sábado, janeiro 16, 2016

O meu candidato

Eleições Presidenciais

















Se eu quisesse brincar com as eleições para Presidente da República diria que estava indeciso entre o Tino de Rans, calceteiro, e Marcelo Rebelo de Sousa, Prof. Universitário.

Não estou a desmerecer a arte da calcetaria, que é tão respeitável como outra qualquer, mas é lamentável que o sistema eleitoral se preste a brincadeiras em que é possível aparecerem candidatos que se aproveitem do acto eleitoral para ganharem notoriedade pública através de tempos de antena na televisão e nos jornais.

Fazem-me lembrar os “espontâneos” que surgiam de repente nas arenas e nos campos desportivos a fugir aos seguranças porque, na verdade, eles não eram dali.

Estes candidatos, como o simpático Tino das Rans, também não são dali mas como arranjam 15.000 “suspeitas" assinaturas aí os temos a retirar ao processo eleitoral para a Presidência da República a respeitabilidade que ele deveria ter.

Dizem que a democracia é assim, que deve permitir estas liberdades e devaneios... é a “alegria” do sistema, retira-lhe sisudez, é a nota da boa disposição... enfim!

Na verdade, depois da reeleição do Américo Tomaz, por ordens do Salazar, no tempo da “outra senhora”, com os seus célebres discursos: ... “ É a primeira vez que aqui venho depois da última em que aqui estive...” porque não o Tino de Rans?...

Vantagens da democracia, a diferença entre chorar com o Américo Tomaz, com cara de avôzinho e o sorriso ingénuo do Tino.

Estamos todos à espera do Marcelo para futuro Presidente – é o que continuam a dizer as sondagens -  e depois do sonso do Cavaco será uma conquista.

Contudo, não irei votar nele. Com tanto favoritismo à sua volta parece-me chover no molhado... Depois, aquela coisa de rezar o Terço enquanto nada no mar preocupa-me por soar a fundamentalismo ou exibicionismo religioso de que fujo a sete pés, embora tudo possa não passar de um arreigado formalismo católico com cheiro a catequese.

Temos, também, as suas ligações ao passado, das suas férias luxuosas da Passagem do Ano no Brasil com o seu amigo Ricardo Salgado, fugindo aos banhos de sol para não aparecer bronzeado ao seu público da TVI, que poderia ser mal interpretado, talvez como sinal de riqueza...

Pode, este comportamento, pela sua premeditação, revelar calculismo a mais, cobardia, e esse é um aspecto grave de carácter para um Presidente.

De resto, a sua ligação ao “império do BES” - a sua companheira ou ex-companheira fazia parte da Administração do Banco – sem que tal tivesse constituído qualquer obstáculo aos seus comentários sobre este assunto junto das centenas de milhar dos seus espectadores que o julgavam isento e neutral sem ligação alguma ao caso, não foi, igualmente, atitude de grande lisura, para não irmos mais longe em termos de adjectivo.

Tudo isto são razões que me levam a direccionar o voto para o candidato, relativamente desconhecido do grande público, Sampaio da Nóvoa.

Ele chega-me recomendado por três ex-presidentes da República: Eanes, Soares e Jorge Sampaio, todos eles figuras públicas que eu muito prezo e, consultando a história da sua vida nada no seu passado está em desabono do seu carácter.  


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Roubou-lhe a chucha mas ele adormeceu...



Inquérito - Quem é o maior português



António Zambujo - Fado Menor



Antonieta riu às gargalhadas...
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 54



















DE TERRENOS E CASAS À VENDA OU TIETA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS


Foi o dono do curtume que chamou a atenção de Tieta para a casa de dona Zulmira.

De braço com a esposa, dona Aída, Modesto Pires visitara a badalada conterrânea logo no dia seguinte ao desembarque, apressado em conhecer melhor a emitente dos cheques mensais que ele descontava.

Guardava leve lembrança da molecota a pastorear cabras, namoradeira, expulsa de casa pelo pai, regressando agora viúva e rica.


Admirou-lhe as carnes e a imponência, o requinte da peruca acaju, a saia aberta de um lado, refinamentos devidos à posição social e ao trato de São Paulo. Comparou-a com Carol, dois pancadões de mulher, diferentes uma da outra mas ambas fartas, densas, desejáveis mulheres para a cama.

Acompanhada de Leonora e de Ricardo, de batina, Tieta, dias depois, paga a visita. Modesto e dona Aída a recebem e tratam nas palmas das mãos; licor de jenipapo, bolo de milho, doce de banana em rodinhas, confeitos e bolachas de goma. 

