sábado, outubro 03, 2015

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Na Síria, o fotógrafo apontou-lhe a máquina e ela levantou os bracitos...




Trolhas - Camada de Nervos

Esteve à altura deles...


Ricardo Ribeiro - Canta em árabe

Nesta capacidade de "vestirmos várias peles" está a nossa riqueza.



Frei Teun, gordote e atarracado
Tocaia Grande
(Jorge Amado)




Episódio Nº 353














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Os carpinas, Lupiscínio, Guido e Zinho, ergueram no centro do descampado à meia distância entre o rio e o barracão, em frente ao local da feira, um cruzeiro de pau-brasil, monumental, de grande altura, obra de dar na vista, só comparável ao pontilhão.

Quem despontasse, vindo das cabeceiras do rio das Cobras ou da estação de Taquaras, de longe nos caminhos avistava o Santo Lenho assinalando a passagem por Tocaia Grande da primeira Santa Missão a estender até aquele fim de mundo a pregação da virtude e a condenação do pecado.

Uma larga plataforma de tábuas corridas foi armada diante do cruzeiro e nela os frades colocaram os materiais e os apetrechos para a missa, a bênção e os sacramentos de batismo e matrimónio.

Os frades revestiram-se com os hábitos talares para os ofícios divinos e os sermões.

Frei Theun pregou pela manhã, na eucaristia, Frei Zygmunt pregou à tarde, na hora da bendição. Os habitantes foram unânimes em considerar o sermão de frei Zygmunt por todos os aspectos superior ao do frade holandês. Não havia comparação.

Frei Theun, gordote e atarracado, falando português quase sem acento, demorou-se na bondade e na misericórdia de Deus, descreveu o  Paraíso, falou de suas belezas e benesses.

Magro e alto, cara cavada, mãos ossudas, misturando ao português termos alemães e expressões latinas, numa pronúncia de cão de caça, o alemão empolgou os ouvintes, pequena multidão ainda maior do que a reunida pelo Reisado de Sia Leocádia, no verão.

Seu tema foi o inferno. Belzebu, o anjo decaído, o pecado eo fogo a consumir os pecadores. Martelo de Deus, como o nome indicava, frei Zygmunt Gotteshammer obteve sucesso quase igual ao de seu Carlinhos Silva com os truques de prestidigitação. Um porreta, frei Zygmunt!

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Deu-se a coincidência - de coincidências estão cheios os romances, ainda mais a vida - que, no segundo e último dia da
Santa Missão, chegou a Tocaia Grande, procedente de Itabuna, em trânsito para a Fazenda da Atalaia, o doutor Boaventura Andrade Júnior, cada vez menos tratado pelo diminutivo familiar de Venturinha.

Vinha acompanhado por Ludmila Gregorióvna, sua amante - amante era o termo que o bacharel usava pois indicava fêmea nobre e cara, de alto coturno, dispendiosa, situada em alturas não atingidas por raparigas, mancebas, amásias, comborças, putada reles.

Ouriçada cabeleira cor de fogo, perfume forte de almíscar, nos trinques do traje inglês de montaria, calça-culote, égua das estrebarias do Czar da Rússia ou das cavalariças do Rei Salomão, como melhor disse o Turco Fadul, leitor da Bíblia.

Nos tempos dos barulhos, quando os encontros de grupos de jagunços eram acontecimentos corriqueiros e cada goiabeira escondia uma tocaia, os coronéis viajavam acobertados por grupos de cabras, havia sempre a possibilidade de um ataque.

Com o fim das lutas, a guarda se reduzira a um homem de confiança, rápido no gatilho. O coronel Boaventura Andrade, cuja vida estivera tantas vezes ameaçada, nos últimos anos fazia-se acompanhar apenas pelo negro Espiridião.

Por vezes Natário ia com eles: para conversar com o Coronel, acertar que fazeres, não na qualidade de capanga, como dantes.

