sábado, junho 18, 2016

TIETA DO AGRESTE
(Jorge Amado)




EPISÓDIO Nº 168























REFLEXÃO DO AUTOR A PROPÓSITO DE NOMES E TÉCNICOS




Cansado do esforço feito para manter incólume minha propagada e prudente posição de narrador objectivo, evitando envolver-me na polémica ao resumir e transcrever opiniões, expostas em crónicas, editoriais, tópicos e entrevistas, permito-me curta reflexão sobre nomes de família e maneiras de agir de técnicos fora de série, famosíssimos, cujas conclusões ditam lei. Faço-o no desejo de evitar ao leitor engano e confusão.

Em tempos bicudos, quando o livro se transforma em artigo de luxo em lugar de ser, como deveria ser, objecto de primeira necessidade igual ao pão e à agua (aliás, também absurdamente caros, não existe mais nada barato a não ser aporrinhações e tristezas), não posso permitir que o leitor, tendo aplicado seu rico dinheirinho na compra de exemplar deste empolgante e volumoso folhetim – duas qualidades intrínsecas aos bons folhetins – seja levado a conclusões erróneas.


O que poderia suceder se não for esclarecido de imediato detalhe referente ao cientista Karl Bayer, cuja entrevista a uma folha de Salvador teve o essencial de seu profundo conteúdo incluído em capítulo anterior.

Sintetizado, pois sendo a entrevista longa e prenhe de ciência física, química, ecológica e quejandas, sua transcrição na íntegra não me pareceu recomendável. Para dizer a verdade, a ciência do doutor Bayer, de tão volumosa e maciça, torna-se maçuda e enfadonha. Deixemos, porém, esse detalhe de lado e falemos do nome de família do doutor, assunto primeiro desta reflexão. Bayer - sobrenome famoso ostentado por Her Professor Karl.

Famoso, conhecidíssimo, por isso mesmo dando facilmente lugar a confusões de perigosas consequências. Apresso-me assim a dizer que, até onde posso assegurar, não é o professor membro da família de nacionalidade alemã, proprietária de grandes indústrias e empórios químicos espalhados pelos quatro cantos do mundo. Nacionalidade significando, no caso, capital social e de giro; em tempo de multinacionais, ainda mais que o local de nascimento e o sangue, o dinheiro determina a nacionalidade.

Ao topar com Her Professor Karl Bayer ditando regras no capítulo anterior, gritei aleluia, sonhei imortalidade académica e prémios literários (em pecúnia, se possível), pensando estivesse nosso folhetim cumulado de honra devido à presença entre a pobre humanidade de Agreste de um dos grandes do mundo, um Bayer.

 Nas páginas iniciais deste fiel relato das aventuras de Tieta, expressei a esperança de que, no decorrer da narrativa, nela surgisse, para glória de quem a redige (mal e porcamente), a figura de um magnata, de um dos verdadeiros donos da Brastânio. Um grande patrão, não um barrabotas qualquer, Magnífico Doutor, Managerial Sciences Doctor, Moço ou Velho Parlamentar, Sua Excelência, todos assalariados, ocupando altos postos, todos muito bem pagos em divisas, mas nenhum deles um verdadeiro patrão.

Ao ler o nome Bayer encimando a entrevista, pulsou-me disparado o coração, imaginando estar diante de um dos legendários reis da indústria mundial. Fatal engano: trata-se apenas de mais um testa de ferro, técnico reputado e alemão porém Bayer bastardo, não passando de simples coincidência.

Busco esclarecer o detalhe pois, segundo li alhures, estão os Bayer legítimos associados à indústria de dióxido de titânio em mais de um país. A transcrição da entrevista do Bayer espúrio poderia sugerir, por consequência, solerte e malévola intenção de caracterizar a existência na Brastânio de capitais germânicos, majoritários e colonizadores.