Dona Aída esconda essas tentações, estou engordando a olhos vistos, vou virar uma baleia. Que nada, a senhora está óptima. Leonora regala-se com o doce de banana em rodinhas, Tieta promete:

- Depois lhe digo como se chama este doce aqui

Risos na sala. Modesto Pires comporta-se como homem do mundo, liberal:

- Se quiser dizer não se acanhe, dona Antonieta. Aída e o padrezinho tapam os ouvidos.

- Maluquice minha, sou uma estouvada. Me desculpe, dona Aída. O que quero pedir ao senhor, seu Modesto, é um conselho.

Homem rico, importante plantador de mandioca em Rocinha, criador de cabras e ovelhas, proprietário do curtume, de terras a perder de vista, na beira do rio, nas imediações de Mangue Seco, de várias casas de aluguel, entre as quais aquela onde Elisa reside, ninguém melhor do que Modesto Pires para aconselhar sobre casas e terrenos.

- Quanto a terreno em Mangue Seco, se desejar, eu mesmo lhe posso servir. Boa parte do coqueiral daquela área me pertence. Temos lá uma casa de veraneio, para receber os netos, só que não vêm.

Dona Aída não esconde a mágoa: apenas a filha mais velha, casada na Baía com um engenheiro da Petrobrás, aparece nas férias e traz os dois meninos.

O filho, médico, no interior de São Paulo, sócio de uma casa de saúde, casado com paulista, promete muito, nunca se decide. Tão pouco a filha mais nova; vive em Curitiba, o marido é paranaense, empresário, construtor de imóveis.

Para ver filhos e netos dona Aída tem de viajar, tomar o avião em Salvador, morre de medo. Antonieta simpatiza com a queixosa:

- A vida no sul é muito absorvente, ninguém tem tempo para nada. É por isso que quero comprar casa aqui e terreno na praia.

Ali mesmo acertam os detalhes sobre o lote em Mangue Seco, vizinho ao do Comandante Dário, adquirido também a Modesto Pires. Depende dela ver e gostar, naturalmente.

- Vai adorar, o lugar é lindo e está a salvo da chuva de areia. De lá para as dunas, um pulo, uma caminhadinha a pé, Boa para manter a forma.

- É bonito, sim – confirma dona Aída. – Tomara que a senhora venha sempre, assim aumenta a nossa colónia de veraneio. Daqui a uns dias estaremos lá. Logo que Marta e Pedro cheguem – refere-se à filha e ao genro engenheiro.

- Nós iremos com o Comandante, neste fim-de-semana. Estou contando as horas. Faz para mais de vinte e seis anos que não vejo a praia de mangue Seco.

Modesto Pires informa:

- Quanto à casa na cidade, sei que dona Zulmira quer vender a dela, até já mandou me oferecer. Não me interessei, comprar casa de aluguer em Agreste é comprar consumição. 

Os alugueis são baixos, as casas sempre precisando de conserto, o pagamento atrasa. Tenho algumas, vivo me amofinando com elas. Mas essa casa de dona Zulmira vale a pena. Construção boa, terreno plantado. Ela quer se desfazer para dar dinheiro à Igreja.

Tem medo que o sobrinho, se ela morrer, faça como os parentes do finado Lito que botaram causa na justiça, contestando o testamento pelo qual ele deixou tudo para o padre dizer missa.

Não sei a conselho de quem, dona Zulmira resolveu vender a casa e dar logo o dinheiro à Senhora de Sant’Ana. A velhinha só ocupa um pedaço da residência: um quarto, a cozinha e o banheiro, o resto trancado, se estragando.

- Onde ela vai morar?

- Tem uma casinha pequena desalugada. Vai morar lá.

- E quanto ela está pedindo, o senhor sabe?

- Já lhe digo – Modesto Pires vai em busca da pasta, retira um papel.

- Está aqui a quantia, escrita pela mão dela.

- Barato, não é?

- Para a senhora, talvez. Para Agreste razoável. Não digo que seja caro mas casa aqui não tem valor. Passe na rua e veja quantas ao abandono, em ruínas. Como diz minha filha Teresa, a que mora em Curitiba, Agreste é um cemitério.

- Um cemitério? Se Agreste, com este clima, esta fartura de frutas e peixes, essa água santa é um cemitério, o que se há-de dizer de São Paulo?

