sábado, fevereiro 20, 2016

Rui Moreira. passou-se...
Desta vez Rui Moreira

foi longe demais
   





















«O autarca de Vigo, Abel Caballero, anunciou na quinta-feira o corte de relações com o presidente da Câmara do Porto e exigiu a Rui Moreira um "pedido de perdão" à cidade galega pelo "insulto claríssimo e intolerável" de foi alvo.

A posição do presidente da Câmara Vigo, anunciada em conferência de imprensa naquela cidade galega, surge na sequência da entrevista que Rui Moreira deu à revista Visão, a propósito da intenção de a TAP de criar uma ligação entre Vigo e Lisboa.

"Vigo sente-se como a salsicha fresca dentro de uma "francesinha", com um aeroporto miserável e que percebeu que há um senhor americano em Lisboa que tem uns aviões a hélice parados", afirmou o autarca português quando questionado sobre o facto de o Porto ter conseguido dividir as cidades galegas e os seus três aeroportos em benefício do Sá Carneiro.

"Exijo que retifique as declarações e peça perdão a esta cidade por um insulto gravíssimo como nunca ouvi de nenhum responsável político em toda a minha vida política", disse Caballero no encontro com os jornalistas, e a cujo registo áudio a Lusa teve acesso.

Caballero disse que "respeita os alcaides que defendem as suas cidades mas que detesta os que insultam". "Esta é a minha cidade e não o vou tolerar esse comportamento", sublinhou.

Abel Caballero classificou as afirmações de Rui Moreira como "impróprias e indignas de um autarca de uma cidade que considera amiga".

Na entrevista à Visão, Rui Moreira, afirmou ainda que "os cidadãos de Vigo serão levados pela TAP para Lisboa acompanhados ou não, durante uma noite", referindo-se à intenção da TAP de criar um pacote promocional naquela ligação a Vigo, que incluirá uma noite num hotel lisboeta, com pequeno-almoço e transporte.» [Público]
   



Parecer:

As insinuações do autarca do Porto metem nojo e revelam uma personalidade bem diferente daquela que nos tem sido "vendida".

As declarações de Moreira não ofendem apenas a cidade de Vigo, ofende cada um dos seus habitantes e envergonha os portugueses.


Do Blog Jumento
   


Nota: 

- Concordo em absoluto. O Sr. Rui Moreira passou-se...
  

IMAGEM

Paris - Quem mandou pintar as árvores daquela côr?...




Quem é o maior português de sempre....



Danyel Gerard - Butterfly (1971)

Sempre bonita...


Naquele dia, quase chegara ao suspiro....
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 84





















O PROGRESSO CHEGA AOS CAFUNDÔS DE JUDAS OU A JOANA D’ARC DO SERTÃO. DA PRIMEIRA APARIÇÃO DOS SUPER-HERÓIS INTERROMPENDO PECAMINOSA E AGRADÁVEL PRÁTICA NA HORA CÁLIDA DO MORMAÇO



A primeira aparição de seres de outro planeta, dos super heróis, no território do Agreste, deu-se num começo de tarde, na hora do mormaço quando ninguém perturba a paz dos habitantes.


No comércio aberto por força do hábito, para cumprir o horário – das oito às doze – só nos armazéns de Plínio Xavier há certo movimento, aliás suspeito.

Duas ou três vezes por semana, na mesma hora vazia de fregueses, o comerciante de secos e molhados, cidadão respeitável, casado e pai, escondido por detrás dos fardos de carne seca, ocupa-se em meter as mãos sob a saia da solteirona Cinira, tocando-lhe as partes com as pontas dos dedos.

Voltada para as prateleiras, ela faz como se não visse nem sentisse mas abre as pernas para facilitar. Plínio Xavier também age em silêncio, o suor pinga-lhe do rosto. De repente Cinira respira fundo, estremece, leva a mão onde sabe estar fora das calças a ansiada arma, aperta-a forte e sai escarreirada e furtiva.

Naquele dia, quase ao chegar ao suspiro e ao estremeção, um abominável, sinistro ruído ecoou na rua, interrompendo bruscamente a deleitosa prática.

Ao ver-se em fuga na calçada, Cinira não pode conter o terror e sufocar o grito: a máquina desconhecida e monstruosa vinha sobre ela, rugindo, imensas rodas afundando o chão. Lançava ao ar negra fumaça pestilenta através dos canos e orifícios e de súbito lancinantes sons, jamais ali ouvidos.

