sábado, janeiro 12, 2013

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A Dona de casa,  de avental e pantufas, suporte logístico da família, trabalhadora a tempo inteiro não remunerada, espécie em vias de desaparecimento, varrendo... varrendo...


Há nos cantos alentejanos um lamento profundo por uma injustiça sem esperança que lhes moldou o carácter.




DOIS ALENTEJANOS ESTAVAM A TRABALHAR PARA O DEPARTAMENTO DE URBANISMO DA CÂMARA DE SERPA.

 UM ESCAVAVA UM BURACO E O OUTRO VINHA ATRÁS E VOLTAVA A ENCHER O BURACO.

TRABALHARAM NUM LADO E DEPOIS NO OUTRO LADO DA RUA.

 NO FIM, PASSARAM À RUA SEGUINTE, SEM NUNCA DESCANSAR.

 UM ESCAVAVA UM BURACO E OUTRO ENCHIA O BURACO OUTRA VEZ.

UM ESPECTADOR, DIVERTIDO COM A SITUAÇÃO, MAS NÃO ENTENDENDO A RAZÃO PORQUE FAZIAM ISTO, FOI PERGUNTAR AO CAVADOR:

 - ESTOU IMPRESSIONADO COM O ESFORÇO QUE OS DOIS PÕEM NO TRABALHO, MAS NÃO COMPREENDO PORQUE É QUE UM ESCAVA UM BURACO E, MAL ACABA, O PARCEIRO VEM ATRÁS E VOLTA A ENCHÊ-LO.

O CAVADOR, LIMPANDO A TESTA, SUSPIRA:

- BEM, ISTO PODE PARECER ESTRANHO PORQUE, NORMALMENTE, SOMOS TRÊS HOMENS NA EQUIPA; MAS HOJE O GAJO QUE PLANTA AS ÁRVORES TELEFONOU A DIZER QUE ESTÁ DOENTE ... !!!


A GABRIELA

Acabou-se a história e começa a saudade que ela nos deixa. Fosse eu ainda menino e pediria à minha avó: «avozinha, conta-me outra».

As histórias provocam-me encantamento. As de Jorge Amado transportam-me a um mundo de outras pessoas, pessoas como eu, como você, cujas vidas se desenrolam num quadro social que eu conheci porque foi o meu, sem cacau mas com os morgados a chamarem-se de coronéis.

Depois, o amor, o ciúme, os preconceitos, a inveja, os falsos pudores, a prepotência do poder, a hipocrisia da religião, etc... tudo vivido num meio pequeno, a desabrochar, por pessoas que todas elas se conhecem e cujas vidas se entrecruzam.

Tive a sorte de ver esta história representada por actores que nunca mais poderei esquecer. Muitos já morreram mas todos eles, ainda vivos ou já falecidos, continuam a viver na minha memória.

O romance que agora terminou tem a riqueza da palavra escrita, o sabor dos diálogos, o pormenor das situações, e a ausência de “rodriguinhos” e de “efeitos” para telenovela, em que o jovem vitorioso da luta política, recém-chegado à cidade, já não casa com a filha do poderoso coronel entretanto falecido.

Ficam as pistas no romance… Eu diria que eles ainda virão a casar, que diz a leitora? Embora o coração de Mundinho ainda não esteja disponível, segundo ele disse… lá virá o momento em que ele irá ceder, abrir-se e Jerusa vai entrar para lhe dar muitos meninos.

Jorge Amado não manipula os personagens e nos seus romances, ao contrário de Júlio Dinis, as histórias não acabam no meio dos “confettis” das festas de casamento. Desta vez, salvou, à última da hora, o amor na relação de Nacib com Gabriela e eu, que não gosto de me meter nessas coisas, fiquei muito feliz por isso.

Ele realça o amor, o verdadeiro, o carnal, como o da tia, mulher sabida, que vive uma paixão ardente com o jovem sobrinho seminarista. Lembram-se, com certeza, da Tieta do Agreste, mais uma personagem apaixonante de Jorge Amado que aqui desfilou no Memórias Futuras.

Tieta, Tereza Baptista Cansada de Guerra, Dona For e, finalmente, Gabriela, quatro admiráveis mulheres que tiveram que conviver com Zélia, a única, a esposa de sempre de Jorge Amado.

Estava em dívida com Jorge Amado desde que, em 1977, vi a Gabriela com a Sónia Braga na Televisão. Recuso-me a conhecer outra Gabriela -  por mais versões que eles apresentem - que não seja ela, a Sónia Braga, nos seus esplendorosos e selvagens  25 anos. - «Sapato não seu Nacib» -  «Moço bonito!»

