sábado, agosto 25, 2012

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Fragata inoperacional há já muitos anos, 50 ou 60. Eram utilizadas para fazerem o movimento de carga e descarga dos navios fundeados no Tejo, Usavam uma vela, carregavam até 100 toneladas e eram uma das embarcações mais emblemáticas do rio Tejo. Um primo meu, ferrenho benfiquista, era proprietário de um barco destes que colaram na minha memória de criança a imagem de homens vergados com sacos às costas a subirem para as fragatas por pranchas inclinadas.


RAÚL SOLNADO

Raúl Solnado faz parte da "família" de todos os portugueses com excepção dos jovens que já só o apanharam de "raspão". Sinto que é minha obrigação recordá-lo mas eu faço-o por devoção, como artista e como homem.


As Raízes da Religião

Toda a gente tem a sua teoria de estimação sobre a origem da religião, a razão pela qual todas as culturas humanas têm uma. Uns, dizem que reconforta e consola, outros, que promove a união dos grupos, satisfaz a nossa ânsia de percebermos porque existimos, etc…

Sabemos hoje que somos o produto de um processo de evolução darwiniana, tal como todos os seres vivos. Os belíssimos documentários que são trazidos até nós pelos programas dos canais da Odisseia e da National Geografic sobre a origem do Homem, não nos deixam dúvidas sobre a dificuldade desse processo. Várias “tentativas” que não sabiam que eram “tentativas” e todas abortaram ao longo de alguns milhões de anos.

Finalmente, ficámos nós, só nós, todos os outros desapareceram, não vingaram, como se costuma dizer. Conhece-se alguma coisa desse processo - que continua e continuará -  o suficiente para podemos dizer que ele foi muito difícil. Uma vez, pelo menos,  a quando da explosão do vulcão Toba, há 75.000, na Indonésia, estivemos à beira do "abismo" reduzidos ao número mínimo de elementos capaz de sobreviver.

Por isso, é legítimo perguntar que pressão ou pressões foram exercidas pela selecção natural que tenham favorecido, na sua origem, o impulso para a religião, tanto mais quanto é verdade que a religião é esbanjadora e extravagante. Os rituais religiosos têm custos em tempo, recursos, dor e privação.

 A religião pode por em perigo a vida do indivíduo mais devoto tal como a dos outros. Milhares de pessoas foram torturadas por lealdade a uma religião, perseguidas por fundamentalistas apenas, muitas vezes, por pertencerem a uma fé alternativa que pouco tinha de diferente. Veja-se o caso dos sunitas e xiitas e entre católicos e protestantes.

Por outro lado, a religião devora recursos, por vezes numa escala maciça. Uma Catedral medieval podia levar séculos de trabalho humano a ser construída e, no entanto, nunca era usada como residência ou com algum outro fim que fosse útil.

A música sacra e a pintura devota monopolizaram em grande parte o talento da época medieval e do Renascimento. Gente devota morreu pelos seus deuses e por eles matou. Outros autoflagelaram-se até as costas verterem sangue, juraram uma vida de celibato ou de silêncio em clausura, tudo ao serviço da religião.

Para quê tudo isto? Qual o benefício da religião?

A nossa espécie por muito inteligente que possa ser, é, no entanto, dotada de uma inteligência «perversa» porque assimila conhecimentos sobre o mundo natural e de como sobreviver nele mas depois, em simultâneo, atulham as suas mentes com crenças manifestamente falsas.

Embora os pormenores variem de região para região, não se conhece nenhuma cultura no mundo que não tenha a sua versão da religião, com os seus rituais pródigos em esbanjar tempo, em consumir riquezas e em gerar hostilidades.

Há pessoas instruídas que abandonaram a religião, mas todas foram criadas numa cultura religiosa, que normalmente deixaram para trás através de uma decisão consciente. Lembremos a velha piada irlandesa que pergunta: «sim, és ateu, mas ateu protestante ou ateu católico?»

Do ponto de vista darwiniano não há nenhuma dificuldade em explicar o comportamento sexual. Trata-se de fazer filhos mesmo nas situações em que a contracepção ou a homossexualidade o parecem contrariar.

Mas, e o comportamento religioso? Porque jejuam os humanos, porque se ajoelham, autoflagelam, acenam freneticamente com a cabeça em frente de um muro, porque fazem cruzadas?