Fechando o último botão da braguilha, Plínio Xavier chegou à porta a tempo de observar o estrambótico veículo passando em frente do armazém, conduzindo no bojo os indescritíveis seres, ao parecer macho e fêmea, se bem não se diferenciassem muito um do outro nos atributos e nos trajes espaciais, idênticos.

Dias antes, haviam circulado rumores, trazidos de Mangue Seco, onde os pescadores afirmavam ter visto objecto não identificado, faiscante contra o sol, vindo do mar e nele desaparecendo após haver sobrevoado a praia e o coqueiral. 

As Cinquenta Sombras de Grey.
(versão alentejana)

















Quatro alentejanos costumam ir pescar há muitos anos, sempre na mesma época, montando um acampamento para o efeito.


Este ano, a mulher do João bateu o pé e disse que ele não ia.

Profundamente desapontado, telefonou aos companheiros e disse-lhes que, desta vez, não podia ir porque a mulher não deixava.


Dois dias depois, os outros chegaram ao local do acampamento e, muito surpreendidos, encontraram lá o João à espera deles e com a sua tenda já armada.

- Atão, João, comé que conseguisti convencer a tua patroa a deixar-te viri?

- Bêm, a minha mulheri tên estado a ler "As Cinquenta Sombras de Grey" e, ontem à nôte, depois de acabar a última página do livro, arrastô-me para o quarto. Na cama, havia algemas e cordas!


Mandô-me algemá-la e amarrá-la à cama e opois disse: 

Agora, faz tudo o que quiseres...


E Ê ... VIM PESCARI !!!


Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 195





















O portucalense lançou-lhe um último e desesperado pedido:

- Vinde ter ao meu quarto!

Zaida deu-lhe um novo e rápido beijo na boca e prometeu:

- Um dia, hoje não, a minha mãe não deixa.

Levantou-se no preciso momento em que Zulmira entrava na sala. Gonçalo lançou-lhe um adeus desolado, mas mal as duas desapareceram, praguejou:

 - Irra, é pior que uma cristã!

Despejou mais vinho pela goela abaixo e depois dirigiu-se ao alpendre, onde perguntou a Chamoa com descaramento:

 - Há soldadeiras em Tui?

A rapariga desaprovou tal conduta, mas perante a insistência dele indicou-lhe o local, e Gonçalo fingiu afastar-se, resmungando.

Chamoa contou então ao príncipe que as mouras tinham dificuldade em entregar-se aos cristãos.

A Zaida ainda é virgem. A irmã também, mas tem o seu amado.

Narrou a bela paixão de Fátima por Abu Zakaria que remontava à infância e era correspondida, pois ele tentava resgatá-la aos cristãos.

É uma cantiga de amor – murmurou.

Afonso Henriques sorriu-lhe.

E a nossa, que cantiga é, de amor ou de amigo?

A rapariga mordeu o lábio atormentada.

Meu coração é vosso, mas meu corpo é de meu marido. Carrego mais um filho no ventre, não me posso dar a vós.

Afonso Henriques olhou para o céu estrelado e respirou fundo.

 - Podia raptar-vos hoje, vosso tio não está cá, ninguém me impedia. Mas acho que já não sou o vosso amado.

Chamoa protestou:

- Ora, que tolice. Não sei é se ainda me amais!

De súbito, com ar angustiado, perguntou:

- Ides fazer a guerra a Dona Teresa?

Afonso Henriques manteve-se calado, mas Chamoa conhecia as vontades violentas que percorriam o Condado. Aflita, murmurou:

 - Meu marido e meu amado em luta um com o outro...

O príncipe recordou-lhe a sugestão que fizera a Paio Soares de se juntar aos portucalenses, mas Chamoa receava que Fernão Peres mandasse matar o marido, se este o traísse.

De repente abraçou fortemente o príncipe e pediu-lhe:

 - Meu amado, prometei-me que se houver batalha contra meu marido não o matareis!

Afonso Henriques suspirou.

Bela Chamoa, as batalhas são imprevisíveis. Por vezes nem sabemos contra quem estamos a lutar!

A rapariga insistiu ainda com mais ênfase.

É o pai dos meus filhos, não o mateis, prometei-me.

Em troca, o príncipe pediu-lhe que deixasse Paio Soares depois do nascimento do segundo filho, o que ela aceitou.

Então abraçaram-se , repetindo a promessa mútua e deram um beijo longo na boca. De repente Chamoa abriu um sorriso malandro.

Desejais que vos prove o meu amor? – perguntou.