Hoje, parte dessa dívida, ficou saldada. Voltaremos a ele como uma fonte inesgotável da vida através dos seus personagens.
JORGE AMADO

sexta-feira, janeiro 11, 2013

Não param de surpreender...


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Aparentemente... apenas latas de lixo





DEPENDE...

A professora, na escola, pergunta ao Manuel:

- Manuel, quantos são dois e dois? 

- DEPENDE, professora, se os números estão na horizontal são 22 se estão na vertical são 4.

- Muito bem, o menino parece que é esperto!

- Diga lá agora; quem descobriu o Brasil?

- DEPENDE, se refere a 1500 foi Pedro Álvares Cabral, se refere a antes de 1500, foi o Índio que já lá estava.

- Ah!...muito inteligente, não é Manuel? Você se acha um superdotado, certo?

- Então, diga-me, agora, quantos são os Mandamentos da Lei de Deus?

- Bom?... 
DEPENDE, professora!

- Como é que é 
DEPENDE?...

- DEPENDE, porque se é para homens são dez, mas se são para mulheres são nove.

- NOVE? Porquê, nove?

- Porque as mulheres não podem desejar a mulher do próximo!

- Depende... sussurra a professora.

A Fotografia da despedida...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 187 e último.

Foi depois da sesta. Antes da hora do aperitivo da tarde, naquele tempo vazio entre as três e as quatro e meia. Quando Nacib aproveitava para fazer as contas da caixa, separar o dinheiro, calcular os lucros. Foi quando Gabriela, terminado serviço, partia para casa. O marinheiro sueco, um loiro de quase dois metros, entrou no bar, soltou um bafo pesado de álcool na cara de Nacib e apontou com o dedo as garrafas de «Cana de Ilhéus».

Um olhar suplicante, umas palavras em língua impossível. Já cumprira Nacib, na véspera, seu dever de cidadão, servira cachaça de graça aos marinheiros.

Passou o dedo indicador no polegar, a perguntar pelo dinheiro. Vasculhou os bolsos, o loiro sueco, nem sinal de dinheiro. Mas descobriu um broche engraçado, uma sereia dourada. No balcão colocou a nórdica mãe-d’água, Iemanjá de Estocolmo.

Os olhos do árabe fitavam Gabriela a dobrar a esquina, por detrás da Igreja. Mirou a sereia, seu rabo de peixe. Assim era a anca de Gabriela. Mulher tão de fogo no mundo não havia, com aquele calor, aquela ternura, aqueles suspiros, aquele langor. Quanto mais dormia com ela, mais tinha vontade.

Parecia feita de canto e dança, de sol e luar, era de cravo e canela. Tomou da garrafa de cachaça encheu um copo grosso de vidro, o marinheiro suspendeu o braço, saudou em sueco, emborcou em dois tragos, cuspiu. Nacib guardou no bolso a sereia dourada, sorrindo.

Gabriela riria contente, diria a gemer: «Precisava não, moço bonito…».

E aqui termina a história de Nacib e Gabriela quando renasce a chama do amor de uma brasa dormida nas cinzas do peito.




Do « Post- Scriptum»

Algum tempo depois, o coronel Jesuíno Mendonça foi levado a júri acusado de haver morto a tiros sua esposa, Dª Sinhàzinha Guedes Mendonça e o cirurgião dentista Osmundo Pimentel por questões de ciúmes.

Vinte e oito horas duraram os debates, agitados, por vezes sarcásticos e violentos. Houve réplica e tréplica. Dr. Maurício Caíres citou a Bíblia, recordou as escandalosas meias pretas, moral e devassidão. Esteve patético.

Dr. Ezequiel Prado, emocionante: já não era Ilhéus terra de bandidos, paraíso de assassinos. Com um gesto e um soluço, apontou o pai e a mãe de Osmundo em luto e em lágrimas. Seu tema foi a civilização e o progresso. Pela primeira vez, na história de Ilhéus, um coronel do cacau viu-se condenado à prisão por haver assassinado a mulher adúltera e o seu amante.

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Só o do meio é verdadeiro.


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Algum de nós, um dia, soltou a amarra...


Para adoçar os tempos...


A Origem das Zangas...


A minha mulher sentou-se no sofá junto a mim enquanto
eu passava pelos canais.
Ela perguntou, "O que tem na TV? "
Eu disse, "Pó. "

E a briga começou...

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Quando cheguei a casa ontem à noite, a minha mulher
exigiu que a levasse a algum lugar caro.
Então eu levei-a ao posto de gasolina.
E então a zanga começou...

