por curiosa coincidência, como diria Dª Arminda – começou no mesmo dias claro, de sal primaveril, em que o fazendeiro Jesuíno Mendonça matou a tiros de revólver, dona Sinhàzinha Guedes Mendonça, sua esposa, expoente da sociedade local, morena mais para gorda, muito dada às festas da igreja, e o doutor Osmundo Pimentel, cirurgião-dentista chegado a ilhéus há poucos meses, moço elegante tirado a poeta.

Pois naquela manhã, antes da tragédia abalar a cidade, finalmente a velha Filomena cumprira a sua antiga ameaça, abandonara a cozinha do árabe Nacib e partira pelo trem das oito, para Água Preta, onde prosperava seu filho.

Como opinara depois João Fulgêncio, homem de muito saber, dono da Papelaria Modelo, centro da vida intelectual de ilhéus, fora mal escolhido o dia assim formos, o primeiro de sol depois da longa duração das chuvas, sol como uma carícia sobre a pele. Não era dia próprio para sangue derramado. Como porém, o coronel Jesuíno era homem de honra e determinação, pouco afeito a leituras e a razões estéticas, tais considerações não lhe passaram sequer pela cabeça dolorida de chifres.

Apenas os relógios soavam as duas da sesta e ele – surgindo inesperadamente, pois todos o julgavam na fazenda – despachara a bela Sinhàzinha e o sedutor Osmundo, dois tiros certeiros em cada um. Fazendo com que a cidade esquecesse os demais assuntos a comentar: encalhe do navio da Costeira pela manhã na entrada da barra, o estabelecimento da primeira linha de ónibus ligando Ihéus a Itabuna, o grande baile recente do Clube Progresso e, mesmo, a apaixonante questão levantada por Mundinho Falcão das dragas para a barra.

Quanto ao pequeno drama pessoal de Nacib, subitamente sem cozinheira, dele apenas seus amigos mais íntimos, tomaram conhecimento imediato sem lhe dar, aliás, maior importância.

Voltavam-se todos para a tragédia a emocioná-los, a história da mulher do fazendeiro e do dentista, seja pela alta classe dos três personagens nela envolvidos, seja pela riqueza dos detalhes, alguns picantes e saborosos. Porque, apesar do propalado e envaidecedor progresso da cidade, “Ilhéus civiliza-se em ritmo impetuoso”, escrevera o doutor Ezequiel Prado, grande advogado, no Diário de Ilhéus, ainda se glosava acima de tudo, naquela terra, uma história assim violenta de amor, ciúme e sangue.

Iam-se passando no passar dos tempos, os ecos dos últimos tiros trocados nas lutas pela conquista da terra, mas daqueles anos heróicos ficara um gosto de sangue derramado no sangue dos ilheenses. E certos costumes: o de arrotar valentia, de carregar revólveres dia e noite, de beber e jogar.

Certas leis também a regularem suas vidas. Uma delas, das mais indiscutidas, novamente cumprira-se naquele dia: honra de marido enganado só com a morte dos culpados podia ser lavada. Vinha dos tempos antigos, não estava escrita em nenhum código, estava apenas na consciência dos homens deixada pelos senhores de antanho, os primeiros a derrubar matas e a plantar cacau.

Assim era em Ilhéus, naqueles idos de 1925, quando floresciam as ocas nas terras adubadas com cadáveres e sangue e multiplicavam-se as fortunas quando o progresso se estabelecia e transformava-se a fisionomia da cidade.

Tão profundo aquele gosto de sangue que o próprio árabe Nacib, afectado bruscamente em seus interesses com a partida de Filomena, esquecia tais preocupações voltando-se por inteiro para os comentários do duplo assassinato. Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente, porém evoluíam os costumes, os hábitos dos homens. Assim acontece sempre em todas as sociedades.




(click na imagem do Bar-Restaurante Vesúvio, de seu Nacib, refúgio de Gabriela e local de encontro dos coronéis. Ao fundo a Catedral de Ilhéus)


quarta-feira, janeiro 18, 2012

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Barco Rebelo

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Novo sistema de alta-tecnologia de um aluno do Progama das Novas Oportunidades...


O BCP ou a “história da carochinha”


(contada por Miguel Sousa Tavares)

Em países onde o capitalismo, as leis da concorrência e a seriedade do negócio bancário são levados a sério, a inacreditável história do BCP já teria levado a prisões e a um escândalo público de todo o tamanho.