Sorrindo, ajoelhou à frente do príncipe e ali, no alpendre, sob o belo luar de Tui, beijou-o como fizera junto ao rio da Loba, em Viseu.

sexta-feira, fevereiro 19, 2016

Bárbara Guimarães, de rosto descolorido.

Bárbara Guimarães

 















O casal mediático, Bárbara Guimarães e Maria Carrilho, arrastam nos Tribunais um divórcio litigioso que revela enorme egoísmo e falta de sensibilidade pelos filhos, o mais velho com 12 anos de idade, mais ou menos a mesma que eu tinha quando, há mais de 60 anos, os meus pais me fizeram passar por situação idêntica.

Naquela idade há demasiada fragilidade na estrutura psicológica e sentimental das crianças que se sentem ainda demasiado ligadas às mães que lhes dispensaram os primeiros cuidados.

Eu sei que os tempos são outros, mas naquilo que é o essencial das nossas infâncias, a ligação aos pais e principalmente às mães, continua e continuará, forte e imutável.

Recordando o meu passado como filho, teria preferido que Bárbara Guimarães se tivesse apresentado nos Tribunais pintada a rigor, como nos seus melhores programas de televisão, não para agradar aos telespectadores mas ao filho de doze anos, mesmo desagradando aos advogados.

Fazer passar através de um semblante descolorido uma imagem de drama e sofrimento, pode impressionar bem os juízes num Tribunal, mas choca a sensibilidade do filho habituado, em situações normais, a ver a mãe pintada, especialmente os lábios, fortemente vincados a encarnado.

A minha mãe também era loira, bonita, e pintava, também ela, os lábios de encarnado, que fica bem com os cabelos louros.

Na década se cinquenta, as senhoras da sociedade, caprichavam na pintura do rosto muito mais do que agora, e essa imagem do rosto da minha mãe, pintado e arranjado, transmitia-me a mim, como filho ainda criança, uma sensação de normalidade, de que estava tudo bem com ela.

Quando, no processo de divórcio dos meus pais, a vi na Tutoria da Infância, sem pinturas, nem arranjos o que eu senti, como filho, foi um choque de dor e desagrado.

Que sentirá o filho de Bárbara quando se encontra com a mãe nos Tribunais, se é que se encontra, e a vê de rosto descolorido, desmaiado, como se fosse em sinal de luto?...

Ser filho de pais mediáticos não ajuda, quebra o anonimato, o que, em situações destas, agrava o sofrimento dos filhos que se vêm apontados a dedo.

Bárbara e Carrilho, com este divórcio, não pensaram no interesse dos filhos que vão ficar marcados por ele para o resto da vida.

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Não se pode comer descansado...



Gato Fedorento - Grandes Questões do nosso Tempo


António Zambujo - Música feita em Portugal



Não diga tia, diga Tieta.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 83















Nos problemas de álgebra, nas páginas impressas, saltavam inteiros os seios entrevistos pela metade no decote do penhoar; os fios de pêlo apontados pelo irmão na fresta do biquini alongavam-se rio a dentro, atando pulsos e tornozelos trazendo-o de retorno às pedras onde ela descansava, descontraída, as pernas abertas, inocente de tanta cobiça e ousadia. 

Até mesmo durante o sagrado sacrifício da missa, a fumaça do turíbulo ao evolar-se traçava a curva e o balouço da bunda, redonda, solta, morena, percebida sob a curva da camisola.


Labutara nas noites inquietas, a adivinhar devassidões quando se esforçava por enxergar no sonho castas imagens, vidas santas, alegrias puras. 

Antes de perder-se por completo ali, em Mangue Seco, esteve à beira do pecado todas as noites, ora adormecido, ora acordado, e se jamais o completou foi por não saber como fazê-lo.

Mal terminava as orações e cerrava os olhos, ainda com o nome de Deus nos lábios e o pensamento na salvação da alma, e já o amaldiçoado enchia a rede de seios e coxas, de bundas e pêlos, a tia inteira e nua.

Nem os rogos, nem as preces, nem as promessas, nem as fugas. Transtornado, abrira o livro santo na página da fuga para o Egipto, conselho de Deus.

Montou no burro e se tocou no rastro do padre Mariano para a Rocinha em vez de tomar a lancha para Mangue Seco onde poderia vê-la quase desnuda na praia, acompanhá-la mar adentro, salvando-a de morte certa quando a arrebentação da barra a estivesse afogando. Heróico, lutaria contra as vagas, tomando-a finalmente nos braços, trazendo para a praia o corpo inerte apertado de encontra o peito.