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A minha mulher e eu estávamos sentados numa mesa na
reunião do liceu, e eu fiquei a olhar para uma
moça bêbada que balançava seu drinque enquanto
estava sozinha numa mesa próxima.
A minha mulher perguntou, "Conhece-la ?"
"Sim," disse eu, "Ela é minha antiga namorada... Eu sei que
ela começou a beber logo depois de nos separarmos há
tantos anos e pelo que sei ela nunca mais ficou sóbria."
"Meu Deus!", disse a minha mulher, "quem pensaria que alguém pudesse ficar celebrando durante tanto tempo?"

E então a zanga começou...

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Depois de me reformar, fui até à Seg. Social para poder receber a reforma. A mulher que me atendeu solicitou o meu bilhete de identidade para verificar a idade.
Procurei nos bolsos e percebi que o tinha deixado em casa.
A funcionária disse que lamentava, mas teria que o ir buscar a casa e voltar depois. E disse-me, "Desabotoe a camisa."
Então, desabotoei-a deixando expostos os meus cabelos
crespos prateados. Ela disse, "Este cabelo prateado no seu peito é prova suficiente para mim," e processou a minha reforma.
Quando cheguei a casa, contei entusiasmado o que ocorrera
à minha mulher. E ela disse: "Por que não baixaste as
calças? Poderias ter conseguido invalidez permanente também... "

E então a zanga começou...

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A mulher está nua, olhando no espelho do quarto. Não está feliz com o que vê e diz para o marido, "Sinto-me horrível; pareço velha, gorda e feia. Realmente preciso de um elogio teu. "O marido responde, "A tua visão está perto da perfeição. "

E então a zanga começou...

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Levei a minha mulher ao restaurante. O empregado anotou o meu pedido primeiro. "Quero picanha mal-passada, por favor." O empregado interroga, "O Senhor não está preocupado com a vaca louca ?"
"Não, ela mesma pode fazer o seu pedido." - respondi.

E então a zanga começou...
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O marido volta do Médico e a mulher, toda preocupada, pergunta-lhe: "E então, o que disse o Médico?".
De pronto, ele respondeu: "A partir de hoje, não faremos mais amor, estou proibido de comer coisas gordas."

E então a zanga começou...


Frase do século sobre Portugal:



- Somos um país essencialmente agrícola: uns já "cavaram", outros vão "cavar" e os que ficam são "nabos"!

Nós, portugueses, nascidos como país há 873 anos,  depois de uma vitória memorável numa controversa  batalha contra um suspeito exército "muito poderoso" de mouros, podemos-nos dar ao luxo de brincar com estas coisas, ate´de duvidar dessa grande batalha que ficou na História com o nome de Ourique. 

É verdade, que ao longo dos séculos tivemos de "cavar" muito, cá dentro e lá fora... por todos as partes do mundo, a cavar e a fazer outras coisas... imaginação nunca nos faltou e nesta fase por que estamos a  passar bem precisamos dela.

Terrorista Financeiro (Filho da Puta - FP)

Este texto foi publicado recentemente no El País, tendo-se tornado absolutamente viral em Espanha. Reflecte sobre o terrorismo financeiro e a captura económica. Chama as coisas pelos seus nomes e faz uma análise sobre o capitalismo actual que está a incendiar não só Espanha como todo o mundo. O título é "Um canhão pelo cú", e é escrito por Juan José Millas.



Um canhão pelo cú

Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos - a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta (FP] pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco FP compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspectiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe o carácter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobre-protegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres. E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse FP que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, um objecto irreal no qual tu investiste toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.
Juan José Millas

 - Nota 
Parece haver exagero mas é assim. As economias foram conquistadas pelo poder financeiro, pelo dinheiro aos biliões, a quem os políticos se venderam. Hoje, não têm força, não conseguem libertar-se. As tentativas ,nesse sentido têm sido insuficientes e os esforços, não sendo feitos à escala mundial, não obtêm  os resultados desejáveis. Haja em vista o que tem acontecido após as falências de Bancos de Investimento em 2008 nos Estados Unidos. O poder político estrebruchou e pouco mais...
Pode ser que o Presidente Obama, político indiscutivelmente sério e não comprometido. escreva um dia as suas Memórias.


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 186

Quando faltavam apenas quatro dias para o domingo das eleições, por volta das três horas da tarde, o navio sueco, cargueiro de tamanho jamais visto naquelas paragens, apitou majestoso no mar de Ilhéus.

O negrinho Tuísca saíu a correr com a notícia e a distribuía de graça nas ruas do centro. A população juntou-se na avenida da praia.

