A NAÇÃO/ALMA PORTUGUESA E AS PRESIDENCIAIS
Assisti ontem a um dos mais interessantes programas de debate na TV e de todos os intervenientes a "estrela" foi, sem dúvida, o teu amigo, professor e companheiro na Blogosfera, José Adelino Maltez que ouvi com muito prazer pelos seus dotes como professor e pela qualidade da informação que passa.
Finalmente, tanto quanto percebi, na opinião generalizada de todos aqueles senhores e senhora (o Lucas Pires está cada vez mais parecido com o pai e a Clara está, infelizmente, a perder a beleza que possuía mas não a vivacidade, o calor e a pertinência das suas intervenções), parece que a nação a que pertencemos e que tem 860 e tal anos de existência vai mesmo continuar, independentemente do deficit, das dificuldades financeiras, da baixa produtividade, do desemprego e não sei de quantas mais coisas e isso deixou-me imensamente aliviado porque, francamente, ao fim de quase sessenta e sete anos não me apetece ser outra coisa que não seja português.
É verdade que a minha “marca” é transparente, na opinião do senhor especialista em Marketing, ou seja, qualquer coisa de indefinido que não se sabe o que é e daí a dificuldade em vender, mas isso também depende do comprador. Quando estive em África, na África profunda, as populações autóctones chamavam-me a mim e aos meus companheiros de “portugueses” enquanto que a todos os outros europeus, ingleses à cabeça, chamavam-lhes simplesmente de “brancos”.
Esta diferença entre “portugueses” e “brancos” só foi possível de estabelecer porque a nossa marca é específica, diferente, diria mais, inconfundível aos olhos insuspeitos de pessoas que nada tinham a ver connosco do ponto de vista racial, étnico, cultural, linguístico, etc, e para os quais “português” era “português” e “branco” era “branco” e se, por hipótese meramente académica, “portugueses” e “brancos” aparecessem à venda no mercado dos povos africanos eu apostaria que a “saída” dos “portugueses” seria muito superior à dos”brancos”.
Mas o que está à venda não são as pessoas mas o que elas são capazes de fazer e durante muitos anos dizia-se, e com verdade, que os portugueses que emigravam e iam trabalhar para as fábricas na Alemanha eram dos melhores operários mas em Portugal, não sei se por influência climática, eram indolentes, indisciplinados, faltosos, enfim o tormento dos empresários que, por essa razão, tinham necessariamente e contra a sua vontade, que lhes pagar baixos ordenados até que…um dia, os Alemães vieram até cá e os portugueses, sem que o clima se tivesse alterado, produziram no seu país, para o mundo, através da Auto-Europa, os melhores automóveis e pelos preços mais baixos deixando boquiabertos os empresários portugueses…
De qualquer forma, afirmaram também que somos saloios, eu próprio sou neto e filho de mulheres nadas e criadas na outra banda, em Paio Pires, no Seixal… mas como não havíamos de ser saloios, no sentido de deslumbrados e de mau gosto, se durante anos a fio tudo o que era bom, bonito e de qualidade, diziam, vinha de fora, do estrangeiro…; até nós próprios vínhamos de França, mais concretamente de Paris, no bico de uma cegonha.
Ora estas afirmações não ajudam nada o nosso ego, porque "saloio" é um termo pejorativo que significa campónio, rústico, grosseiro, já não falando na “esperteza saloia” - que tem a ver com a velhacaria e a forma como todos nós tentamos ludibriar o Estado - tal como este nos engana a nós através com a burocracia, num jogo do gato e do rato, da prisão, da ameaça do protelamento do papel oficial e do imposto que é, afinal, no que se fundamenta a "estória" do Estado. Do "Estado saloio", passe a expressão. Daí a escolha deslocada e/ou indevida por José Adelino Maltez dessa metáfora, embora no seu espírito tivesse, presumo, exactamente a ideia oposta: a do saloio que se fez homem e universalista, socrático, dialéctico e, assim, cosmopolita, ou seja, cidadão do mundo - como se depreendia tão bem das suas ricas intervenções, de longe as mais abrangentes daquele programa.