Em Portugal, como tudo vai acabar sem responsáveis e sem responsabilidades, convém recordar os principais momentos deste "case study", para que ao menos a falta de vergonha não passe impune.

1. Até ao 25 de Abril, o negócio bancário em Portugal obedecia a regras
simples:

- Cada grande família, intimamente ligada ao regime, tinha o seu banco. Os bancos tinham um só dono ou uma só família como dono e sustentavam os demais negócios do respectivo grupo.

- Com o 25 de Abril e a nacionalização sumária de toda a banca, entrámos num período “revolucionário” em que "a banca ao serviço do povo" se traduzia, aos olhos do povo, por uns camaradas mal vestidos e mal encarados que nos atendiam aos balcões como se nos estivessem a fazer um grande favor.

Jardim Gonçalves veio revolucionar isso, com a criação do BCP e, mais tarde, da Nova Rede, onde as pessoas passaram a ser tratadas como clientes e recebidas por profissionais do ofício. Mas, mais: ele conseguiu criar um banco através de um MBO informal que, na prática, assentava na ideia de valorizar a competência sobre o capital.

O BCP reuniu uma série de accionistas fundadores, mas quem de facto mandava eram os administradores - que não tinham capital, mas tinham "know-how" (sabiam do ofício).

Todos os fundadores aceitaram o contrato proposto pelo "engenheiro" à excepção de Américo Amorim, que tratou de sair com grandes lucros assim que achou que os gestores não respeitavam o estatuto a que se achava com direito (e dinheiro).

2. Com essa imagem, aliás merecida, de profissionalismo e competência, o BCP foi crescendo, crescendo, até se tornar o maior banco privado português, apenas atrás do único banco público, a Caixa Geral de Depósitos.

E, de cada vez que crescia, era necessário um aumento de capital e, em cada aumento de capital, era necessário evitar que algum accionista individual ganhasse tanta dimensão que pudesse passar a interferir na gestão do banco.

Para tal, o BCP começou a fazer coisas pouco recomendáveis:

- Aos pequenos depositantes, que lhe tinham confiado as suas poupanças para gestão, o BCP tratava de lhes comprar, obviamente sem os consultar, acções do próprio banco nos aumentos de capital, deixando-os depois desamparados nas perdas da bolsa;

- Aos grandes depositantes e amigos dos gestores, abria-lhes créditos de milhões em "off-shores" para comprarem acções do banco, cobrindo-lhes, em caso de necessidade, os prejuízos do investimento.

Desta forma exemplar, o banco financiou o seu crescimento com o pêlo do próprio cão, aliás, com o dinheiro dos depositantes e subtraiu ao Estado uma fortuna em lucros não declarados para impostos.

Ano após ano, também o próprio BCP declarava lucros astronómicos, pelos quais pagava menos de impostos do que os porteiros do banco pagavam de IRS em percentagem e, enquanto isso, aqueles que lhe tinham confiado as suas pequenas ou médias poupanças viam-nas sistematicamente estagnadas ou até diminuídas e, de seis em seis meses, recebendo uma carta-circular do engenheiro a explicar que os mercados estavam muito mal.

3. Depois, e seguindo a velha profecia marxista, o BCP quis crescer ainda mais e engolir o BPI. Não conseguiu, mas, no processo, o engenheiro trucidou o sucessor que ele próprio havia escolhido, mostrando que a tímida "renovação" anunciada não passava de uma farsa.

Descobriu-se ainda uma outra coisa extraordinária e que se diria impossível: que o BCP e o BPI tinham participações cruzadas, ao ponto de hoje o BPI deter 8% do capital do BCP e, como maior accionista individual, ter-se tornado determinante no processo de escolha da nova administração... do concorrente! Como se fosse a coisa mais natural do mundo, o presidente do BPI dá uma conferência de imprensa a explicar quem deve integrar a nova administração do banco que o quis opar (comprar) e com o qual é suposto concorrer no mercado, todos os dias...

