sexta-feira, maio 23, 2008


A Mãe de Todas as Burcas


(Richard Dawkins)



Um dos espectáculos mais tristes que se pode ver nas ruas, hoje em dia, é a imagem de uma mulher coberta da cabeça aos pés por um trajo preto, sem graça, perscrutando o mundo através de uma minúscula abertura.


A burca não é apenas um instrumento de opressão das mulheres e de repressão enclausurante da sua liberdade e beleza; não é apenas símbolo da gritante crueldade masculina e de uma submissão feminina tragicamente imposta pela intimidação.

Quero aqui usar a fenda do estreito véu como símbolo de uma outra coisa. Os nossos olhos vêem o mundo, também, através de uma estreita fenda no espectro electromagnético.

A luz visível não é mais do que um raio brilhante na vastidão negra do espectro, que vai desde as ondas de rádio, na sua extremidade mais distante, até aos raios gama, na parte mais curta.

Não é fácil conceber quão estreita é essa fenda e tentar transmiti-lo constitui um verdadeiro desafio.

Imagine-se uma gigantesca burca preta com uma fenda para os olhos da largura aproximadamente igual ao seu tamanho normal, ou seja, de 2,5 centímetros. Se a extensão do tecido preto acima da fenda representar a parte do espectro invisível correspondente às ondas mais curtas e a extensão do tecido preto abaixo da fenda representar o segmento das ondas longas de que comprimento teria de ser a burca para comportar uma fenda de 2,5 centímetros à mesma escala?

As dimensões com que estamos a lidar são de uma ordem tão vasta que é difícil representá-las razoavelmente sem recorrer a escalas logarítmicas. Por isso, garanto apenas, que seria a mãe de todas as burcas.

A janela de 2,5 centímetros de luz visível é ridiculamente pequena comparada com os quilómetros e quilómetros de tecido preto necessários para representar a parte invisível do espectro desde as ondas de rádio, na bainha da saia até aos raios gama no alto da cabeça.

Aquilo que a Ciência faz por nós é alargar a janela e esta abre-se de tal forma que a aprisionadora peça de vestuário preta quase desaparece por completo, expondo os nossos sentidos a uma liberdade arejada e revigorante.

Os telescópios ópticos usam espelhos e lentes de vidro para examinar os céus e o que vêem é a cintilação de estrelas situadas na estreita faixa de comprimentos de onda a que chamamos luz visível. Mas outros telescópios “vêem” nos comprimentos de onda dos raios X ou de ondas rádio, revelando-nos toda uma cornucópia de céus nocturnos alternativos.

A uma escala mais pequena, certas câmaras com filtros apropriados conseguem “ver” no ultra violeta e fotografar flores que mostram uma estranha gama de listas e manchas visíveis aos olhos dos insectos e aparentemente para eles “desenhadas”mas que a nossa vista não consegue divisar a olho nu.

Os olhos dos insectos possuem uma janela espectral de largura semelhante à nossa, mas situada um pouco acima relativamente à posição da burca; não são sensíveis ao vermelho e conseguem penetrar mais no ultravioleta do que nós.

A metáfora da janela de luz estreita que se vai expandindo até um espectro espectacularmente amplo serve para outras áreas da Ciência.

Vivemos algures perto do centro de um complexo de galerias de magnitudes diversas. Vemos o mundo com órgãos sensoriais e com sistemas nervosos que estão equipados para percepcionar e compreender apenas uma escassa gama intermédia de tamanhos, movendo-se de acordo com uma gama igualmente intermédia de velocidades.

Sentimo-nos à vontade com objectos cujo tamanho varia entre alguns quilómetros (a vista do cume de uma montanha) e cerca de uma décima de milímetro (a ponta de um alfinete).

Fora desta gama, até a nossa imaginação é deficiente pelo que necessitamos da ajuda de instrumentos e da matemática de que, felizmente, podemos aprender a servir-nos.

A gama de tamanhos, distâncias ou velocidades com que a nossa imaginação se sente à vontade corresponde a uma faixa minúscula situada no meio da gigantesca gama do possível, que vai desde a escala da estranheza quântica, na extremidade das pequenas dimensões, até à escala da cosmologia einsteiniana, na extremidade das dimensões maiores.