Sabes, Rui, o que eu acho é que as nossas elites nunca quiseram saber de nós, não nos instruíram, bem vistas as coisas nunca nos governaram, dentro e fora das nossas fronteiras deixaram-nos por nossa conta e risco, não fossem os impostos que tínhamos que pagar e entretanto foram deixando passar a mensagem de que o povo não prestava, era sorna, matreiro, irresponsável, indisciplinado e faltoso e esta mensagem cheira um pouco a história mal contada em que a responsabilidade de uns, poucos, se esconde sorrateiramente atrás do colectivo.
Lembras-te de como o nosso Rei D. Carlos se referia ao povo de forma depreciativa? E o próprio Mário Soares que nos banhos de multidão - lhes chama coisas feias à boca pequena para o camarada do lado.
Sempre tiveram desprezo pelo povo, "cambada de saloios" que uns séculos antes não sei se com coragem, desespero ou simples espírito de aventura, lá foram até à Índia, embarcados nas Caravelas, muitos deles sabendo apenas o que o Comandante lhes ensinava à entrada para o barco: que o bombordo era o lado do barco que tinha as cebolas penduradas e que estava voltado para a costa ao longo da qual se navegava; e o outro, o estibordo, que estava voltado ao Oceano e que tinha os alhos… e lá foram, que o resto aprendia-se pelo caminho, em regime de estranha contigência e de grande coragem e muito aventureirismos, qui ça de forma ingénua...
E chegaram a África, Índia, Brasil e depois América, Canadá, Gronelândia e mais tarde à França, Alemanha e a todo o sítio onde o mundo é mundo e deixaram aqui, neste pequeno rectângulo, na ponta Oeste da Europa, onde ela mergulha no Atlântico, a República dos portugueses sim, porque alguém tinha que ficar a guardar a casa…., o que não sei é se foram os melhores.
Muito de acordo com a Clara Pinto Correia, o próximo Presidente da República devia ser um mestiço.....Nem mais!
E o que temos nós que nos identifique melhor que não seja a nossa comunidade linguística de afectos, cumplicidades e manhas, estudadas, criadas e desenvolvidas ao longo dos séculos que já levamos de existência, no sobe e desce à volta das sete colinas de Lisboa como já acontecera, noutros tempos, lembrou o professor Maltêz, em Atenas, à sombra da colina da Acrópole no cimo do qual estava o Templo como aqui temos o nosso Castelo de S. Jorge?
Não precisamos de nenhum presidente que contribua para assegurar a nossa continuidade como nação seja ele poeta, economista, político de profissão ou o que for.
Uma comunidade de língua, afectos, cumplicidades e manhas com 860 e tal anos de existência dispensa qualquer preocupação desse género e se alguém que está dentro deste pequeno rectângulo tem dúvidas sobre isso, saia daqui, não de férias, vá trabalhar para o estrangeiro e perceberá logo que a comunidade de afectos, cumplicidades e manhas a que pertence é indestrutível.
Mobilização, dizem os entendidos, o que precisamos é de um Presidente que nos mobilize, nos incentive, que faça belos discursos, que nos comova até às lágrimas e nos leve, se for preciso, a morrer pela Pátria.
Não estou de acordo, este país sempre teve bons oradores e grandes poetas que enriqueceram o nosso espólio cultural, honraram as nossas Letras e são motivo do nosso orgulho, mas neste momento não precisamos de exaltação, ninguém nos chama para actos de heroísmo, a Pátria não está em risco, não estamos cercados por nenhum exército inimigo, o problema é outro, muito mais comezinho e dá pelo nome de estabilidade política, ou seja, crescimento, modernização e desenvolvimento económico sustentável, duradouro.