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 35




















Coimbra, Julho de 1132


A meio da manhã, Zaida viu Ramiro entrar na Sé e assustara-se. Invadida pelo temor de ser apanhada, fora a casa deixar o punhal de paio soares, voltando a correr à biblioteca, pois estava prestes a fazer uma importante descoberta.

Três anos antes, no dia da morte de Zulmira, a mais nova das princesas aproveitara a tremenda confusão que se instalara no casão agrícola de Men para roubar o punhal com que Afonso Henriques matara o feddayin.

Com um gesto rápido escondera-o no vestido e depois levara-o para casa.

Aquela valiosa arma, cujo proprietário era o falecido Paio Soares, tinha um escrito essência em latim, e no cabo, cujo significado Zaida conhecia: Sellium, o local onde estava escondida a relíquia.

Contudo, dois anos depois da mãe, o bispo Bernardo voltara a autorizar as suas visitas à biblioteca da Sé e só aí a sua secreta demanda começara.

Enquanto lia os Atos dos Apóstolos, ia vasculhando os antigos mapas romanos e acabara por descobrir que Sallium ficava a nordeste de Santarém. Perto da pequena aldeia de Tomar.

A princesa sentiu uma forte comoção, mas enrolou o antigo mapa e preparava-se regressar a casa quando ouviu alguém levantar a voz na ave central da Sé.

Pé ante pé aproximou-se e deixou-se ficar numa antecâmara. Os conselheiros de Afonso Henriques parlamentavam e ela escutou, siderada, a proposta de Ermígio Moniz.

Filha, que diz ele? Não acredito!

Pela primeira vez, na corte de Afonso Henriques admitia a hipótese de as libertar! O Mordomo – Mor sugeria uma troca entre cristãos e mouros. A relíquia pelas princesas de Córdova.

O seu coração acelerou ainda mais, mas logo se desiludiu, pois Afonso Henriques rejeitou a solução e decidiu lançar um fossado na região.

Apesar de desejosa de abandonar a Sé, foi, porém, obrigada a esperar pois, após a partida de Afonso Henriques e seus conselheiros, Ramiro e o bispo Bernardo, regressaram ao interior da igreja.

Nada surpreendida, ela escutou a estranha e longa confissão do templário, embora o seu espírito estivesse já totalmente dominado por uma vertigem excitada: a perspectiva da liberdade!

As netas do último califa de Córdova iam voltar à sua terra!

Poderiam ascender de novo ao trono que por tantos séculos pertencera aos Benu Ummeyia, a família que ali reinava da qual eram as últimas representantes.


Nunca haviam estado tão perto, o caminho para Córdova passava por Sellium e pela relíquia sagrada!

sexta-feira, junho 17, 2016

Em que pé estamos?...

















Neste momento não sabemos nada de nada. Se a Inglaterra fica ou sai, se a Comunidade Europeia permanece ou vai cada um para seu lado e todos ao molho, se aceitamos ficar com os refugiados da Síria que atravessam o Mediterrâneo ou se os vendemos ao Erdogran, na Turquia, que é um país imenso e cabe lá toda a gente...

Estamos nestas indecisões perigosas que caminham no sentido contrário ao bom senso, irracionais, violadoras dos ensinamentos contidos nas histórias que nos ensinaram em pequeninos.

Lembram-se daquela em que o avô reuniu os netos e dava uma vara de vime a cada um com ordem para a partirem, ordem cumprida com facilidade.

Depois, juntou todas as varas num molho e voltou a pedir que o partissem. Em vão, nenhum o conseguiu.

A velha e gloriosa Inglaterra juntou-se à Europa, mesmo continuando com a sua libra de mais de 5 séculos - entrou em circulação em 1561 e continua a ser a moeda mais valorizada em circulação -  mas, no fundo, não era bem isso que eles desejavam. O que eles queriam mesmo é que fossem os europeus a juntarem-se a eles, nunca o contrário...

Por isso, vão decidir agora, novamente, se regressam ao seu isolamento ou mantêm os laços com o velho continente que sempre viram como adversário: espanhóis, franceses e, por último, alemães.

