sábado, fevereiro 25, 2017

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Felizmente os militares deram lugar aos políticos...
Verão 

Quente

de 75














Não sei porquê, lembrei-me hoje deste período e dos tempos que se lhe seguiram. Não vivia em Portugal, estava na cidade da Beira, como funcionário público, a quando do 25 de Abril.

Regressei ao país logo após esse período mais “quente”, quando percebi que depois da independência de Moçambique, a situação naquele território, não obstante a vontade de Samora Machel ser favorável à presença dos portugueses por razões que depressa seriam, mais que percebidas, sentidas, mas que no momento não eram compatíveis com a nova dinâmica política e social de um país sedento da sua independência recém adquirida e passada para a esfera da Rússia comunista.

Aos olhos dos moçambicanos, mais que portugueses, nós éramos os colonialistas... Só nos restava regressar ao país embora essa decisão se tenha revelado dramática para muitos ali nascidos ou há muitos anos residentes com vidas montadas. Os mais velhos e fracos sucumbiram, alguns de nostalgia, outros pondo mesmo fim à vida.

Tinha acabado uma época, um tempo, ia começar outro, e estes períodos de transição são de extrema dificuldade para quem os vive, de consequências imprevisíveis, um enorme desafio, e se uns não conseguiram responder, outros aproveitaram a própria dinâmica do regresso para relançar as suas vidas com vantagens para si e para o próprio país que estava então em marasmo.

Lembro, a título de exemplo, que fui obrigado a dormir num pequeno quarto interior com a televisão, ainda a preto e branco, aos pés da cama, numa situação de favor em casa de pessoa de família, e recordo a revolta sentida pelo contraste, de uma hora para a outra, da minha outra casa deixada na marginal da cidade da Beira em Moçambique, onde nada me faltava.

Mas essa revolta foi transformada em energia, não em desânimo. Nos anos seguintes, ao fim de um processo longo, de um “antes quebrar que torcer”, estava eu a entregar as chaves de 96 casas a outras tantas famílias, de um total de mais de 400 que lá estão, para poderem ser vistas por quem desce a Avª Bernardo Santareno, do lado direito, a caminho do Hospital Distrital. Para mim, afinal, não tinha sido preciso nenhuma porque acabei por comprar à minha sogra de então a casa onde, até ao momento, vivia como inquilino.

Foi um desafio ganho, uma satisfação interior que encontrou eco no desabafo de um técnico do Fundo Fomento de Habitação que acompanhou o processo ao longo dos anos e terá dito: “só o Paula de Matos é que conseguia isto”... desculpem-me a auto-elogio.

Na realidade, outras iniciativas de Casas de Cooperativas de Habitação Económica, pelo menos no distrito de Santarém, acabaram por ficar pelo caminho por desentendimentos entre as pessoas que lideravam esses processos.

Não é fácil mandar, em tempos revolucionários. Quem levasse a cabo, sozinho, qualquer iniciativa era considerado um anti-democrata, fascista, suspeito de querer ser patrão, chefe, quando, em termos de atletismo, se dizia por graça, que as estafetas eram as corridas por excelência porque ou ganhavam todos ou perdiam todos... nunca vencedores individuais, esses eram suspeitos.

Eu por, exemplo, fazia-me sempre acompanhar de um grande amigo, reformado dos Caminhos de Ferro de Benguela, já falecido, que gostava de mim como se fosse seu filho, e que fazia parte da Cooperativa como o sócio Nº 2, desempenhando as funções de secretário. Era o “homem dos papéis”, o “velho” e grande amigo, Sr. Garcia.

Um técnico superior do FFH deslocou-se, um dia de Lisboa a Santarém, sem se fazer anunciar, a uma reunião da Direcção da Cooperativa de Habitação Económica Lar Scalabitano, a que eu presidia, para poder testemunhar o que se estava passando na realidade.

Finda a reunião, já noite dentro, regressou a Lisboa, desabafando, primeiro: - “Afinal, nunca vi nada de mais democrata!”.

Cuidado com os tempos revolucionários, eles mesmos, são inibidores para os cidadãos normais. Recordo ainda, na cidade da Beira, ter visto  um“revolucionário” que passeava na rua, presos por um cinto, livros do Lenine e de outros consagrados autores da Revolução Russa, numa espécie de aviso: 

- “Não se metam comigo, respeitinho, que eu sou revolucionário...”.

Mas porque me havia hoje de lembrar de tudo isto?...

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

           Mixórdia de Temáticas - A propósito do carnaval


           

         Nunca me cansarei de ouvir esta canção numa das mais lindas vozes - Neil Diamond, um dos reis das músicas bonitas.