Venturinha, porém, não dispensava em suas travessias entre
Itabuna e a Fazenda da Atalaia, ou para onde quer que viajasse, um séquito digno de um Basílio de Oliveira, de um Sinhô Badaró, de um Henrique Alves nos áureos tempos.

O Homem só trai por 


necessidade...













A mulher chega a casa e encontra o  marido, na cama, com outra, 25 anos, bonita, com tudo no sítio, bronzeada, cheia de amor para dar...

Arma o maior escabeche, mas o marido interrompe-a:


- Antes deverias ouvir como tudo isto aconteceu...


Encontrei esta jovem na rua, maltrapilha, cansada e esfomeada. Então, com pena do estado dela, trouxe-a para casa. Servi-lhe o jantar que tu não comeste no dia anterior com a mania das dietas, guardei o jantar no frigorífico, lembras-te?

Ela estava descalça, então dei-lhe aquele par de sapatos que, como foi a minha mãe que te deu, nunca usaste. Ela estava com sede e eu servi-lhe aquele vinho que estava guardado...para aquele sábado que prometeste mas que nunca chega... pois, dói-te a cabeça, estás cansada e tens muito que fazer.

As calças estavam rasgadas, dei-lhe aquele par de jeans quase novo...que ainda estava em perfeito estado, mas não te servia.

Como ela estava suja, aconselhei-a a tomar um banho.... no
final, dei-lhe aquela perfume francês novinho que  nunca usaste porque não era a tua marca favorita. Então. quando já  estava saciada, perguntou:

-Senhor, não tem mais nada que a sua esposa não use?

- Nem respondi!!!!!!!.............Dei logo!!!

Assim Nasceu Portugal
(Domingos do Amaral)

Episódio Nº 74


















A viagem de regresso foi um tormento. Primeiro, os desertos africanos, depois o mar Mediterrâneo, por fim as estradas hispânicas desde a costa até Córdova.

Taxfin sofreu dores inimagináveis, mas cerrou os dentes e aguentou calado. Regressava à sua terra, era tudo o que queria e mais valia isso do que estar algemado ao califa por uma ordem que, nove anos antes, parecia vitalícia.

Chegados a Córdova, rapidamente, ele e Zhakaria perceberam que a cidade lhes era hostil.

Taxfin fora destituído há nove anos, e o actual governador, que já era o terceiro wali depois dele, não gostou de saber que um antecessor regressara.

Embora Taxfin já não tivesse direito a habitar no Azzahrat, amealhara riquezas suficientes para viver com esplendor, ou para instigar revoltas locais.

O incumbente do palácio, temeroso, mandou os seus guardas vigiarem-no, e por isso, duas semanas depois, um dorido Taxfin decidiu rumar à serra Morena, para se instalar no belo castelo de Hisn Abi Cherif, cuja linda cor, o arenito vermelho, o distinguia num verdejante vale, e que pertencia à séculos à primeira família de Zulmira.

Com ele levou apenas Abu Zhakaria, que aos vinte e sete anos era um portento de agilidade, força e sabedoria, um dos melhores guerreiros que Taxfin alguma vez vira, e que o seguia com uma dedicação inultrapassável.

Meteram-se a caminho numa carroça e chegaram a Hisn Abi Cherif dois dias depois, sendo recebidos por duas velhas criadas de Zulmira, cuja lealdade à família se mantinha intacta.

Apesar da idade avançada, as serviçais haviam assegurado o asseio do castelo, cuidando com ternura do antigo jardim, onde nasciam o alecrim e a alfazema, no meio das margaridas e das rosas, bem como das hortas e pomares, onde pontificavam as tangerinas e as laranjas, as alfaces e as cenouras, que um adoentado almocreve trocava por outros alimentos quando por ali passava.

Contentes por reverem Taxfin, que recordavam com carinho, compuseram-lhe uma cama confortável, no velho quarto do casal, davam-lhe dois banhos diários e alimentavam-no com cozinhados suculentos, obrigando-o a beber elixires misteriosos, cujos ingredientes nunca revelavam.