Claro que se sairem ficarão a perder, e eles sabem disso porque sempre foram bons a fazer contas para não se deixarem enganar mas, para os britânicos, o seu orgulho de ilhéus, que um dia tiveram um Império e sobreviveram às bombas V2 do doido do Hitler, vale mais do que qualquer união política que lhes faça sentir diminuída a sua identidade histórica de espaço que sempre viveu e sobreviveu limitado pela água do mar e o céu cheio de nuvens, por cima.

Que vão passar a pagar mais caro tudo quanto lhes chega da Europa com o regresso das barreiras alfandegárias, não há qualquer dúvida, acrescida da depreciação inevitável da libra cujo poder de compra vai diminuir muito, também é verdade,  mas, mais do que tudo isso, o que vale mesmo é o brio, o orgulho de ser inglês...

Perguntem ao sr. Boris Jonson, que luta pela saída da Inglaterra, se está muito preocupado com a perda de valor da libra face ao euro, com o comércio bilateral e com tudo o que isso representa de prejuízo...

No cenáio mais optimista a economia britânica perderá no ano 2020 o equivalente a 3,3 % do seu PIB, cerca de 2.200 euros por cada família, enquanto que poupa em contribuições líquidas para a Comunidade Europeia, entre 0,3 a 0,4% do seu PIB.

Decididamente, ou endoidaram ou deixaram mesmo de saber fazer contas...

- No fundo, o que sabem os cidadãos britânicos, ou quaisquer outros, se a Inglaterra deve ficar ligada ou não, à Comunidade Europeia?

-Porque fazem perguntas desnecessárias e demagógicas que apelam a emoções e a antigos sentimentos tribais sempre traiçoeiros e enganadores?

 - Porque elegem democràtiamente parlamentos e deputados, governos e ministros para decidirem e depois perguntam ao povo o que devem fazer?

 - Porque é que os economistas, quase sempre divididos nas suas opiniões de técnicos, desta vez são unânimes sobre os perigos da saída da Inglaterra?

Infelizmente, esta decisão  sobre o Brexit não diz apenas respeito aos ingleses, longe disso, todos os europeus, uns mais que outros, estão implicados e eu até nem sei se eles não querem sair só para chatear os vizinhos europeus de quem nunca gostaram, com razões ou sem elas.

Enfim, depois da saída da Inglaterra para o isolamento da sua ilha chata, só faltará a vitória do Trump (por que é que o nome me faz sempre lembrar merda?...) para o desastre ser quase total.

... É que na Europa, os nacionalismos, que ainda há uma décadas custaram mai de 60 milhões de mortos em todo o mundo na 2ª G.G.M. de 1939/45, estão de volta... porque o homem continua igual a si próprio e nunca aprenderá nada com a história condenado que está a repetir incansavelmente sempre os mesmos erros.

Dá mesmo vontade de dizer: ... paz à sua alma!

O Cristiano Reinaldo



TIETA DO AGRESTE
 (Jorge Amado)




Episódio Nº 167




















DAS RAZÕES A FAVOR


Irrespondíveis argumentos, os de Giovanni Guimarães, na opinião do vate Barbozinha, em conversa com Leonora. Não há mais o que discutir, disseram dona Carmosina e o Comandante; o cronista de A Tarde pusera o preto no branco, os pontos nos ii.

Não pensavam assim proprietários e directores de outros jornais, a prova está à frente de Ascânio Trindade, sobre a mesa do prefeito. Exemplares de dois diários da capital nos quais, em fartas matérias, as opiniões do articulista em sua Carta ao poeta De Matos Barbosa viram-se sujeitas a completa revisão, áspera crítica e desagradável confronto com as responsáveis declarações de cientistas de peso e de administradores conscientes de seus deveres.

Um desses jornais estampa a manchete agressiva, vista por Ascânio antes de embarcar na marinete onde, excitado, a releu, constatando a violência do tratamento aplicado a Giovanni: impostor, nem mais nem menos. A Gazeta não levou em conta o renome do articulista, a simpatia e a consideração a cercá-lo.