             

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Mar me quer
(Mia Couto)





Episódio Nº 19


















E fui, pé ante-pé, até ficar por detrás de Henriquinha, até sentir o ofegar dela. Aquele respirar me criava a ilusão de que ela se havia cansado comigo, seu corpo aquecido em fogo do meu sangue. Precisava afastar, num súbito, aquela vertigem.

Empurrei-a, não escutei nem grito nem baque do tombo, vindos das rochas em baixo. Apenas a estridência de gaivota roçando o barranco.

Henriquinha tombou? Foi engolida pelo mar?

Nos seguintes dias regressei à Duna Vermelha, milimetrei grutas e areias à procura de um sinal do corpo de Henriquinha. Nada. Só ausência. Para mim aquilo doía mais que uma morte, dessas tratadas com enterro e cerimónia. Se eu fosse homem de inteiro juízo, estaria ainda hoje retorturado, despedindo-me infinitivamente de Henriquinha.

Mas não. Para mim aquilo não se aconteceu. É como o futuro: existe mas não há. Se sucedeu foi para, no mesmo instante, transitar para outra vida, outra memória que não me pertence.

Única coisa: Dona Luarmina é esse grito de gaivota, no exacto despenho de Henriquinha. Me persegue essa aguda piação, me rasga as cicatrizes de uma ferida que nunca senti. A senhora me pergunta porque motivo eu ando perseguindo essas aves?

Me entende, Dona Luarmina?



Todo aquele tempo, a vizinha escutara sem se mover, rosto tombado em sombra. Quando terminei ficou em silêncio até que Luarmina me perguntou:

- Era esse o seu segredo?

- Era.

Então, ela levantou o rosto e me enfrentou. Os olhos dela nem eram de raiva. Pareciam vazios, vagos. Como se minhas palavras lhe tivessem trazido incurável cegueira.

- Vá lá atrás, no quintal, ver o que você fez.

- Desculpe, Dona Luarmina, não posso ir.

Ela, então, se debateu com o seu próprio corpo, em esforço de se levantar. As madeiras do assento reclamaram. Com Dona Luarmina, todas as cadeiras eram de balanço. Sem ajuda, ela lá se ergueu e, depois me estendeu a mão:

- Venha comigo.

Contrariado, segui-a. Sem alma fui atrás do andar custoso dela até à gaiola. À minha frente, escudando-me da culpa, estavam as costas de Luarmina. Seu volume encobria a visão do mundo.

- Veja.

Me mantinha por detrás dela, feito um miúdo perante a chegada da sova. Ela insistia mas eu, cabisbaixo, capinava o chão com a minha vergonha. Até que, súbito, escutei um remurejar de asa.

Aquele som chapinou a minha alma de lembrança, como se fosse uma desabação dos mundos.

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Club de

Portugal



















O Sporting Clube de Portugal defrontou-se ontem a si próprio através do debate entre os dois candidatos às próximas eleições, no dia 4, a Presidente da Direcção.

Falou-se em tom baixo e cordato porque a assistência não gosta de “peixeiradas” pouco próprias de um Clube selecto, cujos terrenos foram doados pelo Visconde José de Alvalade e, portanto, de acordo com tais pergaminhos, foi preciso temperar a agressividade dos argumentos com as regras da boa educação próprias de pessoas de alto nível social.

Nestes debates, às vezes, tão importante como aquilo que se diz é a forma como se diz e, neste aspecto, ambos os entrevistados se portaram muito bem especialmente Bruno de Carvalho conhecido pelo Trump da 2ª Circular.

Pessoalmente, eu que sou sportinguista mas alérgico a este personagem complexado e trauliteiro com voz de barítono, que saltou das bancadas da claque da Juveléu para a Presidência da Direcção em momento de grande desespero financeiro do Clube, espero, agora, que ele perca as eleições para me poder reconciliar com o meu Sporting.

Do que se disse, o mais importante foi à volta do seu polémico treinador Jorge Jesus, o tal que quando a equipa ganha a vitória é dele e quando perde são os jogadores, o que diz tudo sobre o seu carácter.

O actual Presidente, que de ética sabe pouco, convidou o treinador J. Jesus, funcionário do clube, para fazer parte da Comissão de Honra da sua candidatura e, entretanto, fez-lhe um contrato de 20 milhões de euros para os próximos três anos que, no caso de vir a perder as eleições do próximo dia 4, passará para a responsabilidade do novo Presidente, como é bem de ver.