Nas semanas que se seguiram, Taxfin deliciou-se com as al-zaitunas e com aruzz delas, doce devido ao al-sukkar que lhe juntavam; comia com gosto a sopa de isfinah  e trincava com apetite o jaballi, cuja carne elas compravam ao almocreve.

Em pouco tempo ganhou forças e ânimo, e começou a planear o resgate da sua família.

Porém, até para as velhas mouras do castelo era evidente que uma longa viagem a Coimbra seria fatal para Taxfin, e foi tomada a decisão de ser Abu Zhakaria a chefiar a expedição a Oeste, pois só ele, com a sua energia, a sua inteligência e a sua fidelidade, poderia ter êxito naquela aventura perigosa.

José Eduardo Agualusa - escritor angolano.

Raças impuras

 

 












Os portugueses são, de fato, essa mistura antiga de árabes, judeus e negros


Assim como os brasileiros gostam de contar piadas de portugueses, os portugueses gostam de contar piadas de alentejanos. Os alentejanos são, digamos assim, os portugueses dos portugueses. Amo o Alentejo. Tenho uma enorme simpatia pelos alentejanos. Se tivesse nascido em Portugal gostaria que fosse em Évora. As largas planícies alentejanas lembram, até certo ponto, as savanas africanas. O Alentejo é o único lugar onde Portugal parece grande.

Durante séculos, o sul de Portugal recebeu escravos negros. Em 1761, ano em que o Marquês de Pombal determinou o fim da entrada de escravos em Portugal, ainda haveria pelo menos cinco mil a trabalhar nas planícies alentejanas. Persistem sinais dessa presença em alguma toponímia e até em certos nomes de família, de origem banto.

A influência árabe, essa, é evidente. Inclusive na música. O fado, aliás, está tão próximo de alguma tradição árabe que há quem junte as duas e é como se sempre tivesse sido assim. Ouçam por exemplo o jovem Ricardo Ribeiro, cantando, em árabe e português, na feliz companhia do alaúde do libanês Rabih Abou-Khalil.

Ouçam a seguir a cantora tunisina Amina Alaoui em “Arco-íris”, um dos mais belos discos de fado que eu conheço.

Pensei nisto tudo no aniversário de Zambujo, enquanto um grupo de alentejanos, numa mesa próxima, começava a cantar. Aquele pátio belíssimo podia ser em Tanger. Podia ser em Marrakech ou em Casablanca.

Neste mesmo dia, à tarde, assisti a uma reportagem sobre o drama dos refugiados sírios. Uma moça de voz estridente, entrevistada na rua, insurgiu-se contra a possibilidade de Portugal receber alguns desses refugiados ou quaisquer outros “árabes”, gente, afirmava ela, sem laços de sangue e de cultura com Portugal. Escutei-a horrorizado. Não há maneira de me conformar com a ignorância.

Lembrei-me de um episódio que me contou Mário Soares. Um dia, num encontro que o antigo presidente português teve com Yasser Arafat, para discutir o interminável conflito israelo-árabe, este chamou-lhe a atenção para a herança árabe da Península Ibérica: - “Vocês, portugueses, têm de nos apoiar. Afinal, vocês são árabes”:

 - “É verdade.” Reconheceu Soares, e logo acrescentou: - “Mas também somos judeus”.

Os portugueses são, de fato, essa mistura antiga de árabes, judeus e negros. Os brasileiros são a mistura, ainda mais desvairada, de portugueses, africanos, índios, libaneses, japoneses etc. Um português que odeie “árabes” é um português que se odeia a si próprio. Um neonazi português ou brasileiro é o mais esdrúxulo, ridículo e repulsivo dos oximoros. Contudo - pasme-se! - eles existem. 

Os comentários nas redes sociais, ou nos jornais on-line, são uma versão moderna dos antigos gabinetes de curiosidades, ou quartos de maravilhas, salas onde, nos séculos XVI e XVII, os fidalgos endinheirados acumulavam coleções de bizarrias, sortilégios e impossibilidades, como sereias empalhadas, cornos de unicórnios ou lágrimas de crocodilo.

