(Crónica satírica de
António Lobo Antunes em 2012)
- 4 Anos Depois...
As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos
crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de
enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas,
ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá?
Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha
enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade
feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente.
Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos
sapatos.
Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é
tão feia. Para a Batalha.
Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as
criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.
Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara.
Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja
respeito.
Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania
tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no.
Esta pouca-vergonha contra os poucos que estão presos, os quase
nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o
senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.
Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de
Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair.
Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar de D. José
que, aliás, era um pateta.
Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de
Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos.
Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor,
deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas
vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso.
Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca.
Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.
Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a
aumentar o peito: onde é que está a crise, então?
Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns Violadores de sepulturas, com a
alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso?
Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do
lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.
Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem
vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos.
Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende
e, enquanto vender, o nível da
nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa.
Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e
os ex-ministros a tomarem conta disto.
Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar?
O resto são coisas
insignificantes:
- desemprego, preços
a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias.
Como é que ainda
sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os
processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de
prescrever.
E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos
uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes…
(Este é o nosso destino... não será muito diferente, mesmo num futuro distante. Os nomes serão outros, a realidade a mesma. Nascemos pequenos e pobres e assim continuaremos, mesmo depois de termos sido Campeões Europeus de Futebol... )