(Richard Dawkins. Continuaremos)


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 176

O engenheiro passara a símbolo de devassidão, de descalabro moral. Talvez isso se devesse sobretudo ao facto de ele ter fugido, acovardado, a tremer de medo no quarto do hotel, embarcando às escondidas sem se despedir sequer dos amigos.

Houvesse ele reagido, lutado e encontraria, certamente quem o apoiasse. A antipatia a cercá-lo não atingira Malvina. É claro que cochichavam sobre o namoro, os beijos no cinema e no portão, havia até quem apostasse sobre a sua virgindade.

Mas, talvez porque se sabia ter a moça enfrentado de cabeça erguida o pai em fúria, a gritar-lhe enquanto ele baixava o rebenque, sem dobrar o cangote, a cidade simpatizou com ela.

Quando, umas duas semanas depois, Melk a levou para a Baía para interná-la no Colégio das Mercês, várias pessoas acompanharam-na ao porto, mesmo algumas colegas do Colégio das Freiras. João Fulgêncio trouxera-lhe um saco de bombons, apertara-lhe a mão e lhe dissera:

 - Coragem!

Malvina sorrira, quebrou-se seu olhar glacial e altivo, sua pose de estátua. Jamais estivera tão bela. Josué não viera ao porto, mas confidenciara a Nacib, junto ao balcão do bar:

 - Eu a perdoei – Andava saltitante e conversador, se bem de faces ainda mais cavadas, com olheiras negras, enormes.

Nhô-Galo, presente, olhava a janela risonha de Glória:

 - Você, professor anda escondendo leite. Ninguém lhe vê no cabaré, eu conheço tudo o que é mulher em Ilhéus e sei com quem cada uma está de xodó. Nenhuma com você… Onde vossa senhoria está arranjando essas olheiras?

 - No estudo e no trabalho…

 - Estudando anatomia… Trabalho desse também quero… – Seus olhos indiscretos iam de Josué para a janela de Glória.

Nacib também andava desconfiado. Josué aparentava uma indiferença excessiva em relação à mulata e deixara completamente de pilheriar com Gabriela. Ali havia coisa…

 - Esse engenheiro prejudicou um bocado Mundinho Falcão…

 - Nada disso tem a menor importância. Mundinho vai ganhar na certa. Sou capaz de apostar.

 - Não é tão certo assim. Mas, mesmo que ganhe, o governo não reconhece, vai ver…

A adesão do coronel Altino à causa de Mundinho, seu rompimento com os Bastos, arrastara vários outros. Durante uns dias as notícias sucederam-se: o coronel Octaviano, de Pirangi, o coronel Pedro Ferreira, de Mutuns, o coronel Abdias de Sousa, de Água Preta. Tinha-se a impressão de que se o prestígio dos Bastos não ruíra completamente, pelo menos sofrera profundo abalo.

O aniversário do coronel Ramiro, ocorrido semanas após o acidente com Rómulo, veio provar o exagero dessas conclusões. Nunca fora festejado com tanto ruído. Foguetório pela manhã, acordando a cidade, salvas e rojões em frente à sua casa e à Intendência. Missa cantada pelo Bispo, a Confraria de São Jorge em peso, a Igreja cheia, sermão do padre Cecílio celebrando, com sua voz ardente e efeminada, as virtudes do coronel.
(Click na imagem: Não seria melhor estar cá em baixo, deitada na areia?... mas as mulheres são assim, gostam de se evidenciar. Que injusto que sou, ela apenas está a cumprir ordens do fotógrafo... só assim ele poderia captar os contrastes do azul do vestido no branco da nuvem e, principalmente, do branco desta naquele azul tremendo do céu.)

sexta-feira, agosto 24, 2012

IMAGEM

A praia de Porto  Covo, na costa alentejana portuguesa, onde a Europa acaba e o mar começa... 


DUAS VOZES ÚNICAS

A MORTE

O PADRE E A FREIRA

Um Padre (muito cavalheiro) ofereceu à freira uma boleia para o convento, já que estava tarde e a chuva não demoraria a chegar...