A nossa imaginação, ou imaginações, estão irremediavelmente sub equipadas para lidar com as distâncias situadas fora da estreita gama intermédia que nos é, ancestralmente, familiar.

Tentamos visualizar um electrão como uma minúscula bola orbitando à volta de um cacho maior de bolas que representam protões e neutrões. Mas não é nada que se pareça com isso. Os electrões não são como pequenas bolas. Não são como nada do que conhecemos. Nem sequer é claro que a palavra «como» tenha qualquer significado quando os nossos voos nos levam a acercar-nos dos horizontes mais remotos da realidade As nossas imaginações ainda não possuem as ferramentas necessárias para nos avizinharmos do quantum. A essa escala, nada se comporta como seria de esperar que a matéria – tal como a evolução nos condicionou a pensar – se comportasse.

Também não estamos aptos a lidar com o comportamento de objectos que se movam a fracções consideráveis da velocidade da luz.

O senso comum deixa-nos ficar mal porque evoluiu num mundo em que nada se move muito depressa e nada é muito pequeno ou muito grande.

“O facto de vivermos na base de um profundo poço de gravidade, à superfície de um planeta coberto de gás que gira em torno de uma bola de fogo nuclear situada a 145 milhões de quilómetros de distância e pensarmos que isto é normal é já, obviamente, um sinal de quão distorcida a nossa perspectiva tende a ser”.

A evolução da vida complexa, para já não falar no próprio facto da sua ocorrência num universo que obedece a leis da Física, é algo de maravilhosamente surpreendente ou sê-lo-ia, se não fosse a circunstância de a surpresa ser uma emoção que só pode existir num cérebro que é, ele mesmo, produto desse surpreendente processo.

Pensemos nisto um pouco. Num dado planeta, e possivelmente num só em todo o Universo, algumas moléculas que normalmente não formariam nada mais complicado do que um simples calhau, congregam-se em pedaços de matéria do tamanho de calhaus e dotados de uma complexidade tão espantosa que são capazes de correr, saltar, nadar, voar, ver, ouvir, capturar e comer outros pedaços de complexidade igualmente animados; em certos casos, capazes de pensar, de sentir e ainda de se apaixonar por outros pedaços de matéria complexa.

Agora, compreendemos como é que o truque, essencialmente, se processa, mas só desde 1859. Antes de 1859 tudo terá parecido, efectivamente, muitíssimo estranho. Hoje, graças a Darwin, é só muito estranho.

Darwin, pegou na janela da burca e franqueou-a de par em par, deixando entrar uma corrente de compreensão cuja ofuscante novidade e capacidade de elevar o espírito humano não tivesse precedente a não ser, por ventura, na descoberta coperniciana de que a Terra não era o centro do Universo.

O modo como vemos o mundo e a razão pela qual consideramos certas coisas intuitivamente fáceis de compreender e outras difíceis é que os nossos cérebros são, eles próprios, órgãos resultantes de uma evolução; verdadeiros computadores de bordo que foram evoluindo para nos ajudarem a sobreviver num mundo onde os objectos que eram importantes para a nossa sobrevivência não eram nem muito grandes nem muito pequenos; um mundo onde as coisas ou estavam paradas ou se deslocavam lentamente em comparação com a velocidade da luz e onde o mais seguro era chamar impossível ao improvável.

A janela da nossa burca mental é estreita porque não precisava de ser mais larga para ajudarem os nossos antepassados a sobreviverem.

A Ciência, à total revelia da intuição gerada pelo processo evolutivo, ensinou-nos que as coisas aparentemente sólidas, como sejam cristais e pedras, são na realidade compostas quase totalmente por espaço vazio.

A ilustração mais corrente representa o núcleo de um átomo como uma mosca no centro de um estádio de futebol. O átomo seguinte encontra-se logo ao lado de fora do estádio.

Assim, a pedra mais dura, mais sólida e mais densa é «realmenta» quase só espaço vazio apenas interrompido por minúsculas partículas, tão afastadas entre si que praticamente nem contam.

