sábado, fevereiro 23, 2013

IMAGEM
Mais uma vez a beleza do preto e branco reforçado com o cinzento do nevoeiro.



Será o Poder um Fardo ou um Afrodisíaco?


É sempre a mesma coisa, logo que tentam retirar poder a quem o tem, muito ou pouco tanto faz, aí temos a reacção de desagrado, a manifestação de que estão a roubar qualquer coisa que é nosso e de que, se isso acontecer, o mundo vai ficar muito pior.

O novo Estatuto Político Administrativo para a Região dos Açores que foi aprovado por unanimidade pela Assembleia da República, impõe-lhe uma diminuição dos seus poderes uma vez que terá de passar a ouvir, para poder dissolver a Assembleia Legislativa dos Açores, para além do Conselho de Estado e os partidos nele representados, o Presidente do Governo Regional e a própria Assembleia Legislativa.

Se isso está certo ou errado, se está ou não de acordo cm a Constituição, é discussão para os especialistas na matéria e comentadores políticos, o que estou a registar são as reacções, quase de pânico, quando os poderes atribuídos a alguém são posteriormente beliscados.

Ah!... que o poder é um fardo mas quando se lhe toca, aqui D’El-Rei que vem a casa a baixo.

Há uns bons anos atrás aconteceu uma situação idêntica com o Presidente Ramalho Eanes com o mesmo tipo de reacção, e mesmo o desprendido Mário Soares, é duvidoso que tenha manifestado uma sincera alegria quando da expressão “que lhe tinham aberto a porta da gaiola” quando o então Presidente Eanes o “retirou” dos poderes de Chefe do Governo.

Então, em que ficamos: é fardo ou qualquer outra coisa que se pega à pele do género de uma substância afrodisíaca?

Bertrand Russell, no seu livro “O Poder - Uma Nova Análise Social” afirmava que os principais desejos de um homem eram: o Poder e a Glória.

Na verdade, o Poder tem qualquer coisa de mágico.

Abraham Lincoln descobriu que ele era o grande revelador da alma quando disse: quase todos os homens são capazes de suportar adversidades mas se quiser por à prova o carácter de um homem dê-lhe o poder”.

Quem é que, tendo trabalhado alguma vez numa empresa ou num Serviço do Estado, não conheceu um colega que sendo uma pessoa pacífica, alegre e bondosa, uma vez promovido a chefe, gerente ou director se transformou de repente em duro e autoritário?

Claro que não tem que ser sempre assim. James Hillman no seu livro, “Os tipos de Poder” afirma que é possível exercer o poder empresarial de maneira eficaz, psicologicamente curativa e pessoalmente gratificante”.

A respeito do Poder vale a pena transcrever, ainda que de forma resumida, o poema de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), intitulado “Poema em Linha Recta”:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida.
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana…
Arre, estou farto de semi -deuses!
Onde é que há gente no mundo?”

Henry Kissinger que esteve “casado” com o Poder e portanto sabia do que falava, afirmou que ele era o mais poderoso afrodisíaco e, muito provavelmente, quanto maior for o poder, mais poderosos deverão ser os seus efeitos afrodisíacos da mesma forma que se o poder corrompe o poder absoluto deverá corromper absolutamente.

Para muitos, o poder é a suprema ambição, uma forma perversa de se compararem a um deus qualquer e quando assim é, uma vez fora do poder é como se tivessem sido expulsos do Olimpo e em casos extremos não suportam essa terrível humilhação e suicidam-se.

Mas por que se diz que o poder é afrodisíaco? O que é que liga o sexo ao poder?

Uma vez uma professora, no início do ano lectivo na disciplina de química, perguntou aos alunos se eles sabiam qual era o maior órgão sexual do mundo e depois do inevitável burburinho ela própria respondeu que era o cérebro.

Realmente há um corpo que foi concebido para, entre outras coisas, seduzir mas é no cérebro que se encontra a fonte da sensualidade e falar do cérebro é falar da inteligência e uma das melhores definições para inteligência é a da capacidade para estabelecer relações.

E, chegados aqui, é fácil perceber que os homens do poder (machismos à parte), por razões óbvias, têm uma capacidade superior para estabelecer relações, basta lembrarmo-nos do que se passou entre o presidente Clinton e a Mónica.

Para além de admirar o homem, vamos também admitir que sim, ela admirou o poder que ele tinha na qualidade de Chefe do país mais poderoso do mundo.

O poder é sedutor. Homens e mulheres que talvez passassem despercebidos, sem grande sucesso para chamarem a tenção sobre si, ganham uma legião de admiradores ao exercerem postos de comando. De um momento para o outro, mágica e irresistivelmente tornam-se atraentes para muitas pessoas.

A ilusão e a fantasia opõem-se à lucidez, à consciência crítica e à capacidade para discernir e escolher. É a criança que existe em nós e não cresceu que se embasbaca com aquilo que vem de cima e por isso a infantilização do povo é um instrumento para a sua dominação.

Para muitos políticos o poder ainda guarda resquícios da época medieval e não é plenamente exercido senão tiver do outro lado da linha lindas mulheres a quem eles, na falta de competência específica, oferecem demonstrações do seu poder.

De um destes políticos conta-se aquela história picante de uma sua deslocação para visitar umas obras para o que se fez acompanhar, como era seu hábito, de uma dessas “secretárias” e, furtivamente, escondeu-se com ela num barracão de madeira que, naturalmente, não tinha isolamento acústico.

A dado momento, lisonjeado mas também preocupado com os uivos amorosos da companheira, pediu-lhe: “ Minha querida, fale baixinho”. E ela, a plenos pulmões: Baixinho! Baixinho!

Uma das canções da minha vida...


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 30


 - Pois eu estou com Ticiano – contradisse Jerónimo.

Rigger segredou a Ricardo:

 - Segundo as teorias de Pedro Ticiano, ele, Jerónimo é o único de nós que pode ser feliz…

 - Mas ele teme que a gente o julgue inferior…

Falaram sobre mulheres.