A parte interessante desta situação é que o candidato ao cargo afirma que, sendo eleito, a sua primeira medida será despedir o treinador Jorge Jesus ficando o contrato dos 20 milhões como assunto a resolver nos Tribunais, já que ele afirma ter os seus argumentos, não sabemos se jurídicos ou financeiros... enfim, coisas próprias do futebol, especialmente nos tempos que vão correndo em que o dinheiro no futebol parece ser água.

quinta-feira, fevereiro 23, 2017

                  Mixórdia de Temáticas - Férias de Sonho


                 

              Quando Picasso viu estas imagens da autoria do Homem de Cro-Maghon encontradas numa gruta no Sul de França teria dito: -  "Eles já sabiam tudo, não tinham nada a aprender connosco...


                       

Não há que errar. Para chegar ao sol basta seguir a linha de Caminho de Ferro.



Mar me quer
(Mia Couto)



Episódio Nº 18









O povo se juntava para tirar proveito daquela visão. Ainda hoje me custa lembrar quanto eu me insujeitava a tais vexames.

A mulher andava a brincar ao gato sem rato? Que deveria eu fazer? Me deixei ficar quieto sentado em sombra sempre fingindo certificar-me do estado do mar, a ver se a cabeça carregava uma ideia.

Um feio dia me chegou a direcção. Eu lhe devia seguir, sem que ninguém notasse. Organizei assim: aldrabei o calendário. Arranjei um de um ano muito transacto, afixei ali nas vistas da parede da cozinha. Henriquinha, nessa manhã, me inquiriu o dia que era.

- Não sei, mulher. Veja no calendário.

Ela espreitou. A voz, admirada, chegou-me ao quarto:

 - Afinal, hoje é Domingo?

No princípio, ela insistiu que havia engano. Não podia ser domingo. É, respondi eu, os domingos são assim, são iguais aos dias da semana mas só que de gravata. É verdade, Henriquinha, a gente nem dá pela semana e já estamos numa outra.

Que vida esta, de pescador, que não tem dias nem marés! E mais isto, menos aquilo. Falei muito para a distrair.

- Ainda você tem sorte, Henriquinha. Seu tempo começa sempre a horas certas, levanta e põe, deita e acorda. Agora, para mim, o meu sol é o mar. Sabe-se lá o quando dele?

Henriquinha parecia nem ouvir. Foi ao guarda-fato e retirou o cerimonioso vestido negro.

- Vai sair?

- Esqueceu-se que nos domingos sempre cumpro obrigação de Deus?

Cá dentro, sorri. Ela tinha caído. Ainda me ocorreu, por instante, um peso de culpa. Ainda pensei em desarmadilhar o momento. Mas a alma foi-me mais forte que o sentimento. E lá fui atrás da mulher, em cuidadosa perseguição, atrás de muro, moita, arbusto. Até que chegamos ao barranco de terra vermelha.

Henriquinha parou-se no limiar onde o abismo se despenha até à praia, bem junto à rebentação. Fiquei espreitando.

Àquela hora não havia ninguém. Talvez porque não era domingo, ninguém esperava o espectáculo dela àquele dia.

Henriquinha, então, começou-se a ondear parecia uma dança, em baixo de uma música que só ela escutava. De costas para mim, ela rebolinhava-se de prazer, como se uma invisível chuvinha tombasse sobre ela.

Começou a puxar o vestido até meio do corpo, a cintura dela espreitava entre a luz e as mãos. Depois foi afastando os panos que lhe cobriam. Cada veste caía no chão parecia folha morta tombando na minha surpresa.

Me veio, então, junto com a raiva, um baboso desejo daquela mulher. Como se nunca lhe tivesse visto nem tocado, como se ela fosse mulher inatingível. Ainda pensei: vou lá, me despenteio com ela, desato um namoro de afiar carne.


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Prof. Soromenho Marques
O Inferno dos

mentirosos


convictos















Sigo sempre com atenção a opinião de Viriato Soromenho Marques, Prof. Universitário, sobre política internacional, nomeadamente, a americana, a que comanda o mundo.

Trump é agora o seu representante e talvez o pior de quantos já geriram os seus destinos talvez, exatamente, por querer parecer forte e bom.

Veio do mundo dos negócios, do espetáculo, do entretenimento e de outros, cerca de 500 empresas ao todo por esse mundo fora com o nome de Trump. Homem do show business, pouco culto, de vocabulário reduzido, matraqueia as que sabe e mais lhe interessam, tendo começado por transformar a Sala Oval da Casa Branca num imenso palco de reality show global.

Trump não é homem que se perca com considerações ideológicas que ele não domina. Prefere os detalhes, atentados imaginários na Suécia, número de votos no Colégio Eleitoral, dimensão do número de pessoas que assistiram à sua investidura comparada com a de Obama...

Sobre todos estes temas ele estabelece a “sua” verdade com o maior dos à vontades e à dimensão do seu narcisismo insaciável.