Sendo assim, por que motivo dão as pedras a impressão de serem sólidas, duras e impenetráveis?

Enquanto biólogo da evolução, eu responderia da seguinte maneira:

- Os nossos cérebros evoluíram no sentido de ajudarem os nossos corpos a situarem-se no mundo, à escala em que esses corpos funcionam. A nossa evolução não foi no sentido de nos orientarmos. Se assim fosse, é provável que os nossos cérebros tivessem das pedras exactamente essa percepção de espaço preenchido pelo vazio.

As pedras parecem duras e impenetráveis ao tacto porque as nossas mãos não as conseguem penetrar e a razão pela qual não conseguem fazer isso não tem a ver com as dimensões nem o afastamento das partículas que constituem a matéria, mas antes com os campos de força associados a essas partículas muito afastadas que compõem a matéria sólida.

Aos nossos cérebros convém construir noções como solidez e impenetrabilidade, porque elas ajudam-nos a orientar os nossos corpos através de um mundo em que os objectos – que dizemos sólidos – não podem ocupar o espaço uns dos outros.

Quando entregue a si mesma, a intuição humana, produto da evolução e de toda uma habituação no seio do mundo mediano, tem até dificuldade em acreditar em Galileu quando este nos diz que uma bala de canhão e uma pena, sem atrito do ar, cairiam no solo no mesmo momento se fossem largadas de uma torre inclinada.

Isto acontece porque no mundo mediano o atrito do ar está sempre presente. Se tivéssemos evoluído no vácuo, esperaríamos que a pena e a bala de canhão atingissem o solo simultaneamente.

Existe um sentido em que nós, animais, temos de sobreviver não só no mundo mediano, mas também no micromundo dos átomos e dos electrões. Os próprios impulsos nervosos com que pensamos e imaginamos dependem de actividades que se desenrolam no micromundo mas não há nenhuma acção que os nossos antepassados selvagens alguma vez tivessem de desempenhar, nem nenhuma decisão que alguma tivessem de tomar, que pudesse ter beneficiado com uma compreensão do micromundo.

Seria diferente se fossemos bactérias, constantemente fustigadas pelos movimentos térmicos das moléculas, mas nós, habitantes do mundo mediano, somos demasiado avantajados para repararmos no movimento browniano.

De tal forma as nossas vidas são dominadas pela gravidade que somos praticamente insensíveis à força delicada da tensão superficial.

Um pequeno insecto inverte esta prioridade, pois para ele a tensão superficial será tudo menos delicada.

Somos criaturas do mundo mediano, aí se deu a nossa evolução, e isso limita aquilo que estamos em condições de imaginar. A menos que sejamos especialmente dotados ou peculiarmente cultos, a janela estreita da nossa burca apenas nos permite ver esse mundo.




Este pedagógico e belo texto retirado de uma passagem do livro de Richard Dawkins, A Desilusão de Deus, a que ele próprio deu o título “A Mãe de Todas as Burcas” encerra, por motivo de férias até meados do próximo mês, o meu Blog.

Mas ele merece ser complementado com uma série de 6 programas (que se lhe seguem) desse outro extraordinário cientista e enorme comunicador que foi Carl Sagan, que há uns bons anos atrás me deliciou com o seu programa sobre o Cosmos que passou na Televisão.

Vale a pena abrir todo o ecrã do computador e seguir com Carl Sagan a grande aventura do Cosmos.

Será também uma forma de esquecer, por uns minutos que sejam, todos os problemas em que estamos envolvidos neste microscópico “Ponto Azul” perdido no Universo que é a nossa mal governada casa, aqui, no Planeta Terra.

quarta-feira, maio 21, 2008

José Sócrates e o preçogo petróleo


José Sócrates e o Preço do Petróleo



José Sócrates terminou mais uma das suas periódicas deslocações à Assembleia da República para falar, desta vez, sobre economia e, claro, toda a oposição quis saber quais as medidas que o governo ia adoptar para travar esta espiral louca dos preços dos combustíveis.

