sábado, agosto 30, 2014


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Disciplina, camaradas, disciplina...




CHISTIE - YELLOW RIVER

Sessenta e quatro anos e parece que foi ontem Não vou fazer comparações porque sou suspeito...


Mixórdia de Temáticas - Abílio Eleven


A MORTE DA 

EXECUTIVA

DE SUCESSO











Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou-se. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.

Ainda meio tonta, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava a acontecer, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:

- Enfermeiro, eu preciso voltar com urgência para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque o meu seguro de saúde é Platina, e isto aqui está a parecer-me mais a urgência dum Hospital público. Onde é que nós estamos?

- No céu.

- No céu?...

- É.

- O céu, CÉU...?! Aquele com querubins, anjinhos e coisas assim?

- Exacto! Aqui vivemos todos em estado de graça permanente.

Apesar das óbvias evidências, ausência de poluição, toda a gente a sorrir, ninguém a usar telemóvel, a executiva bem-sucedida levou tempo a admitir que havia mesmo batido a bota.

Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana iria receber o bónus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.

E foi aí que o interlocutor sugeriu:

- Talvez seja melhor a senhora conversar com Pedro, o coordenador.


- É?! E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.


- Assim? (...)
- Quem me chama?

A executiva bem-sucedida quase desabava da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.

Mas, a executiva tinha feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu logo:

- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e...

- Executiva... Que palavra estranha. De que século veio?

- Do XXI. O distinto vai dizer-me que não conhece o termo 'executiva'?

- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.

- Sabe, meu caro Pedro. Se me permite, gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para essa gente toda aí, só na palheta e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistémica.

- É mesmo?

- Pode acreditar, porque tenho PHD em reorganização. Por exemplo, não vejo ninguém usando identificação. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?

- Ah, não sabemos.

- Percebeu? Sem controlo, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar em anarquia. Mas podemos resolver isso num instante implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.

- Que interessante...

- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.

- !!!...???...!!!...???...!!!

- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Accionista... Ele existe, certo?

- Sobre todas as coisas.

- Óptimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, parece-me extremamente atractivo.

- Incrível!

- É óbvio que, para conseguir tudo isso, teremos de nomear um board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias da praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho a certeza de que vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar num Turnaround radical.

- Impressionante!

- Isso significa que podemos partir para a implementação?

- Não. Significa que a senhora terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque acaba de descrever, exactamente, como funciona o Inferno...

Max Gehringer
(Revista Exame)
 

Um casal conversava:









- Posso não ser rico, não ter dinheiro, apartamentos de luxo, carros importados ou empresas como o meu amigo João Costa , mas amo-te muito, adoro-te, sou louco por ti.

Ela olhou-o com lágrimas a cair dos seus olhos, abraçou-o como se não existisse o amanhã, e disse bem baixinho ao seu ouvido:

- Se me amas de verdade apresenta-me o João Costa.

O pescador:

 - Há três horas que o senhor está aí a observar-me. Porque é que não pega numa cana e não vem também pescar?

 - Não tenho paciência. 

Alguns coronéis, vaidosos da fortuna e da chibança.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado

Episódio Nº 39



















Nos tempos da Colónia, quando ainda não existia o cacau, São Jorge, trazido no oratório das caravelas pelos brancos, fora proclamado padroeiro da capitania. Montado em seu cavalo, a lança erguida, santo guerreiro, protector na medida exacta.

 No recesso da floresta, trazido pelos escravos no porão dos navios negreiros, Oxóssi, dono da mata e dos animais, cavalgava um porco-espinho, um queixada gigantesco, um caititu.

Fundiram-se o santo da Europa e o orixá da África numa divindade única a comandar o sol e a chuva, a receber as preces e as cantigas, as missas e os ebós: no andor da procissão, no altar-mor da Catedral de Ilhéus ou na choça de pai Arolu que nascera escravo e ali se acoitara para guardar a liberdade.

No peji, lado a lado, o arco-e-flecha, emblema de Oxóssi trabalhado na bigorna por Castor Tição Abduim, e a estampa em cores vivas de São Jorge na lua esmagando o dragão, lembrança do árabe Fadul Abdala, homem temente a Deus nas horas de folga quando o comércio permitia.