No caminho o carro avariou. Depois de caminharem uma hora debaixo de chuva, avistaram um motel, e o padre sugeriu:

- Irmã, creio que será melhor dormimos aqui neste motel, e amanhã chamaremos o carro do convento para nos vir buscar.
A irmã, toda molhada e cansada,   concordou feliz da vida!!!!  
Na recepção, foram informados que tinham somente um quarto com uma cama de casal disponível.    

O padre olhou para a freira e disse :  
- Sem problemas, a Irmã  pode dormir na cama, que eu durmo  no chão.  E assim fizeram.
No entanto, no meio da madrugada, a irmã acordou o padre dizendo:

- Padre! Está acordado?
- ( O padre bêbado de sono ) Hã?! Ah, irmã, o que foi?
- Ah... é que eu estou com frio. Pode-me chegar o cobertor?  
- Sim, irmã, concerteza!

O padre levantou-se, tirou o cobertor do armário e cobriu a irmã com muita ternura.

Uma hora depois a irmã acorda o padre novamente dizendo:

- Padre! Ainda está acordado?


- (  O padre a babar na gola ) Ah? Ah,irmã, o que foi agora?


- É que eu ainda estou com frio. Pode-me chegar outro cobertor?


- Claro irmã, claro que sim!


Mais uma vez o padre levantou-se cheio de amor e boa vontade para atender o pedido da irmã.
Outra hora se passou e mais uma vez a irmã chamou pelo padre.

- Padre, ainda esta acordado?  
- ( O padre engasgando com o próprio ronco ) Ah? Sim irmã, o que foi agora?

- É que eu não consigo adormecer. Ainda estou com muito frio.

Finalmente, entendendo as intenções da irmã, o padre disse:

- Irmã, só estamos nós os dois aqui, certo?
- Certo!  
- O que acontecer, ou deixar de acontecer aqui, só nós saberemos e mais ninguém, certo?
- Certo!  
- Então tenho uma sugestão: Que tal nós fazermos de marido e mulher?

A freira pula de alegria na cama e diz:

- Sim! Sim! Vamos fazer de marido e mulher! 

Nesse momento o padre muda o tom de voz e grita:

- ENTÃO, PORRA! LEVANTA ESSE CU DA CAMA E VAI TU BUSCAR A MERDA DO COBERTOR!


Obs - Quem pensou que iria haver um final erótico, faz favor, reza 10 Avé-Marias e 20 Pai-Nossos por maus pensamentos...   

ENTREVISTA FICCIONADA
COM JESUS Nº 63 SOBRE O TEMA:
“SANTÍSSIMA TRINDADE”



RAQUEL - Continuamos no cume do Monte Tabor. Na entrevista anterior, o senhor, Jesus Cristo, não parecia muito entusiasmado com o privilégio de ter duas naturezas, uma humana e outra divina em sua única pessoa.

JESUS - Não é isso, Raquel, é que não compreendi bem...

RAQUEL -  Não fuja pela tangente dizendo que todos os seres humanos somos criados a imagem e semelhança de Deus. Isso já nós sabemos. Mas o senhor... o senhor chamou a si mesmo de Filho de Deus.

JESUS - Eu sempre me chamei de filho do homem. Eu sou um homem, Raquel. Um homem verdadeiro.

RAQUEL - Mas também um deus verdadeiro. O senhor… o senhor é deus.

JESUS -    Pára, Raquel. Fico horrorizado com o que você está dizendo. Só Deus é Deus.

RAQUEL -  Creio que é hora de falar claramente. Eu estou me referindo à Santíssima Trindade. É disso que quero falar, é disso que a nossa audiência quer ouvir, sobre a Santíssima Trindade.

JESUS - Pois falemos.

RAQUEL - Esse dogma estabeleceu-se no Concílio de Nicéia. Deus: três pessoas e uma só natureza. Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. É ou não é assim?

JESUS -    Falas de três deuses?

RAQUEL - Falo de três naturezas em uma só pessoa. Ao invés, de três pessoas em uma só natureza. É que estes temas são complicados, compreenda. Falo de três pessoas divinas.

JESUS - E quem são essas três pessoas?

RAQUEL -  Bom, o senhor é uma delas.

JESUS - E as outras duas?

RAQUEL - O Pai e o Paráclito.

JESUS - Quem é o Paráclito?

RAQUEL - O Espírito Santo. Um pai, um filho e um Paráclito. Essa é a família divina.