Voltar aos tempos da regulamentação, baixar a carga fiscal dos 60% que incide sobre os combustíveis, subsidiar os preços relativamente a alguns sectores de actividade, nomeadamente o dos transportes, públicos e privados de mercadorias, foram várias as hipóteses sugeridas e às quais o governo respondeu com uma outra: congelamento do preço dos passes sociais nos transportes públicos até ao fim do corrente ano.

Para além desta medida de alcance social que se dirige às pessoas mais carenciadas que se deslocam em transportes públicos e que procura, também, “empurrar” a população cada vez mais para este tipo de transporte, nenhum outro tipo de intervenção foi indicado pelo 1º Ministro.

Entretanto, já se fala de mais um aumento ainda esta semana a comprovar que a subida, não só é em espiral, como também é louca…e quando as coisas chegam a estes termos é evidente que a solução já não está nas mãos do governo e, principalmente, no baixar dos impostos ou na atribuição de subsídios.

Ir por esse caminho era fazer o jogo das Companhias Petrolíferas, dos especuladores e, principalmente, dos países donos do petróleo que, neste momento, antevêem-se já compradores de todo o mundo.

O desafio que neste momento está lançado não é, propriamente, ao governo de José Sócrates, é muito mais ainda à população portuguesa e às populações de todos os países europeus e do mundo que, neste momento, estão a ser vítimas de uma política de extorsão por parte dos donos do petróleo.

Aos governos dos países compradores de petróleo o que se lhes deve assacar é a responsabilidade da falta de visão política que não lhes permitiu antever que podíamos vir a ser confrontados com esta situação e não criaram a tempo, e numa conjuntura diferente e mais favorável, soluções de alternativa.

Pensou-se que a evolução dos preços do petróleo se verificaria sempre através de uma curva, umas vezes ascendente outras descendente, mas que permitisse às economias que dele dependem prosperar, mais ou menos, até porque asfixiar completamente, ou quase, os compradores era arriscarem a morte da galinha dos ovos de ouro.

No entanto, parece ser isso que está a acontecer pela reacção de alarme das pessoas desencadeando movimentos de boicote ao consumo.

E esse é o caminho, não de um grupo isolado de pessoas aqui ou ali, neste país ou naquele, por falta de impacto suficiente, mas de todos os países consumidores.

O mercado, por muito que digam que está equilibrado (estaria não fossem os especuladores) funcionará sempre através da inexorável lei da oferta e da procura e está nas nossas mãos com algum incómodo, já se vê, baixar a procura se formos capazes de actuar de forma concertada ao nível de todos os consumidores.

Aos governos dos países que se deixaram apanhar nesta armadilha é a corrida, agora desesperada, às energias alternativas, aos produtos que se possam adicionar às gasolinas e a toda uma política de transportes públicos eficientes.

Veja-se o caso da Noruega:

- Segundo maior produtor de petróleo da Europa;

- Terceiro maior país exportador de gás natural;

- Anunciou, recentemente, a descoberta de novas reservas da ordem dos 2 a 3 milhões de metros cúbicos de petróleo:

No entanto, os noruegueses pagam a gasolina a 1,60 euros/ litro numa clara indicação que o futuro não passa por ali.

Quanto a nós, e porque não há soluções milagrosas e muito menos de um dia para o outro, preparemo-nos para mudar, tanto quanto possível, os nossos hábitos e cerrar os punhos porque eles não nos hão-de vencer.


terça-feira, maio 20, 2008

Daqui a quatro anos


DAQUI A QUATRO ANOS

Ouvi com todo o interesse e atenção o programa da Dr.ª Fátima porque o tema era daqueles que mais me preocupa e a uns não sei quantos milhões de portugueses que, como eu, têm automóvel e também aos poucos que não têm mas que apanham por tabela porque o aumento dos preços dos combustíveis repercutem-se em tudo o resto e quando assim não for é sempre uma boa desculpa.

Para fazer esquecer este magno problema a televisão dá-nos longas e fastidiosas entrevistas com os jogadores de futebol eleitos pelo Scolari para representarem o país e que estão principescamente instalados em Viseu, como de resto é hábito, não em Viseu, mas principescamente.