4. Instalada entretanto a guerra interna, entra em cena o notável comendador Berardo, ele é só o homem que mais riqueza acumula e menos produz no país (protegido pelo 1º Ministro (à Sócretina), que lhe deu um museu do Estado para armazenar a colecção de arte privada. Mas, verdade se diga, as brasas espalhadas por Berardo tiveram o mérito de revelar segredos ocultos e inconfessáveis daquela casa. E assim ficámos a saber que o filho do engenheiro fora financiado em milhões para um negócio de vão de escada, e perdoado em milhões quando o negócio inevitavelmente foi por água abaixo. E que havia também amigos do engenheiro e da administração, gente que se prestara ao esquema das "off-shores", que igualmente viam os seus créditos malparados serem perdoados e esquecidos por acto de favor pessoal.

5. E foi quando, lá do fundo do sono dos justos onde dormia tranquilo, acorda inesperadamente o governador do Banco de Portugal e resolve dizer que já bastava: aquela gente não podia continuar a dirigir o banco, sob pena de acontecer alguma coisa de mais grave - como, por exemplo, a própria falência, a prazo.

6. Reúnem-se, então, as seguintes personalidades de eleição: o comendador Berardo, o presidente de uma empresa pública com participação no BCP e ele próprio ex-ministro de um governo PSD e da confiança pessoal de Sócrates, mais - ao que consta - alguém em representação do doutor "honoris causa" Stanley Ho - a quem tantos socialistas tanto devem e vice-versa. E, entre todos, congeminam um "take over" sobre a administração do BCP, com o "agréement" do dr. Fernando Ulrich, do BPI...

E olhando para o panorama perturbante a que se tinha chegado, a juntar ao súbito despertar do dr. Vítor Constâncio, acharam todos bem entregar o BCP ao PS.

Para que não restassem dúvidas das suas boas intenções mais concordaram em que a vice-presidência fosse entregue ao sr. Armando Vara (que também usa dr.) - fabuloso expoente político e bancário que o país inteiro conhece e respeita.

7. E eis como um banco, que era tão independente, que fazia tremer os governos, desagua nos braços cândidos de um partido político - e logo o do
Governo… e eis como um banco, que era tão cristão, tão "opus dei", tão boas famílias, acaba na esfera dessa curiosa seita do avental, a que chamam maçonaria.

8. E, revelada a trama em todo o seu esplendor, que faz o líder da oposição? Pede em troca, para o seu partido, a Caixa Geral de Depósitos, o banco público. Pede e vai receber, porque há “matérias de regime” que mesmo um governo que tenha maioria absoluta no parlamento não se atreve a pôr em causa.

Um governo inteligente, em Portugal, sabe que nunca pode abocanhar o bolo todos sob pena de os escândalos começarem a rolar na praça pública. Não pode haver durante muito tempo um pequeno exército de desempregados da Grande Família do Bloco Central.

****
Se alguém me tivesse contado esta história, eu não teria acreditado.
Mas vemos, ouvimos e lemos. E foi tal e qual.



Miguel Sousa Tavares.



"Esta é a ditosa pátria minha amada..."

FERREIRA DE CASTRO PREFACIA


JORGE AMADO EM GABRIELA, CRAVO E CANELA




A obra de Jorge Amado chegou cedo a Portugal. E também aqui levantou, em redor da literatura do Brasil, até então conhecida apenas de uma pequeníssima minoria, um entusiasmo imenso.

Também aqui Jorge Amado abriu caminho aos outros romancistas da sua geração e a muitos mais das gerações anteriores e posteriores hoje tão admirados entre nós. Ocorreu então um fenómeno inédito na história literária luso-brasileira: pela primeira vez um escritor do Brasil exercia influência sobre os romancistas de Portugal.

Duas gerações portuguesas, aliás bem dotadas de méritos próprios, deixaram-se contagiar, durante bastante tempo, pelo ritmo da prosa de Jorge Amado, pelo seu lirismo, pela maneira como tratava os problemas da sua obra; deixaram-se mesmo apaixonar por cenários correspondentes aos da sua preferência. A Bahia até aí quase ignorada, passou a ser o estado brasileiro mais conhecido, nas suas dores e nas suas alegrias, na sua vida e nos seus costumes, das novas gerações.

O que Pedro Álvares Cabral, a história das descobertas e o ensino nos liceus não puderam fazer, conseguira-o Jorge Amado com os seus romances. E, nesse tempo ele não tinha ainda 30 anos. Na própria França, a bela terra baiana tornou-se um motivo de fascinação para escritores, poetas e artistas, graças a esse seu filho, que foi até hoje o mais valioso fruto dado até hoje pelos cacauais.

Esta vitória universal da obra de Jorge Amado assenta firmemente num conjunto de qualidades que são tão numerosas como diversas.