Nas caixas de comentários dos jornais, os prodígios, deformidades e monstruosidades não são físicos, mas ideológicos e morais. As pessoas exibem ali, com um estranho orgulho, as suas piores deformidades morais, a estreiteza aflitiva dos espíritos, as ideias mais monstruosas. Ali está a exaltada patricinha carioca, defendendo a interdição das praias da Zona Sul aos negros e pobres, ou o operário lisboeta que quer destruir a mesquita de Lisboa. Há de tudo.

Em Dresden, na Alemanha, um grupo de neonazis colombianos foi espancado por neonazis alemães quando tentava juntar-se a uma manifestação contra a entrada de refugiados sírios.

Um deles queixou-se amargamente: “Já não basta que na Colômbia nos chamem morenonazis. Nós somos de raça pura, sim, apenas escurecemos um pouco por causa do clima”.
É a história do ratinho que achava que era um gato, até que um gato o comeu.


António Zambujo fez 40 anos. Para festejar o acontecimento, juntou um grupo de amigos num pátio de Lisboa.

Quando cheguei, o rio Tejo, lá ao fundo, ainda guardava o último fulgor do dia. Era como um incêndio desaguando na escuridão. A escuridão era o mar. Conheci António Zambujo em São Paulo. Foi Marília Gabriela quem pela primeira vez me falou dele: - “Você já ouviu um fadista português chamado António Zambujo?” - perguntou-me. 

Disse-lhe que não: - “Não existe. Se existisse eu saberia”. Então ela ofereceu-me um disco, era o “Outro sentido”, de 2007, e eu fiquei maravilhado.

Não sabia que havia em Portugal alguém a fazer música assim. Tentei justificar a minha ignorância: “Você disse-me que era um cantor português e este António é alentejano”. 

José Eduardo Agualusa


PS - O meu "companheiro" diário, deste blog, Jorge Amado, grande escritor, potencial Prémio Nobel da Literatura, é o expoente máximo da riqueza e diversidade cultural. 

sexta-feira, outubro 02, 2015

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A natureza nunca desiste e aproveita todas as oportunidades para vir por aí acima...




Ana Moura - Desfado


Ana Moura é natural de Coruche, mas como esta localidade não dispunha de maternidade, nasceu na capital de distrito, ou seja, Santarém, a 17 de Setembro de 1979.

Reconhecida internacionalmente, é uma voz raríssima de Contralto, Ana Moura estreou-se com Guarda-me a Vida na Mão (2003), lançando seguidamente Aconteceu (2004). Canta, também, em vários em locais da noite lisboeta e deu-se a conhecer na televisão ao lado de António Pinto Basto, em Fados de Portugal.


Gato Fedorento - Aeroporto de Lisboa


Além de luterano, anarquista
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 352





















O centro da feitiçaria se encontrava instalado na oficina do ferrador de burros, um réprobo.

Frei Zygmunt Martelo de Deus projectava levantar o ânimo dos fiéis durante os sermões, quem sabe conseguiria levá-los a destruir o ímpio altar erguido por detrás da forja para os monstruosos diabos africanos que os negros, libertos da escravidão através de conjuras e trampas da Maçonaria, chamavam de encantados e procuravam vestir com o manto luminoso dos bem-aventurados.

Sacrilégio!


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Repousando do bárbaro - e delicioso! - jantar de frutas e caças, ao fim daquele primeiro dia de Santa Missão, frei Theun lastimou, condoído e compassivo, a sorte daqueles pecadores, vítimas da ignorância e do atraso, cujas almas estavam condenadas ao inferno sem que talvez o merecessem.

Era sobretudo a falta dos códigos morais, da rédea das leis, da contenção imposta pelas regras, que os levava à prática de tamanhos erros, a viver em estado de delinquência e culpa.