As estradas, os caminhos e atalhos que conduziam das fazendas aos povoados, aos entrepostos e às estações da Estrada de Ferro dos ingleses, à cidade de Itabuna e ao porto de Ilhéus, não passavam de uma sucessão de ameaças aos animais e aos homens: buraqueira feroz, lamaçais de meter medo, despenhadeiros, precipícios, o perigo escondido sob cada pisada.

 Para cruzá-los, os burros e as mulas, de passo prudente e lerdo, eram de mais valia que as éguas e os cavalos de elegante trote, de rápido galope.

Alguns coronéis, vaidosos da fortuna e da chibança, lordes ingleses de cabelo riçado e tez morena, amavam exibir anelões de brilhante nos dedos habituados ao gatilho dos revólveres, abrir conta nas lojas para raparigas chiques e dispendiosas, trazidas da Bahia, de Aracaju, do Recife e até do Rio de Janeiro, cavalgar nas ruas das cidades montados em ginetes de raça, puros-sangues.

Mas para chegar às casas-grandes das fazendas viajavam no lombo seguro das mulas e dos burros, alguns tão bons de trote quanto o melhor cavalo.

Tropas de burro transportavam o cacau seco das fazendas para as estações da Estrada de Ferro ou para Ilhéus e Itabuna onde se encontravam as sedes das firmas exportadoras pertencentes a suíços e alemães.

Os animais mais velhos permaneciam nas fazendas, conduzindo o cacau mole das roças para os cochos. Os tropeiros, nas longas e penosas travessias por esses caminhos ínvios e arriscados, escolhiam lugares que oferecessem condições favoráveis para o pernoite.

 Ajuntamentos que com o tempo e o movimento davam, quase sempre, início a um arruado. Alguns se desenvolviam em povoados e vilas, futuras cidades, outros apenas vegetavam — um correr de casas com uma puta e uma bodega de cachaça.

Com o passar do tempo, Tocaia Grande se transformou no ponto de pernoite preferido pelos tropeiros que vinham da enorme área do rio das Cobras na qual se localizava grande número de propriedades, entre elas algumas das maiores fazendas da região.


quarta-feira, agosto 27, 2014

Amanhã vou ao Porto com a minha neta. Sábado cá estaremos

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O "grande líder" foi vindimar.

 A última coisa que os portugueses precisam é de um líder com tiques pirosos. 



Camada de Nervos - Citador


Morta a mãe e sem as tias e primos da manada, dificilmente sobrevive.
A verdadeira

história

da elefante

bebé









O seu trágico destino ficou marcado naquele dia do ano de 1964 em que o Governador Geral de Angola, General Silvino Silvério Marques a quem, por alguma razão difícil de descortinar, chamavam de “Sim Senhor Ministro”, foi de visita oficial às “terras do fim do mundo”, no Leste de Angola, concretamente, ao Lumbala.

Eu fui testemunha e cumprimentei o Sr. Governador na minha qualidade de Comandante do Destacamento Militar ali sitiado, mas a personalidade importante daquele encontro, que tinha como anfitrião o Chefe de Posto, Eurico Sousa Leite, autoridade civil, foi a rainha Nhakatolo, mulher pequenina, já de idade nessa altura, mas que viria a morrer muitos anos mais tarde em Luanda, num prodígio de longevidade, protegida, muito louvavelmente, pelo Presidente de Angola, depois de ter sido humilhada na sua autoridade tradicional por Savimbi que, para mim, não passou de um déspota carniceiro dotado de uma grande oratória para levar os crédulos ao engano. 

E o que disse a rainha Nhakatolo?

 - “Governador, os teus elefantes – todos os animais em Angola eram, para a rainha, do Governador – causam muito prejuízo” (ipsis verbis). Eles destroem os pés de mandioca nas machambas e nós ficamos sem ter de comer. Tens de mandar cá um caçador dar uns tiros nos elefantes.

Era um povo muito pobre, algumas  vezes me lembro de os ver a procurar animais, pequenos roedores, acocorados naquelas xanas a perder de vista. 