Romancista de alma veemente, namorado das estrelas e intérprete da justiça, soube transmitir, com uma arte exultante, quanto há de poesia, de generosidade, de desapego às ambições mesquinhas, no espírito brasileiro, e dar-nos nesse clima, através de uma fina sensibilidade, aliada às exigências de análise, os dramas do povo, as suas ansiedades, as suas lutas vencidas e sempre recomeçadas, as suas mais profundas esperanças – esse lume que acalenta as noites, tão expectantes e tão longas, das grandes causas humanas. Um forte poder de comunicabilidade, uma pequena comunhão, uma densa simpatia que se evola de todas as páginas de todas as situações, mesmo das cenas mais ásperas, completam os méritos de Jorge Amado e subjugam os seus leitores com uma espécie de magia, um feitiço de dupla eficácia, que ora parte da forma para a essência, ora da essência para a forma, como uma seiva aromática que ressumasse do cerne da árvore para a casca. E assim vemos a transmutação da realidade normal para a realidade literária operar-se de tão ciente maneira que as personagens, apesar da atmosfera de poesia em que se agitam e de que elas próprias se embebem, não perdem jamais a sua humanidade.


Com Gabriela Cravo e Canela, Jorge Amado volta de novo ao convívio dos portugueses, à intimidade de um povo que tanto o ama, tão sofregamente o tem lido e há tempo o admira.

Que o admira desde a sua alvorada, muito antes de ele ser como é hoje, uma das primeiras figuras literárias do Brasil e da nossa época, um dos mais qualificados representantes duma literatura tão rica de valores e tão variada de expressões com é actualmente a da sua grande pátria.

Poucos livros existem que tenham recebido nos países de origem, geralmente desconfiados com os grandes êxitos, tão unânimes louvores como este. Em menos de dois anos o Brasil condecorou-o com cinco prémios.

Publicado recentemente (1958), Gabriela Cravo e Canela ocupa já, na literatura brasileira, um lugar definitivo, desses que normalmente só se concedem aos clássicos. Essa antecipação é apenas um acto de justiça como se poderá ver nas páginas a seguir, nestas rútilas páginas que enchem de fulgurância, como a sua arte tão depurada, a maturidade de um grande escritor e alargam, de maneira tão alta, o prestígio literário do Brasil no mundo.

Ferreira de Castro

terça-feira, janeiro 17, 2012

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O coronel e o taxista - De chorar a rir...

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Gaivotas na proa...

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FERNANDO TORDO - ADEUS TRISTEZA

Fernando Tordo, aurtor, compositor, intérprete e escritor, uma das figuras emblemáticas do panorama artístico português. Esta música tem a particularidade de ter sido editada logo após a ruptura da parceria com José Carlos Ary dos Santos como um teste à sua capacidade de sobrevivência artística sem o poeta.

Fernando Tordo estava a sair de uma situação clínica muito difícil e o médico obrigou-o a optar entre a vida e o álcool e ele escolheu a primeira.

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Maravilha de magia, com a vantagem de que não cortam ninguém...

Amigos, Visitantes do Memórias Futuras e Admiradores de Jorge Amado





Durante cerca de um ano, episódio após episódio, deixamos aqui a história de Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado.


Cada um de nós, de acordo com a sua sensibilidade, sofreu e regozijou-se com os momentos bons e maus, mais estes do que aqueles, por que ela passou até ao momento em que reencontrado, finalmente, o homem da sua vida, o seu grande amor, a paz, a estabilidade e a felicidade a esperam como prémio pelo seu carácter de mulher digna e corajosa. Nem sempre é assim na vida real, como sabemos, mas Jorge Amado escreve romances, arrancados à vida real, é certo, mas romances.

Vamos, pois, deixar a Tereza com essa convicção. Agora, ela vai ser feliz para sempre... como merece.



Como estão recordados, num compromisso que eu próprio assumi comigo mesmo em reconhecimento e por admiração a Jorge Amado, para mim, o melhor escritor de romances da língua portuguesa, já aqui tínhamos posto as histórias de Tieta do Agreste e de Dona Flor e Seus Dois Maridos antes de Tereza, que agora chegou ao fim.

Os meus amigos devem estar agora a perguntar: - E a Gabriela?