- São Paulo, dona Antonieta é uma grandeza, com aquele parque industrial, aquele movimento, aqueles edifícios uma potência. Que ideia a sua comparar Agreste com São Paulo.

Não estou comparando seu Modesto. Para quem quer ganhar dinheiro, São Paulo é a cidade ideal. Mas para viver, para descansar, gozar de um pouco de sossego, quando a gente cansou de trabalhar e de ganhar dinheiro…

- E tem quem se canse de ganhar dinheiro? Me diga, Dona Antonieta? Não sei de ninguém.

- Tem sim, seu Modesto – Tieta pensa em Madame Georgette, passando o negócio adiante, embarcando para França no auge dos lucros.

- Pois eu não acredito, me perdoe – Muda de assunto, - soube que a senhora mandou telegramas para São Paulo pedindo que Hidrelétrica nos forneça luz.

- Telegrafei para dois amigos do meu finado marido que me consideram. Pode ser que dê resultado.

- Deus permita. Estão falando que um dos dois foi o doutor Ademar, será verdade?

- É sim, dou-me muito bem com ele, lhe arranjei uns votos na última eleição. Filipe não votava nele, coisa de paulista metido a nobre. Mas se davam bem e comigo ele sempre foi muito atencioso.

- Para mim – sentenciou o dono do curtume – é um grande homem. Rouba mas faz. Se todos fizessem como ele, seríamos rivais do EUA. Não pensa assim dona Antonieta?

Nessas trincas de polícia, sou ignorante, seu Modesto. Lhe digo apenas que grande coisa é ter amigos. Felizmente, eu tenho.

- Se a senhora conseguir a luz da Hidrelétrica, o povo lhe vai entronizar no altar-mor da Matriz, junto com a Senhora de Sant’Ana.

Ideia tão estapafúrdia, Antonieta riu às gargalhadas.


Vinte Anos a Gostar Sempre da Mesma Mulher











— Há 20 anos que estou casado e gosto sempre da mesma mulher. 
— Mas que sorte tu tens! 
— Sim, mas não digas a ninguém. Se a minha mulher sabe, vai ser o diabo! 

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 156



















Quando a primavera chegou, Mem decidiu agir. Abu Zhakaria regressara a Santarém, vindo de Córdova e o almocreve falou finalmente com ele.

Na primeira vez trocaram impressões sobre comidas e tecidos, mas Mem insinuara-se, dando a entender que entrava com facilidade no castelo de Coimbra, o que interessou o atento cordovês.

Certo dia, em finais de Abril, este perguntara-lhe:

 - Quereis ganhar uns maravedis, jovem almocreve?

Mem rira-se, fingindo-se surpreendido.

- Tudo o que vier é bem-vindo!

Abu Zhakaria perguntara se os cristãos alguma vez o haviam prendido e Mem negara tal coisa, alegando que subia pelo Condado até ao Porto sem ser importunado a não ser pelos salteadores.

Se vos pagar fazeis um serviço em Coimbra? – perguntou Zhakaria.

Nessa conversa, o cordovês fora vago. Contudo, da vez seguinte perguntara-lhe se achava possível retirar da povoação três prisioneiros.

Espantado, Mem duvidara de tal ousadia, mesmo quando Abu Zhakaria afirmou:

 Podeis esconder gente entre os barris e as sacas.

Mem olhara para a sua carroça e concordara, embora tenha prevenido que os soldados vigiavam as portas da cidade, à entrada e à saída, obrigando-o por vezes a mostrar a mercadoria.

E à noite é possível deixar a cidade sem os soldados verem? – perguntara Abu Zhakaria.

Mem esclarecera-o. Para sul teriam de atravessar o Mondego, e as barcaças só transportavam carroças e pessoas durante o dia. Mas acrescentara, o mais custoso seria ir buscar os prisioneiros ao castelo.

Se estão nas masmorras, nunca lá chegarei sozinho!

Quando voltaram a conversar Abu Zhakaria dissera que as prisioneiras não estavam nas masmorras, antes numa casa junto à torre do castelo. Havia sentinelas a guardá-las, mas à noite era possível anulá-las.

Cheio de dúvidas, Mem franzira a testa.

Fui várias vezes a alcáçova e nunca lá vi prisioneiras. Há soldados mas... de quem falais?

Entre eles gerara-se uma certa cumplicidade, e já em Junho Abu Zhakaria revelou finalmente que desejava resgatar as três mouras.

- A Zulmira e as filhas? – espantou-se Mem.