JESUS - Uma família só de homens?

RAQUEL -  Deixe as brincadeiras para mais tarde. E volto a lhe pedir que se concentre porque este tema é crucial. Este é o dogma dos dogmas.

JESUS - Então,  diz-me tu quem eu sou.

RAQUEL - O senhor vem a ser a segunda pessoa da única natureza divina, ainda, como recordará, o senhor conta com duas naturezas em uma mesma pessoa. Entende agora?

JESUS - Não.

RAQUEL -  Luz de luz, deus verdadeiro de deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao pai.

JESUS - Mas, Raquel, como eu vou ser uma pessoa com duas naturezas e uma natureza com três pessoas?

RAQUEL -  A solução de tudo isto é a união hipostática. Três que não são três, mas um. E um que não é um, mas dois.

JESUS – Acredita, Raquel, que eu estou me esforçando para te acompanhar, mas isso me parece uma geringonça. Não estou entendendo nada.

RAQUEL -  Bom, os mistérios divinos são assim.

JESUS - Ou melhor, as trapalhadas humanas. Porque eu, desde menino, que meu pai e minha mãe me ensinaram que Deus é Um. E que ninguém jamais viu seu rosto.

RAQUEL - Bibliotecas inteiras explicando o dogma da Santíssima Trindade, triângulos com o olho divino, sermões, pinturas, catedrais... e agora o senhor vem nos dizer…

MENINA - Hei!... Vocês são daqui?

JESUS -  Vem aqui, garota, qual é o teu nome?

MENINA - Maria

JESUS - Que nome bonito, como o da minha mãe. Vem, fica aqui com a gente. O que queres?

MENINA - Um sorvete!

JESUS - Um sorvete não, vamos comprar “três” sorvetes. Olha pra ela, Raquel. Fala com ela. As crianças são as que mais sabem sobre Deus. Deus não se revela aos sábios nem aos teólogos.

RAQUEL - E o resto?

JESUS - O resto é o menos. Vamos, Maria. Muda de cara, Raquel. A natureza está aqui, ante nossos olhos. E nós somos as três pessoas. Tu, eu e Maria.

RAQUEL -  Pois… nós três nos despedimos do programa. Até a próxima… Do Monte Tabor, Emissoras Latinas.



GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 175


Gabriela ia andando, aquela canção ela a cantara em menina. Parou a escutar a ver a roda a rodar. Antes da morte do pai e da mãe, antes de ir para a casa dos tios.

Que beleza os pés pequeninos no chão a dançar! Seus pés reclamavam, queriam dançar. Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar.

Arrancou os sapatos, largou na calçada, correu prós meninos. De um lado Tuísca, do outro lado Rosinha. Rodando na praça, a cantar e a dançar:

Palma, palma, palma
Pé, pé, pé.
Roda, roda, roda…
Caranguejo peixe é.

A cantar, a rodar, as palmas bater, Gabriela menina.


Das Flores e dos Jarros


Atingira a luta política também as eleições da confraria de São Jorge, em plena Catedral. Muito desejara o Bispo conciliar as correntes, repetir o tento lavrado por Ataúlfo Passos. Gostaria de ver reunidos em torno do santo guerreiro os fiéis dos bastos e os entusiastas de Mundinho. Todo Bispo que era, de barrete vermelho, não conseguiu.

A verdade era que Mundinho não levava a sério aquela história da confraria. Pagava por mês e acabou-se. Disse ao Bispo estar disposto a votar, se lá fosse votar, no nome que ele indicasse. Mas o Doutor, de olho na presidência, fez pé firme. Começou a cabalar. Dr. Maurício Caíres, devoto e devotado, era candidato à reeleição. E a deveu sobretudo ao engenheiro.

Repercutira intensamente na cidade o agitado fim do namoro. Apesar de o diálogo na praia, entre Melk e Rómulo, não ter sido ouvido por ninguém, existiam dele pelo menos uma dez versões, cada qual mais violenta, menos simpática ao engenheiro. Até de joelhos o puseram junto ao banco da avenida, a suplicar piedade.