Montado no burro, fugira da tentação. De que adiantara? Durante todo o percurso para a Rocinha ele a teve nos braços, apertada contra o peito, no trote do animal. Ao roçar o cabeçote da sela, comprimira entre as coxas as ancas da tia.

Débeis forças, vontade fraca, armas frágeis para enfrentar o poder e as tramas do Cão. Para tentá-lo na beira do rio, Belzebu utilizara Peto; para enviá-lo a Mangue Seco, por mais incrível possa parecer, servira-se da mãe, devota e rígida.

Ele deveria ter-se oposto, discutindo, alegando a hora tardia, fingindo-se doente. Não o fez. A mãe não precisou de repetir a ordem: saíra correndo em busca de Pirica para contratar o barco.

Compreendeu que o Tinhoso escolhera Mangue Seco para local do crime e não obstante para ali partira de livre vontade. Durante a travessia dava pressa a Pirica apesar de saber que se de lá desembarcasse, estaria perdido.

Assim aconteceu: em Mangue Seco o Cão o derrotara e possuíra.

Os dedos rumam para o queixo, deixando na boca um gosto de polpa fresca. As palavras, arrancadas do estômago, cortam o pulmão estranguladas:

- Estou condenado e levo a tia comigo para o fogo do inferno.

Sou ruim demais, me perdi e arrastei a tia.

A mão se espalma, toda ela fogo, vinda do queixo para o pescoço. Na hora do pecado, até as labaredas são deleite, ninguém sente as dores das queimaduras. Mas outro é o forno do inferno, outro e eterno.

- Me leve, sim, cabrito. Novinho como os que eu carregava ao colo.

Viúva honesta, ele a fizera renegar o recato e a virtude da cativa condição, manchar a memória do marido, enlouquecer a ponto de dizer coisas assim, sem pé nem cabeça, murmurar frases sem nexo, aberta em riso de contentamento, não se dando conta do mal praticado, indiferente ao castigo.

Ele fora o único culpado mas a condenação atingia os dois, sobre a cabeça da tia cairá igualmente a cólera de deus. Sobre as duas almas que não souberam resistir aos corpos vis, à carne podre. Ele, o único culpado.

A tia lhe dissera que fosse embora, se quisesse, apontava para baixo dos cômoros, ele não quis, preferiu ficar. Consciente de que, se ficasse, iria desrespeitá-la, ofender a Deus, prevaricar, entregando-se de vez a Satanás, servindo-lhe de agente na degradação da alma da viúva, responsável por sua perdição.

- Quem me dera morrer.

- Nos meus braços.

A mão desce dos ombros para o peito. Ai, tia, não. Não vê que o demónio está solto, sobrevoa dunas e mar, morcego imenso a tapar a lua, a impor a noite negra e fria?

O tentador está ali, presente, como sempre esteve desde o momento em que a tia surgira na porta da marinete de Jairo. Fora ele, o demónio, que falara pela boca de Osnar comparando-a a uma fruta madura, sumarenta.

Naquela hora começara o combate, lá mesmo perdido. Perdido a cada momento mais, nos passos nocturnos soando no corredor, nas rendas esvoaçantes do negligê, no biquini minúsculo, na minúscula camisola, nas mãos untadas de creme, nas palavras truncadas do padre-nosso, nos sonhos prenhes de desejo quando a tinha nua junto de si, na rede e não sabia o que fazer.

Agora sabe e por isso pagará durante a eternidade. Pagarão os dois, o culpado e a vítima, ele e a tia. Quem sabe, Deus é justo, terá piedade da tia e lhe reduzirá a pena a um tempo de purgatório.

Por mais longo que seja, ainda que estenda por milhões de anos, é tempo e não eternidade, tem limite e fim. Um dia a sentença termina, liberta-se o condenado, mas as penas do inferno, essas não acabam jamais. Nunca jamais, repete a cada segundo o relógio do inferno. Assim contava Cosme ao falar do castigo eterno.

- Deus é bom e sábio, terá piedade, sabe que a tia não teve culpa.

Cresce o riso alegre e inconsciente, a mão desce pelo peito agoniado.

- Não diga tia, diga Tieta.

A mão no peito sufocado de vergonha, de remorso, roto de medo; como fitar a face de Deus na hora do juízo final? A mão acalma o pesadelo, transforma os sentimentos, desata o nó, rompe a treva, mas não apaga as fogueiras da ira celeste pois toda ela, palma, punho e dedos, é brasa ardida, calor divino. 