Nem a chegada do bispo foi assim animada. Os foguetes subiam, estouravam no céu. Apitavam dois baianos no porto, os búzios das barcaças e lanchas saudavam o cargueiro. Saveiros e canoas saíram fora da barra, afrontando o mar alto para comboiar o barco sueco.

Atravessou lentamente a barra, dos seus mastros pendiam bandeiras de todos os países, numa festa de cores. O povo corria pelas ruas, reunia-se no cais. Formigavam as pontes, repletas de gente. Veio a Euterpe 13 de Maio tocando a dobrados, Joaquim no bombo a bater. Fechara o comércio as suas portas. Feriaram os colégios particulares, o Grupo Escolar, o Ginásio de Enoch.

A meninada aplaudia no porto, as moças do Colégio das Freiras namoravam nas pontes. Buzinavam automóveis, caminhões, marinetes. Num grupo, rindo alto, Glória entre Josué e Ribeirinho afrontando as senhoras.

Tonico Bastos, a serenidade em pessoa, de braço dado com Dª Olga. Jerusa de luto fechado, cumprimentava Mundinho. Nilo com seu apito, comandava Terêncio. Traíra, o moço Baptista. O padre Basílio com seus afilhados. O perneta do Bate Fundo olhando com inveja Nacib e Plínio Araça. Persignavam-se solteironas, sorriam saltitantes as irmãs Dos Reis.

No próximo presépio figuraria o cargueiro. Senhoras da alta-roda, moças casadoiras, mulheres da vida. Maria Machadão, generala das ruas de canto e dos cabarés. O Doutor preparando a garganta, as palavras difíceis. Como introduzir Ofenísia em discurso para navio sueco?

O negrinho Tuísca trepado no mastro de um veleiro. As pastoras de Dora do terno de reis, Gabriela o conduzia em passo de dança trouxeram o estandarte. Os coronéis do cacau sacavam os revólveres, atiravam para o ar. A cidade inteira de Ilhéus no cais.

Numa cerimónia simbólica, ideia risonha de João Fulgêncio, Mundinho Falcão e Steveson, exportadores, Amâncio Leal e Ribeirinho, fazendeiros, carregaram um saco de cacau a ser embarcado directamente de Ilhéus para o estrangeiro. O empolgante discurso do Doutor, foi respondido pelo Vice-cônsul da Suécia, o comprido agente de navegação.

À noite, desembarcados os marinheiros a animação cresceu na cidade. Pagavam-lhes bebidas nos bares. Levaram o comandante e os oficiais para os cabarés. O comandante quase carregado em triunfo. Era um bebedor de trago forte, de experimentada aguardente nos portos dos sete mares do mundo. Foi conduzido como morto do Bataclan para o navio, nos braços dos Ilheenses.

No dia seguinte, depois do almoço, os marinheiros tiveram outra vez folga, espalharam-se pelas ruas. «Como gostavam de cachaça Ilheense!», comprovavam com orgulho os grapiúnas. Vendiam cigarros estrangeiros, peças de fazenda, frascos de perfume, bugigangas douradas. Gastavam o dinheiro em cachaça, enfiavam-se nas casas de mulheres-damas, caíam bêbados na rua.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Sapoporo, muito fresquinha, no verão.

Era daqui que, antigamente, vinham os bebés numa cestinha pendurada no bico da cegonha...


Trabalhar por  Objectivos



Era uma vez uma aldeia onde viviam dois homens que tinham o mesmo nome: Joaquim Gonçalves. Um era sacerdote e o outro taxista.

Quis o destino que morressem no mesmo dia e quando chegaram ao céu S. Pedro esperava-os:

- O teu nome?

- Joaquim Gonçalves.

- És o sacerdote?

- Não, o taxista.

São Pedro consultou os seus apontamentos e diz:

- Bom, ganhaste o paraíso. Leva esta túnica com fios de ouro e

este ceptro de platina com incrustações de platina. Podes
entrar.

- O teu nome?

- Joaquim Gonçalves.

- És o sacerdote?

- Sim, sou eu mesmo.

Muito bem, meu filho, ganhaste o paraíso. Levas esta bata de linho e este ceptro de ferro.

O sacerdote diz: desculpe mas deve haver engano. Eu sou o Joaquim Gonçalves, o sacerdote!

- Sim, meu filho, ganhaste o paraíso, levas esta bata de linho e…

- Não pode ser! Eu conheço o outro senhor. Era taxista, vivia na minha aldeia e era um desastre! Subia os passeios, batia com o carro todos os dias, conduzia pessimamente, assustava as pessoas. Nunca mudou, apesar das multas e repreensões policiais e, quanto a mim, passei 75 anos pregando todos os dias na paróquia.