Dentro de duas semanas vão começar os jogos do Campeonato Europeu e a distracção máxima dos portugueses está assegurada faltando-nos apenas saber, neste momento, se o que lá vem é alegria e euforia pelas vitórias ou a tristeza do insucesso que ainda deprime mais do que a evolução imparável do preço dos combustíveis.

O que há verdadeiramente de novo neste agravar de crise do preço dos combustíveis é que eles estão agora em roda livre, como se um vírus tivesse penetrado a engrenagem e provocado um descalabro nos sistemas de regulação e controle, não obstante o Sr. Eng. garantir que tudo está nos conformes com a diferença de que agora as Companhias Petrolíferas ganham muito, muito dinheiro (a GALP teve 175 milhões de euros de lucros nos 3 primeiros meses) quando, anos atrás, perdiam.

Há muito, muito tempo atrás, estava eu de férias no Algarve, o Governo anunciou que no dia tal, à meia-noite, como de costume, (as coisas feias e tenebrosas acontecem sempre a esta hora fatídica) a gasolina ia aumentar para 50 escudos (25 cêntimos num futuro longínquo) e também, como era hábito, até porque estávamos de férias, lá fomos todos para a bicha da bomba da gasolina poupar uns tostões atafulhando o depósito do carro sem esquecer o depósito do isqueiro.

Nessa altura, ainda nem sequer se pensava na liberalização dos preços e por isso era um momento alto, pela negativa, da vida dos governos aquele em que decidiam subir o preço dos combustíveis.

Outros tempos, outros modos, até porque o 25 de Abril ainda estava muito fresco mas, regressando aos dias de hoje e ao programa de ontem do Prós e Contras, a minha esperança é que alguma coisa saísse dele que constituísse uma esperança para o futuro.

E digo futuro porque para nos tempos mais próximos é quase certo que o preço vai continuar a subir proporcionando transferências tão volumosas de dinheiro para os países produtores de petróleo que, já li em qualquer lado, na Arábia Saudita, podem construir uma cidade nova em cada dia que passa.

O que ainda ninguém disse é quando é que a corda vai partir porque, é bom de ver, tudo tem um limite e mesmo que todos nós tenhamos de alterar grandemente os nossos comportamentos, e disso não tenho dúvidas, (andar menos de automóvel é uma delas) não iremos a tempo, no curtíssimo prazo, de influenciar os preços.

Até aqui, poupava durante um ano para gozar 15 dias de férias no sul de Espanha onde a vida, nos “comes” e “bebes”, desde que não seja à mesa do restaurante, anda ela por ela com a de cá, excepção feita à gasolina que essa é mesmo menos cara.

Para o ano, provavelmente, tenho que continuar a economizar para as férias e também para a gasolina que me levará até às férias que, pelo rumo que as coisas levam, poder-me-á custar tanto como o aluguer do apartamento.

Por isso, esperei ao longo de todo o programa que algum daqueles senhores reservasse para o fim a boa notícia de quando é que este pesadelo terminaria e a notícia chegou, no cair do pano:

- Daqui a 4 anos… passa num instantinho… é apenas o tempo que medeia entre dois Campeonatos Europeus de Futebol!

Entretanto, milhares de hectares de terreno no Alentejo e outros, muitos mais milhares em Moçambique e em Angola, aguardam as sementes das plantas que se multiplicarão em muitas mais sementes que irão permitir a produção de bio-dísel que, adicionado à gasolina numa percentagem que não precisa, sequer, de ser superior a 10%, irá permitir baixar os preços do barril de petróleo para os 100 dólares…daqui a 4 anos.

Finalmente, a paz desceu no meu espírito e eu fiquei livre para poder deitar-me descansado e continuar a desfrutar da segunda grande alegria que o meu Sporting me deu este ano, depois do 5 a 3 sobre o rival Benfica, ganhando ao Porto a Taça de Portugal com uma vitória concludente por 2 a 0.

AS “PROVAS” DA EXISTÊNCIA DE DEUS
(Richard Dawkins)




Para mim, está claro que tudo o que se passa no domínio de Deus e das Religiões é exclusivamente do foro da fé, da crença, dessa necessidade ancestral de acreditar que servia objectivos de sobrevivência da nossa espécie.