Longo editorial em negrita e corpo doze, canta loas à Brastânio, em frases e adjectivos, junto aos quais os louvores de Barbozinha no excomungado poema empalidecem. No momento em que o Governo do estado conclui as obras do Centro Industrial de Aratu, criando as condições para um surto novo na vida da Bahia, a localização na Boa Terra de uma indústria da importância da Brastânio, fundamental para o desenvolvimento do país, é a mais auspiciosa notícia do ano que termina, um inigualável presente de Natal à população do Estado – afirma o artigo de fundo. Pode proclamar-se ter sido a Bahia contemplada com a sorte grande ao ser escolhida pela ilustre directoria da empresa que se propõe aplicar em nosso Estado capitais de vulto antes aqui desconhecidos em se tratando de empreendimentos privados.

Há quem fale, naturalmente, em perigos de poluição, mas os negativistas sempre existiram, em qualquer parte e ocasião, opondo-se ao progresso, pregoeiros da desgraça.

São vozes isoladas e de duvidosa procedência, servindo a escusos interesses. Se por simples curiosidade, nos detemos a examinar a biografia política dessas aves de agouro a grasnar infâmias, localizaremos de imediato ranço ideológico suspeito, a marca registada de Moscovo. Nesse tom, todo o editorial. Não cita o nome de Giovanni Guimarães mas está na cara.

Cita-o, porém, na entrevista concedida ao mesmo jornal, um dos dinâmicos directores da Brastânio – Indústria Brasileira de Titânio S.A., o jovem vitorioso empresário Rosalvo Lucena, economista de reputação nacional, diplomado pela fundação Getúlio Vargas, da qual logo se tornaria professor, Managerial Sciences Doctor pela Universidade de Bóston. Começou o titular de tantas excelências levando Giovanni na gozação, “ameno cronista sem nenhum conhecimento científico, deveria manter-se no limite dos fúteis acontecimentos quotidianos, no comentário de casos de polícia e de vitórias e derrotas do futebol, ao que sabe, seus temas predilectos, não se metendo a dar palpite naquilo que ignora, transformando-se de cronista em impostor, tentando lançar a opinião pública contra um empreendimento de alto teor patriótico que significará para o Brasil economia de divisas, ampliação do mercado de trabalho, riqueza.

 Sobre o imaginado e inexistente perigo mortal que as fábricas da Brastânio representariam, segundo o odioso foliculário, melhor será ouvir a opinião de um técnico de competência indiscutível, o doutor Karl Bayer, nome familiar a todos quantos se interessam pelos problemas do meio ambiente.”

Num retrato a três colunas Ascânio vê, no centro da página, o dinâmico doutor Rosalvo Lucena, o ilustre cientista Bayer e o simpático doutor Mirko Stefano ao lado do nosso director quando da visita realizada à redacção desta folha.

O ilustre técnico em texto extremamente científico e ininteligível, por isso mesmo de muita força de convicção, respondendo a três perguntas – por ele mesmo redigidas pois esses repórteres são uns analfabetos em matéria de problemas ecológicos – liquidou o assunto. Com grande gasto de elmenita, cloreto, Austrália, catalizador, pentóxido de vanádio, necton e plâncton, efluentes, provou por a mais b não passar de balela toda essa conversa de perigo de poluição e contaminação de águas, “desprezível demagogia”.

Quem há-de de duvidar perante tanta ciência?

No outro jornal, não menos entusiasta da instalação da Brastânio, “indústria de salvação nacional, primordial, factor de reerguimento da economia baiana” o engenheiro Aristóteles Martinho, da Secretaria da Indústria e Comércio, deu sua penada a favor da empresa. Perigo nenhum, garante o técnico, despojado de termos difíceis e de efluentes, competência modesta se comparada à do germânico Bayer.