Divino? Assim Satanás engana e condena os homens. Esse calor divino se transformará em dor insuportável nas profundas do inferno, consumindo lenta e eternamente os pecadores.

- Só eu tenho culpa, Deus há-de perdoar-lhe, tia.

- Tia, não. Tieta, sua Tieta.

Como não percebera a voz de Deus na voz da tia apontando-lhe a descida, o caminho certo, o sendeiro a conduzi-lo à salvação, ao sacerdócio, ao paraíso?

Paraíso? Qual deles? A mão conduz ao paraíso: ainda há pouco ele enxergara a beleza, a doçura do céu em cada detalhe do corpo exposto ao luar.

A mão brinca com os cabelos nascendo no peito jovem e másculo. O Major orgulhava-se do tronco cabeludo, peito e costas, prova de macheza. Um macho, o pai. O filho, castrado pelo voto feito pela promessa da mãe, impedido. Mas o demónio o levara a levantar-se contra a lei, despertara-lhe a carne morta, pervertendo-o.

Fizera do mancebo casto, que desconhecia desejos e maus pensamentos, macho impuro sem controle sobre o corpo e a alma, um bode.

Não apenas: utilizara-o para conquistar a tia, perdê-la, condená-la.

- O purgatório dura uns tempos e acaba, tia. A culpa é minha; Deus é justo, não mandará a tia para o inferno.

- Cabrito tolo, sou cabra velha. Me chame de cabra, minha cabra.

Jamais, mesmo se quisesse, nem sequer na hora do pecado, quando a cabeça não pensa e a boca geme e grita. Cabra dissera Osnar, voz do demónio, quando a vira deslumbrante na porta da marinete de Jairo, acrescentando indecente comentário sobre a fartura do ubre, o Imundo. E ele? Onde mergulhara a cabeça, pousara os lábios, onde, desvairado, mordeu?

- Me perdoe, tia. Jure que me perdoa.

- Diga Tieta.

Na barriga de músculos rijos navegam os dedos em descoberta. O dedo mínimo enfia-se no umbigo, faz cócegas, a brasa cresce em labareda, consumindo o pecado, cobrindo o crime, acendendo o luar:

- Quero lhe dizer, tia…

- Tieta.

- Quero lhe dizer que mesmo tendo de pagar durante a eternidade no fogo do inferno, ainda assim…

- Diga, meu cabrito…

- … ainda assim, não me arrependo. E se o castigo pudesse ser pior, mesmo assim…

- Diga…

- … mesmo assim eu queria…

Onde a mão? A chama queima da ponta dos pés à ponta dos cabelos, percorre o corpo, a testa lateja, abre-se a boca, cresce o Cão.

- Queria o que, cabrito? Me diga…

- Estar aqui com a tia.

- Tieta.

A mão procura, encontra, apalpa, empunha. Desmedido Demónio.

- Tieta, não me arrependo, ai não, Tieta!

- Diga cabra, meu cabrito.

Onde estão as trevas e o inferno e o temor de Deus? Sob o luar, o paraíso se abre para o Cão, estreita porta de mel e rosa negra. Vale o inferno e muito mais. Vem, meu cabrito! Ai, cabra, minha cabra, sou bode inteiro, em fogo me consumo.



Para desculpa...









Um homem chega em casa muito tarde, com o cabelo todo despenteado e a cara cheia de batom e pó-de-arroz.

A mulher furiosa de zangada, pergunta-lhe: "O  que andastes a fazer?..."

Ao que o homem responde:

-  "Não vais acreditar mas andei à porrada com um palhaço"

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 194



















Gonçalo, fingindo-se ofendido, fez beicinho.

- «Egas, mas fui eu que convenci o rei! Quero ir a Compostela com ele, mas é só para rezar por vós e por vossos filhos!»

Todos aplaudiram aquele teatro e Zulmira aplaudiu Gonçalo:

 - És melhor do que muitos bobos!

Este bebeu mais vinho e avisou:

 - Se não tivesse na presença de várias damas, imitava para vós Dona Teresa e o Trava, nas suas acaloradas manhãs!

Enquanto as mulheres se riam Gomes Nunes aproveitou a deixa e perguntou a Afonso Henriques se ia mesmo guerrear a mãe e o Trava.

Todos se calaram, excepto Fátima, que resmungou:

 - Que se matem uns aos outros, menos cristãos ficam.