É verdade, Jorge Amado, para além da sua legítima esposa, Zélia Gattai, com quem esteve casado durante cinquenta e seis anos, até à sua morte, em 2001, teve quatro outras mulheres das quais nos falta agora conhecer Gabriela.


Zélia admite que só não teve ciúmes delas por ter reconhecido em cada uma um pouco de si própria.

Guardei para o fim a Gabriela, e peço desculpa às restantes, porque considero esta a “jóia da coroa”. É injusto, eu sei, mas nenhuma das outras teve a sorte de se ver reencarnada na televisão por essa diva que foi Sónia Braga, no melhor espectáculo televisivo que eu vi neste género, ao longo de semanas, na televisão portuguesa.

Mas vamos fazer um pequeno interregno para darmos a palavra a Ferreira de Castro, contemporâneo, amigo e admirador de Jorge Amado de quem era catorze anos mais velho.

Ferreira de Castro, foi um dos melhores escritores portugueses, emigrado para o Brasil com 12 anos de idade, também ele, como Jorge Amado, um dos escritores com mais obra traduzida em todo o mundo, da qual destacamos A Selva recentemente adaptada ao cinema com sucesso.

Amanhã, Ferreira de Castro, falar-nos-á de Jorge Amado num breve prefácio que fez ao romance de Gabriela Cravo e Canela e depois, sim, começaremos com a Gabriela.

segunda-feira, janeiro 16, 2012

IMAGEM

Apenas um pouco de imaginação e a velhinha boca de incêndio ganha vida...


Vídeo


Traviata...



O Miúdo do Restaurante !


Entrei apressado e com muita fome no restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento porque queria aproveitar os poucos minutos que dispunha naquele dia, para comer e acertar alguns bugs de programação num sistema que estava a desenvolver, para além de planear a minha viagem
de férias, coisa que há tempos não sei o que seja.

Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja, afinal de contas fome é fome, mas regime é regime não é?

Abri o meu portátil e apanhei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:

- Senhor, não tem umas moedinhas?

- Não tenho, menino.

- Só uma moedinha para comprar um pão.

- Está bem, eu compro-te um.


Para variar, a minha caixa de entrada está cheia de e-mails e fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, rindo com as piadas malucas.

Ah! Essa música leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos.

- Senhor, peça para colocar margarina e queijo.


Percebo nessa altura que o menino tinha ficado ali.

- Ok. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, estou muito ocupado, está bem?

Chega a minha refeição e com ela o meu mal-estar. Faço o pedido do menino, e o empregado pergunta-me se quero que mande o menino embora.

O peso na consciência, impedem-me de o dizer.

Digo que está tudo bem. Deixe-o ficar. Que traga o pão e mais uma refeição decente para ele.

Então sentou-se à minha frente e perguntou:

- Senhor o que está fazer?

- Estou a ler uns e-mails.
- O que são e-mails?


- São mensagens electrónicas mandadas por pessoas via Internet (sabia que ele não ia entender nada, mas, a título de livrar-me de questionários desses…)

- É como se fosse uma carta, só que via Internet.

- Senhor você tem Internet?
- Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.
- O que é Internet ?
- É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual.

- E o que é virtual?

Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo com certeza que ele pouco vai entender e deixar-me-ia almoçar, sem culpas.

- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos tocar, apanhar, pegar... é lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo no que queríamos que ele fosse.

- Que bom isso. Gostei!

- Menino, entendeste o significado da palavra virtual?


- Sim, também vivo nesse mundo virtual.

- Tens computador?! - Exclamo eu!!!

- Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira...Virtual.

A minha mãe fica todo dia fora, chega muito tarde, quase não a vejo, enquanto eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e eu dou-lhe água para ele pensar que é sopa, a minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo, o meu pai está na cadeia há muito tempo, mas eu imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia.

Isto é virtual não é senhor???
Fechei o portátil, mas não fui a tempo de impedir que as lágrimas caíssem sobre o teclado.

Esperei que o menino acabasse de literalmente 'devorar' o prato dele, paguei, e dei-lhe o troco, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um “Brigado senhor, você é muito simpático!

Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos!

NOTA - Infelizmente, o menino desta história também ele é virtual.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS



À ENTREVISTA Nº 35 SOBRE O TEMA:


“SUA SANTIDADE, SUA REVERÊNCIA” (1)


A Palavra Papa

A palavra "papa" vem do latim "papas" e este do grego "Pappas", que é usada para dar carinho à palavra "pai". Este título foi -lhe dado no Oriente como um sinal de respeito a bispos e sacerdotes e, a partir do século III no Ocidente, foi dada aos bispos. Foi Bispo Siricius (384-399) o primeiro a quem se chamou Papa. Ele também começou a qualificar as medidas que tomava como "apostólicas".