Residente em um qualquer espaço do nosso cérebro, essa necessidade não está doseada em cada um de nós na mesma medida e a sua utilização e repercussões na vida das pessoas depende, fundamentalmente, do meio social em que nascemos e da educação que recebemos logo a partir do nascimento.

As Religiões são dogmáticas, todas o são e é esse dogmatismo que as define como religiões.

“Eu acredito porque é verdade e é verdade porque Deus o disse...”

Esta é, para mim, a posição e a atitude mais honesta que um crente ou uma pessoa religiosa pode afirmar.

Daqui para a frente, tentar comprovar com argumentos racionais, filosóficos, dialécticos ou de qualquer outra natureza a existência de Deus e das Religiões que o servem, é um esforço inútil e algumas vezes quase caricato.

Richard Dawkins relata um episódio que cai, exactamente, no domínio do caricato:

«Um dos meus antigos colegas da Universidade mais dotados e maduros, que era muito religioso, foi acampar nas Ilhas escocesas. A meio da noite, dormia com a namorada sob a tenda quando foram acordados pela voz do Diabo – do próprio Satanás; não havia margem para dúvidas; a voz era em tudo diabólica.

O meu amigo nunca viria a esquecer essa terrível experiência, que de resto foi um dos factores que mais tarde o levaram a ser ordenado sacerdote.

Fiquei impressionado com esta história que, mais tarde, relatei a um grupo de zoólogos num momento de descontracção em Oxford.

Por acaso, dois deles eram ornitólogos experientes e riram às gargalhadas porque a tal voz do Diabo não passava dos gritos de uma ave de seu nome “Pardela da Ilha de Man” e que, exactamente, pelos seus cacarejos e guinchos diabólicos ganhou a alcunha de “Pássaro do Diabo”. »

Este episódio faz parte de um conjunto de muitos outros que integram os chamados argumentos da “experiência pessoal” que “provam” a existência de Deus.

Muitas pessoas acreditam em Deus porque pensam ter tido, com os próprios olhos, uma visão dele, ou de um anjo ou de uma Nossa Senhora vestida de azul.

Ou então, porque dentro das suas cabeças, Deus fala com elas.

O estripador de Yorkshire ouvia distintamente a voz de Jesus a dizer-lhe que matasse as mulheres…e foi parar à prisão para o resta da vida.

George Bush afirmou que Deus lhe disse para invadir o Iraque…e não foi parar à prisão.

Sam Harris, no seu livro The End of Faith, escreveu sem nenhum tipo de ironia:

- “Temos nomes para chamar às pessoas que têm muitas crenças para as quais não existe uma justificação racional.

Quando essas crenças são extremamente comuns, chamamos-lhes «religiosas»; caso contrário, o mais provável é chamarmos-lhes «loucas» ou «psicopatas».

No entanto, os argumentos mais fortes a favor da existência de Deus são as cinco “provas” de Tomás de Aquino no século XIII.

As três primeiras são formas diferentes de dizer precisamente a mesma coisa e por isso podem ser avaliadas em conjunto:

- Todas elas implicam uma regressão infindável: a resposta a uma pergunta gera outra pergunta e assim sucessivamente, ad infinitum.

1º O Motor Imóvel – Nada se move sem um movimento prévio o que nos conduz a uma regressão da qual a única fuga é Deus, aquele que provocou o primeiro movimento.

2º A Causa sem Causa – Nada se causa a si mesmo. Todo o efeito tem uma causa prévia e uma vez mais somos obrigados a retroceder até chegarmos a uma causa primeira a que chamamos Deus.

3º O Argumento Cosmológico – Houve, com certeza, uma época em que não existiam coisas físicas mas, uma vez que elas hoje existem é porque, certamente, houve algo de não físico que lhes deu existência e a esse algo chamamos Deus.

