Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, novembro 03, 2012
AMERICANAS. (Again…)
Parece ter sido no outro dia quando exultei com a vitória
de Obama e já aí o temos outra vez a lutar numa América cada vez mais dividida,
a dos abastados contra a dos pobres. A América tolerante, cosmopolita, aberta
ao casamento homossexual, contra a do obscurantismo e do puritanismo religioso.
A América dos abastados contra a dos pobres, a dos que amam Obama contra aquela
que o odeia.
A América, na qual, um em cada sete – 43,6 milhões de
pessoas – depende, para sobreviver, dos «cupões de comida» do Programa de
Assistência Nutricional Suplementar.
A América, em que os seis herdeiros da família Walton,
dona da cadeia de supermercados Wal – Mart, têm uma fortuna igual ao património
acumulado de 100 milhões de americanos, ou seja: 1% possui tanto como os
restantes 90.
Sociedade dividida cada vez mais em que a maioria dos
eleitores, talvez uns 90%, votam num dos dois grandes partidos e vêem o mundo
pelos óculos desses partidos. Têm cada vez menos em comum, atingindo mesmo a
história, aquela história que os americanos julgavam ser largamente comum.
Os Republicanos reacendem o medo do colectivismo e
assumem-se como a América boa contra a América má. Para eles, a Europa é o
patinho feio, é o declínio, os impostos, o estatismo. A América profunda, do
interior, é aquela “que não mente”.
Mas há quem afirme que não há apenas duas Américas:
«Discordamos sobre aqui lo
que somos, por que não nos conseguimos pôr de acordo sobre aqui lo que fomos» Diz E.J. Dionne, editorialista do
Washington Post e autor de Our Divided Political Heart (O nosso dividido coração
político).
Os depoimentos de personalidades de relevo dos
Republicanos são reveladores do carácter e pensamento desta gente, da tal América
profunda.
Roy Nicholson, 64 anos, presidente do Tea Party do Mississípi:
- «Obama é perigoso,
ele odeia os Estados Unidos, não é um verdadeiro patriota. Estou convencido que
ele é muçulmano. Desde que foi eleito, precipita-se para o estrangeiro para
fazer salamaleques. Se for reeleito vai acabar com o país que amo. Receio que
os meus netos cresçam numa ditadura soviética»
Um político europeu que fizesse afirmações destas para
com um candidato seu adversário, mais ainda sendo Presidente do seu país, ficaria imediatamente
desacreditado perante todos os cidadãos, eleitores ou não, isto numa situação
perfeitamente hipotética.
Obama conseguiu fazer aprovar nos dois primeiros anos
do seu mandato, contra os bloqueios do sistema, reformas de fundo mas, nos
Estados Unidos, não é recompensado por isso, é punido.
Receio pelo futuro da Europa. Muito mais se Obama
perder…
Com Mitt Romney o orçamento militar aumentará 2.000 biliões de dólares para o período de 2013 e 2022 e a redução de efectivos de Obama será anulada.
sexta-feira, novembro 02, 2012
FELIZ
ANIVERSÁRIO...
Era o meu 39º aniversário e o meu humor não estava grande coisa. Nessa manhã, ao levantar-me, dirigi-me à sala para beber o café na expectativa que o meu marido dissesse:
-“Feliz aniversário, querida!”… mas ele não disse nada.
- “Este é o homem que eu mereço!”… pensei eu.
...mas continuei a sonhar:
- “As crianças, certamente, lembrar-se-ão…” mas quando chegaram para beber o café também não disseram nada.
Saí bastante desalentada mas senti-me um pouco melhor quando ao entrar no meu local de trabalho o estagiário me disse:
- “Bom dia Drª… Feliz Aniversário!”
Finalmente, alguém se havia lembrado!
Trabalhei até ao meio-dia quando o estagiário entrou no meu gabinete e me disse:
- “Sabe, Drª Promotora…está um dia lindo lá fora e já que é o dia do seu aniversário poderíamos almoçar juntos, só a senhora e eu, que acha?
Achei a ideia excelente, e fomos a um lugar bastante reservado. Divertimo-nos bastante e no caminho de regresso ele sugeriu:
- “Drª…com este dia tão lindo, acho que não devíamos voltar ao trabalho… vamos até ao meu apartamento e tomaremos uma bebida.