Através deste título, a Igreja de Roma se imporia a todas as demais. A partir do século V o título de papa passou a ser usado só para o bispo de Roma e desde o século VIII, título exclusivo: “Urbis Romae Papas".
No século XII, o Papa Gregório XI ordenou oficialmente que o título seria apenas para os bispos de Roma.

Outra explicação para o título Papa é a sigla resultante das palavras latinas "Potestatem Accipiens Petri Apostoli" (que recebe o poder do Apóstolo Pedro).

No século XI, o papa Urbano II tinha proposto este título para os bispos de Roma, com base em outra sigla: "Pedro, o Apóstolo" (enviado), "Papa" (construtor de pontes), "Augustus" (dedicado). Outra explicação é que o Papa é a união das duas primeiras sílabas das palavras latinas: "Pater" e "Pastor" (Pai e Pastor).

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA



(Episódio Nº 309 e último)




O noivo que ela pensou que estava morto chegou do mar a tempo. Pior seria se chegasse depois. Aí sim, de qualquer jeito era ruim. Encarnava o apaixonado generoso, capaz de sacrificar-se sem um lamento pela felicidade da bem-amada e do rival afortunado.

Já que é assim, vamos festejar – propôs Caymmi o homem do bom conselho.

Almério olhou a sala cheia, gente sobrando pelos corredores, as mesas postas, grandiosas, as garrafas no gelo e o jazz-band. Um sorriso lhe nasceu nos lábios, expulsando da face plácida do ex-noivo a última sombra de desaponto. Heróico e abnegado, elevou a voz para ser ouvido por todos os presentes, a Bahia inteira:

- Não há o casamento mas nem por isso a festa deixa de se realizar. Vamos estourar o champanhe do doutor Nelson!

- Isso, sim, é que é falar direito – aprovou Miguel Santana dirigindo-se para a sala de jantar.

A festa de casamento de Tereza Batista, apesar do casamento não ter acontecido, atravessou a noite animadíssima. Comeram quanto havia, beberam a bebida toda, regabofe como hoje só na Bahia ainda se faz e olhe lá! A não ser para beber um copo de cerveja e beliscar de cada prato um pouco, o jazz não parou de tocar e a dança terminou na rua, de manhã, atrás do Trio Eléctrico. No meio da noite, Almério um tanto alto, e Anália – essa não nasceu para mulher-dama fizeram-se par constante e ela lhe confessou ser doida por criança. Ora já se viu, até parece coisa de romance!


77

Vela enfunada, o saveiro corta o mar da Bahia. A brisa sopra, noite alta, leve sobre o golfo. Tereza Batista respingada de água, sabendo a sal, odor de maresia, os negros cabelos soltos ao vento, ressuscitada, aleluia! Achega-se ao peito de Januário Gereba. Ao leme, mestre Janu pesa as qualidades da embarcação à venda: se for boa de travessia, compro e pago à vista, compadre pôs meu dinheiro no banco a render juros, compadre mais porreta. Que nome vamos lhe dar, me diga? Antes de escolher o nome do saveiro Tereza fala:

- Sabe que eu matei um homem? Era ruim de mais, só merecia a morte, mas até hoje carrego ele nas costas.

Januário guarda o cachimbo de barro:

- Oxente, vamos descarregar ele aqui mesmo, de uma vez para sempre. Era ruim, vai com os cações, raça de peixe desgraçada. Assim, ti fica livre dele.

Sorri na noite escura, em seu sorriso o sol renasce. Um já se foi, porém tem mais, Janu.

- Um homem morreu dentro de mim, na hora mesmo. Não sei se para os outros ele foi bom ou mau, para mim o melhor homem do mundo, marido e pai. Levo a morte dele nas entranhas.

- Se morreu naquela hora, então está no Paraíso, foi directo. Quem morre assim é protegido de Deus. Largue o corpo do justo com as arraias, se livre da morte dele, mas guarde tudo de bom que ele lhe deu.

O mar se abriu e se fechou, Tereza suspira aliviada. Gereba pergunta.