Ainda que nos permitamos a dúbia extravagância de evocar, arbitrariamente, um ser para que venha acabar com uma regressão infinita e de lhe dar um nome só porque precisamos de um, não há absolutamente razão alguma para dotar esse ser terminante de qualquer uma das propriedades normalmente atribuídas a Deus: omnipotência, omnisciência, bondade, criatividade de concepção, já para não falar de atributos humanos como ouvir preces, perdoar pecados, ler os mais ínfimos pensamentos, etc.

Regressando aos dois restantes dos cinco argumentos que Tomás de Aquino apresenta como “provas” para a existência de Deus, temos:

4º - O Argumento da Gradação – Apercebemo-nos de que as coisas, no mundo, diferem entre si. Por exemplo, há graus de bondade como há graus de perfeição mas só avaliamos esses graus comparando-os a um máximo.
Os humanos podem ser bons e maus o que quer dizer que a bondade máxima não está entre nós.
Assim sendo, tem de haver um outro máximo que estabeleça o padrão de perfeição e a esse máximo chamamos Deus.

Mas isto é um argumento?

Também podemos dizer que as pessoas variam em mau cheiro mas só podemos fazer a comparação tendo como referencia um máximo perfeito de mau cheiro imaginável.

Por conseguinte, é forçoso que haja alguém notório e incomparavelmente fedorento e a esse alguém chamamos Deus.

E aqui temos, como exactamente com o mesmo tipo de raciocínio, chegamos a uma conclusão tola.

5º - O Argumento Teológico ou do Desígnio – As coisas do mundo, sobretudo as coisas vivas, têm o aspecto de obedecer a uma concepção, um desígnio/desenho. Nada do que conhecemos tem aspecto de ter sido concebido a menos que o tenha sido. Assim sendo, teve de haver um criador ao qual chamamos Deus.

O argumento do desígnio é o único ainda utilizado sendo, para muitos, o argumento infalível para arrumar com a questão.

O jovem Darwin deixou-se impressionar por ele quando, em jovem, o leu na Natural Theology de William Paley.

Infelizmente para Paley o Darwin da maturidade varreu por completo a teoria do argumento do desígnio quando provou que nada do que conhecemos tem aspecto de ter sido concebido a menos que o tenha sido.

A evolução através da selecção natural produz um excelente simulacro de criação, elevando-se a prodigiosos primores de complexidade e elegância.

Estes cinco argumentos para a existência de Deus, apresentados por Tomás de Aquino, são argumentos a posteriori mas há outros a priori, denominados argumentos ontológicos, que têm por base o puro raciocínio de poltrona como este que se apresenta ao estilo de uma brincadeira de recreio:

- Aposto contigo que consigo provar que Deus existe.
- Aposto que não consegues.
- Está bem, imagina a coisa mais perfeita, perfeita possível.
- Sim, e agora.
- Agora essa coisa perfeita, perfeita, perfeita é real? Existe?
- Não, é só na minha imaginação.
- Mas se fosse real era ainda mais perfeita porque uma coisa mesmo, mesmo perfeita tinha que ser melhor do que uma palermice de uma coisa imaginária.

Portanto Deus existe e todos os ateus são tolos…


Mas os mesmos jogos de palavras e de raciocínios também servem para uma conclusão contrária:

1. A criação do mundo é o mais maravilhoso feito que se pode imaginar;

2. O mérito de um feito é o produto da sua qualidade intrínseca multiplicado pela capacidade do seu criador;

3. Quanto maior a incapacidade ou as limitações do
Criador mais impressionante é o feito.

4. A limitação mais colossal para um criador, seria a
sua não existência.

5. Assim, se supusermos que o universo é o produto
de um ser existente, podemos conceber um ser maior, nomeadamente, um ser que tudo criou, ainda que não exista.

6. Portanto, um Deus existente não seria um Deus
maior do aquele que seria possível de conceber
porque um criador ainda mais colossal e incrível
seria um Deus que não existiria.

Logo:

7. Deus não existe.

A vontade de provar a existência de Deus pode levar a argumentos deste género que fazem parte de uma lista de mais de 300 “provas” reunidas no endereço
http://www.godless.com/ das quais apresentamos algumas:

1. Argumento da devastação completa: Um avião caiu do que resultou a morte de 143 passageiros e da tripulação com excepção de uma criança que sobreviveu com queimaduras de terceiro grau.