Seu Carlinhos Silva, falando alemão com fluência e pronúncia de letrado - um mulato sarará, imagine-se! Surpresas a que estão sujeitos frades mendicantes cm Santa Missão - , com voz pacata e afável, assim como quem não quer nada mas vai dizendo as coisas, defendeu o lugar e o povo do lugar.

Parecia um professor dando aula na cátedra de Weimar e frei Zygmunt o examinou com os olhos de suspeita. Com razão, pois o mestiço inocentou aquela gentalha de qualquer culpa.

Os habitantes de Tocaia Grande - disse ele - ali viviam à margem de ideias preconcebidas, desobrigados das limitações e dos constrangimentos decorrentes das leis, livres dos preconceitos morais e sociais impostos pelos códigos, fosse o código penal, fosse o catecismo.

Gente mais ordeira do que a de Tocaia Grande, apesar do nome e dos maus costumes, não havia em toda a região do cacau, no país dos grapiúnas.

E sabem por que, meus reverendos? Porque aqui ninguém manda em ninguém, tudo se faz de comum acordo e não por medo de castigo.

Se dependesse de seu Carlinhos Silva, jamais essa paz seria perturbada, esse viver feliz do povo de Tocaia Grande que, a seu ver, merecia com certeza o agrado de Deus, do verdadeiro.
 - Se vossas reverendíssimas me permitem opinar, eu lhes direi que aqui se encontra o procurado paraíso natural dos sábios...

Ergueu-se num supetão frei Zygmunt Gotteshamraer, Martelo de Deus, derrubando o prato de flandre, o rosário na mão como se fora um látego levantado contra o pecado e os pecadores e, em especial, contra o herege em sua frente.

Em Ilhéus haviam-lhe informado que esse mestiço e filho natural fora educado na Alemanha e tinha fumaças de doutor: inimigo da Igreja de Roma, era um infame luterano, talvez ainda mais pernicioso do que os macumbeiros, com certeza mais perigoso do que o maronita.

Símbolo do que existia de pior no mundo: arauto das infames ideias da Revolução Francesa, dos enciclopedistas, dos inimigos de Deus e da monarquia, dos petroleiros incendiários, de bomba em punho contra os imperadores e a nobreza, de punhal erguido para de novo rasgar o coração de Jesus Cristo.

Além de luterano, anarquista!

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 73


















O Braganção, vendo que os saciados cavaleiros-vilões se encaminhavam para a porta, logo tratou de assobiar às duas moças, chamando-as para junto deles, enquanto Elvira se afastava.

Algum tempo depois, já bebidos dois jarros de vinho, Gonçalo e ele perguntaram ao príncipe se podiam tomar a dianteira, ao que Afonso Henriques respondeu que assim deviam fazer, uma vez que iriam regressar aos seus aposentos, pois sentia-se ensonado.

Fizemos os dois juntos a viagem de volta, e estávamos quase a chegar a casa quando perguntei ao meu melhor amigo:

 - Que vos pareceu a Maria Gomes?

Afonso Henriques sorriu-me.

 - Bonita e calma. A irmã é mais estouvada.

Nesse momento atrevi-me a dizer:

- Chamoa está encantada por vós, disse-me Maria.

O príncipe limitou-se a encolher os ombros e entramos sem fazer barulho, evitando acordar os meus irmãos mais novos.

Afonso Henriques dirigiu-se para a escada e subiu. O seu quarto era lá em cima, enquanto nós ficávamos no piso térreo.

Depois de se despir, deitou-se, e recordou o dia agitado. Reza a lenda que foi nessa noite que teve a ideia de se armar cavaleiro a si próprio, como faziam os reis, mas não estou certo disso, pois minha prima Raimunda contou-me que, mal o ouvira subir, entrara no quarto.

- Sois vós? – perguntou ele em voz baixa.

Das sombras, um vulto magro avançou na sua direcção, enquanto despia o saiote e a camisa. Afonso Henriques levantou a colcha e deixou que minha prima Raimunda, já nua, entrasse na cama.