Contou a Abu que já lhes vendera tecidos, embora nada tenha referido sobre os seus fortes sentimentos por Zulmira e Zaida.

Apenas revelou que estavam presas porque um homem as tentara matar! Abu Zhakaria semicerrou os olhos.

- Quem?

Mem ouvira dizer que se tratava de um guerreiro feroz, um  fedayn enviado pelo califa Ali Yusuf.

Ao que sabia as mouras eram filhas de um antigo governador de Córdova, e por alguma razão desconhecida o califa queria matá-las.

Abu Zhakaria olhou-o demoradamente.

- Somos amigos? – perguntou?

O almocreve confirmou e o cordovês narrou a história de Taxfin e de Zulmira, os dois cercos do califa a Coimbra, a prisão das mouras pelos cristãos, a maldade de Ali Yusuf, obrigando Taxfin a ir-se embora sem elas e a combater a seu lado muitos anos, e por fim o regresso de Taxfin a Córdova ferido e incapaz.

Fora lá que se prepara a expedição do resgate, e por isso Abu Zhakaria estava em Santarém.

O cordovês confirmou igualmente a terrível ordem do califa de matar toda a família de Zulmira, já cumprida em parte.


sexta-feira, janeiro 15, 2016

Do Rovuma ao Maputo

Moçambique

























Saí de Moçambique em Setembro de 1975, pouco tinha passado ainda da sua independência, a 25 de Junho. Nesse dia saí da cidade da Beira onde vivia porque haveria, de certo, festejos e não quis estar presente.

Tinha colaborado na organização das Festas, a pedido do Governador Cangela de Mendonça, mas havia estados de espírito muito diferentes entre os moçambicanos e eu tinha o pressentimento de que esses Festejos seriam o prelúdio de confusões sociais.

Mais de quarenta anos passaram sobre essas datas e o problema mais grave, para além da crónica dificuldade do desenvolvimento económico e criação de riqueza, e depois de uma guerra civil de 1977 até 1992  que custou um milhão de mortos, em combate e fome, continua a ser o problema político, que embora tenha muitas justificações, radica numa questão comum a todos os territórios colonizados e que ascenderam à independência dentro das fronteiras traçadas pelos países colonizadores.

Essas fronteiras, muitas traçadas a régua e esquadro, uma delas por Gago Coutinho, que eu percorri de jeep, no leste de Angola, chegavam ao ponto de separar os habitantes de uma mesma aldeia, não levaram em linha de conta, como se percebe, a organização social e política das populações instaladas no território.

Era, pois, um problema que estava na sua génese, nas suas fronteiras, que eram da responsabilidade das potências colonizadoras e, portanto, artificiais para as suas gentes.

Em Moçambique, senti o problema do tribalismo, advinhava-se a guerra que nem Samora Machel com o seu grande carisma de líder político,  visível no brilho do seu olhar que eu tive oportunidasde de conhecer, conseguiu evitar.

Percebi que os “colonialistas”, que éramos nós portugueses – nãon havia lá outros – foram servindo durante algum tempo como “inimigo” comum para desviar o problema das rivalidades tribais mas, era evidente, que depressa se esgotaria.

Tínhamos ali duas partes que se apresentavam como inimigas: uma, a Frelimo, liderada por Samora Machel, apoiada no ex-bloco da União Soviética e pela Tanzânia e a outra, a Renamo, que reivindicava o Centro e o Norte do território, liderada por Afonso Dlhakama apoiado, inicialmente  pela Rodésia, África do Sul e Malawi.

Passou a guerra, fez-se a paz e hoje, passados mais de 40 anos, continua a ler-se como notícia: “Dhlakama vai tomar o poder?”... e a principal preocupação do governo do país  é protegê-lo de um novo conflito militar apostando tudo no diálogo com o líder da Renamo.

Do extremo Norte, foz do Rio Rovuma até à Ponta do Ouro, a Sul, são mais de dois mil quilómetros o que ajuda a explicar a diferença dos povos e a influencia do tribalismo nos partidos políticos do país que teima em voltar sempre ao de cima.

O ano de 2016 irá ser de alto grau de incerteza, diz José Macuane, analista e Prof. de Ciência Política... tal como o era em Setembro de 1975, quando saí da cidade da Beira, há mais de 40 anos!



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Descansando, literalmente, sobre os antepassados...



Mixórdia de Temáticas - A história mais triste...



António Zambujo - "Uma Vez que seja"...