Importante, porém, pois reflecte o pensamento da administração estadual que, tendo, segundo ele, estudado acuradamente o assunto, levando em conta os interesses vitais da população, concluíra pela “perfeita inocuidade e pela extrema importância da indústria a ser implantada no Estado pela Brastânio”. Termina afirmando que os baianos podem dormir descansados, o governo está vigilante e não permitirá ameaças às terras, às águas e ao ar nos limites da Bahia. Quando fala em governo, refere-se ao Estadual e ao Federal, “indissolúveis na defesa dos recursos naturais e da saúde do povo”,

Os jornais – alguns exemplares de cada um dos dois – vieram acompanhados de uma breve carta do doutor Mirko Stefano, dirigida ao caro amigo doutor Ascânio Trindade, na qual lhe informa ter a Brastânio contratado os serviços de uma empresa de viação e obras para realizar estudos e apresentar projecto para o alargamento e a pavimentação de cinquenta quilómetros da estrada a ligar Agreste e Esplanada. A mesma empresa asfaltará, por conta da Brastânio, a rua da entrada da cidade, conforme o prometido. Em breves dias chegarão as máquinas e os técnicos. Não se refere nem aos jornais nem a Giovanni Guimarães.

Imagine só...











Ao final do primeiro round , o lutador de boxe - todo arrebentado -  pergunta ao treinador :  

- Como está a luta ?

- Se você matar ele , empata !

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 34



















O bispo Bernardo suspirou, aquele rapaz conhecia mal a alma humana. Por isso deu-lhe um longo sermão, sugerindo que seguisse os seus avisados conselhos, coisa que Ramiro aceitou de imediato, extraindo finalmente do religioso a absolvição desejada a que somou a obrigação de rezar todas as noites o terço.

Assim farei, prometeu Ramiro.

Pai, vou mudar...


Terminado o ministério do sacramento, falaram acerca da busca da relíquia, da troca proposta por Ermígio Moniz. Do fossado que se preparava, bem como sobre as selvajarias que Abu Zhakaria cometera junto ao Nabão.

- Era um local estranho, umas ruínas macabras. Mesmo que não tivesse lá encontrado os empalados sentiria receio -  confessou Ramiro.

O bispo aconselhou-o a concentrar-se no seu novo desígnio de pureza, exigindo que voltasse daí a um mês, para partilhar os progressos. No momento em que o musculado mas frágil templário se despedia dele, beijando-lhe o anel, ouviram uma porta atrás de ambos a abrir-se e, para espanto de Ramiro, saíu por ela a princesa Zaida que também se mostrou surpreendida ao vê-lo.

- Ramiro... – murmurou Zaida, sem sorrir.

O bastardo de Paio Soares desviou o olhar, não gostava daquelas raparigas mouras, que tanto trabalho lhe tinham dado no passado.

Pai, é uma mentirosa...

Para surpresa do bispo Bernardo, Zaida também não foi, como habitualmente, simpática e afável. Apenas lhe atirou um adeus apressado, que levou o prelado a comentar, enquanto ela saía da Sé:

 - A Zaida já conhece o livro de Génesis de trás para a frente. Ramiro confessou a sua falta de estima pelas duas princesas mouras, mas o bispo repreendeu-o, alegando que ele devia extinguir no seu coração a animosidade às mulheres, para se ver livre dos seus demónio interiores.

- Com a Zaida é fácil. A irmã é mais arisca – opinou o bispo.

Para ele era impossível não gostar de Zaida, nem uma única pessoa tinha algo de mau ou errado a apontar à rapariga.


É surpreendente como tantos em Coimbra se equivocaram em relação a Zaida. A sua simpatia a todos havia conquistado, submergindo a profundidade daquela oculta sabedoria e sobretudo a inteligência fina dos seus habilidosos estratagemas.

Certas mulheres são assim, a doçura é uma arma de distracção, um manto amável debaixo do qual se escondem insondáveis propósitos

quinta-feira, junho 16, 2016

Altos e louros... todos!
Aqueles

Rapazes 

Altos

e Louros...

