- Como é que ele recebe a túnica com fios de ouro e eu… isto?

Não é nenhum engano, diz São Pedro. Agora estamos a fazer aqui no céu uma gestão profissional, conforme vocês fazem lá na terra.

- Não entendo.

- Eu explico:

- Agora orientamo-nos por objectivos e assim, durante os últimos anos, cada vez que tu pregavas as pessoas dormiam, enquanto que, sempre que ele conduzia, as pessoas começavam a rezar.

- Resultados! Percebeste? Gestão por objectivos! O que interessa são os resultados, a forma de lá chegar é perfeitamente secundária.


A Religião
“A religião convenceu efectivamente as pessoas de que existe um homem invisível que vive no céu e que vê tudo o que fazemos, a cada minuto do dia. E o homem invisível tem uma lista de dez coisas que não quer que façamos. E se fizermos algumas dessas coisas, ele tem um lugar especial, repleto de fogo e fumo e calor e abrasamento e dor para onde nos manda viver e sofrer e arder e sufocar e gritar e chorar para todo o sempre, até ao fim dos tempos…


…Mas ele ama-nos!”


(George Carlin)


Liberdade Religiosa: 

Uma Vitória Da Humanidade


Depois de tanto derramamento de sangue em nome de Deus e por rivalidades entre os vários nomes de Deus, a consciência da humanidade tem sido orientada no sentido da tolerância, do respeito e da liberdade religiosa, de praticar ou não uma religião. Esta liberdade é uma importante conquista da modernidade.

O estudante de religiões do mundo, o teólogo católico Hans Küng, lembra que na grande obra do Iluminismo "Nathan, o Sábio" (1779), do grande poeta alemão Gotthold Ephraim Lessing, mostrou, pela primeira vez, que a tolerância entre as diferentes confissões cristãs e entre as diferentes religiões, era indispensável para a paz entre as nações. No entanto, naqueles anos, o Papa Pio VI rejeitou a liberdade de religião, liberdade de consciência e liberdade de imprensa e o conteúdo do que chamou abominável filosofia dos direitos humanos.

De facto, a Igreja Católica foi a principal opositora aos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade, auge da Revolução Francesa. Segundo Küng, o século XIX, marcado pela ideologia da Revolução Francesa, o Estado Papal foi o mais atrasado da Europa. O Papa rejeitou os Caminhos de Ferro, a iluminação a gás, as pontes suspensas… e também as vacinas, que foram proibidas no Vaticano em 1815, com base nestas palavras do Papa Leão XII:

- «Qualquer um que use a vacina não é mais um filho de Deus... A varíola é um julgamento de Deus e a vacina é um desafio ao céu.»

Com estas ideias como poderiam aceitar a liberdade religiosa?...


Gabriela e o gato...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 185


Do navio sueco com sereia de amor.

Agora, sim, era completamente feliz. O tempo correra. No próximo domingo realizar-se-iam as eleições. Ninguém duvidava dos resultados, nem mesmo o Dr. Victor Melo aflito em seu consultório no Rio de Janeiro.

Altino Brandão e Ribeirinho já haviam encomendado um jantar monumental ao restaurante do Comércio para uma semana depois, com champanhe e foguetes. Anunciavam-se comemorações grandiosas. Fizera-se uma subscrição, aberta por Mundinho, para comprar e oferecer ao Capitão a casa onde ele nascera e onde habitara Cazuzinha Oliveira, de saudosa memória.

Mas o futuro Intendente teve um gesto magnânimo. Doou o dinheiro ao dispensário para crianças pobres aberto no morro da Conquista pelo Dr. Alfredo Bastos. Nacib pretendia, após as eleições, visitar com Ribeirinho aquelas faladas terras mais além da serra do Baforé. Adquirir um pedaço, contratar a plantação de uma roça de cacau.

Jogava sua partida de gamão, conversava com os amigos, contava histórias da Síria. «Na terra de meu pai é ainda pior!...». Fazia a sesta, a barriga farta, roncando tranquilo.

Ia ao cabaré com Nhô-Galo, dormia com Mara, com outras também. Com Gabriela: todas as vezes que não tinha mulher e chegava a casa sem cansaço e sem sono.