Ela amava-o tanto! Nessa noite, tal como no passado vira Dona Teresa fazer ao Trava, deitou-se primeiro em cima dele, e da segunda vez dobrou os joelhos e afundou a cara na almofada.

“Eu era dele, toda dele”, dir-me-ia mais tarde.



Serra Morena, Córdova, Abril de 1126


Muitos anos depois, Abu Zhakaria contou-nos que foi uma ferida profunda que comoveu o rei dos muçulmanos. Taxfin fora atingido fortemente numa batalha nos desertos africanos, e o califa Ali Yusuf veio visitá-lo à sua tenda, onde ele gemia de dores e febre, e destinou os seus melhores curandeiros para o tratarem, mas até ele foi obrigado a reconhecer que, golpeado daquela forma, nunca mais Taxfin seria o guerreiro de outrora.

Por isso, o califa disse-lhe que era melhor regressar a Córdova pois ali já não tinha nada mais a fazer. Nove anos depois, Ali Yusuf, o carregado de pérolas, o que batia as alpercatas no chão para matar formigas, e que cheirava a âmbar mesmo no deserto, deixara-o finalmente partir.



Na Praça da Alegria (aguarela de 1882)
Curiosidade sobre

a cidade de Lisboa:

 a Feira da Virgem











Para quem ainda não sabe, que o nome da Feira da Ladra em Lisboa não tem nada a ver com ladras ou ladrões, mas sim com a língua árabe.

De facto a Feira da Ladra remonta ao século XIII(ou mesmo antes), quando a língua árabe era ainda familiar em Lisboa, apesar das barbaridades cometidas pelos cruzados , que a conquistaram aos  Mouros.

A conquista "cristã" de Lisboa em 1147 foi um desgraçado desastre para a cidade. Diz-se que o nosso primeiro rei, impotente perante o assalto assassino à população de Lisboa, que vivia civilizada e em comunidade com os cristão arabizados, sofreu por ver que os seus aliados do Norte da Europa, não distinguiam as pessoas, e para eles todos eram infiéis e inimigos, que se deviam matar desapiedadamente. 

Afonso Henriques queria, sim, a cidade, mas não queria um genocídio. Enfim, entre mortos e feridos, alguns escaparam e a feira passou a ter o seu nome:

-Feira da Ladra, que realmente quer dizer Feira da Virgem (a Mãe de Jesus), pois "A Virgem" em árabe diz-se "al-aadraa" (العذراء).

Esta palavra, ouve-se repetidamente na "Nursat", o canal televisivo dos Maronitas (Católicos) do Líbano.

O Que Será Esclarecido

no Domingo












Vivo neste país, não preciso de reflectir para decidir por quem voto mas, desta vez, uma curiosidade especial e uma interrogação me assaltam:

 - A curiosidade tem a ver com a confirmação, ou não, das sondagens, pelo resultado das urnas: 38% para a PAF e 32% para o PS.

- Sendo confirmadas, a interrogação é a de saber como e por quê, Costa passou de 45% em Junho de 2014 para os actuais 32%, enquanto Passos se mantém firme nos 38% desde Junho último.

- Será que as previsões vão bater certo com a realidade das urnas?

- O que aconteceu de tão mau para Costa nos últimos 3 meses que o fizeram perder 5 pontos em tão pouco tempo?

- Serão o resultado das feridas da vitória inequívoca de Costa sobre Seguro em Setembro de 2014?

José Sócrates veio agora declarar o seu apoio a Costa mas o mesmo não aconteceu com Seguro que se mantém silencioso e nem sequer irá ao jantar de encerramento da campanha.

Não foi Churchill que disse que em política os nossos piores inimigos estão dentro do partido?...

Parece que quem alterou o equilíbrio dentro do PS não foram não os militantes de “papel passado”, mas sim os que vieram de fora, convidados por Seguro, para, na qualidade de meros simpatizantes, derrotarem, esmagadoramente, o Secretário Geral do Partido Socialista.

- Estaremos confrontados com um ajuste de contas? – Se assim foi, Passos agradece...