Fomos, então, para o apartamento dele e enquanto saboreava um Martini, ele disse:
- “Se não se importa, eu vou até ao meu quarto vestir uma roupa mais confortável”.
- “Tudo bem”… respondi: “Fique à vontade…”
Decorridos mais ou menos uns cinco minutos ele saiu do quarto e entrou na sala com um enorme Bolo de Aniversário… seguido do meu marido, dos meus filhos, amigas e todo o pessoal de escritório…cantando os Parabéns a Você!!!.
E…lá estava eu…sem sutiã, sem calcinha, sentada no sofá da sala!...
É por isso que eu sempre digo:
- “Estagiário…só faz merda!”
Era o meu 39º aniversário e o meu humor não estava grande coisa. Nessa manhã, ao levantar-me, dirigi-me à sala para beber o café na expectativa que o meu marido dissesse:
-“Feliz aniversário, querida!”… mas ele não disse nada.
- “Este é o homem que eu mereço!”… pensei eu.
...mas continuei a sonhar:
- “As crianças, certamente, lembrar-se-ão…” mas quando chegaram para beber o café também não disseram nada.
Saí bastante desalentada mas senti-me um pouco melhor quando ao entrar no meu local de trabalho o estagiário me disse:
- “Bom dia Drª… Feliz Aniversário!”
Finalmente, alguém se havia lembrado!
Trabalhei até ao meio-dia quando o estagiário entrou no meu gabinete e me disse:
- “Sabe, Drª Promotora…está um dia lindo lá fora e já que é o dia do seu aniversário poderíamos almoçar juntos, só a senhora e eu, que acha?
Achei a ideia excelente, e fomos a um lugar bastante reservado. Divertimo-nos bastante e no caminho de regresso ele sugeriu:
- “Drª…com este dia tão lindo, acho que não devíamos voltar ao trabalho… vamos até ao meu apartamento e tomaremos uma bebida.
Fomos, então, para o apartamento dele e enquanto saboreava um Martini, ele disse:
- “Se não se importa, eu vou até ao meu quarto vestir uma roupa mais confortável”.
- “Tudo bem”… respondi: “Fique à vontade…”
Decorridos mais ou menos uns cinco minutos ele saiu do quarto e entrou na sala com um enorme Bolo de Aniversário… seguido do meu marido, dos meus filhos, amigas e todo o pessoal de escritório…cantando os Parabéns a Você!!!.
E…lá estava eu…sem sutiã, sem calcinha, sentada no sofá da sala!...
É por isso que eu sempre digo:
- “Estagiário…só faz merda!”
O
Rapaz do Trompete
A vida
é fugaz, um sopro, um suspiro, um abrir e fechar de olhos. Antes, o nada,
depois, o nada de novo. Entre os dois nadas, a vida. Debruço-me sobre ela,
braço esticado, revolvendo com os dedos da minha imaginação as recordações que por
lá existem. Puxei uma ao acaso, já amarelecida pela idade…há quantos anos!
Eu
teria para aí os meus dezanove, vinte anos, estudava então no Instituto
Superior de Estudos Ultramarinos, que em 1961 mudou para Instituto Superior de
Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU) por causa dos novos ventos da
política internacional de então.
O meu pai alugara-me
um quartinho numa casa particular pertença de mãe e filha, viúvas, que para
sobreviverem arrendaram três quartos que milagrosamente conseguiram fazer
sobrar de um primeiro andar do velho prédio de azulejos azuis que dava para o
Jardim do Príncipe Real - tal como as magníficas portas do Palacete onde,
então, funcionava o meu Instituto.
Estávamos no primeiro ano da década de 60.
Em Janeiro, Henrique Galvão numa operação com o nome de código Dulcineia -
surripiou, em pleno alto-mar, o paquete Santa Maria para desespero de
Salazar que ficou possesso e regozijo da tímida oposição.
Lembro-me,
perfeitamente, de parar no passeio para
ver o cabeçalho do jornal “O Século” que relatava, com uma grande fotografia do
paquete, a notícia que tinha foros de escândalo nacional. Ri-me para dentro
como o cão Mutley. Estávamos no tempo em que até o apontar para além de feio
era perigoso.
Mas, quanto ao resto, tudo era calmo naquela
Lisboa pacífica e provinciana, e o meio estudantil universitário ainda tinha
que aguardar uns anos pelos ventos agitados de Maio de 68.