 - Então já esqueceu Julie completamente, Paulo?

 Já. A carne – eu estou com você, Ricardo – não é tudo no amor…

 - Ah! Enfim… Eu não lhe dizia? Se você a tivesse amado também com o coração não a teria esquecido…

 - Eu estou de acordo com você… Mas acho que o amor não existe mais. Talvez já tenha existido. Hoje só há a parte da carne… É verdade que não satisfaz…

 - Ainda há casos de amor - coração, de casamentos felizes, de paixões…

 - Há. Nos romances de Pérez Escrich.



Na porta do cinema iluminado, o milagre. Os dois olhos nevoentos de Maria de Lourdes riam. Os lábios também riram para Paulo Rigger. E ele sentiu que o coração cantava uma canção de felicidade.

Ficou a admirá-la. Que olhos! Grandes, invernosos, tristes… Seriam feitos de névoa ou de dúvida? E aqueles cabelos que sonhavam ser louros… Uma cascata de cabelos. Lábios húmidos, havidos de amor…

Na porta do cinema apinhavam-se mulheres numa confusão de que os rapazes se aproveitavam para beliscar as moças.

Maria de Lourdes ia entrar. Paulo precipitou-se sobre a bilheteira. Deu 2$000, deixou o troco. Entrou junto de Maria de Lourdes, sem deixar que os ousados a beliscassem, como faziam com as outras.

No cinema, a fita já havia começado. Ela ficou de pé ao lado da madrinha, que sentara na última cadeira da sala repleta. Combinaram revezar-se. De três em três partes, trocariam de lugares. Uma sentada e a outra assistiria de pé.

Na tela, Tom Mix, cavaleiro andante do Arizona, praticava proezas medievais para conquistar o coração da sua dama.

Paulo Rigger falou muito atrás de Maria de Lourdes. Dos cabelos dela um perfume intenso, forte, se desprendia.

Paulo disse-lhe do vazio da sua vida. da tristeza de ser sozinho. «Você quer ser a deusa da minha existência?... Venha ser a Nossa Senhora do meu coração…» Gabou-lhe os olhos. Tão lindos… e os cabelos… E o seu todo… Dir-se-ia uma aparição oriental. Uma Scheherazade que viesse contar histórias bonitas para que ele se alegrasse. Tão linda… Devia ser muito boa, também…

Ela sorria olhando a fita. Mas não via bem. A figura de Tom Mix, na tela, confundia-se com a de Paulo Rigger, que estava a falar-lhe ali atrás…

Terceira parte. Luz na sala. A madrinha levantou-se mas Maria de Lourdes fê-la sentar-se: “Fique, madrinha, estou bem de pé.»


O MESTRE DE AVIS – D. JOÃO I DE PORTUGAL E O SEU CONDESTÁVEL -  NUNO ÁLVARES PEREIRA (continuação)

- A Batalha de Aljubarrota



Uma vez aí operaram uma meia volta imperfeita. Os portugueses seguiram-lhes os movimentos com uma certa curiosidade copiando-lhes a disposição como fazem os girassóis relativamente ao sol, acabando assim por olhar a Oeste.

Eram horas de noa que correspondem às quinze horas quando o exército castelhano se pôs em marcha. As pesadas e compactas colunas a passo medido, os ginetes volantes espalhados pelo campo e que, como falcões, tinham como missão dar caça às carruagens transviadas dos portugueses, bem como aos fugitivos.

A tropa a pé dos portugueses, inexperiente na maioria, pelo facto de conhecer o terreno e saber onde ficava a sua toca, era a mais atreita ao pânico e afugentadiça. Foi o que sucedeu logo de começo. Uns trinta homens escapuliram-se, pernas para que vos quero, pelos campos fora na direcção de Porto Mós.

Deram sobre eles os ginetes castelhanos, e num silvado, como javalis, os chacinaram à lançada. Perante este espelho, as deserções cessaram.

Quando os espanhóis se viram ao alcance da besta, dispararam os trons. Eram uma novidade e logo por acaso um pelouro despedaçou dois bons e valentes escudeiros. Mas à voz de Nuno Álvares recobraram-se os ânimos e, pois que se tratava de abater a hidra que avançava ou ser devorado, os portugueses aguentaram bem o choque e recarregaram com brio.

Os archeiros ingleses com mão tente e certa faziam boa segada. Ao fim da primeira investida, envoltas as alas, pareceu o combate indeciso.

O Mestre de Avis aguentava-se no seu lugar com ânimo impávido e sem lhe fraquejar o braço. Nuno Álvares, onde remetia, cavavam-se largas clareiras. Num dado momento foram mil a acometê-lo, e teve de acudir ali o Mestre à testa de gente tirada dos flancos. Os espanhóis sentiram a malha rota e ali se ateou uma longa e desesperada refrega.

Da vanguarda castelhana faziam parte os portugueses ao serviço de Castela, os chamorros, e, de preferência se lançaram sobre eles os raivosos portugueses do Mestre. Reza a crónica que muitos ali morderam o chão, tantos e tão densos como as paveias do trigo grado quando se lhe mete a foice.

O grosso de Castela ia levado de arranco quando correu voz que a retaguarda corria perigo. A um sinal do Mestre, Nuno Álvares acorreu ao local da peleja. Como estava de pé não pode ir tão rápido e ágil como desejava.

Viu-o Pêro Botelho, comendador da Ordem de Cristo, que vinha bem montado e logo lhe cedeu o cavalo. A galope avançou o Condestável para o couce da batalha, em verdade quando ia meio destroçada a retaguarda portuguesa.

Um golpe coruscante aqui, um grito acolá e restabeleceu-se o combate. Outros cavaleiros acudiram à refrega. E foi, no aceso da peleja, que uma lança ou virote, fulgurando no ar veio bater em cheio, semelhante a um raio do céu, no Mestre de Calatrava, irmão de Nuno que lutava por Castela.