Há que esclarecer que a caça aos elefantes, fronteiras a dentro de Angola, era rigorosamente proibida enquanto que na Rodésia eles eram perseguidos e mortos. Por esta razão, eles sentiam-se ali em segurança e muitas foram as vezes em que eu adormeci ao bater de latas pelas populações para afugentar os animais da mandioca único ou principal recurso da alimentação e que viria a ser mais tarde eleita pelas Nações Unidas como o alimento do século XXI.

O terreno no Alto Zambeze era muito pobre, pouco mais que areia, mas a mandioca não é exigente e por outro lado é rico nas suas propriedades de tal forma que não falta à mesa do homem mais rápido do mundo, Usain Bolt.

Os Luenas e os elefantes não o sabiam mas nem por isso gostavam menos dela, os primeiros porque não tinham, praticamente, mais nada para comer, e os segundos porque são gulosos.

Para melhorar a alimentação do meu pessoal decidi criar uma horta e encarreguei o “casado”, soldado alentejano, sério, discreto, pouco falador, como são todos os alentejanos e por isso excepção no meu Grupo de nortenhos.

Mas como uma horta naquele terreno que não dava nada?  

 - Do outro lado do Zambeze havia umas aldeias de pastores que de noite protegiam o gado dentro de uns cercados de ramos e não foi difícil chegar à fala com eles e pedir-lhes autorização para levar um pouco do estrume que eles não valorizavam e eis a solução: o atrelado do jeep carregado com um pouco de estrume, sementes compradas na vizinha Rodésia e aí tivemos o meu amigo “casado” feliz com a sua horta.

O Governador não ficou insensível ao pedido da rainha Nhakatolo e palavra de Governador é para cumprir e as ordens foram dadas nesse sentido, ordens que só ele as podia dar porque os elefantes eram animais protegidos por lei e nem o Chefe de Posto nem ninguém à excepção dele podia matar ou mandar matar um elefante.

Passadas algumas semanas apareceu um caçador profissional, recrutado para o efeito, de seu nome Heitor, mulato, de meia-idade, que foi ao mato e matou uma elefante fêmea acompanhada de um filho pequeno e com um tiro matou dois.

Hoje, a esta distância, dói-me o coração. Sei mais que sabia então sobre elefantes e sobre tudo e a minha sensibilidade e o meu respeito pelos animais e pela natureza é agora muito maior... também já passou meio século, não é favor nenhum.

Em 1964, no Lumbala, eu estava mais preocupado com as pessoas que ali viviam e que fizeram uma festa enchendo a barriga de carne de elefante.

O bebé elefante, como sempre acontece nestes casos, só e desamparado, acompanhou o caçador e acabou por morrer à fome no Cazombo, não obstante todo o carinho, trabalho e sacrifício dos soldados entre eles o António Salvador.

Na verdade, ele estava morto desde o momento em que lhe mataram a mãe.

Foram criados, mais tarde, pela boa vontade de governos e pessoas, Centros de Recolha de elefantes jovens vítimas de famílias destroçadas mas, mesmo com todo o apoio possível que, em bebés, passa por uma companhia humana 24 horas/ dia e de outros elefantes jovens, companheiros de infortúnio, nem sempre é possível recuperá-los para os devolver à natureza.

O problema entre homens e elefantes é insolúvel, uma questão de espaço, de habitat. Homens ou elefantes, é o dilema.

Acontece com todos os animais, mais grave com os elefantes que são muito grandes, comem muito e dificilmente cabem numa Reserva qualquer.

Antigamente tinham para si todo um continente, e o comércio de marfim, que sempre existiu, não tinha a expressão que veio a ter.

A solução do problema dos animais selvagens em África é um autêntico desafio a governos e a populações, em comum, de mãos dadas, mas não é nada fácil.

A nossa bebé elefanta, coitada, foi vítima inocente, ela só queria poder continuar a acompanhar a mãe e ser feliz naquelas florestas esparsas do leste de Angola, nas chamadas “terras do fim do mundo”.

A crença de que a felicidade
 é um direito tem tornado
 despreparada a geração
 mais preparada









Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tacteando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada –e, ao mesmo tempo, da mais despreparada.

Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações.

 Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço.

 Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o património da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”.

Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinónimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço?

Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor.

Bacano é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer.

 De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pago caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento.

E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projecto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade.

Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projecto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia.