Mais com ela, talvez, do que com as outras. Porque nenhuma se lhe comparava, tão formosa e húmida, tão louca na cama, tão doce no amor, tão nascida para aquilo. Chão onde estava plantado. Adormecia Nacib com a perna passada sobre a sua anca redonda. Como antigamente. Com uma diferença, porém: agora não vivia no ciúme dos outros, no medo de perdê-la, na ânsia de mudá-la.

Na hora da sesta, antes de adormecer, pensava consigo: agora não era senão para a cama, sentia por ela o mesmo que por todas as outras, Mara, Raquel, a ruiva Natacha, sem mais nada a juntar, sem a ternura de outrora.

Assim era bom. Ela ia a casa de Dora, dançava e cantava, combinavam festas para o mês de Maria. Nacib sabia, encolhia os ombros, até projectava assistir. Era sua cozinheira com quem dormia quando lhe dava vontade. E que cozinheira!, melhor não havia. Boa também na cama, mais do que boa, uma perdição de mulher.

Na casa de Dora, Gabriela ria e folgava, a cantar e a dançar. No terno de reis levaria o estandarte. Pularia fogueira na noite santa de São João. Folgava Gabriela, viver era bom. Batia onze horas, voltava para casa a esperar seu Nacib. Talvez fosse noite de ele vir a seu quarto, o cosquento bigode no seu cangaço, a perna pesada sobre a sua anca, o peito macio como um travesseiro.

Em casa apertava o gato contra o rosto, ele miava baixinho. Ouvia Dª Arminda falar dos espíritos e de meninos nascendo. Esquentava o sol nas manhãs sem chuva, mordia goiabas, vermelhas pitangas.

Conversava horas perdidas com seu amigo Tuísca, agora estudante para carpina. Corria descalça na praia, os pés na água fria. Dançava roda com as crianças na praça, de tarde. Esperava o luar esperando Nacib. Viver era bom.

terça-feira, janeiro 08, 2013

De que matéria são feitos os grandes artistas? ...  De certo, da mesma das estrelas que mais brilham no universo.

José Niza
A Construção do Silêncio

Já pensaste
Na imensidão dos gritos sofreados
Que são necessários para construir o silêncio?

Já alguma vez calculaste
Quantas mordaças apertadas
E quantas bocas esmagadas
São indispensáveis para construir o silêncio?

Acaso algum dia imaginaste
Os queixumes abafados dos humildes
Que são fundamentais para construir o silêncio?

E contudo
Quando nos beijávamos
Quando nos amávamos
Era nesse silêncio que habitávamos


José Nisa

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Acabadinho de pintar, pronto para uma passeata no Rio Tejo.



A Divina Comédia

A criancinha quer Playstation. A gente dá.
A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.
A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a da ementa e acaba tudo em festim de chocolate.
A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos. Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, às litradas. A gente olha para o lado e ela incha.
A criancinha quer camisola Adidas e ténis da Nike. A gente dá porque a criancinha tem tanto direito como os colegas da escola e é perigoso ser diferente.
A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a ao nosso lado no sofá e passa-lhe o comando.
A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de conta e o berreiro continua.
A gente assiste a tudo isto, a esta permissividade dos pais e conclui que as crianças estão entregues a elas próprias, sem rumo, sem destino, dependentes da sorte e de alguns genes hereditários de carácter que ainda possam resistir ao desleixo, ao descuido à irresponsabilidade dos pais. E os avós, impotentes, assistem... deixaram de entender o mundo que os rodeia.

Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher, desperta e, já mais crescida, começa a pedir mesada, semanada, diária. E gasta metade do orçamento familiar em saídas, roupa da moda, jantares e bares.
A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso. Mas não se pode pressioná-la porque ela já tem uma vida stressante, de convívio em convívio e de noitada em noitada.
A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal, e torna-se mais exigente com os papás. Agora, já não lhe basta que eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar à frente na mota, no popó e numas férias à maneira.
A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o processo de independência meramente informal. A rebeldia é de trazer por casa. Responde torto aos papás, põe a avó em sentido, suja e não lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas domésticas são «uma seca».
Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco minutos pôr nos eixos a criancinha que os papás abandonaram à sua sorte, mimo e umbiguismo. A criancinha, já crescidinha, fica traumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal.
Em casa, faz queixinhas, lamenta-se, chora. Os papás, arrepiados com a violência sobre as criancinhas de que a televisão fala e na dúvida entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreter do ordenado em folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas bofetadas bem dadas no professor «que não tem nada que se armar em paizinho, pois quem sabe do meu filho
sou eu».
A criancinha cresce. Cresce e cresce. Aos 30 anos, ainda será criancinha, continuará a viver na casa dos papás, a levar a gorda fatia do salário deles. Provavelmente, não terá um emprego. «Mas ao menos não anda para aí a fazer porcarias».

Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das escolas em zonas problemáticas, das famílias no fio da navalha?
Pois não, bem sei. Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo. E então teremos muitos congressos e debates para nos entretermos.

Miguel de Carvalho - Artigo publicado na revista VISÂO

NOTA

Assistimos a tudo isto ou, pelo menos, temos conhecimento desta permissividade de grande número de pais e concluímos que só pode ser o reverso da medalha de outros tempos em que as crianças eram educadas com excesso de austeridade, "sem porem pé em ramo verde", como então se dizia. Se estamos num contrabalanço, no extremo de dois males, então eu preferia o primeiro.
Será que os pais do antigamente que elevavam a autoridade e o rigor a principal valor da educação, gostavam menos dos filhos do que os pais de agora?
De certeza que não. Nesses tempos, toda a sociedade ajudava ao rigor na educação dos filhos. Hoje, violados os valores do respeito e da autoridade em que assentava essa educação, para o que muito contribuiu a revolução do 25 de Abril que funcionou como um destapar de uma panela de pressão, procura-se agora um equilíbrio, uma bissetriz que se ajuste melhor aos interesses de ambas as partes. Pais e filhos têm de dialogar, o que antigamente não acontecia, mas a última palavra tem de ser dos pais, Aqui, ente pais e filhos, a democracia não deve nem pode funcionar porque os primeiros não se devem demitir das suas responsabilidades.
Claro que é mais trabalhoso. Ao contrário do antigamente, hoje, a sociedade não ajuda e com a crise do desemprego, muito menos. Em muitos lares vive-se uma realidade desgraçadamente nova e é fácil imaginar como certas situações  de carência são dramáticas nas relações entre pais e filhos, especialmente naqueles casos em que os hábitos de consumismo não prepararam, uns e outros, para as dificuldades destes tempos. 

Um porte napoliónico...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 184

O Juiz tentava roubar-lhe a rosa da orelha. Ela fugia. Nacib contemplava, indiferente. Que lhe faltava para ser completamente feliz? A amazonense, aquela índia da casa de Maria Machadão, perguntava-lhe nas noites em que se encontravam, rindo com uns dentes selvagens:

 - Tu gosta da tua Mara? Acha ela gostosa?

Achava gostosa. Parecia pequena e gorducha, sentada nas pernas no leito, uma estátua de cobre. Ele a via pelo menos uma vez por semana. Deitava-se com ela, era um xodó sem complicações, sem mistério. Um dormir sem surpresas, sem violentos arroubos, sem o ganir das canelas, sem o tropel das éguas em cio, sem morrer e nascer.

Andava com outras também, Mara tinha muitos admiradores, os coronéis gostavam daquela fruta verde do Amazonas, eram poucas as suas noites livres.

Nacib debulhava ao acaso, nas casas de mulheres, nos cabarés, variados encantos. Até mesmo com a nova rapariga de Coriolano dormira uma vez, na casa da Praça. Uma cabrocha novinha trazida da roça.

Coriolano já não procurava saber se era enganado. Assim biscateava Nacib aqui e ali, na sua vida velha de sempre. Seu permanente rabicho, porém, continuava a ser a amazonense. Com ela dançava no cabaré, juntos bebiam cerveja, comiam frigideiras.

Quando ela estava livre, escrevia-lhe um recado com sua letra de escola, ele, fechado o bar, ia vê-la. Eram dias gostosos, esses em que, o bilhete no bolso, antegozava a noite na cama de Mara.

Que lhe faltava para ser completamente feliz. Um dia Mara mandou-lhe um bilhete, esperava-o à noite “para fazer gatinho”. Sorriu contente. Após fechar o bar tocou-se para casa de Maria Machadão. Essa figura tradicional de Ilhéus, a mais célebre dona de bordel , maternal e de toda a confiança, disse-lhe após abraça-lo:

 - Perdeu a viagem, turquinho. Mara está com o coronel Altino Brandão. Veio de Rio do Braço, especialmente, que podia ela fazer?

Saiu irritado. Não contra Mara, não podia interferir em sua vida, impedi-la de ganhar o pão. Mas contra a noite frustrada, o desejo como um rato a roer, a chuva a cair pedindo mulher debaixo dos lençóis.

Entrou em casa, tirou a roupa. Dos fundos, da cozinha ou da copa, veio um ruído de louça partida. Foi ver o que era. Um gato fugia para o quintal. A porta do quartinho dos fundos estava aberta. Ele espiou. A perna de Gabriela pendia da cama, ela sorria no sono. Um seio crescia no colchão e o cheiro de cravo tonteava.