A fama da riqueza e generosidade de Tieta alastra...
Tieta 

do Agreste
(Jorge Amado)



EPISÓDIO Nº 53

















Os pobres, inumeráveis, vêm a qualquer hora, não passam da sala de jantar; a de visitas, Perpétua, reserva aos graúdos. 

Cada pobre, uma história triste, uma súplica, um pedido. A fama da riqueza e da generosidade de Tieta alastra-se como erva ruim, veleja nas águas do rio, viaja nos lombos dos burros, alcança as fronteiras de Sergipe.

Perpétua franze a testa, não tolera abusos nem esbanjamentos.


- Não posso ver ninguém necessitado, passando fome – declara Tieta.

- Sei o que é precisão, dói em minha carne.

Perpétua, apesar da chaleirice, não se contém:

- Não digo que não ajude um ou outro infeliz. Margarida, que o marido largou na cama, de barriga aberta, vá lá, não pode trabalhar. Calo minha boca. Mas David, um batoteiro, cabra ruim que nunca pegou no pesado, não merece esmola.

Só sabe beber cachaça e roncar na beira do rio. É até pecado ajudar a preguiça, a vagabundagem. O melhor benefício que se pode prestar a essa gente é rezar por eles, pedir a Deus que lhes indique o bom caminho.

Quem mais pratica a caridade sou eu: rezo por eles todas as noites. Ainda ontem você deu dinheiro a Didinha. Uma perdida com aquele renque de filhos, cada um de um pai e ainda por cima uma ladrona. Dona Aída teve pena, tomou de empregada, pegou roubando na dispensa…

- Feijão para dar aos filhos, Perpétua tenha piedade. Havia de deixar os pobrezinhos morrerem de fome?

- Não os tivesse. Na hora de deitar com o primeiro que aparece não pensa no futuro, só na descaração, Deus me perdoe – a voz sibilina em nojo e reprovação.

- Nessa hora, Perpétua, ninguém pensa em nada, não é? Não dá mesmo… - ri Antonieta – Você foi casada, sabe disso, não sabe? – espia a irmã, um sorriso de galhofa.

- O dinheiro é seu, faz com ele o que quiser, não tenho nada com isso. Mas que me dá pena esse desperdício, me dá, não nego.

- Lá isso é, minha filha. Uns aproveitadores. Sabem de seu bom coração, abusam. Por mim metia eles todos na cadeia, é o que merecem. – Zé Esteves, por uma vez, de acordo com Perpétua.

Todas as manhãs o Velho passa para botar a bênção à filha pródiga: Deus te abençoe e aumente minha filha. Resmunga um Deus te dê a bênção para Perpétua, outro para Elisa, se a mais nova está presente.

Relanceia o olhar pela sala onde conversam – numa rede na varanda, Leonora escuta os trinados do pássaro sofrê oferecido por Ascânio. Zé Esteves pousa o olhar em Perpétua, em Elisa, prossegue:

- Só querem lhe explorar. Todos. Sem excepção. Tome tento. Se você continuar de mão aberta, roubam tudo – refere-se aos pedintes?

Os olhos em Perpétua, em Elisa, masca o naco de fumo de corda. – Não está vendo dona Zulmira, toda devota, vive na Igreja papando hóstia. Na hora de dizer quanto quer pela casa, como é para você pede um absurdo. Quem falou certo foi Modesto Pires: um roubo. Essa gente que vive metida na Igreja…

Perpétua faz que não ouve, contida pela presença de Tieta. O Velho está pondo as manguinhas de fora, pela vontade dele a filha rica não ajudaria sequer as irmãs, os sobrinhos.

Velho ruim como a necessidade. Vive agora na perspectiva da mudança para casa confortável em rua decente, a ser adquirida por Tieta para os dias da velhice.

Enquanto ela não vier, Zé Esteves e Tonha desfrutarão sozinhos, isso já está assentado. Não será tão breve que Antonieta, guapa, transbordante de vida, deixará o fausto de São Paulo para enterrar-se em Agreste. É muito mulher para casar de novo e aí então não virá nunca.

Nesse caso Zé Esteves ficará de dono, refastelado, de papo para o ar, com criada para cuidar da casa, mesada larga, tendo de um tudo, que encomendou a Deus.

Fazendo economia, pode até pensar em adquirir um pedacinho de terra e um par de cabras e recomeçar a criação. No mundo, não há coisa melhor e mais bonita do que um rebanho de cabras nos outeiros.