Que terrível mão misteriosa vibrara o golpe que nunca se apurou quem fora?! Tão pouco como se se escrevesse ali uma palavra enigmática para o Mundo, selando um destino para todo o sempre, se soube jamais do seguidor de Castela. Nem vivo nem morto. Desapareceu de vez, ignora-se como. Desvanecido no ar, enterrado pelo chão dentro, de mistura com os mortos, ou sob disfarce de ermitão, bandoleiro dos caminhos, peregrino arrependido e errante?

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Este  pequeno vídeo é muito importante porque chama a atenção para um fenómeno que talvez nos passe despercebido: A multidão submerge o indivíduo, anula-o,  retira-lhe a sua capacidade de pensar por si, transforma-o na peça de uma máquina, inebria-o, recorda-lhe a sua costela de  formiguinha... Pensem nisso, lembrem-se dos comportamentos das claques de futebol... e do velho ditado de que "muita gente junta não se salva"... Vejam o filme com atenção.

No cérebro está o segredo da nossa sobrevivência despoletada pela posição erecta.

IMAGEM

Classe, Beleza, Distinção


A isto chama-se ... poder de síntese!


MESTRE DE AVIS -
D. JOÃO I DE PORTUGAL
E O SEU CONDESTÁVEL
(continuação)

O Mestre mandava cunhar moeda com prata que lhe vinha de todas as procedências, sinagoga, corporações, clero, contributo avaliado em 287 marcos de prata de cálices, castiçais, cruzes, da catedral e de vinte igrejas da diocese.

Dª Leonor, equivocada com a insurreição popular, não tomava bem a sério o Mestre. – “Mestre?” – dizia ela - «Não sei se he mestre de trons, se de bombardas!» E atiçava o Rei de Espanha a pôr cerco a Lisboa, como fez.

Este cerco e o de Almada são dois capítulos, dignos da Odisseia, à conta do herói e infeliz povo da capital. Esfomeado, quase não tendo uma côdea para roer, do alto das muralhas cantavam as raparigas para os castelãos, gordos, nédios, com o arraial bem provido de tudo, até de «ruas de mundanárias» por uma pá velha:

Esta he Lisboa prezada
Mirala e deixalla

Valeu ao Mestre de Avis a peste começar a dizimar o exército castelhano. Tiveram de levantar o cerco e encetar a guerra de movimentos e aí pôde o Mestre mostrar a sua firmeza, raça e um grande coração animado pelo desejo de cavaleiros feitos.

Cabia agora a Nuno Álvares tomar o lugar de relevo com a estratégia nova aprendida com tácticos estrangeiros.


Algumas vezes, os homens de armas vinham conjurar Nuno a que não cometesse tal ou tal empresa, que havia azar. Assim pretenderam demovê-lo de atravessar o Tejo quando a frota castelhana cercava Lisboa pelo rio.

 - Não vedes, senhor – dizia-lhe um bom escudeiro – que sonhei que vos prendiam…

E Nuno responde:

 - Pois ficai vós em paz com o vosso sonho; eu cá vou…

E, embarcando, passava a luz das estrelas por entre os batéis inimigos, sem desmancho, imune a agouros.

Aljubarrota foi a hora culminante de Portugal e a batalha que sagrou definitivamente um reino, uma nacionalidade e uma autarquia política na Península ibérica.

Era véspera de Santa Maria de Agosto e a manhã estava límpida se bem que desabrida. Soprava do mar um vento agreste que erguia o pó das terras aradas e cirandava no ar.

Os portugueses esperavam a pé quedo, formados em quadrilátero no local onde hoje se ergue a capela de São Jorge, ao centro os carros, nos flancos a infantaria portuguesa e inglesa mais ou menos couraçada, em que se integrava uma boa parte da cavalaria, para o que os cavaleiros haviam desmontado e os pajens seguravam os cavalos à rédea, prontos para o que desse e viesse, e ainda esquadrões em forma, atentos à voz de carregar.

O exército português apoiava a sua manga direita e um pequeno curso de água seco que riscava o terreno como uma cicatriz, a sinistra descia a falda de um cerro, e tinha a frente voltada para Leiria.

Mas os espanhóis não atacaram por ali. Flagelava-os o vento e, no intuito de lhes voltarem as costas, descreveram um arco de circo que os levou até Aljubarrota.
(continua)                                   


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 29

Rigger discordava:

- Só se deve cuidar da felicidade pessoal. No dia em que cada um for feliz a Humanidade o será… Esse negócio de sacrificar-se pelo bem-estar pelo bem-estar comum não vai comigo. E Pátria… Eu não tenho o sentido de Pátria. Só me senti brasileiro duas vezes. Uma no Carnaval, quando sambei na rua. Outra, quando surrei Julie, depois que ela me traiu.

 - Ticiano é quem tem razão. Naquele artigo de apresentação do “Estado da Bahia”, ele definiu bem a Pátria.

Ricardo lembrava-se.

Jerónimo recitou o trecho:

 - “A Pátria é o lugar onde o homem, pobre animal inferior, encontra com que se alimentar e onde dorme com uma mulher ou com outro homem conforme as suas predilecções.”

 - Isso mesmo!

 - Por sinal, o Gomes danara-se. Berrava que o jornal estava desmoralizado. José Lopes, a rir, só discordava do pedaço homossexual. E levaram o Gomes na troça.

 - Ora, eu nasci no Brasil. Mas a minha fornicação é toda francesa… O que sou devo-o à França. Qual é a minha Pátria? Numa guerra entre a França e o Brasil, por qual devo lutar?...

 - E o problema político – inquiriu Jerónimo – que acham dele? O movimento “fascista” é grande. A propaganda comunista enorme.