O príncipe intrigado mirou Zulmira e interrogou-a:

 - É verdade que Soure foi atacada por vossa causa?

Aflita a mãe moura abanou a cabeça negando tal versão, e relembrou:

 - Ataques desses são habituais há dezenas de anos.

Incomodada com conversas bélicas que a assustavam, Elvira deu por terminada a ceia, impondo o recolher a todos.

Fátima e Zulmira despediram-se tal como os senhores de Tui depois de destinarem aos portucalenses quartos no piso superior da casa.

Porém, sem levantar o rabo do banco, Gonçalo agarrou Zaida e obrigou-a a permanecer sentada, perguntando-lhe:

 - É verdade que vos banhais nuas no rio?

Chamoa riu-se, divertida, e Zaida respondeu:

 - Em Córdova as mulheres vivem em haréns. Estamos habituadas a banharmo-nos e a dormir juntas!

Gonçalo esbugalhou os olhos:

 - Na mesma cama?

Sorridente, a rapariga informou-o:

 - Eu durmo com minha mãe, a Fátima tem uma cama só para ela.

No seu lugar, Chamoa confessou:

 - Em certos dias, quando estou muito agitada, adormecem-me a contar histórias sobre a serra Morena.

Afonso Henriques franziu o sobrolho, mas ela antecipou-se:

 - Por que pensais logo em coisas impróprias? É bom ter companhia. Estou muito sozinha, minha irmã foi viver para Guimarães e meu marido só passa por cá de quando em vez.

Se não fossem Zulmira e Zaida viveria triste e só.

Enquanto Zaida sorria misteriosamente, o príncipe pediu a Chamoa que o acompanhasse até ao alpendre.

Depois de eles saírem, Gonçalo, encostou-se à mais nova das mouras e disse-lhe ao ouvido:

 - Estou enamorado de vós.

A rapariga riu-se, agradada, mas logo respondeu:

 - Sois um atrevido. Deveis dizer isso a todas!

Gonçalo empertigou-se, fingindo-se posto em causa:

- Sois a única moura que me encanta!

Colocando a cabeça no ombro dela, implorou baixinho:

- Não me tortureis mais...

Intrigada, Zaida perguntou:

 - Que desejais, não me posso casar convosco:

Gonçalo encolheu os ombros e sussurou:

- Bastava-me uma noite. Ficai comigo, bela Zaida até o sol nascer.

A rapariga fez-lhe umas festas carinhosas no cabelo, e depois beijou-o levemente na boca.

Gonçalo  animou-se e abraçou-a, mas de repente ouviram-se passos, e Zaida afastou-se dizendo:


 - É minha mãe, vem chamar-me!

quinta-feira, fevereiro 18, 2016

Do lixo financeiro ao lixo político

14/02/2016 - 00:30
















Ainda respiramos em Portugal um clima político que fará inveja a outros países, apesar do populismo do Bloco e do anacronismo do PCP.



1.    A subida das taxas de juro da dívida portuguesa a 10 anos tem, como toda a gente sabe, múltiplas explicações, umas mais importantes do que outras. Não se deve apenas à forma como decorreu a negociação do Orçamento para 2016 em Bruxelas, nem sequer à composição do apoio parlamentar ao Governo de António Costa.

2. Deve-se à extrema volatilidade dos mercados financeiros, que procuram lugares seguros para investir (mesmo que a juros negativos) e que tem na sua origem, para além das nuvens carregadas que impendem sobre a economia global, alguns sinais preocupantes sobre a situação do sistema bancário europeu.

3.   Esta é a realidade, a verdadeira, não a “da esquerda” que, para os fanáticos da austeridade, só serve para disfarçar a culpa de um governo que ousou pôr em causa a ortodoxia decretada por Berlim para chegarmos à salvação plena e sem pecado. Muita gente disse isto bastante melhor do que eu.