Votei neste governo e continuo a ter confiança nele. Há muitas coisas que já foram feitas, outras que estão em curso e muitas mais para fazer e não interessa se tudo foi feito da melhor forma ou da forma que nós achamos melhor, o governo precisa das nossas críticas mas precisa igualmente que o deixem governar no período da legislatura para que foi eleito com maioria absoluta porque os resultados da sua acção têm a ver com a qualidade das nossas vidas futuras e o Presidente que vier a ser eleito tem que ajudar neste objectivo de uma forma séria, discreta mas suficientemente visível para percebermos que há uma aliança sincera de propósitos.
A Clara Pinto Correia não devia ter dito mas disse que votaria no Manuel Alegre, o Adelino Maltêz, que é monárquico mas também Republicano, disse que não voltaria nele nem no laranja, o Nandim de Carvalho que é maçon e monárquico….bom, não interessa onde vai votar, o importante é que cada um vote de acordo com as suas convicções pessoais e do somatório de todas essas convicções sairá o eleito de todos os portugueses que será, como tudo indica, Cavaco Silva.
Se pensarmos que já foi ministro das Finanças e 1º Ministro durante 10 anos, é natural que o povo lhe queira agora atribuir as responsabilidades de Presidente da República, o tal Poder Simbólico, à imagem e semelhança do que tinha já acontecido a Mário Soares, que depois de ter sido Ministro, e 1º Ministro atribuíram-lhe também as funções de Chefe de Estado durante 10 anos e só por uma “birra de velho” aparece agora a disputar novamente a Presidência da República quando, ele próprio, uns meses antes tinha, sensatamente, excluído essa hipótese de uma forma definitiva.
Sujeita-se a uma derrota que em democracia não tem nada de anormal mas que, no seu caso, era desnecessária e não constitui o desfecho condigno para uma carreira política que terá sido a mais importante no Portugal do pós 25 de Abril.
A sua extraordinária intuição política, posta à prova na Fonte Luminosa, impediu uma perigosa viragem à esquerda do país, bem como a posterior decisão de levar Portugal a integrar-se no Mercado Comum Europeu revelou-se, igualmente, perfeitamente acertada e assim é mais difícil de perceber porque não conseguiu evitar o disparate desta candidatura que nada justificava.
Cavaco Silva não é um político brilhante, não é um homem da cultura, o seu discurso é como o seu rosto, rectilíneo, sem contornos, brusco, seco, granítico, as suas palavras não nos envolvem, falta-lhe musicalidade, é dissonante, áspero, sai em esforço mas…tudo isto, que talvez não ajude, é irrelevante porque mais importante é o seu curriculum e a imagem de homem sério, rigoroso e pouco dado a politiquices para além de conhecedor profundo das dificuldades do país e, neste aspecto, aliado natural de José Sócrates nas dificuldades que ele vai ter que enfrentar.
A campanha arrasta-se já penosamente, os candidatos, cansados, à força de dizerem cada vez menos e sempre a mesma coisa, já nem sabem o que dizer. Cavaco Silva, perto da vitória, já nem diz nada para além do “ajudem-me e Viva Portugal…” não vá estragar o que está feito e deitar por terra todos os vaticínios que lhe dão a presidência.
Mário Soares é o discurso do desespero e da teimosia com o seu quê de patético. Mais uma vez, porque não se poupou ele a esta situação e não seguiu os conselhos da família e, porventura, de alguns amigos mais sensatos?
Manuel Alegre, interiormente, vive agora no antegozo de uma vitória sobre Mário Soares, máxima aspiração da sua campanha depois das hesitações iniciais que não caíram lá muito bem. De qualquer forma, ganhando ou perdendo a Mário Soares, não irá sentir-se muito bem continuando neste PS. Porque não liderar um Movimento de Intervenção Cívica no país?
Enfim, está a terminar o ritual da democracia que podia e devia ser mais curto mas em coerência não posso queixar-me. A democracia é o menos mau de todos os sistemas políticas mas que, pelo menos neste aspecto, podia ser aperfeiçoado, sem dúvida que podia.