 - Eu não sou nem por um nem por outro. O Brasil não deve importar sistemas políticos. Nós até hoje temos importado tudo. Até uma constituição. Demo-nos bem com ela? Nós precisamos é nacionalizar tudo. Desde os sistemas de governo até às prostitutas… Nem comunismo nem fascismo… Nem polacas nem francesas… - explicava doutoralmente Ricardo.

 - Cuidado, Ricardo, esse rubi trás uma doença contagiosa. A retórica… Pois eu sou comunista… - e Rigger engasgou-se com um pedaço de carne.

Jerónimo não acreditava:

 - Comunista, você? Um aristocrata? “Comigo não, violão…”

 - Mas, Rigger, o comunismo é bonito em teoria… Na prática um fracasso. Igualdade, igualdade… Depois os operários que governam a surrar o povo… É isso o comunismo na prática.

 - Mas é exactamente por isso que eu sou comunista… O comunismo mandaria surrar os brasileiros três vezes por dia. O povo endireitava… No Brasil eu sou comunista prático. O único remédio eficaz para o brasileiro é o chicote…

 - Ah, ah, há! Você já está um novo Ticiano.

- Coitado do Ticiano, quase cego! E sempre a sorrir, superior da vida…

 - Eu às vezes penso que Ticiano tem razão. Que a nossa vida há-de ser um rosário de infelicidades, de desilusões… que a felicidade não foi feita pra gente…

 - …que a gente vive por viver… Pode ser. Mas eu não me quero convencer disso. Eu ainda espero…

 - Eu também – fez Rigger, baixando a cabeça sobre as mãos.

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

IMAGEM
E que tal um dia passado na serra a guardar cabras?...


Atrás dos seus óculos escuros, imagem de marca, Roy Orbison, entre muitas outras, deixou-nos Oh, Pretty Woman, um verdadeiro "estoiro" musical. Infelizmente, um cancro levou-o em 1988.

Pessoalmente, sou muito céptico quanto à interferência de seres alienígenas na evolução do homem. Recuso-me a entrar nesse campo que apenas radica na imaginação de certas pessoas sedentas de protagonismo dito científico. Há dezenas de milhar de anos que o homem é um ser inteligente... como o é hoje. O "simples" facto de ter conseguido sobreviver em condições tão adversas, e não há registos de "ajudas" de quem quer que fosse, prova essa capacidade intelectual, coragem e uma permanente insatisfação que o trouxeram até aqui. O mérito foi só dos nossos antepassados...


O Muro das Lamentações

Uma jornalista da CNN ouviu falar de um judeu muito velhinho que ia todos os dias, duas vezes por dia, ao Muro das Lamentações para rezar, durante largos minutos. Decidiu verificar.


 Colocou-se em observação junto do Muro e... lá apareceu ele, andando trôpego, em direcção ao local sagrado.

 Observou-o, enquanto rezava, durante uns 45 minutos.

 Quando ele voltava, vagarosamente, apoiado na sua bengala,
aproximou-se para a entrevista.

 - Desculpe-me, senhor. Sou Rebecca Smith, da CNN. Como é o seu nome?

 - Morris Feldman - respondeu ele.

 - Senhor Feldman, há quanto tempo vem ao Muro orar?

 - Há uns 60 anos - respondeu o velho judeu.

 - Sessenta anos! Isso é incrível! E o que é que o senhor pede?

 - Peço que os cristãos, os judeus e os muçulmanos vivam em paz. Peço que todas as guerras e todo o ódio terminem. Peço que as crianças cresçam em segurança e se tornem adultos responsáveis. Peço amor entre os homens.

 - E como é que o senhor se sente, pedindo isso há 60 anos?

 - Sinto-me como se estivesse a falar para uma parede...

Baianas do Pelourinho.

O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 28


 - Esse menino é excomungado. Acaba mal.

Dª Helena apoiava. E, demais, noite que ele passasse em casa era noite em que ninguém dormia. Brigava com a mãe a noite inteira… Um inferno!

Só a Bebé gostava dele. Ele trazia-lhe caramelos e sentavam-se os dois na escada, ele a beliscar-lhe a ponta dos seios que nasciam e a morder-lhe a orelha. E ela a deixar, toda trémula. Tão bonzinho, ele…

 - Uma falta de vergonha – resmungava Dª Pombinha, moralista. Nunca se casara, coitada, e aquelas coisas irritavam-lhe os nervos. Sofria um nervoso horrível. Por causa dos seus nervos brigara com os irmãos e se sujeitara a trabalhar para viver. Ela, e Maria de Lourdes! Coitada da Maria de Lourdes! Tão nova e já tinha sofrido tanto!

Os parentes, que se irritavam com Dª Pombinha, nunca quiseram saber dela. E Lourdes acompanhava a madrinha naquele calvário que era a sua vida.

 - A minha vida é um romance, seu Horácio – repetia Dº Pombinha, ao velho servente de Banco (nas horas vagas poeta. Já publicara versos em alguns jornais da Bahia. Assinava-se com um pseudónimo: Vivaldo Moreno). Um romance… é só escrever.

Maria de Lourdes fizera então dezasseis anos. Muito bela, os olhos, uns grandes olhos tristes, pareciam feitos de névoa. Os cabelos que lhe batiam nos ombros, tinham cambiantes castanho-louros. Seios pequenos suspendiam a blusa. E uns lábios muito vermelhos que esmolavam beijos. Gozava fama de bem comportada.

Só lhe sabiam de um namorado, o Osvaldo, que desde o colégio (conheceram-se na aula primária), gostava dela. Chegaram a ser noivos. Mas ele morrera, coitado! E agora só restava dele um retrato que Maria de Lourdes guardava, última recordação do seu “inesquecível Osvaldo”… Menina infeliz, Maria de Lourdes!


VII

Paulo Rigger, naquela noite, jantara com Ricardo Braz, que se formara havia poucos dias. Tinham conversado muito. Sobre tudo. Sobre o Brasil. A revolução, de que os jornais tanto falavam.