Desculpem, portanto, a insistência, mas o meu medo é que, do “lixo financeiro” a que as agências nos condenaram, passemos rapidamente ao “lixo político”, esse sim com um alto risco de rebentar de vez com a Europa.
Cito a Economist: “Para os que temem que a repetição da crise 2007-2008 esteja iminente, a semana passada trouxe novos presságios. As acções de grandes bancos mergulharam (…). Os custos de garantir as dívidas dos bancos contra o default subiram fortemente, especialmente na Europa”.
 A parte de que gosto mais é esta: “O patrão do Deutsch Bank sentiu-se obrigado a declarar que a instituição que lidera é ‘sólida que nem uma rocha’; o ministro alemão das Finanças declarou que não estava preocupado (desta forma aumentando a preocupação).”
A Economist também fala das novas regras de resolução europeias, que responsabilizam os bancos pela limpeza dos seus balanços à custa dos seus investidores e não do erário público, deixando de contaminar a dívida soberana.
 A banca europeia até pode estar mais sólida do que o pânico dos mercados indicia, mas isso pouco interessa. Ao contrário dos EUA (onde há mil maneiras de financiar a economia, para além dos bancos), na Europa o financiamento depende quase totalmente da banca, acentuando a sensação de risco.
O que se debate hoje na imprensa da especialidade é se vamos assistir a um Lehman Brothers europeu, ou se esse é um risco descartável, porque as circunstâncias do sistema financeiro parecem bastante mais sólidas.
 A outra razão que explica o nervosismo dos mercados tem a ver com as perspectivas de desaceleração do crescimento global, por causa da China e de outras grandes economias emergentes, mas também pelas dúvidas quanto à solidez da economia americana.
A Presidente da FED subiu as taxas de juro (é bom lembrar que passaram de zero para zero vírgula qualquer coisinha), mas pode ter de adiar outras subidas, mesmo que o seu objectivo central seja o desemprego, que caiu para uma taxa inferior a 5%.
2. Quando Mário Centeno entrou no Eurogrupo era este o quadro geral. Com os juros da dívida soberana a dez anos a ultrapassarem os 4%, ficou sem qualquer margem de manobra, a não ser comprometer-se a apresentar medidas adicionais até à nova revisão de Abril.
 Há aqui uma lição para o Governo: é preciso ter cautela porque um choque externo desta natureza atinge as economias mais débeis com uma força inesperada.
 Isso quer dizer, em termos de política interna, que António Costa vai ter de explicar aos seus parceiros à esquerda que há uma linha vermelha que não ultrapassará, por mais que eles gritem e ameacem: a presença de Portugal no euro, mesmo que isso possa custar mais do que o previsto.
Isso implica, por exemplo, que contribuam para a estabilidade governativa em vez de andarem a sabotá-la. Não se trata de obediência a Bruxelas.
Como já se viu noutras capitais, nem os esquerdistas (tipo Syriza), nem a extrema-direita (tipo Marine) se atrevem a dar um passo cujas consequências suspeitam que não sejam maravilhosas.
Marine Le Pen lembrou-se agora de que a saída do euro (e da Europa) poderia ser um problema para as suas ambições políticas e lá foi anunciando que alinharia por uma negociação idêntica à que David Cameron leva a cabo.

IMAGEM

A culpa...



Mixórdia de Temáticas - Urso fantasma


Show no estúdio com Roberta Sá


Não me chame tia, chame Tieta, a tua Tieta...
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)



EPISÓDIO Nº 82





















INTERMEZO

Já ia distante a lua no caminho da África, pejada de ais de amor, quando por fim houve pausa e respiração. 

Desamarradas as coxas, separaram-se a vida e a morte, cada uma para seu lado, deixando de ser uma única coisa o acto de morrer e de ressuscitar.

Antes compunham um corpo único, um só foguete explodindo no alto dos céus, desfazendo-se em luz sobre as vagas do mar. Antes, a noite de luar foi ao mesmo tempo dia de sol, sol e lua, dia e noite acontecendo juntos sem distâncias nem intervalos.

Quando por fim houve pausa e respiração, desapareceram o sol e a lua, as trevas cobriram o mundo, a noite despiu-se de calor e brilho, fez-se fria inimiga, ouviu-se na ressaca do oceano contra as dunas, na insana ventania transportando areia, a acta de acusação e a sentença.

Mais além da vida, mais além da morte, ele pôde medir a extensão do crime. Para o castigo não havia medida humana, não se mede a eternidade.

Num esforço que lhe rompeu a garganta e o peito, reencontrou o exercício da palavra:

- Ai, tia! O que foi que a gente fez? Que é que eu fiz?

Um dia, em voto solene, jurara castidade, consagrara-se a Deus. Prometera renegar os prazeres da carne, casto filho de Maria e de Jesus. Traíra o voto.

- Me desgracei e desgracei a senhora, tia. Me perdoe…

Escuta sons de riso, em surdina, nascente de água em meio à tempestade. Mão de areia e vendaval toca-lhe a face culpada, dedos de unhas longas roçam-lhe os lábios, contendo o soluço: um homem não chora e a partir dali, do sucedido que era ele senão um homem igual aos outros, cravada no coração a marca do pecado? Igual aos outros?