Transformaram-no num monstro moral, de vícios inconfessáveis, aliciando mulheres, pavoroso perigo para a família ilheense. O Jornal do sul dedicou-lhe um dos seus artigos mais longos – toda a primeira página, continuando pela segunda – e mais grandiloquentes. A moral, a Bíblia, a honra das famílias, a dignidade dos Bastos, sua vida exemplar, a devassidão de todos os oposicionistas a começar pela do seu chefe, Anabela e a necessidade de conservar ilhéus à margem da degradação de costumes que ia pelo mundo, faziam desse artigo uma página antológica. Aliás, várias páginas.

Para a Antologia da imbecilidade… - dissera o Capitão.

Paixão política. Porque em Ilhéus o saborearam, sobretudo as solteironas, quando o Dr. Maurício Caíres repetiu grandes trechos do artigo como discurso de posse, reeleito que fora para a presidência da Confraria: “… aventureiros vindos dos centros de corrupção, a pretexto de discutíveis e inúteis trabalhos, querem perverter a alma incorruptível do povo de ilhéus…”

(Click na imagem: Vamos beber à saúde?... mas de quem? - À nossa, á dos  meus amigos e, porque não, à dela que foi da idéia?)

quinta-feira, agosto 23, 2012

IMAGEM
Esta imagem foi recolhida algures na costa do Atlântico norte onde vivem os papagaios do mar, um deles em 1º plano na fotografia. Ao contrário dos seus homónimos da América do Sul, estes papagaios voam muito mal. A vocação deles é mais para nadar de baixo de água onde apanham peixinhos pequeninos com o seu bico devidamente preparado. Na natureza é assim: cada um é para aquilo que evoluiu...


GENE KELLY

Se fosse vivo faria hoje 100 anos. Dançarino, actor, cantor e realizador, Gene Kelly deixou uma marca na história do cinema musical. esta cena do filme Serenata à Chuva, de 1952, tornou-se mesmo numa das longas metragens icónicas do cinema musical. Vi esta cena várias vezes ao longo da minha vida de forma deliciada... é um primor de técnica e de bom gosto de um dos melhores dançarinos do seu tempo. Em homenagem do seu centenário revemos, mais uma vez, o "Singin In The Rain"


A RAÇA DO ALENTEJANO

Como é um alentejano? 

 - É, assim, a modos que atravessado.
Nem é bem branco, nem preto, nem castanho, nem amarelo, nem vermelho....
E também não é bem judeu, nem bem cigano.
Como é que hei-de explicar?
É uma mistura disto tudo com uma pinga de azeite e uma côdea de pão:


- Dos amarelos,  herdámos a filosofia oriental, a paciência de chinês e aquela paz interior do tipo "não há nada que me chateie";
- Dos pretos, o gosto pela savana, por não fazer nada e pelos prazeres da vida;

- Dos judeus, o humor cáustico e refinado e as anedotas curtas e autobiográficas;
- Dos árabes, a pele curtida pelo sol do deserto e esse jeito especial de nos escarrancharmos nos camelos;
- Dos ciganos, a esperteza de enganar os outros convencendo-os de que são eles que nos estão a enganar a nós;
- Dos brancos, o olhar intelectual de carneiro mal morto;

- Dos vermelhos, essa grande maluqueira de sermos todos iguais.

O alentejano, como se vê, mais do que uma raça pura, é uma raça apurada.
Ou melhor, uma caldeirada feita com os melhores ingredientes de cada uma das raças.
Não é fácil fazer um alentejano.
Por isso, há tão poucos.

É certo que os judeus são o povo eleito de Deus.
Mas os alentejanos têm uma enorme vantagem sobre os judeus:
nunca foram eleitos por ninguém, o que é o melhor certificado da sua qualidade.

Conhecem, por acaso, alguém que preste que já tenha sido eleito para alguma coisa?
Até o próprio Milton Friedman reconhece isso quando afirma que:
«as qualidades necessárias para ser eleito são quase sempre o contrário das que se exigem para bem governar».

E já imaginaram o que seria o mundo governado por um alentejano?

Era um descanso!!!...



GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 174



 - Pra ver quem?

 - Pra ver seu Nacib.

Dizer mais não precisava, derretia-se todo. As solteironas olhavam, os homens olhavam, o padre Basílio vinha da Igreja, a bênção lhe dava:

 - Deus te abençoe, minha rosa de Jericó.