Paulo Rigger não acreditava que a revolução melhorasse o País. Ricardo, tão pouco. Em todo o caso, piorar não podia. O Brasil estava à beira do abismo Frase retórica, mas verdadeira…

É deixá-lo cair! É deixá-lo cair” Deve ser muito engraçado o Brasil no fundo do abismo…

Gargalharam.

Ricardo achava, apesar de tudo, que, no Brasil, havia problemas interessantes, dignos de estudo.

O maior problema do Brasil é saber se escreve o seu nome com s ou com z.

Não, há problemas interessantes. O problema do norte…

Jerónimo Soares, que também viera filar os pirões de Braz, entrou na conversa:

 - A gente deve pensar também na felicidade do povo… na felicidade da Pátria…


MESTRE DE AVIS - D. JOÃO I de PORTUGAL E O SEU CONDESTÁVEL
(continuação)



Dito e feito. O alcaide, logo de manhã ao saltar da cama deu com os olhos nas vacas. Um maná do céu. Julgou que fosse gado tresmalhado que se transviasse aos espanhóis ou rapinanço mal feito e correu a trazê-lo para o Castelo com tão jubilosa precipitação que deixou as portas escancaradas e nem sequer lhes pôs guardas.

A gente de Nuno Álvares não fez mais que arremeter para o Castelo desamparado e pôr no olho da rua a mulher e os filhos do alcaide.

A tropa de Nuno era grande e vivia como ele ao deus-dará. Comer, muitas vezes, de grilo. Fartura era em Espanha, nas entradas pela terra dentro, quando arrebanhavam quanto lhes caía debaixo da unha, haveres e mantimentos.

Às vezes, a hoste, via-se em palpos de aranha para trazer para Portugal rebanhos de bois e de suínos. Também aprisionavam gente, sobretudo muchachas. Não faziam, aliás, senão pagarem-se da mesma moeda das incursões que os castelhanos faziam em terras alentejanas e beiroas.

Mas em Portugal, os homens de armas não raro se deitavam com a barriga a dar horas. Acontecia-lhes nos dias grandes matar a fome com figos colhidos nas figueiras. No Inverno não viam para erguer olhos, nem pão, nem fruta.

Nuno dava o exemplo da frugalidade. Comia depois dos outros terem enchido o fole.

Um dia, em que não havia mais que seis pães, apareceram os besteiros ingleses, desvairados pela fome, a pedir de comer. Mandou que lhes dessem os últimos pães que traziam nos alforges e a água das borrachas. Ele e os seus deitaram-se de barriga vazia.

IV


D. João, seguindo à risca os conselhos de Álvaro Pais: dar, prometer, perdoar, ia consolidando a situação. O povo que isentara de impostos de cacaracá e alcavalas mais importunas que rendosas, via nele o defensor do Reino, segundo a boa prosápia portuguesa e, como no caso do assalto frustrado a Sinagoga, a sua palavra era a “última ratio”.

Quando Dª Leonor Teles se retirara para Alenquer e depois para Santarém, a espumar raiva contra Lisboa que ela e os seus gostaria de ver arrasada e a erva a crescer nas ruas, especialmente contra as mulheres de quem jurava vingar-se, o Mestre ficou com as mãos livres.

Ao passo que seus homens continuavam fazendo boa propaganda, ele tratava de pôr da sua banda as forças imponderáveis espirituais.

Mandava ao mesmo tempo pedir auxílio ao Rei de Inglaterra e dessa iniciativa partiu, em última análise, a aliança inglesa através dos séculos e o casamento dele com a filha do Duque de Lencastre.

A revolução no país prosseguia entretanto a sua marcha avassaladora. A nobreza, de uma forma geral tomava partido por Dª Leonor Teles, ou pelo rei de Castela, herdeiro presuntivo do trono por sua mulher Dª Beatriz, filha de D. Fernando. O povo, pelo Mestre de Avis.

No Porto, a revolução assumira as proporções de um profundo sismo social. A arraia saqueara as casas e armazéns dos partidários da rainha, matara e incendiara.

Depois, a palavra de ordem em relação à ameaça castelhana, corporizada numa invasão, era esta:

 . «Todos deviam aventurar-se a morrer sobre tal demanda antes que a cair em servidão tão odiosa»
(continua)

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

IMAGEM

Mais uma jovem que se lança na aventura da emigração...



O MESTRE DE AVIS
D. JOÃO I de PORTUGAL
(continuação)


No começo, Nuno devia sentir a sua diferença entre a corte, onde tudo se resumia a florear armas e brilhar de corpo bem feito, e ali, onde não era brinquedo governar a criadagem, prover à conservação das terras, ver medir as rendas, castigar os relapsos, numa palavra exercer o direito de baraço e caldeira, que tal era a sua esfera de rico-homem de tão vasto domínio.

Era homem de poucas e brandas palavras e não há melhor ascendente do que a política da sisudez e cara de pau. Naquela comarca de Entre-Douro-e-Minho nunca constou um mandador mais obedecido por gente mais bem mandada.

Neste ministério viveu Nuno durante anos em que a honrada esposa deu ao mundo três filhos um dos quais, Dª Beatriz, que casou com um filho bastardo do Mestre de Avis, pedras angulares da sereníssima Casa de Bragança.

Até que um dia, El-rei D. Fernando, mandou que ele se apresentasse na fronteira com o irmão, o prior Pedro Álvares e ele lá foi com vinte e cinco homens a cavalo e trinta a pé, soldados de cara valente capazes de romper uma laje com os dentes.

A batalha dos Atoleiros, a primeira em regra que Nuno Álvares ganhou, foi precedida de uma entrevista entre ele e um pajem castelhano, Rui Gonçalves, que em menino passara muitas temporadas em sua casa e chegara da fronteira a toda a espora para lhe falar.

Rui Gonçalves convidava-o, em nome da amizade e do bom senso, a entrar ao serviço do Rei de Castela que o cumularia de honras e mercês, fazendo-lhe ver a rematada loucura que era, à frente de tão pouca gente, ainda que briosa e esforçada, pretender medir-se com tantos.