Trump fabrica a mentira fazendo dela o seu negócio. De resto, a mentira esteve sempre presente na política. Estaline, por exemplo, chegou a cortar das fotografias da Revolução Russa, a figura de Trotsky   porque não lhe convinha.

Trump acredita que se tiver uma vontade suficientemente forte as convicções daí resultantes acabarão por se materializar. Para ele não há causas, apenas choques de vontades.

- Alterações climáticas? - Estagnação económica? Só podem ser o resultado de conspirações de vontades inimigas...

Até onde poderá ir esta criação de “factos de Trump” se a resistência do real não o travar, se as pessoas se deixarem contaminar por ele?

Será que os canadianos, ou uma parte deles, não deixarão influenciar-se pelas ideias de Trump, quanto aos perigos do acolhimento de refugiados dos E.U. no Canadá, repetindo situação idêntica à dos mexicanos na outra fronteira, a Sul?

Podem levantar-se muros a separar os homens, é uma questão de dinheiro e de ordens de alguém que mande nesse sentido. O pior é que a seguir aos muros físicos podem vir os psicológicos e esses são mais perigosos e mais difíceis de derrubar. Depois dos muros os homens já não são os mesmos como quando eles não existem. Todos estamos lembrados das duas Alemanhas e do muro a separá-las, derrubado a picaretas, em 1989, por voluntários muito felizes pelo que estavam a fazer.

- Será que hoje já estarão esbatidas, completamente, as consequências para as pessoas que viveram a realidade desse muro? 

E agora, cá temos novamente mais muros à espera que amanhã alguém os derrube porque é esse o destino dos muros entre os homens: mais tarde ou mais cedo serem derrubados.

quarta-feira, fevereiro 22, 2017

Mar me quer
(Mia Couto)



Episódio Nº 17









Eu sabia quanto ela sofria com a minha perseguição à passarada. Com pena do gaivotame sabem o que ela fez? Fabricou uma gaiola onde meteu dezenas delas. Aquilo era uma azafameira, dia e noite. Não para Luarmina que era mulher de pouco meximento. Mas para as miudagens que capturavam as aves e lhes traziam quilogramas de peixe para alimentar aquela biqueira toda.

Às noites, meu sono nem tocava a fundo. Dormiam só partes de mim, não eu todo, completo. Por causa a barulheira que vinha da gaiola da vizinha. Até que, numa dessas insónias, penetrei pelo escuro de gasolina, raiva e fósforo.

O fogo é uma paixão, num segundo tudo se consome. As gaivotas, prisioneiras, pareciam lenços brancos acenando num poente. Se extinguiam, voando. Até que, não mais restando senão cinzas, me retirei antes que fosse visto.

No dia seguinte fui visitar a minha vizinha. Como previa, ela estava na varanda. Minha mão pousou como uma condolência na curva do seu ombro. Ela nem mexeu. Já tinha chorado tudo, estava exausta. Apenas uma lágrima teimava na redondura da face. Ainda fiz gesto para lhe oferecer um lenço. Mas lembrei certas palavras dela, em vez que ela chorara. Luarmina, nunca me esquecerei, disse assim:

- O senhor pode ter sido acarinhado, por mão, por lábio, por corpo, mas nenhuma carícia lhe devolve tanto a alma como a lágrima deslizando.

- Como sabe isso, Luarmina?

- A lágrima é o mar acariciando a sua alma. Essa aguinha somos nós regressando ao primeiro ventre.

Lembrando as palavras dela emendei o lenço. Deixei a lágrima escorrer-lhe. Ficámos ali, calados. O silêncio dela estava completamente quieto, magoando mais que mil prantos.

Súbito, me deu vontade de limpar o que havia feito, devolver vida e voo à capoeira. Mas eu nem encontrava solução: se havia vassoura faltava o chão. Decidi confessar tudo. E lhe contei sobre Henriquinha.

Lhe conto Dona – já fui casado, mais que casado. Era uma moça muito cheia de corpo, mas bem chanfrada da cabeça, diria mesmo transtorneada.

No início nem dei conta da sua desviação. Henriquinha parecia toda compostinha, sem desfeição seja em corpo seja em espírito.

Aos domingos, em fecho de tarde, ela safa pelos atalhos rumo à Igreja de Nossa Senhora das Almas. Levava seu vestido preto, se afastava com passo de viúva. Olhando aquela mulher, da varanda, me atravessava um arrepio como se aquela marcha desenroscasse os fechos da minha alma. Depois, contemplando o seu traseiro ceramicando a saia eu me conciliava comigo mesmo. Uma esposa assim belíssima e devotada a Deus era uma agradádiva.

Até que um dia me disseram que, afinais, ela não se dirigia a nenhuma missa. Ia, sim, ao cimo da Duna Vermelha e se despia aos olhos, posta toda fora de roupas.

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