É pelos objectos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacano que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”.

 Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

Dr. Tynus - Professor


Dr. Tição...  - gracejou Coroca...
TOCAIA GRANDE
( Jorge Amado)

Episódio Nº 38
















Formou-se a roda em torno dela, as mãos marcando a cadência acelerada.

Bastião da Rosa, branco de olhos azuis, trouxe Bernarda para o centro da roda, formavam um par de arromba. Clorinda, apaziguada, olhou num convite para o sarará a seu lado, Manuel Bernardes voltou a sorrir, o peito aliviado da dor da companheira e da tenção de matar. Retirou a repetição do ombro.

 Dos sacos cheios de cacau subia um odor activo que se misturava ao bodum dos corpos suados, aromas familiares, aromas de primeira, um e outro.

— Doutor Tição... -  gracejou Coroca pendurando o filo num prego na porta de entrada.

Juntos deixaram a festa, voltaram para a cama de campanha.
Coroca não era perfumada e galante Baronesa, não possuía o corpo esbelto e jovem de Rufina mas, para atender uma emergência, valia tanto ou mais que outra qualquer: tinha a sabedoria de Madama, o fogo da mulata. Xoxota de chupeta.

3

Universo húmido e tórrido, a lama e a poeira dividiam o calendário do cacau. As chuvas, tão imprescindíveis quanto o sol, duravam a metade do ano, pesadas, intermináveis, crescendo facilmente em tempestades tropicais.

 Se ultrapassavam, porém, o tempo útil, podiam tornar-se fatídicas, fazendo apodrecer nas árvores os birros necessitados de luz e calor.

Coronéis e capatazes, jagunços e alugados viviam de olhos voltados para os céus em busca dos sinais anunciadores ora da chuva, ora do bom tempo: para que na força das águas os cacaueiros rebentassem em flores e no brilho do sol os brotos crescessem vigorosos e se acendessem em ouro. Para que se mantivesse alta a legenda daquela região privilegiada acerca da qual corriam tantas notícias e se contavam histórias de pasmar em todo o país.

Em busca de trabalho e de fortuna descia do norte, subia do
sul para o novo eldorado uma vária e sôfrega humanidade: trabalhadores, criminosos, aventureiros, mulheres da vida, advogados, missionários dispostos a converter gentios.

Chegavam também do outro lado do mar: árabes e judeus, italianos, suíços e alemães, não esquecendo os ingleses da Estrada de Ferro Ilhéus – Conquista - The State of Bahia South Western Railway Company - e do consulado com a bandeira da Grã-Bretanha, a fleuma inalterável e a sólida bebedeira.

O cônsul inglês deixara a família em Londres, contratara em Ilhéus uma índia silenciosa para todo o serviço da casa. Na cama, com sua nudez pequena, ela parecia uma deusa da floresta e talvez o fosse.

 O Senhor Cônsul fez-lhe um filho lindo, um caboclo de olhos azuis, um gringo cor de chocolate.

Os povos daquela lavoura recente, rica e cruenta, eram de pouca religião se bem gastassem a qualquer propósito o nome de Deus, pronunciando-o em vão, ao sabor das tocaias e dos caxixes.

De promessa fácil, todos os anos os coronéis renovavam acertos, assumiam compromissos com a corte celeste, em razão das chuvas, em razão do sol, buscando comprar a boa vontade dos santos e o perdão para os crimes — se é que se pode chamar de crimes os acidentes da conquista.

terça-feira, agosto 26, 2014

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Com a crise que aí vai a solução é mesmo esta. Pormo-nos à vontade, calçar uma botas e fazermos como a cenoura: dedicar-mo-nos à agricultura.



Camada de Nervos - A Linhagem


JOE DASSIN - A TOI

E as canções francesas? Passaram de moda? Foram esmagadas pela anglo-saxónica e até pela italiana? Não sei, talvez, mas A TOI é uma das grandes canções românticas da década de 70. Curiosamente ele é dos Estados Unidos mas cantava em francês... Morreu muito novo com 41 anos


RECEITA DE FRANGO
COM WHISKY






Muito bom, experimentem...



Ingredientes:
- 1 garrafa de whisky (do bom, claro!)
- 1 frango de aproximadamente 2 kg
- sal, pimenta e ervas de cheiro a gosto
- 150 ml de azeite virgem
- nozes moídas q.b.