Ao final do primeiro round, o lutador de boxe (todo arrebentado)  pergunta ao treinador :  

- Como está a luta ?

- Se você matar ele , empata !

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 155

















Santarém, Junho de 1127


Aquele fora um inverno longo de mais, chuvoso de mais, destrutivo de mais.

Por todo o Condado viam-se ainda mais mendigos pelas estradas, rumando às cidade de Coimbra e Viseu.

Perante a penúria, os lavradores queixavam-se, os pescadores queixavam-se e Mem também se queixava, nas suas permanentes viagens pelo Condado Portucalense e pelas terras árabes, mais a sul.

Além disso, andava sorumbático pois ao longo de nove meses só por uma vez só por uma vez vira as suas amigas mouras.

Fora numa tarde de Março, Mem entrara na cozinha do castelo de Coimbra para entregar uma encomenda, e dera de caras com elas, sentadas numa mesa, à espera do pão que cozia no forno.

Zulmira corara e Zaida rira-se, mas nenhuma o abraçara com receio de que qualquer intimidade fosse reportada a Dona Teresa como suspeita.

- Ó belo Mem, sede bem vindo! Saudara a anafada padeira. Ao lado desta uma rapariguita perguntara se ele ficaria essa noite no barracão onde se instalava.

O almocreve negara e ela parecera desapontada, enquanto Zulmira franzia a testa e a padeira comentara, dirigindo-se à criadita:

 - Vê lá se ainda ficas prenhe, e depois guinchas como a rainha!

A jovem serviçal ripostara que Dona Teresa não gritara de dor, mas sim de raiva por ter dado à luz Sanchinha de Trava e não um varão!

Ficou tão zangada que expulsou a parteira de Coimbra!

Quando finalmente as águas haviam rebentado, a criadita ouvira Dona Teresa urrar «é menino? é varão?», de pernas abertas bufando e fazendo força para expulsar a criatura mais depressa, tal era a urgência de lhe conhecer o sexo.

A berraria transformara-se em espasmos de desagrado quando a mãe percebeu que lhe nascera uma rapariga!

O Trava insultava as criadas, culpando-as, e Dona Teresa recusara-se a pegar na recem-nascida, tal a sua frustração.

- Ainda assim, só berra! – afirmara a rapariga.

A padeira deitara-lhe um olhar crítico e exclamara:

 - E vós quereis berrar também daqui a nove meses!

Zulmira fulminara Mem com o olhar, mas este abanara a cabeça, negando que alguma vez estivesse estado, ou fosse estar, com a rapariguita.

Infelizmente nesse momento um soldado entrou na cozinha e ordenou às mouras que o acompanhassem. De cabeça baixa, Zulmira e Zaida, haviam-se limitado a acenar um adeus a Mem.

Depois disso, o almocreve não as voltara a ver, e quase todas as noites recordava com emoção, o intenso momento que vivera nos banhos de Coimbra.

Embora se entretivesse com outras mulheres, (obviamente tinha estado com a criadita) acabava sempre a pensar em Zulmira e na Zaida, e foi-se convencendo que se encantara pela primeira vez na vida, e logo por duas mulheres ao mesmo tempo.

No passado aquele sortudo folgara com solteiras ou casadas, moçárabes ou cristãs, novas ou velhas, mas quando as deixava não sentia admiração por nenhuma.

Desta vez, era diferente, sentia-se muito saudoso. Com o passar dos meses, Mem desenvolveu uma forte raiva contra Dona Teresa e Ramiro, que considerava responsáveis pela prisão das mouras.

A injustiça da situação torturava-o e começou a desejar que algo acontecesse.

Foi assim que ele justificou o que fez depois. Não o absolvo mas consigo compreendê-lo.

quinta-feira, janeiro 14, 2016

                  Melhor os respeitasse em vez de apaparicá-los!...
Carrilho

e Bruno

de Carvalho















Sou do Sporting Clube de Portugal há mais anos do que o Bruno de Carvalho tem de vida o que, em si, não é nenhuma avaria, mas significa que ao longo de todos esses anos conheci muitos Presidentes.

Nesses tempos, ainda não havia a Juveleo, clak organizada do tempo do Presidente João Rocha para dinamizar o clube mas, sendo o futebol assunto de paixões, sempre me lembro de adeptos destemperados da cabeça.