De porte atlético, alguns cabeludos e barbudos, como se usa, os islandeses impressionam pela sua estampa.

O nosso Cristiano, com o seu 1,89, seria apenas o 9º mais alto daquela equipa. Tínhamos até jogadores que nem ao ombro dos adversários chegavam...

Foi dramático ver aquele defesa português, pequenino, atirar-se para o meio do chão, desamparado, em frente do nosso guara-redes, enquanto atrás dele, um islandês, alto e louro, nem precisou de perguntar ao Patrício para que lado queria o golo.

Com a sobranceria própria dos craques que ganharam fama e agora vivem dela, Ronaldo, criticou a equipa adversária acusado-a de apenas saberem dar pontapés para a frente.

Não se pode pedir a Ronaldo que tenha “bom perder”, falta-lhe para isso o hábito, mas começam a ser demasiados os grandes planos que a televisão nos dá do seu sorriso de desilusão consigo próprio depois de jogadas perdidas por ele.

Nós éramos os habilidosos mas eles estavam longe de serem toscos o que, aliado à táctica defensiva do autocarro em frente da baliza, acabou por se traduzir num empate a uma bola, com a agravante da equipa portuguesa, na 2ª parte, ter perdido discernimento, o que permite concluir que os nossos jogadores deixaram a confiança no balneário, enquanto os islandeses acreditaram cada vez mais na sua capacidade física como arma para defender o empate.

Temos muitos jogadores jovens, alguns cheios de talento, que por isso já nem jogam em Portugal, e para quem este jogo foi uma lição sobre uma competição essencialmente física em que a concentração tem de ser total.

A habilidade e o virtuosismo tanto podem ser uma arma como uma fraqueza, pois nem todos podem ser Messis e Iniestas a quem tudo lhes sai bem... ou quase tudo!

Vejo futebol há muitos anos e reconheço que nem sempre é um espectáculo bonito. Normalmente procuro a Liga Inglesa pois é aí que acontece a maioria dos bons jogos de futebol nos quais, do princípio ao fim, as equipas em confronto se empenham na vitória de uma forma equilibrada.

É evidente, que deste ponto de vista, o Portugal - Islândia não foi um belo espectáculo mas nestas competições Europeias ou Mundiais, em que o nosso país participa, os aspectos emocional e patriótico é que contam e os golos, mesmo os metidos com a barriga, são sempre bonitos, desde que sejam os jogadores portugueses a marcá-los.

E vai ser assim até ao fim... o desejo apaixonado pela vitória vai-nos perseguir, está em causa a vaidade e o amor ao país, não há nada a fazer. O raciocínio e o bom gosto não entram nesta história, e no fim espera-nos a alegria desmedida ou a profunda tristeza, algumas vezes disfarçada de um mal disfarçado alheamento.

Sempre me lembro de alcunharem o futebol como o ópio do povo pelos efeitos que ele produz na nossa maneira de sentir, umas vezes euforia, outras depressão, nunca indiferença.

Por isso, e como gosto de futebol como jogo, procuro a Liga inglesa, onde estão os melhores jogadores e treinadores. O pior, é que este ano, vai novamente entrar em cena o nosso Zé Mourinho com a agravante de que, do outro lado, irá estar o Pepe Guardiola, num clube vizinho, o Manchester City, o que, no fundo, vai dar uma espécie de Portugal – Espanha todas as semanas...

Elvis Presley - Always On my Mind



Acidente de Viação


TIETA DO AGRESTE
(Jorge Amado)



Episódio nº 166






















Conseguem por fim chegar a um compromisso sobre o orçamento quando Jairo freia a marinete e a poeira sufoca Esperidião do Amor Divino, magricela e esporrento. Voltando a respirar, o mestre-de-obras reclama:

- Estão falando por aí em poluição como se essa desgraçada marinete não estivesse acabando com os pulmões da gente há mais de vinte anos.