Logo: Deus existe.


2. Argumento dos mundos possíveis: Se tudo se
tivesse passado de modo diferente, tudo seria
diferente. Isso seria mau.

Logo: Deus existe.

3. Argumento da pura verdade: Eu acredito mesmo
Em Deus! Eu acredito mesmo. Eu acredito mesmo em Deus!

Logo: Deus existe.

4. Argumento da não crença: A maioria da
população mundial não acredita no Cristianismo.
Era isto que Satanás queria.

Logo: Deus existe.

5. Argumento da experiência pós-morte: A pessoa X morreu ateia. Agora sabe que estava errada.

Logo: Deus existe.

6. Argumento da chantagem emocional: Deus ama-te.
Como podes ser tão cruel ao ponto de não
acreditares nele?


Logo: Deus existe.

A lista é de mais de trezentas “provas” que a avaliar pela qualidade destas que não foram escolhidas mas mencionadas a eito permite-nos concluir que se trata de uma simples brincadeira hilariante ou então de um certificado de estupidez do seu autor(s) passado a si próprio(s) ou aos outros.

No mínimo, uma incrível desonestidade intelectual inútil, já se vê, porque com estes argumentos em vez de conseguirem adesões à causa provocariam simples gargalhadas a menos que o auditório esteja completamente alienado.

Há algumas pessoas que são persuadidas a acreditar em Deus pelas provas bíblicas mas desde o séc. XIX que estudiosos de Teologia vêm demonstrando, de forma esmagadora, que os Evangelhos não são relatos fiéis do que aconteceu na história do mundo real.

Todos eles foram escritos muito depois da morte de Jesus e também das epístolas de Paulo, que quase não mencionam os pretensos factos da vida de Jesus.

O romance O Código da Vinci e o filme nele baseado despertaram grande controvérsia nos círculos da Igreja a ponto de se incentivarem os cristãos a boicotarem o filme tendo-se organizado piquetes nos cinemas onde era exibido.

Trata-se, de facto, de uma obra fabricada do princípio ao fim, uma invenção, uma ficção. Neste aspecto é exactamente como os Evangelhos apenas com uma única diferença: os Evangelhos são uma ficção antiga enquanto o Código Da Vinci é uma ficção moderna.

Finalmente, a Aposta de Pascal:

Blaise Pascal, matemático francês do séc.XVII apresentou um argumento a favor da existência de Deus.

Dizia ele:

- O melhor é acreditar que Deus existe porque se estivermos certos, habilitamo-nos a ganhar a felicidade eterna e, se estivermos errados, não vai fazer diferença nenhuma.

Por outro lado, senão acreditarmos Nele e estivermos errados somos condenados à maldição eterna, ao passo que se estivermos certos não faz qualquer diferença.

Este argumento parece ser de uma lógica indestrutível não fosse uma grande falha no seu próprio conteúdo, porque eu posso decidir ir à Igreja, posso decidir rezar o Credo e posso jurar sobre uma pilha de Bíblias mas nada disto me fará acreditar, se eu não acreditar de facto.

Portanto, esta aposta de Pascal, só poderia ser, quando muito, um argumento para se fingir a crença em Deus.

E era bom que o Deus em que afirmamos acreditar não seja do tipo omnisciente, caso contrário dar-se-ia conta da fraude.

Voltamos àquilo que dissemos no princípio deste texto:

“Cai-se” na religião porque:

- a) a recebemos por herança da nossa família e da sociedade;

- b) e porque existe em todos nós, nos nossos cérebros, uma predisposição para acreditar e já explicámos o porquê dessa necessidade de acreditar.

José Saramago diz que o Homem criou Deus e este desaparecerá quando o homem desaparecer.

Quanto a mim, não terá que ser necessariamente assim porque o homem não nasceu para a religião, apenas para acreditar naquilo que os seus pais, avós, pessoas mais velhas e sabedoras tinham para lhe dizer no interesse da sua própria sobrevivência e não julgo que a religião o tenha ajudado a sobreviver, bem antes pelo contrário.

domingo, maio 18, 2008

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