- Tem mais algum? Se tem a gente aproveita e joga no mar. Por aqui perto descarreguei minha falecida.

Tereza lembrou-se daquele que não chegara a ser arrancado do seu ventre antes da hora do nascimento. Pôs a mão sobre a de mestre Januário Gereba, Janu do bem-querer, fazendo-o mover o leme, mudar o rumo do saveiro, dirigindo-o para a pequena enseada entre bambus na margem do golfo, escondido remanso. Estende-se Tereza na popa do saveiro.

- Venha e me faça um filho, Janu.

- Sou bom nisso como quê.

Ali, na barra da manhã, rio e mar.

Fim

Bahia, de Março a Novembro de 1972



(click na imagem)

domingo, janeiro 15, 2012

HOJE É DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)






Morreu o Nunes.
Pelas contas de um outro colega meu, o Fernando, presença assídua em todos os almoços de Curso na penúltima quarta-feira de cada mês, já lá vão catorze daquele grupo de rapazes que no início do Ano Lectivo de 1959/60 se encontaram pela primeira vez no Largo do Príncipe Real, ao cimo do Bairro Alto, em Lisboa, e foram colegas durante três anos no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

A lei da vida, paulatinamente, vai fazendo a sua ceifa. Os que restam, naturalmente, estão envelhecidos mas o Nunes não estava bem, muito gordo e com dificuldades em respirar… Quando me separei dele no último almoço em que esteve presente tive o pressentimento que era a última vez que o via. Depois disso, tivemos a informação de que estava internado no Hospital e o resto foi o desfecho esperado.

Instintivamente, ponho o relógio do tempo a andar para trás e lá está o Nunes: jovem, bem parecido, irradiando confiança, no átrio da sala de aulas fazendo parte desse grupo do qual, quase metade, já partiu.

Partir, é uma maneira dizer, está na nossa linguagem, faz parte da nossa cultura, pressupõe um destino, uma morada, um local, mas onde?

Se o Nunes partiu, para onde foi? Alguém o sabe fora de uma qualquer crença religiosa? Que pensaria o Nunes sobre isto? Teria tido medo?

Mark Twain dizia:

- “Não tenho medo da morte. Estive morto durante milhões de milhões de anos antes de nascer e não senti o mais pequeno incómodo por isso”.

O Nunes fez o seu caminho, viveu a sua vida, teve essa fantástica experiência: conheceu, aprendeu e, acima de tudo, jogou com as suas emoções e sentimentos na intrincada teia das relações humanas e… chegou ao fim, sem dramas, ponto final. A sua vida prossegue nos seus descendentes.

Disse Emily Dickinson, poetisa americana: “Por não voltar jamais é que é tão doce a vida”.

O Nunes teve a sorte de morrer porque viveu, coube-lhe essa rara oportunidade, veio do nada e de parte alguma e a ela regressa.

O meu colega Fernando tem uma lista mental secreta em que nos colocou a todos numa ordem cronológica para a data de “partida”. Parece maquiavélico mas para mim não tem nada de mal, tal como a morte também não tem. Ele não deseja a morte a nenhum de nós, é bom de ver, apenas procura ler sinais e a partir deles coloca-nos numa “bicha”. Ele é um rapaz divertido, tem sentido de humor… Não foi difícil, por exemplo, perceber que o Nunes era o próximo dessa lista.

A nós, que ainda cá ficámos, faço votos de muitos anos de convivência… “ a vida é doce porque não volta mais”.

A propósito do falecimento do meu colega Nunes vou transcrever, na íntegra, o epitáfio que o Prémio Nobel de 1973 pelos seus estudos em Etiologia, Richard Dawkins, destinou para o seu funeral:

- “Vamos morrer e por isso somos nós os bafejados pela sorte. A maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar a nascer. As pessoas potenciais que poderiam ter estado aqui no meu lugar, mas que na verdade nunca verão a luz do dia, excedem em número os grãos de areia do deserto do Sara. Seguramente que nesses fantasmas que nunca vão chegar a nascer se incluem poetas maiores do que Keats e maiores cientistas do que Newton. Sabemos isto porque o conjunto de pessoas potenciais permitidas pelo nosso ADN é esmagadoramente superior ao conjunto de pessoas com existência efectiva. Não obstante esta ínfima probabilidade, sou eu, somos nós que, na nossa vulgaridade, aqui estamos.”


(Click na imagem do local onde moro)

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