Nuno respondeu-lhe assim, além do mais:

 - «Rui Gonçalves, montai já e correi a dizer a esses senhores que se aprestem para a batalha, que o meu sumo desejo é ver-me nela. Mas ide já e não tenhais pena de rebentar o cavalo, que me parece bem que não ireis tão depressa que eu com a ajuda de Deus não chegue ao mesmo tempo que vós»

Foi a primeira batalha travada em Portugal de infantes (os portugueses) contra a cavalaria (espanhóis) que chamavam aos nossos «tropa de nada», «todos ladron e seu companhom», pé em terra.

No primeiro roldão, os ginetes vieram cravar-se na ponta viva das lanças. Daí, recuo, alvoroço, confusão e contra-ataque da infantaria sobre as alas destroçadas.

Após Atoleiros, a campanha foi-se desdobrando com um recontro sangrento, um episódio de ardil e subtileza: tal foi a conquista do castelo de Monsaraz.

Era esta praça uma das sentinelas que levantara voz pelo rei de Castela e que, pela posição, fazia bastante dano aos portugueses.

O alcaide Gonçalo Rodrigues de Sousa passava por homem casmurro e lerdo, que mandara aferrolhar as portas e ali residia a pão negro e água da fonte, preferindo morrer à míngua a render-se.

Nuno Álvares, depois de cogitar no problema pôs em prática um estratagema à moda dos lusitanos, muito bem urdido.

Uma tarde, hora de sesta, disse para os seus:

 - «No lusco-fusco da madrugada ides deitar à várzea do castelo, aí a dois tiros de besta, uma meia dúzia de vacas. Heis-de vos esconder depois que não vos vejam. Do castelo saem com certeza a recolher as vacas. É natural que deixem as portas abertas. Nesse instante, vós pulais, e quero-vos ali ver firmes nos umbrais até nós chegarmos.»
(continua)


Ai, a velhice... a velhice...


Um casal de velhotes está deitado na cama. A esposa não está satisfeita com a distância que há entre eles e lembra:

- Quando éramos jovens, costumavas dar-me a mão, na cama. 

Ele hesita e depois de um breve momento, estica o braço e dá-lhe a mão.

Ela não se dá por satisfeita.

- Quando éramos jovens, costumavas ficar bem encostadinho a mim...

Resmungando um pouco, ele vira o corpo com dificuldade e  aconchega-se junto a ela, da melhor maneira possível.

Ela insiste:

- Quando éramos jovens, costumavas dar dentadinhas na minha orelha...

Ele solta um longo suspiro, afasta os cobertores para o lado e sai da cama.

Ela  sente-se ofendida e grita:

-Aonde é que vais?

-Buscar a dentadura, velha chata!!!»

Conversa de vizinhas...

O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 27

 - Que bom! Que bom!

 - Havia ainda uma comédia do Chuca-Chuca. Esquecera-se

 - E jornal’ Tem jornal – perguntou Dª Helena, uma loura dos seus trinta anos, de quem falavam mal. Diziam que frequentava casas suspeitas. Viam-na na rua de cada vez com um namorado diferente… Ela queria saber se havia jornal. Tinha loucura por Afonso III, rei de Espanha. E ele sempre vinha nos jornais do cinema.

 - Mas ele é casado, Dª Helena.

 - Não faz mal. Ser amante do rei não desmoraliza… Se quer saber pergunte à Dª Maria (Dª Maria era uma árabe muito magra que alugava todo o sótão e realugava os quartos. Ganhava fortuna… cochichavam pelos cantos os inquilinos). Na terra dela os reis têm quarenta mulheres…

 - Eu é que não queria ser amante nem do homem mais rico do mundo.

 Diz isso de boca… De boca… Se aparecesse um bruto de nota…

 - Você pensa que todo o mundo é você…

 - Ora! Piores… muito piores… As sonsas são as piores

E aquelas mulheres trabalhavam com mais gosto, às pressas, para irem à noite, ao cinema…


Tão pequeno aquele sótão… E morava tanta gente nele! Na sala da frente, Dª Maria, a árabe, com dois filhos pequenos, chorões e sujos, que punham o sótão e a escada em polvorosa com as suas brincadeiras. Dois diabos, chamava-os Dª helena. No quarto junto dormia um velho, servente de um Banco.

Entrava à noite e saía pela manhã o pobre homem. Todos achavam que era uma boa pessoa… Junto a ele, num quarto pequeno, Maria de Lourdes e a madrinha viviam. A madrinha, Dº Pombalina, cosia. Com o que ganhava (uns magros cinco mil réis diários) sustentava-se e à afilhada, que ela criara desde pequena e não admitia que fizesse nada, a não ser arrumar o quarto, e comprar uma fazendas na rua.

No último quarto, Dª Helena e duas irmãs, Georgina e Bebé, passavam o dia a se xingar. Sabiam toda a espécie de nomes feios, aquelas moças. Trabalhavam pouco.

A Helena não se sabe como arranjava dinheiro para comer, pagar o quarto e ainda vestir-se bem. A Georgina já começava a “cavar”. Somente a Bebé, a mais moça, seios ainda a aparecer, ficava em casa a bordar sapatinhos para recém-nascidos. Tinham grande saída. Vendiam-se numa loja da Baixa dos Sapateiros como produto francês.

 No quarto, de frente, morava outro árabe que tinha um nome complicado que se reduzira a Fifi. Dª Fifi, mãe de um filho malandrão, já homem, seus dezassete anos, que só vinha a casa buscar dinheiro para a farra. Vivia no meio de moleques da pior espécie, a calotear mulheres nojentas da Ladeira do Tabuão.

Quando dormia em casa, vez por outra, ficava nu no mesmo quarto que a mãe que, deitada no chão (o filho dormia na cama), não cansava de reclamar seu modo de vida. Ele a xingava muito em árabe. Às vezes escapava alguma palavra em português que as vizinhas percebiam.