Aproximou-se. Ela abriu os olhos e disse.

 - Seu Nacib…

Ele olhou e, alucinado, viu a terra molhada de chuva, o chão cavado de enxada, de cacau cultivado, chão onde árvores e medrava o capim. Chão de vales e montes, de gruta profunda onde ele estava plantado.

Ela estendeu os braços, puxou-o para si. Quando se deitou a seu lado e tocou seu calor, de súbito então tudo sentiu: a humilhação, a raiva, o ódio, a ausência, a dor das noites mortais, o orgulho ferido e a alegria de nela queimar-se. Segurou-a com força, marcando de roxo a pele cor de canela:

 - Cachorra!

Ela sorriu com os lábios de beijos e dentadas, sorriu com os seios erguidos, palpitantes, com as coxas de labareda, com o ventre de dança, e de espera, murmurou:

 - Importa não… Encostou a cabeça em seu peito peludo:

 - Moço bonito.

segunda-feira, janeiro 07, 2013

IMAGEM



GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 183

Tinha vontade de perguntar se tinha voltado a dormir com Gabriela, achou indelicado fazê-lo. Nacib saíu, nadando no gozo, a depositar dinheiro no banco.
Realmente nada sentia, acabara-se todo o vestígio de dor, de sofrimento. Temera ao contratar novamente Gabriela, sua presença a recordar-lhe o passado, medo de sonhar com Tonico Bastos, nu, em sua cama. Mas nada sucedera.
Era como se tudo aquilo tivesse sido um pesadelo longo e cruel. Voltaram às relações dos primeiros tempos, de patrão e cozinheira, ela muito despachada e alegre, a arrumar a casa, a cantar, a vir ao restaurante preparar os pratos do almoço, a descer ao bar na hora do aperitivo para anunciar o menu de mesa em mesa, obtendo fregueses para o andar de cima.

Quando o movimento terminava, por volta da uma e meia da tarde, Nacib sentava-se para almoçar, servido por Gabriela. Como antigamente. Ela rodava em torno da mesa, trazia-lhe a comida, abria a garrafa de cerveja.

Comia depois com o único garçon (Nacib despedira o outro ante o movimento reduzido do restaurante) e com Chico Moleza, enquanto Walter, o substituto de Bico Fino olhava pelo bar. Nacib tomava um velho jornal da Baía, acendia o charuto de São Félix, no fundo da espreguiçadeira encontrava a rosa caída.

Nos primeiros dias jogara -a fora, depois passara a guardá-la no bolso. O jornal rolava no chão, o charuto apagava-se, Nacib dormia sua sesta, na sombra e na brisa.

Acordava com a voz de João Fulgêncio vindo para a Papelaria. Gabriela preparava os salgados e os doces para a tarde e a noite, ia depois para casa, ele a via cruzar a praça, em chinelas, desaparecer atrás da igreja.

Que lhe faltava para ser completamente feliz? Comia a inigualável comida de Gabriela, ganhava dinheiro, juntava no banco, em breve procuraria terra para comprar. Haviam-lhe falado numa nova faixa desbravada mais além da serra do Baforé, terra assim tão boa nunca existira.

Ribeirinho propunha-se levá-lo até lá, era perto de suas fazendas. Os amigos e fregueses diariamente no bar, por vezes no restaurante. As partidas de damas e gamão. A boa prosa de João Fulgêncio, do Capitão, do Doutor, de Nhô-Galo, de Amâncio, de Ari, de Josué, de Ribeirinho.

Esses dois sempre juntos desde que o fazendeiro montara casa para Glória, perto da estação. Por vezes até comiam os três no restaurante, davam-se bem.

Que lhe faltava para ser completamente feliz? Nenhum ciúme a comer seu peito, nenhum receio de perder a cozinheira, onde ela iria arranjar melhor ordenado e posto mais seguro? Além do mais era insensível às ofertas de casa montada e conta na loja, aos vestidos de seda, aos sapatos, ao luxo das mancebas.

Porque, Nacib não sabia, era um absurdo, sem dúvida, mas nem lhe interessava descobrir o motivo. Cada um com sua loucura. Talvez fosse aquela história de flor dos campos não servir para jarros, de que falara uma vez João Fulgêncio.

Isso pouco lhe afectava, como não mais o irritavam as palavras sussurradas quando vinha ao bar, os sorrisos, os olhares, as palmadas na bunda, a mão, o braço ou o seio tocados levemente. Tudo aquilo prendia a freguesia, um cálice a mais, um novo trago.

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