Nunca mais esqueci um, no velho Estádio José Alvalade, o que tinha a pista de atletismo, dado o carácter ecléctico do meu Clube, prestes a saltar para a pista de atletismo para invadir o campo de futebol, não sei se para bater no árbitro ou nos jogadores, enquanto cá em baixo, esperava-o um polícia já armado com o cassetete e uma miúda, que devia ser a filha, procurava travá-lo puxando-lhe pelas calças.

O Presidente do Clube, se estivesse a assistir, estaria com certeza no Camarote Presidencial, como pertence e teria, de longe, visto esta cena tresloucada mas que era, então, casos isolados.

Hoje, o Presidente Bruno de Carvalho, vai para o banco dos suplentes assistir aos jogos, mas ainda tenho esperança de o ver atrás da baliza a apanhar bolas.

O lugar que escolhe revela o seu nível como pessoa que “saltou” da bancada da Clack para presidente do Clube com os votos da Juveleo.

A sua falta de estofo e desnorte nas palavras, levou-o agora a pronunciar-se numa entrevista, relativamente ao jogador Carrilho, da seguinte forma:

 - “Se não tivesse existido o Sporting na sua vida possivelmente nem jogaria futebol, estaria jogar numa rua qualquer do Peru... fizemo-lo crescer, educámo-lo, vestimo-lo, alimentámo-lo...”

E tudo porque o jogador não quer renovar com o Sporting o contrato que termina dentro de uns meses.

Carrilho é o jogador mais virtuoso da equipa da qual está afastado por castigo e se me perguntassem, na qualidade de sportinguista, se queria que ele continuasse através de novo contrato, é óbvio que sim. Se tenho pena que ele se vá embora, com certeza, mas um contrato é um contrato, estabelece, preto no branco, uma data em que começa e outra em que acaba.

Finda a relação contratual cada uma das partes, das duas, uma: ou segue cada uma o seu caminho, ou decidem fazer novo contrato.

Bruno de Carvalho, “distinto” presidente do meu Clube, descobriu uma terceira via: injuriar e humilhar a outra parte, neste caso concreto, o jogador Carrilho, a quem nunca ouvi dizer uma palavra, mas que se recusa a novo contrato com o Sporting.

Mais uma vez, sabemos todos, que o futebol é uma actividade profissional especial, se quiserem, porque dominada por paixões e emoções mas elas não podem justificar tudo, especialmente quando se trata de um presidente que tinha a mais elementar das obrigações de saber controlar as palavras e os discursos em momentos em que as coisas não acontecem como ele desejaria.

Bruno de Carvalho fez do Sporting Clube de Portugal uma rampa de lançamento para as suas vaidades, egos e complexos.

Pessoalmente, no lugar do Carrilho, recusar-me-ia a fazer novo contrato com semelhante entidade patronal!...

Bruno de Carvalho irá desaparecer quando lhe faltar o Sporting... o meu Clube continuará sempre.

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É isto mesmo: a mulher é como o tronco de uma árvore. Pensem bem: faz-nos nascer, espalhando as sementes, ampara-nos em criança quando subimos aos seus troncos, dá-nos sombra e protecção em crescidos e na velhice aquece-nos e faz-nos companhia ardendo na lareira. Finalmente, são suas as tábuas do nosso caixão!




Gato Fedorento


Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 52

















BREVE ESCLARECIMENTO DO AUTOR SOBRE PROFECIAS E ENXÔFRE

Houve quem quisesse descobrir na arenga do beato Possidónio sobre o próximo e inevitável fim do mundo referências proféticas à indústria do dióxido de titânio.

Quando, por exemplo, o iluminado aludiu ao enxofre procedente dos infernos para destruir a terra e a humanidade não citou claramente os objectos não identificados, vistos em Mangue Seco? Naves de gás?

Conotações, existem, não há dúvida. Em tempos de tanto misticismo, o melhor é não negar nem discutir. Os profetas multiplicam-se, exibem-se na rádio e na televisão. Ao contrário do beato Possidónio, não se contentam com escassa esmola. O beato Possidónio é profeta antigo, produto semifeudal, perdido no sertão, ainda não percebeu as maravilhas da sociedade de consumo.

Não se dá conta de que nas mini-saias lavamos a vista condenada à cegueira pela poluição. Quanto ao enxofre é produzido nos Estados Unidos, nação privilegiada, não se faz necessário importá-la dos infernos.



DE PEDINTES E ABUSOS, DE AMBIÇÕES – CAPÌTULO DE MESQUINHOS INTERESSES


Alegre alvoroço, na feira e em todo o burgo, nascido da presença em Agreste de Tieta e da enteada, formosa e virginal. Tão meiga, lembra a Ricardo, a noiva predilecta do Senhor, Santa Teresinha do Menino Jesus, apesar da mini-saia, do transparente cafetã e dos shortes ousados.