 - Besta…diabo velho…égua…

 Dª Pombinha benzia-se. 

terça-feira, fevereiro 19, 2013

FOI POR VONTADE DA TROIKA...

IMAGEM
Como é que ela se terá ferido?


HARRY NILSSON

Faleceu de ataque cardíaco em 1994 tendo deixado de herança ao mundo esta linda canção gravada por ele em 1972.


O MESTRE DE AVIS
D. JOÃO I de PORTUGAL
(continuação)


Voltava com o irmão de fazer o reconhecimento das forças castelhanas que apareceram de rompante, rente ao rio, em direcção à capital, que se propunham cercar. Mal completara treze anos, o irmão, Diego Álvares, atingira então a puberdade.

Não era missão cómoda averiguar do número, qualidade e moral da gente que desabava sobre Lisboa. Um passo em falso, e esmagaria ao imprudente o poder deste mundo e do outro, como sempre quando investia o leão de Castela.

Ofereceram-se os dois irmãos. E lá foram. Na idade deles, em cima de bons cavalos galgazes, tinham de passar, e passaram de longe e ao perto fugidios que nem centauros. Viram tudo sem que ninguém os visse. Pelo menos sem que os embargassem.

Voltaram com notícias amplas e exactas do inimigo e Dª Leonor, que admirava a coragem e o garbo, havendo gostado de Nuno, criado até ali em casa do Prior com grande viço, pediu licença ao rei para tomá-lo como pagem. Que não lhe concedia o rei enamorado e coração de cera? Ele, por sua vez, tomou Diego Álvares, para que não ficasse a chorar.

Nuno passou a viver debaixo da telha real. A sua ocupação era exercitar-se no manejo das armas. No intervalo lia, que aprendera algumas letras com o capelão, lia ou ouvia ler romances de cavalaria e, naquelas idades, em que tudo o que é singular fala à imaginação e seduz a vontade generosa, nos altares jurou ao Deus dos cavaleiros do Santo Graal, ficar casto e jamais olhar para mulher que não fosse para defesa da sua honra ou de causa justa.

Mas o seu pai, o Prior do Hospital, homem prático, é que não esteve pelos ajustes. Com um rebanho de filhos e filhas, dote a uma, prenda a outra o que ficava do seu património era pouco.

Soube que havia entre Douro e Minho, uma dona que acabara de enviuvar, rica, com terras, honrada e de boas manhas. Não foi fácil vencer as resistências de Nuno, pouco apegadiço ao mulherio e fiel aos juramentos de castidade feitos ao Deus dos cavaleiros do Santo Graal.

Mas em casa da viúva os dobrões mediam-se à rasa e isso era o principal para o Prior, paternidade previdente e olho atilado, mandou-lhe um alcoviteiro para acometê-la para o filho. Tão bem se desempenhou o homem, comendador da Flor da Rosa que obteve a aquiescência da viuvinha, Dª Leonor de Alvim, filha de algo.

Nuno recusou, fiel às juras feitas mas o Prior, que em cada terra por onde passava, punha um filho, como o cuco põe os ovos e tinha mais amantes do que cabelos na cabeça, no foro íntimo devia rir-se do anjinho do filho mas, o sorriso, porém, nunca aflorou aos seus lábios de político astucioso provavelmente, descobrindo no filho um porfiado e sisudo Aristides, homem antes quebrar do que torcer e muito pouco para graças.

Recorreu a tudo quanto foram pessoas influentes e amigas íntimas de Nuno e tanto malharam, uns de uma banda, outros de outra, tanto azoinaram o moço, que levaram a água ao seu moinho e foi em Bonjardim, terra da Ordem do Hospital, que Nuno, ia completar dezassete anos, conheceu a boa da mulher e, ó maravilha, topou-a como a mãe a botara ao mundo, donzela que não dona, por incapacidade física, ao que se veio a dizer, do Barroso, primeiro marido.

Entraram em suas terras de Entre-Douro-e-                                   Minho. A casa era rica de tudo e servida, sem falar dos servos da gleba e vilões de todo o jaez, quinze escudeiros e trinta homens de pé, gente que fazia gosto ver pau para toda a obra. Além disso, solar mais buliçoso que o próprio paço.


A História Secreta da Renúncia de Bento XVI

Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do Papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reaccionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção. 

A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral na linha, de resto, do que foi sempre a sua história desde que o Imperador Constantino se “converteu”, num acto de grande sagacidade política, à religião dos sobreviventes de Jesus até aí ferozmente perseguidos, transformando-a na religião oficial do Império Romano.

 O artigo é de Eduardo Febbro, jornalista argentino. Trabalha na Redacção da Rádio France Internacional e é correspondente do Jornal Página 12 em Paris.


Eduardo Febbro

 Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI decidiu renunciar em Março passado, depois de regressar de sua viagem ao México e a Cuba.

Naquele momento, o Papa, que encarna o que o Director da "École Pratique des Hautes Études" de Paris (Sorbonne), Philippe Portier, chama “uma continuidade pesada” de seu predecessor, João Paulo II, descobriu em um informe elaborado por um grupo de cardeais, os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro.

O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites nem moral alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e operações de inteligência para manter suas prerrogativas e privilégios à frente das instituições religiosas.

Muito longe do céu e muito perto dos pecados terrestres, sob o mandato de Bento XVI o Vaticano foi um dos Estados mais obscuros do planeta. Joseph Ratzinger teve o mérito de expor o imenso buraco negro dos padres pedófilos, mas não o de modernizar a Igreja ou as práticas Vaticanas.