Nunca mais regressei ao “meu” Jardim do Príncipe Real onde, nas horas de lazer, me deliciava com as leituras do Pitigrilli e nas de aperto para os exames media forças com a sebenta de Princípios Gerais de Direito para tentar perceber aquelas vinte e tal páginas em que o Prof. Adriano Moreira explicava as diferenças entre Direito Público e Privado.
Essa explicação seria, anos mais tarde, feita por Freitas do
Amaral, muito melhor e com um terço das
páginas...
Para além disto, era o retrato rotineiro dos jardins de Lisboa, com os magalas a namoriscarem as sopeiras, o fulano que vendia a banha da cobra e que, estacionado no passeio, desertava sobre as maravilhas do produto que fazia bem a tudo e tinha a ver com uma cobra que toda a gente esperava ver quando ele abrisse a mala que estava no chão, a seus pés, e que afinal só guardava os frascos da poção mágica que começavam a ser vendidos quando a conversa já não dava para esticar mais e o pessoal à sua volta ameaçava desertar.
Para além disto, era o retrato rotineiro dos jardins de Lisboa, com os magalas a namoriscarem as sopeiras, o fulano que vendia a banha da cobra e que, estacionado no passeio, desertava sobre as maravilhas do produto que fazia bem a tudo e tinha a ver com uma cobra que toda a gente esperava ver quando ele abrisse a mala que estava no chão, a seus pés, e que afinal só guardava os frascos da poção mágica que começavam a ser vendidos quando a conversa já não dava para esticar mais e o pessoal à sua volta ameaçava desertar.
E havia também um sujeito que parava muito
por ali, com aspecto de chuleco, ares de galã dos “pampas”, morenaço, calças justas, botas à vaqueiro
e andar à Yul Brynner, e ao que diziam as más-línguas, trepava na mulher do Mister Cork, da Casa das Cortiças, ali ao lado, que tinha tanto de gordo e mesureiro a despedir-se dos clientes ingleses, como a mulher,
muito mais nova que ele, tinha de “boa”.
Finalmente, havia a minha vizinha da cave e
como último personagem desta história de memórias, o malfadado rapaz do
trompete. Ela, era uma jovem linda como os amores, o seu rosto, o de uma boneca
que me deixava fascinado como o passarinho se hipnotiza pelo olhar da serpente.
Não a
podia ver à janela pois a cave, onde morava, por baixo de mim, apenas dava para um pequeno e esconso saguão, mas
sempre que nos cruzávamos à saída ou entrada do prédio era um encantamento para
mim. Segui-a com o olhar e perguntava-me como é que uma rapariga tão linda
podia sair daquela cave escura, húmida e mal cheirosa em vez de um palácio a
que a sua beleza lhe dava direito?
Eu era um aluno universitário, coisa rara
naquele tempo, ela uma pobre rapariga que nem a 4ªclasse teria e, no entanto, os
meus olhos enchiam-se com a sua figura e eu, tímido, sentia-me como um barco à deriva aguardando a
orientação de um olhar seu que nunca veio.
Jamais trocámos palavra, nem um simples
bom-dia, mas ela era, definitivamente, a eleita do meu coração, a musa
inspiradora dos meus sonhos…até que um dia despertei para a realidade ao som de
um estridente, agudo e desafinado trompete desesperadamente soprado por um não
menos desafinado músico… era o namorado.
Maldito, não só se tinha apropriado da minha secreta namoradinha como, ainda por cima, fazia-se anunciar junto dela com aquele maldito trompete!
Que desperdício, junto de uma rapariga tão linda tocava-me trompete… raios o partam, como eu o invejei!
PS:
A
esta distância, as paixões da juventude, tal como as cartas de amor de Fernando
Pessoa, parecem-nos ridículas. Em boa verdade, aos 19 anos estava descomandado
e ter-me-ia apaixonado perdidamente por qualquer linda jovem que ousasse levantar
certos olhares para mim.
O que eu não sabia e vim a perceber mais tarde, é que me limitava a cumprir
instruções da “mãe natureza” que em código cifrado no meu ADN, exigia que transmitisse os
meus genes à fêmea mais bonita da minha tribo para que os meus filhos também
nascessem lindos e tivessem, por isso, mais oportunidades de continuarem os
meus genes pelas gerações seguintes. A beleza, entre nós, representa um trunfo
para a procriação, as contas bancárias viriam mais tarde...