Jairo desce segurando dois pacotes, descansado, indiferente às três horas de atraso, às paradas, à volubilidade do motor naq1uele dia de humor bastante instável:

- Duas encomendas para você, Ascânio. Essa foi Canuto quem mandou.

- Um embrulho largo, ainda na embalagem original endereçado a Canuto Tavares por uma firma da capital.

Ao recebê-lo Ascânio apalpa o pacote:

- Sei do que se trata – Volta-se para Esperidião: - É a placa da rua. Chegou mais cedo do que eu esperava.

- Esse outro, foi Miroel, da agência de passagens, quem me deu, dizendo que era urgente. Parece ser coisa importante, veio no ônibus que faz a linha directa de salvador a Aracaju. Parou em Esplanada, só para deixar esse troço. Está entregue. Rapidez e eficiência – Ri.

Entrega, ri e fica à espera. Ruído de curiosidade, aguarda a abertura dos embrulhos. O primeiro, como Ascânio previra, contém a placa para a nova rua com o nome de dona Antonieta em letras brancas sobre fundo azul. Jairo e Esperidião aproximam-se para admirá-la, Ascânio a encomendara na Baía, em firma especializada, por intermédio de Canuto Tavares. O funcionário relapso da agência de Correios e Telégrafos é uma espécie de correspondente de Agreste em esplanada, a cujos préstimos Ascânio recorre com frequência.

Apressada e decidida passageira, dona Preciosa, directora do Grupo Escolar, levanta-se e toca a extraordinária busina da marinete, espantando pássaros – Jairo não se enxerga: indiferente ao atraso enorme, ainda salta para conversar, quando estão, finalmente, na recta de chegada. O pacote, dirigido a Ascânio trindade, Dinâmico Prefeito de Sant’Ana do Agreste, URGENTE, assim em maiúsculas e ainda por cima a vermelho, contem jornais e uma carta.

Enquanto a poluição sonora da buzina põe calangos em fuga, Ascânio abre um dos jornais e seu rosto se descontrai, desaparecem a irritabilidade, a fadiga, a amargura, ao ler, em letras garrafais, manchete em primeira página: A BRASTÂNIO DESMASCARA UM IMPOSTOR e ao constatar, num relance, não ser outro o impostor desmascarado senão o cronista de A Tarde, Giovanni Guimarães.

Surgindo na porta da marinete, dona Preciosa ergue a voz ácida e ameaçadora, habituada a ralhar com meninos, reduzindo-os ao silêncio e à obediência, a verruga a tremer, indaga:

- O bate-papo vai demorar muito, Jairo?

- Já estamos indo, dona Preciosa – Quem respondeu foi Ascânio, andando para a marinete, seguido por Jairo e Esperidião. Segura os jornais como quem segura ouro, pedras preciosas, 
remédio contra a morte.

Compre sem fazer comentários...













Um rapaz vai a uma farmácia e diz ao farmacêutico:

- Senhor, dê-me um preservativo. A minha namorada convidou-me para ir jantar esta noite lá a casa, já saímos há três meses, a pobre começa a estar muito quente e parece-me que me vai pedir para lhe pôr o 'termómetro'.

O farmacêutico dá-lhe o preservativo e o jovem sai da farmácia. De imediato, volta a entrar, dizendo:

- Senhor, é melhor dar-me outro, porque a irmã da minha namorada, é uma boazona de primeira, passa a vida a cruzar as pernas à minha frente que ás vezes até lhe vejo as entranhas. 
Acho que também quer algo, e como vou jantar hoje lá a casa...

O farmacêutico dá-lhe o preservativo e o jovem sai da farmácia. De novo, volta a entrar, dizendo:

- Senhor, é melhor dar-me outro, porque a mãe da minha namorada também é boa como o milho. A velha, quando a filha não está ao pé, passa a vida a insinuar-se dum modo que me deixa atrapalhado, e como eu hoje vou jantar lá a casa...