Bento XVI foi, como assinala Philippe Portier, um continuador da obra de João Paulo II: “desde 1981 seguiu o reino de seu predecessor acompanhando vários textos importantes que redigiu: a condenação das teologias da libertação dos anos 1984-1986; o Evangelium vitae de 1995 a propósito da doutrina da igreja sobre os temas da vida; o Splendor veritas, um texto fundamental redigido a quatro mãos com Wojtyla”. Esses dois textos citados pelo especialista francês são um compêndio prático da visão reaccionária da Igreja sobre as questões políticas, sociais e científicas do mundo moderno.

O Monsenhor Georg Gänsweins, fiel secretário pessoal do papa desde 2003, tem em sua página web um lema muito paradoxal: junto ao escudo de um dragão que simboliza a lealdade o lema diz “dar testemunho da verdade”. Mas a verdade, no Vaticano, não é uma moeda corrente.
Depois do escândalo provocado pelo vazamento da correspondência secreta do Papa e das obscuras finanças do Vaticano, a cúria romana agiu como faria qualquer Estado. Buscou mudar sua imagem com métodos modernos. Para isso contratou o jornalista dos americano Greg Burke, membro da Opus Dei e ex-integrante da agência Reuters, da revista Time e da cadeia Fox. Burke que tinha por missão melhorar a deteriorada imagem da Igreja. “Minha ideia é trazer luz”, disse Burke ao assumir o posto. Muito tarde. Não há nada de claro na cúpula da Igreja católica.

A divulgação dos documentos secretos do Vaticano orquestrada pelo mordomo do Papa, Paolo Gabriele, e muitas outras mãos invisíveis, foi uma operação sabiamente montada cujos detalhes continuam sendo misteriosos: operação contra o poderoso secretário de Estado, Tarcisio Bertone, conspiração para empurrar Bento XVI à renúncia e colocar em seu lugar um italiano na tentativa de frear a luta interna em curso e a avalanche de segredos, os vatileaks que fizeram afundar a tarefa de limpeza confiada a Greg Burke. Um inferno de paredes pintadas com anjos não é fácil de redesenhar.

Bento XVI acabou enrolado pelas contradições que ele mesmo suscitou. Estas são tais que, uma vez tornada pública sua renúncia, os tradicionalistas da Fraternidade de São Pio X, fundada pelo Monsenhor Lefebvre, saudaram a figura do Papa.

Não é para menos: uma das primeiras missões que Ratzinger empreendeu consistiu em suprimir as sanções canónicas adoptadas contra os partidários fascisóides e ultra-reaccionários do Mosenhor Levebvre e, por conseguinte, legitimar no seio da igreja essa corrente retrógada que, de Pinochet a Videla, apoiou quase todas as ditaduras de ultra-direita do mundo.

Bento XVI não foi o Sumo Pontífice da luz que seus retratistas se empenham em pintar, mas sim o contrário. Philippe Portier, assinala a este respeito que o Papa “se deixou engolir pela opacidade que se instalou sob seu reinado”. E a primeira delas não é doutrinária, mas sim financeira.

O Vaticano é um tenebroso gestor de dinheiro e muitas das querelas que surgiram no último ano têm a ver com as finanças, as contas maquiadas e o dinheiro dissimulado. Esta é a herança financeira deixada por João Paulo II, que, para muitos especialistas, explica a crise actual.

Em Setembro de 2009, Ratzinger nomeou o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi para o posto de Presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o Banco do Vaticano. Próximo à Opus Deis, representante do Banco Santander na Itália desde 1992. Gotti Tedeschi participou da preparação da encíclica social e económica Caritas in veritate, publicada pelo papa Bento XVI em Julho passado. A encíclica exige mais justiça social e propõe regras mais transparentes para o sistema financeiro mundial. Tedeschi teve como objectivo ordenar as turvas águas das finanças do Vaticano.

As contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus, o chamado “banqueiro de Deus”, presidente do IOR e máximo responsável pelos investimentos do Vaticano na época.

João Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a prisão e salvá-lo da cadeia. Não é de estranhar, pois devia muito a ele.

Nos anos 70, Marcinkus havia passado dinheiro “não contabilizado” do IOR para as contas do Sindicato polaco Solidariedade, algo que Karol Wojtyla não esqueceu jamais.

Marcinkus terminou seus dias jogando golfe em Phoenix, no meio a um gigantesco buraco negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres.

No dia 18 de junho de 1982 apareceu um cadáver enforcado na ponte de Blackfriars, em Londres. O corpo era de Roberto Calvi, Presidente do Banco Ambrosiano. Seu aparente suicídio expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco Ambrosiano, a loja maçônica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus.

Ettore Gotti Tedeschi recebeu uma missão quase impossível e só permaneceu três anos a frente do IOR. Ele foi demitido de forma fulminante em 2012 por supostas “irregularidades” em sua gestão.

Tedeschi saiu do banco poucas horas depois da detenção do mordomo do Papa, justamente no momento em que o Vaticano estava sendo investigado por suposta violação das normas contra a lavagem de dinheiro.

Na verdade, a expulsão de Tedeschi constitui outro episódio da guerra entre facções no Vaticano. Quando assumiu seu posto, Tedeschi começou a elaborar uma informação secreta onde registou o que foi descobrindo: contas secretas onde se escondia dinheiro sujo de “políticos, intermediários, construtores e altos funcionários do Estado”. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha seu dinheiro depositado no IOR.

Aí começou o infortúnio de Tedeschi. Quem conhece bem o Vaticano diz que o banqueiro amigo do Papa foi vítima de um complô armado por conselheiros do Banco com a protecção do Secretário de Estado, Monsenhor Bertone, um inimigo pessoal de Tedeschi e responsável pela comissão de cardeais que fiscaliza o funcionamento do Banco. Sua destituição veio acompanhada pela difusão de um “documento” que o vinculava ao vazamento de documentos roubados do Papa.

Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reaccionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção.

A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos: corrupção, capitalismo suicida, protecção de privilegiados, circuitos de poder que se auto-alimentam, o Vaticano não é mais do que um reflexo pontual e decadente da própria decadência do sistema.

Tradução: Katarina Peixoto

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