Modo de preparar:
- pegue no frango
- beba um copo de whisky
- envolva o frango com sal, pimenta e as ervas
- barre com azeite
- beba outro copo de whisky


- pré-aqueça o forno aproximadamente 10 minutos
- sirva-se de uma boa dose (caprichada) de whisky enquanto aguarda.
- use as nozes moídas como aperitivo
- coloque o frango numa assadeira grande.
- sirva-se de mais duas doses de whisky.

- Axuste o terbostato na marca 3 , e debois de uns vinte binutos, ponha a assassinar. - digu: assar a ave.
- Beba outra dose de whisky
- Debois de beia hora, formar a abaertura e gontrolar a assadura do bicho.

- Tentar zentar na gadeira.
- Sirva-se de uoooooooootra dose generosa de whisky.
- Cozer(?), costurar(?), cozinhar, sei lá, voda-se o vrango.

- Deixáááár o filho da buta do pato no vorno por umas 4 horas.

- Tentar retirar o vrango do vorno. Num vai guemar a mão, dasss!
- Mandar mais uma boa dose de whisky p'ra dentro . De si, é claro.
- Tentar novamente tirar o sacana do gansu do vorno, porque na primeira teenndadiiiva dããão deeeeuuuuuu.

- Begar o vrango que gaiu no jão e enjugar o filho da buta com o bano de jão e cologá-lo numa pandeja ou qualquer outra borra, bois avinal você nem gosssssssssta muito desse adimal mesmo.

- 'Tá Bronto.

PS: Com vodka também resulta.


O VELHO
TESTAMENTO
(Ritchard Dawkins - Prémio Nobel em 1973)








Se algum realizador cinematográfico quisesse contar a história do homem como espécie animal poderia, com toda a propriedade, intitulá-lo “Nascidos para Acreditar”.

Se as crianças, filhas dos nossos antepassados, tivessem tido a necessidade de aprenderem a sobreviver à custa da sua própria experiência, muito naturalmente, a percentagem dos que passariam à idade adulta não seria suficiente para assegurar a continuidade da espécie.

Acreditar obedientemente, sem contestar, nos conselhos dos pais, dos avós, dos chefes, das pessoas mais velhas, foi a necessidade sentida, a palavra de ordem para a qual o cérebro humano desenvolveu uma predisposição psicológica acentuada nas crianças imediatamente a partir do seu nascimento.

Nunca animal nenhum tinha necessitado tanto das experiências de vida dos seus progenitores porque também nenhum outro tinha nascido tão frágil e dependente por um período tão longo da sua vida.

E a evolução parece que só teve esse caminho: aquelas crianças tinham que acreditar e ser obedientes.

A evolução, através da selecção natural, não tem soluções pré programadas, na maioria dos casos até nem as tem, a maioria das suas tentativas são becos sem saída que terminam na extinção.

No caso concreto do homem a aposta foi num cérebro superior mas condicionada a um período inicial em que “a ordem” foi “não penses, (não arrisques) faz o que te digo” se queres ter mais possibilidades de sobreviver.

Esta “terrível”necessidade de acreditar que, provavelmente, pode ter sido decisiva para que eu possa estar hoje aqui a escrever este texto no teclado do meu computador, é precisamente a mesma que explica que um número assustadoramente elevado de pessoas continue a seguir à risca os seus livros sagrados.

De acordo com uma sondagem da Gallup, cerca de 50% dos eleitores americanos fazem parte dessas pessoas (o que não deixa de ser assustador…) não obstante muitos teólogos afirmarem que já não seguem à risca o livro do Génesis.

Comece-se, então, este livro pela conhecida história da Arca de Noé que sendo encantadora tem, no entanto, uma moral perfeitamente aterradora que revela a consideração que Deus tinha pelos humanos pois, à excepção de uma única família, afogou-os a todos, incluindo crianças, e os restantes animais.

Na destruição de Sodoma e Gomorra o equivalente a Noé escolhido para ser salvo foi Lot, sobrinho de Abraão, porque era incomparavelmente justo.

Dois anjos foram enviados a Sodoma para avisar Lot que saísse da cidade antes desta ser assolada pelo enxofre.