Não sabia o que era, mas era bonito. Dia gostoso, o de ir ao dentista. Na sala de espera se punha a pensar. Seu coronel Manuel das Onças, apelido engraçado, velho teimoso, mandara um recado: se ela quisesse, no nome dela botava uma roça plantada, preto no branco, no cartório.

Uma roça… Não fosse seu Nacib tão bom, e o velho tão velho, e ela aceitava. Não para ela, de que lhe servia? Roça para quê? Para ela mesmo queria não… mas para dar para Clemente, ele tanto queria… Onde andava Clemente? Ainda estaria na roça do pai da moça bonita, a do engenheiro? Mal feito bater de chicote na pobre.

Que fizera de mais? Se tivesse uma roça daria a Clemente. Que bom que seria… Mas seu Nacib não entenderia, não ia deixá-lo sem cozinheira. Se não fosse por isso, podia aceitar. O velho era feio, mas passava na roça um mundo de tempo e, nesse tempo, seu Nacib podia vir consolar, com ela deitar…

Tanta bobagem para pensar. Pensar, umas vezes era bom, outras não era. Pensar em defunto, em tristeza, gostava não. Mas de repente pensava. Nos que tinham morrido na estrada, seu tio entre eles. Coitado do tio. Lhe batia em pequena. Se meteu em sua cama, ela ainda menina. A tia arrancava os cabelos, xingava nomes, ele a empurrava, lhe dava tabefes.

Mas não era ruim, era pobre de mais, não podia ser bom. Pensar coisa alegre, isso gostava. Pensar nas danças da roça, os pés descalço batendo no chão. Na cidade iluminada onde estivera quando a tia morrera, na casa tão rica de gente orgulhosa. Pensar em Bebinho. Isso era bom…

Certa gente também só conservava tristezas. Que coisa mais tola… Dª Arminda tinha dias: amanhecia amuada, lá vinham tristezas, amarguras, doenças. Não falava outra coisa. Amanhecia contente, sua prosa era um pão. Um pão com manteiga, gostosa, só vendo. Falava das coisas, contava dos partos, os meninos nascendo. Isso era bom.

O dente curado, que pena! Dente de ouro. Seu Nacib era um santo, pagava ao dentista sem ela pedir. Um santo ele era, a dar-lhe presentes, tantos, para quê?

Quando a visse no bar, reclamaria. Tinha ciúmes… Que engraçado…

 - Que fazes aqui? Vai andando para casa…

Ia andando para casa. Vestida de fustão, enfiada em sapatos, com meias e tudo. Em frente à Igreja, na praça, as crianças brincavam brinquedos de roda. As filhas de seu Tonico, cabelos tão loiros, pareciam de milho. Os meninos do promotor, o doentinho do braço, aqueles sadios de João Fulgêncio, os afilhados do padre Basílio. E o negrinho Tuísca, no meio da roda, a cantar e a dançar:

A rosa ficou doente,
O cravo foi visitar,
A rosa teve um desmaio,
O cravo pôs-se a chorar.

(Click 2 vezes na imagem. Parece que os conceitos de beleza física têm um pouco a ver com os seus contrastes. As pessoas do Sul da Europa, mais predominantemente morenas, preferem as louras e as do Norte, pelo contrário, mais branquinhas, as morenas. A ser verdade, e parece que sim, pode concluir-se que a natureza terá feito a sua "forcinha" para misturar tudo, optando pelos híbridos, Não gosta dos "puros", lá terá as suas razões... e ela quase nunca se engana. Assim, os homens e as mulheres sentem-se mais atraídos pelos seus contrários. Eu, que tenho olhos azuis-esverdeados, nunca trocaria esta morena por nenhuma loira...)

quarta-feira, agosto 22, 2012

IMAGEM

Uma imagem do Outono... e já não falta muito, daqui por um mês cá o teremos.


Mário Viegas Manifesto Anti-Cavaco

Já passaram uns anitos bons, o "nosso" Cavaco lá continua, agora como Presidente da República e Mário Viegas, o melhor actor e declamador de sempre do nosso país, faleceu há muito (1996). Estamos em 1995, ano de eleições em que Mário Viegas é o 3ºcandidato pela Lista da UDP.
Recordêmo-lo neste Manifesto Anti Cavaco.


Portugal, Nação Valente e Imortal  (II Parte)

As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá?
  
Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.

Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!

Loureiro para o Panteão já!

Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça,  já!

Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.

 Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.

Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando
Vara.
Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito.
Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.

Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair.

Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar de D. José que, aliás, era um pateta.
 Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos.
Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor, deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca.
Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o
Bem-Estar.

Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então?
Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns
Violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.

Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos.
Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.
Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever.

E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes…
(Crónica satírica de António Lobo Antunes, Abril de 2012)
          



GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 173


Na Papelaria, à tarde, morto de sono, Josué anunciara definitiva volta à poesia, agora sensual, a cantar os prazeres da carne. E acrescentara:

 - O amor eterno não existe. Mesmo a mais forte paixão tem o seu tempo de vida. Chega seu dia, se acaba, nasce outro amor.

 - Por isso mesmo o amor é eterno – concluiu João Fulgêncio – Porque se renova. Terminam as paixões, o amor permanece.

Na sua janela, triunfante e dengosa, Glória sorria para as solteironas, condescendente. Já não invejava ninguém, a solidão acabara.


Canção de Gabriela


Assim, vestida de fustão, enfiada em sapatos, com meias e tudo, até parecia filha de rico, de família abastada. Dª Arminda aplaudia:

 - Não tem em Ilhéus quem chegue a teus pés. Nem casada, nem moça, nem rapariga. Não vejo nenhuma.

Gabriela rodopiava em frente do espelho admirando-se. Era bom ser bonita: os homens enlouqueciam, murmuravam-lhe frases com voz machucada. Gostava de ouvir, se era um moço a dizer.

 - Seu Josué queria que eu fosse morar com ele, a senhora imagine! É um moço tão lindo…

 - Não tem onde cair morto, professor de menino. Nem pense nisso, você pode escolher.

 - Penso não. Morar com ele quero não. Ainda se fosse…

 - Tá assim de coronel querendo, sem contar o Juiz. Sem falar em seu Nacib, esse anda morrendo

- Porque, não sei não… - Sorriu – Tão bom, seu Nacib. Agora não pára de me dar presente. Presente de mais… não é velho nem nada… Tanta coisa para quê? De bom que ele é…

 - Não se espante quando ele lhe pedir em casamento…

 - Não tem precisão porque há-de pedir? Precisa não.

Nacib descobrira-lhe um dente furado, mandara-o tratar, botar dente de ouro. Escolhera ele mesmo o dentista (lembrava-se de Osmundo e Sinhàzinha), um velho magrela na rua do porto. Duas vezes por semana, após enviar os tabuleiros, preparado o jantar de Nacib, ia ao dentista vestida de fustão.

Já estava no fim, o dente curado, era uma pena. Atravessava a cidade, o corpo a gingar, olhava as vitrinas, as ruas entupidas de gente, roçando ao passar.

Ouvia palavras, ditos galantes, via seu Epaminondas, medindo fazenda, vendendo pano. De volta parava no bar, cheio àquela hora do aperitivo. Nacib zangava-se:

 - Que veio fazer?

 - Passei só para ver…
(Click na imagem. Estamos na vindima, porque não uma uvinhas?)

ENTREVISTA FICCIONADA
 COM JESUS Nº 62 SOBRE O TEMA: 
“O SENHOR É DEUS”




RAQUEL - A unidade móvel de Emissoras Latinas mudou-se para o cimo do cume do Monte Tabor. Galileia, verde e esplêndida, a nossos pés. Acredita-se que foi aqui o lugar escolhido pelo senhor para se transfigurar diante de seus discípulos. Bom dia, Jesus Cristo.

JESUS - Bom dia, Raquel. Shalom!

RAQUEL - Apesar de ter mil perguntas pendentes, não posso evitar mais a que nossa audiência tanto espera. Quem é o senhor?

JESUS - Eu?... Eu sou Jesus.

RAQUEL - Alguns disseram que o senhor veio de outro planeta. Que é um extraterrestre.

JESUS - Extraterrestre?

RAQUEL - Não sou eu quem diz isso, mas escritores como J.J. Benítez que cavalga no cavalo de Tróia. Disse que na sua morte um disco voador veio recolhê-lo e o levar de volta à galáxia de onde veio.