Pior, pois os demais não tinham assumido compromisso e o sangue de Cristo derramado na cruz os resgatara a todos, até ao fim dos séculos.

Mas ele fizera voto, prometera, jurara, assumira compromisso. Traíra a confiança de Deus. No negrume enxerga as chagas se abrindo em pus no corpo perverso, a lepra. Dedos pressionando a pele dos lábios impedem o grito e o espanto.

- Tia, só quando houver gente, tolo. Não tendo, sou Tieta, tua Tieta. – Está rindo a infeliz, inconsciente, condenada por ele às penas do inferno. Rindo, alegre, não se dá conta do horror que cometeram.

O demónio o possuíra, o mais perigoso, o mais sagaz, e subtil, o pior de todos, o demónio da carne. Não se contentando em levá-lo à perdição, utilizara-o como instrumento para tentar e corromper a tia, para perverter viúva honrada, fiel à memória do marido, e transformá-la em fêmea enlouquecida, animal em cio, a gemer e a ganir, a berrar como as cabras nos oiteiros de Agreste.

Ai, tia, que desgraça! A mão percorre os lábios, as unhas arranham a pele, ameaçando pausa e distância.

Possuída pelo cão, ela também. Excomungada por culpa dele, exclusiva, que tanto lhe devia: gratidão, respeito e puro amor de sobrinho e protegido.

Não lhe mandara presentes de S. Paulo, não trouxera vara de pesca e molinete, não lhe dera dinheiro, camisa nova, pijamas que a mãe guardara para o seminário, não ofertara imagem e ostensório à Igreja, piedosa criatura?

Alegre, informal, arrebatada, sim, mas generosa ovelha do rebanho de Deus, como a classificara padre Mariano. Alma pura, inocente coração, digna da estima do Senhor, da recompensa divina, proclamara o padre no sermão, durante a missa. Merecedora de todo o respeito e muita gratidão, para pagar o terno afecto, a bondade, as generosa dádivas.

A mãe recomendava cuidasse da tia, ficasse às suas ordens, fosse seu amigo. Por acaso obedecera? Buscara aproximá-la ainda mais de Deus e da Igreja como era a sua obrigação de sobrinho seminarista?

Falara-lhe dos santos e dos milagres, contara os prodígios da Virgem e do Senhor, descrevera as maravilhas do reino dos céus? Nada disso cumprira.

Ao contrário, pusera-se às ordens de Satanás na conquista da alma da tia, soletre instrumento do maldito. Antes servo de Deus, anjo consagrado, depois escravo de cão, obediente comparsa, cúmplice activo, anjo decaído.

- Me perdoe, tia…

A mão se alonga, cobre a boca inteira, a palma comprimida sobre os lábios, trincando os dentes.

- Não diga tia, diga Tieta.

Depois da morte próxima do leproso – primeira demonstração da ira divina – o castigo eterno, as chamas do inferno, para todo o sempre, sem apelo, sem repouso, sem intervalo, sem direito à contrição, sendo demasiado tarde para o arrependimento. Arrependimento? A mão rodeia a boca, as unhas raspam de leve.

No inferno para toda a eternidade, a carne pecadora e podre queimando e jamais acabando de queimar – salva ou condenada, a alma é imortal.

Ouve o riso suave, nascido da ignorância, riso de quem não sabe da violência da cólera de Deus. Por detrás do manso balido satisfeito, ele escuta a gargalhada do diabo, sinistra, vitoriosa, insultante: duas almas ganhas de uma vez, numa só parada, duas a mais para a prática do pecado e para as chamas do inferno, boa colheita.

Tantos dias, tantas noites de trabalho. Porque ele lutara e resistira; com pequenas forças e armas mínimas; não possuía a estatura dos santos verdadeiramente dignos de servir a Deus, fortaleza da lei, dos mandamentos.

Ainda assim resistira, lutara, erguera trincheiras: na banca, curvado sobre os livros, nas águas do rio mergulhando quando Peto, instruído pelo cão, dirigia-lhe a vista na bacia de Catarina; nas orações, antes de deitar-se na rede; em rogo e promessa, na missa – se a Virgem o salvasse, comprometia-se a dormir sobre grãos de milho durante todo o ano lectivo. 

Trincheiras conquistadas, destruídas uma a uma pelo Coisa Ruim.


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