Na 2ª Feira, a seguir às eleições, estaremos aqui para as respostas que nunca serão completamente esclarecedoras e alguma coisa ficará para sempre no campo da mera especulação.

Ainda recordo o sorriso envergonhado com que Seguro desceu o elevador do Hotel Altis, na noite da derrota de Sócrates, que lhe abriu as portas da liderança do Partido.  

quinta-feira, outubro 01, 2015

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Como vêem, este não precisa de ir à rua...



Playng For Change


Esta mexe mesmo c´agente...


Mixórdia de Temáticas - O Gato


Igreja e padre são coisas de mulher
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 351




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Os frades, com o consentimento de seu Carlinhos Silva, haviam improvisado dois confissionários no depósito de cacau seco, um em cada extremidade do recinto.

Não havia a habitual separação entre confessor e confessando, mas as poucas mulheres que foram cumprir o sacramento -  o mais importante de todos na sapiente opinião de frei Zygmunt von Gotteshammer - não tinham pejo de olhar o padre na hora de despejar o saco de pecados, não sabiam, as infelizes, o que fosse pudor.

Poucas mulheres, nenhum homem. Igreja e padre são coisas de mulher, diziam os homens, os renegados. Criminosos de morte muitos deles, a começar pelo tal de Capitão, a cuja fama de crueldade e a cujo passado de crimes tinham ouvido medrosas referências nas palmilhadas léguas de chão do rio das Cobras.

Frei Theun e frei Zygmunt haviam reservado o primeiro dia da Santa Missão para um balanço na vida de Tocaia Grande: receber em confissão os pecadores, tomar conhecimento da situação do paganismo e da moralidade do lugar.

Tendo sido mínima a procura do confessionário, da penitência e da absolvição - a absolvição na voz de frei Zygmunt von Gotteshammer, o Martelo de Deus, tinha acento de censura e castigo,-  saíram os frades a saber de casa em casa, de pessoa em pessoa.

Regressaram à residência de seu Carlinhos Silva, onde estavam hospedados, Theun com o coração carregado de tristeza por ver tão menosprezada a lei de Deus - ah! os pobres infelizes!

- Zygmunt tomado de indignação e de horror, vibrando de cólera sagrada, ao constatar o estado de abominação em que viviam aqueles renegados: réus malditos!

Crianças sem batismo, filhos naturais concebidos no pecado, casais reproduzindo-se como animais, sem o consentimento e a bênção de Deus, a devassidão, o crime, o desconhecimento e a incúria pelas coisas da Santa Madre Igreja.

Maior que o casario erguido no núcleo do arraial - duas vielas e um beco -  era a podre aglomeração de casebres de barro batido e de choças de palha na Baixa dos Sapos, o puteiro na suja voz dos habitantes: a ele se referiam com acentuado orgulho, devido a suas dimensões, o maior daquelas bandas.

No outro lado do rio onde plantavam o necessário para a feira semanal, não ia melhor a moralidade, tampouco a devoção.

No novo habitat, os piedosos sergipanos, tementes a Deus, ao contacto com a impiedade grapiúna, desleixavam-se das obrigações para com o Senhor, perdiam o temor de Deus e se espojavam na lama dos abomináveis hábitos do lugar.

O árabe que ali comerciava, roubando pobres-diabos, residentes ou passantes, agiota dos piores, um degredado, não era propriamente maometano mas pouco faltava.

Longe de ser filho exemplar da Igreja de Roma, pertencia à seita oriental dos maronitas, pouco digna de confiança: para muçulmano faltava pouco.

Se vivesse na Espanha, nos bons tempos, não escaparia da espada cristã e abençoada de San Tiago Mata Mouros.
Quanto aos negros fetichistas, à frente o cínico ferreiro, sempre a rir, persistiam na eterna e perversa tentativa de conspurcar a pureza e a dignidade dos santos canonizados pelo Vaticano, misturando-os e confundindo-os com os demoníacos calungas das senzalas, ofertando-lhes animais em sangrentos sacrifícios.

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