Chega a hora da comida e o rapaz está sentado à mesa com a sua namorada ao lado, a mãe e a irmã à frente.

Nesse instante entra o pai da namorada e senta-se também à mesa. O rapaz, baixa imediatamente a cabeça, une as mãos e começa a rezar:

- Senhor, abençoa estes alimentos, bzzzz, bzzzz, bzzzz,... damos-te graças por estes alimentos.

Passa um minuto e o rapaz continua de cabeça baixa rezando:

- Obrigado Senhor por estes dons, bzzz, bzzz, bzzz....

Passam cinco minutos e prossegue:

- Abençoa Senhor este pão, bzzz, bzzz, bzzz...

Passam mais de dez minutos e o rapaz continua de cabeça baixa rezando.

Todos se entre-olham surpreendidos e a namorada diz-lhe ao ouvido:

- Meu amor, não sabia que eras tão crente!!!

- E eu não sabia que o teu pai era farmacêutico !!!


Conclusão:

- Não comente os planos estratégicos da empresa com desconhecidos, porque essa inconfidência pode destruir a sua própria organização.


Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 32




















Coimbra, Julho de 1132



Ainda à porta da Sé, observando o grupo que se afastava, o pobre Ramiro estava abatido quando o bispo Bernardo se aproximou dele e lhe perguntou:

- Estais em sofrimento?

O jovem templário procurou justificar-se com o desapontamento por ter sido afastado do fossado mas o bispo era um ser experiente habituado a lidar com as angústias humanas.

Ouvi a graçola de Peres Cativo. Não foi a primeira vez...

Ramiro empalideceu mas manteve-se calado, olhando para o chão como uma criança apanhada em contrapé.

Pai, estou perdido...

Então o bispo disse:

 - Há sempre perdão para tudo. Seja o que for, Deus perdoa!

De repente, o templário sentiu uma espécie de alívio por antecipação, como se acreditasse que a purificação da sua alma surgiria se admitisse aquelas tormentas.

Pai, não consigo mais...

Por isso, finalmente concedeu:

 - Tenho o espírito perturbado.

Agradado por o sentir a capitular, o bispo sorriu-lhe:

 - Todos temos medos, receios, pensamentos impuros. É para isso que serve a confissão, partilhamos com Deus as nossas dores.

Ramiro rendeu-se em definitivo e os dois entraram na Sé onde se sentaram num pequeno banco, perto da porta da biblioteca onde o bastardo de Paio Soares revisitou a sua existência atribulada.

Na infância, o progenitor passava o tempo a castigá-lo, mas o pior fora o que se passara com Chamoa. Ainda se lembrava de uma tarde longínqua em Ponte de Lima, durante as feiras, quando tinham passeado na floresta de mão dada.

 Jamais se esquecera do beijo que ela lhe dera e nunca pensara que o pai iria desposá-la!

Pai, amo-a tanto!

Destroçado, decidira matar-se, mas Afonso Henriques impedira-o de tal disparate. E depois também o traíra. Chamoa obrigada a casar com Paio Soares, nas costas do pai dava-se ao príncipe de Portugal!

Pai, ela chifrou-nos aos dois!

Atarantado, dilacerado pelo duplo desgosto sofrido em Viseu, Ramiro escapara para Soure, esperando nunca mais ter de ver o pai, o príncipe ou Chamoa. Mas todos acabaram por vir ter com ele.

E tratavam-no mal! O príncipe, a quem Ramiro salvara a vida um dia, agora ofendia-o, afastando-o das buscas? Se os pais de ambos haviam sido companheiros leais, porque é que eles não podiam ser?

Afinal, nenhum dos dois ficara com Chamoa que vivia agora com um primo em Tui. Porque é que o príncipe o desprezava tanto? Só porque não encontrara uma velha bruxa, que provavelmente estava morta?

Nomear Peres Cativo e afastar os templários das buscas era uma injustiça! Quem defendera Soure? Quem salvara Coimbra?

Pai,  fui eu!

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