JESUS - No meu tempo também escreviam contos, como o da Arca de Noé. Mas até as crianças sabiam que eram apenas isso, contos. Eu nasci nesta terra que estamos pisando. Não vim de nenhuma estrela.

RAQUEL - Nas entrevistas anteriores, o senhor deu-nos detalhes de seu nascimento, de seus pais. Mas, sejamos sinceros, ainda não nos esclareceu sua verdadeira identidade. Quem é o senhor, Jesus Cristo?

JESUS - Uma vez eu fiz essa pergunta a Tiago, a João e a Pedro... Quem o povo diz que eu sou? Uns que és o profeta Elias, outros que és o profeta Jeremias. E vocês? – Que dizem que eu sou? Tu és o Messias, o que vai libertar nosso povo.

RAQUEL - O senhor se considerava o Messias esperado?

JESUS - Eu sentia um fogo no meu coração... As palavras queimavam, se amontoavam na minha boca... Quando fui baptizar-me com João, no Jordão, não tinha ideia de até onde Deus me levaria.

RAQUEL - Mas nessa idade o senhor já conhecia sua vocação, sua missão divina? Ou não?

JESUS - Como ia conhecer, Raquel? A gente sabe do caminho quando vai caminhando.

RAQUEL - Mas perante Caifás, no Sinédrio, aí sim, tinha o filme claro, não é verdade?

JESUS - Que filme?

RAQUEL - Desculpe a expressão... quero dizer, que quando Caifás o interrogou, o senhor reconheceu que era o Messias. Ou não?

JESUS - Eu disse-lhe que sim, que o Reino de Deus tinha chegado.

RAQUEL - Mas Caifás não falou só do Messias. Perguntou-lhe se o senhor era o Filho de Deus. E o senhor também disse que sim.

JESUS - Claro, Raquel, todos somos filhos de Deus. Tu também és filha de Deus. Todos os teus ouvintes.

RAQUEL - Estou me referindo à sua natureza divina, e não creia que desta vez vai escapar. Tenho até a data. No Concílio de Calcedónia, ano 451, o senhor foi definido.

JESUS - Como assim fui definido?

RAQUEL - O senhor é uma pessoa em duas naturezas, uma divina e outra humana.

JESUS - E o que isso quer dizer?

RAQUEL - Vou dar-lhe um exemplo. O senhor, como homem, não conhecia a teoria da relatividade de Einstein. Mas como Deus sim, porque Deus sabe tudo.

JESUS - Que estranho, como se pode saber e não saber algo ao mesmo tempo?

RAQUEL - Outro exemplo. O senhor como homem não sabia que Judas ia traí-lo, mas como Deus já sabia.

JESUS - Se eu tivesse sabido o que Judas ia fazer, te asseguro que as coisas teriam sido muito diferentes. Teríamos regressado a Galileia imediatamente.

RAQUEL - Talvez eu não tenha me expressado bem porque sou jornalista e não teóloga. O que quero dizer é que...

JESUS - Deixa essa ladainha para outro momento, Raquel, e agora vê este vale... Respira o ar...

RAQUEL - Sim, respiro, mas… Os senhores, amigas e amigos ouvintes, estão satisfeitos? Eu ainda não. Por isso terei que continuar lhe perguntando sobre…

JESUS - Depois. Agora, deixa-te transfigurar por esta beleza e irás compreender melhor as coisas.

RAQUEL - Então… Do Monte Tabor e perante uma paisagem realmente maravilhosa, Raquel Pérez, Emissoras Latinas.

terça-feira, agosto 21, 2012

IMAGEM

O famoso Central Park, de Nova York, numa feliz imagem nocturna. 


SCOTT McKENZIE -  SAN FRANCISCO

Morreu no sábado com 73 anos, precisamente a minha idade, mais um... este vítima de uma doença do sistema nervoso que o vinha obrigando a internamentos  desde 2010.  San Francisco, seu grande sucesso musical, ficou-nos colado à pele e aos ouvidos e tornou-se no hino de uma geração misto de revolução hippie, música, drogas, liberdade sexual, expressão artística e política. Esta canção, inicialmente, devia servir para promover o festival de música pop de Monterey mas acabou por chegar aos primeiros lugares dos top e colou-se à cidade como símbolo de liberdade e, para ele, Scott Mckenzie, o seu cartão de visita.

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