Hospitaleiro, Lot, recebeu os anjos em sua casa, após o que todos os homens de Sodoma se juntaram em redor e exigiram que ele lhes entregasse os anjos para (que outra coisa haveria de ser?) os sodomizarem.

“Onde estão os homens que entraram na tua casa esta noite. Trá-los cá para fora para nós os conhecermos” (expressão utilizada para a sodomização)  (Génesis 19:5)

Sim, “conhecer” tem o habitual significado eufemístico da versão autorizada da Bíblia, o que, no contexto, é bastante curioso.

A galhardia com que Lot se recusa a ceder a tal exigência sugere que Deus terá acertado ao elegê-lo como o único homem bom de Sodoma.

Na sequência deste episódio, e por vingança, segue-se uma guerra onde mais de sessenta mil homens foram mortos.

O tio de Lot, Abraão, foi o pai fundador das três grandes religiões monoteístas e o seu estatuto de patriarca confere-lhe uma importância, enquanto modelo de comportamento, apenas ligeiramente inferior à do próprio Deus.

No entanto, que moralista moderno iria querer segui-lo?

Na sua longa vida Abraão foi para o Egipto onde, na companhia da sua mulher Sara, enfrentou um período de escassez e fome.

Apercebeu-se então, de que uma mulher assim bela seria cobiçada pelos egípcios e a sua própria vida, enquanto marido, poderia estar em perigo.

Por esta razão, decidiu fazê-la passar por irmã e é nesta qualidade que ela foi levada ao harém do faraó sob cuja protecção Abraão ficou rico (à custa da mulher… já se vê) mas Deus desaprovou tal aconchego e mandou pragas sobre o faraó e a sua casa (e por que não sobre Abraão?).

Compreensivelmente magoado com o agravo, o faraó exigiu saber por que motivo Abraão não lhe tinha dito que Sara era sua mulher e expulsou-os do Egipto. (Génesis 12:18-19)

Mais tarde, o casal volta a cometer a mesma proeza desta vez com Amibelec, rei de Guerar, induzido a casar com Sara julgando, também, que ela era irmã de Abraão e não sua mulher. (Génesis 20:2-5).

Mas se estes episódios são desagradáveis na história de Abraão eles são pecados menores quando comparados com a famigerada história do sacrifício do seu filho muito desejado Isaac por ordem de Deus.

Construído o altar e amarrado Isaac sobre a lenha já estava Abraão de cutelo em punho pronto para a matança quando lhe apareceu um anjo e o mandou parar porque Deus, afinal, estava só a brincar, submetendo Abraão à tentação e testando-lhe a fé.

Pelos padrões da moralidade moderna esta história vergonhosa é, simultaneamente, um exemplo de abuso de menores, de tratamento tirânico entre duas relações de poder assimétrico, e o primeiro caso de que há registo da defesa utilizada em Nuremberga:”Estava apenas a cumprir ordens”.

Mesmo assim, esta lenda é um dos grandes mitos fundadores das três religiões monoteístas.

Thomas Jefferson, 3º Presidente dos EUA, estadista, filósofo político, arquitecto, arqueólogo e um espírito que representava o Iluminismo emitiu a opinião de que o “Deus de Moisés e de Abraão é um ser de carácter terrífico – cruel, vingativo, caprichoso e injusto”.

Há teólogos modernos que dirão que a história do sacrifício de Isaac por Abraão não deve ser entendida literalmente mas esse não é o facto relevante.

Relevante, é sim, haver muitíssimas pessoas nos dias de hoje, repetimos os resultados das sondagens em que metade dos americanos que votam seguem à risca os textos bíblicos e alguns deles detêm grande poder político sobre nós, especialmente nos EUA e no mundo islâmico.

A história bíblica da destruição de Jericó por Josué, tal como a invasão da Terra Prometida em geral, em nada se distingue, do ponto de vista moral, da invasão da Polónia por Hitler ou do massacre dos Curdos e dos Árabes das zonas pantanosas do Iraque por Sadam Hussein

A Bíblia pode até ser uma empolgante e poética obra de ficção mas não é o tipo de livros que se deva dar a uma criança para lhe moldar a moral.

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