Mesmo acompanhando as indecentes modas actuais, percebe-se na suave Leonora o odor da castidade, o encanto da inocência.

Após o passeio na feira, Elisa ameaçara vestir a mini-saia trazida por Tieta, em solidariedade e desagravo a Leonora – ou em competição? Astério se opôs, contou com o apoio de Perpétua:

- Podem-me chamar de atrasada; sou contra, pelo menos aqui

Em São Paulo, pode ser. Aqui o povo não aceita, acha imoral. 

Eu também para ser franca – a voz esganiçada, estridente, soprando as labaredas do inferno.

- Por mim, dona Perpétua, fique descansada. Nunca mais uso. Não quero ser responsável pelo fim do mundo – promete a mansa Leonora num fugaz sorriso.

- Não lhe estou censurando, sobrinha, você não teve culpa.

Não deseja ofender a querida parenta, sobrinha por adopção. 

Sobrinha, sim, pois enteada da irmã, filha do cunhado industrial e comendador do Papa, herdeira rica. Pena os meninos serem tão novos, quem está rondando a bolada é Ascânio, não parecia tão esperto.

- Sei que você não fez por mal sua boba. Em São Paulo, nos Estados Unidos, nessas terras onde só tem protestante, não digo nada. Mas aqui ainda se cumpre a lei de Deus.

Conversa aparentemente sem consequência mas, por detrás da alegria a rodear Tieta, existem esperanças, planos, alguns audazes.

Reunido em torno à filha pródiga, o clã dos Esteves se desdobra em bajulação às paulistas, escondendo sob o manto da paz familiar uma efervescência de inconfessáveis ambições, de furtivas diligências. Entreolham-se, com suspeita, uns dos outros.

No correr da semana, sucederam-se as visitas, uma romaria. 

Os importantes do lugar, colegas de Astério, a professora Carlota, seu Edmundo Ribeiro, colector, Chico Sobrinho com a esposa Rita, por coincidência acompanhados por Lindolfo Araújo, tesoureiro da Prefeitura e galã – um dia ainda se enche de coragem e irá tentar a vitória num programa de caloiros na televisão, em Salvador. Vieram o doutor Caio Vilasboas, circunspecto, falando difícil, metade médico, metade fazendeiro, se fosse viver de clínica em Agreste, terminaria pedindo esmola aos sábados, e o coronel Artur de Tapitanga que demorou a tarde inteira conversando. 

Conhecia Tieta de quando ela, meninota, pastoreava as cabras do pai em terras vizinhas às suas, aliás hoje suas, compradas a Zé Esteves. Fez elogios à beleza de Leonora: parece como uma estatueta de biscuit que antigamente tinha na casa grande, quebrou-se.

Fosse ele ainda jovem, na sustança dos setenta, e lhe proporia casamento, mas aos oitenta e seis não quer correr o risco. Por mais honesta que a moça seja, há perigo de chifre.

Ria numa catarreira grossa, puxando a fumaça do charuto. 

Único a faltar, o prefeito da cidade, Mauritônio Dantas, ausência explicada por Ascânio Trindade por ocasião do desembarque: o digno mandatário vive confinado em casa, de miolo mole desde a deserção da mulher, Dona Amélia de apelido Mel, activíssima militante da revolução sexual.


Mãos geladinhas !


















Dois jovens namorados foram passar um fim de semana na montanha, durante o inverno.
À tarde, o rapaz foi à procura de lenha para fazer uma fogueira. Quando voltou disse à namorada:

- Querida, tenho as mãos geladas!

A namorada respondeu-lhe:


Põe-nas entre as minhas pernas. Elas aquecê-las-ão!

No dia seguinte, ele foi outra vez procurar mais lenha para a fogueira e, quando regressou, disse outra vez:

- Querida, tenho as mãos mesmo geladas!


Respondeu a namorada de novo:


Põe-nas entre as minhas pernas. Elas aquecê-las-ão!

Depois do jantar, para criar um melhor ambiente, ele voltou a ir procurar mais lenha e quando regressou, disse outra vez:


- Querida, tenho as mãos geladinhas!

A namorada, já enfadada, respondeu-lhe:


- Pelo amor de Deus, homem!!  Será que nunca mais te chega o frio às orelhas?



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