Já
lá dizia Vinícius de Morais, “… que me perdoem as feias mas eu prefiro as
lindas…" E é assim, simples coisas da biologia transformadas em lindos romances
de amor, pois não me consta que a Dulcineia do D. Quixote ou a Julieta do
Romeu, fossem vesgas ou tivessem borbulhas na testa…
"Tonico Bastos, um inútil, só pensava em mulheres..." |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 132
Amâncio ouvia, opunha
argumentos, deixava-se vencer. Orgulhoso daquele filho, aluno brilhante, com
notas altas nos exames:
- Quem sabe, tu tem razão, os tempos são
outros. Só que eu comecei junto com compadre Ramiro. Tu nem tinha nascido. A
gente correu perigo junto, eu era um rapaz, ele era um senhor. Junto a gente
derramou sangue, junto enriçou. Não vou largar ele nessa hora, o homem morrendo
cheio de desgosto.
- O senhor tem razão. Eu também tenho. Gosto
do padrinho mas, se eu votasse, não votava com ele.
Para Amâncio eram horas
felizes aquelas pela manhã cedinho, quando ia saindo para a banca de peixe e
Berto, o filho, vinha chegando da farra nocturna. Ficavam conversando. Seu
filho mais velho, tanto gosto lhe dava, aplicado aos estudos. Aproveitava para
lhe avisar, num conselho:
- Tu anda metido com mulher de Florêncio – um
coronel idoso que casara com fogosa filha de sírios, na Baía, ainda moça e dona
de imensos olhos langorosos. Entrando de noite em casa dele, pela porta do
fundo. Tem tanta mulher em Ilhéus, nos cabarés. Não te chega? Porque tu te mete
com mulher casada? Florêncio não nasceu para chifrudo. Se chega a saber… Não
tou com vontade de botar jagunço para te seguir. Acaba com isso, Berto. Tu me tira
o sossego. – Ria-se por dentro, era um danado seu filho, botando chifres no
pobre Florêncio.
- Não tenho culpa, meu pai ela estava me dando
linha demais. Não sou feito de pau. Mas fique tranqui lo,
ela vai viajar para a Baía, passar as festas. Afinal, meu pai quando é que vai
acabar em Ilhéus esse costume de matar mulher que engana marido? Nunca vi terra
assim!
A gente não pode se
esgueirar de uma casa, às quatro da madrugada, que logo se abrem todas as
janelas da rua para espiar.
Amâncio Leal fitava o filho
com seu olho são, cheio de ternura.
- Oposicionista de uma figa…
Invariavelmente, todos os
dias, visitava Ramiro. O velho comandava a campanha, apoiando-se nele e em
Melk, em Coriolano e poucos mais. Alfredo, aproveitando as férias da Câmara, viajava
pelo interior, visitava eleitores.
Tonico era um inútil, só
pensava em mulheres.
Amâncio ficava ouvindo Ramiro falar, dava-lhe notícias
animadoras, chegava a mentir. Sabia que as eleições estavam perdidas. Para
manter-se, Ramiro, ia depender do Governo, da degola dos adversários no
reconhecimento de poderes.
Mas nem queria que se
falasse nisso. Considerava seu prestígio inabalável, dizia que o povo estava
com ele. Como prova citava a mulher de Nacib, vindo de noite, afrontando a
cidade, salvar os seus nomes e o de Melk. Evitando aparecessem publicamente
envolvidos no processo do atentado a Aristóteles, o que sucederia na certa se o
negro fosse apanhado pelos jagunços. Sobretudo com aquela velhacaria do
Tribunal de Justiça designando um promotor especialmente para acompanhar o
processo.
- Pois eu acho, compadre,
que o negro morria e não falava. É um negro correcto, pena ter errado o tiro.
quinta-feira, novembro 01, 2012
|
Ia um alentejano
montado num burro por uma estrada fora quando, a determinada altura o burro parou.
Diz o homem:
- Este burro filho da p... parou e eu é que vou ter de levar a carga toda? - Vou falar com o mecânico porque
se ele põe um carro a andar deve também fazer andar um burro.
E dirigiu-se a uma oficina próxima.
- Sr. mecânico, o mê burro parou, não quer andar e preciso de sua ajuda.
- Sr. Chico, eu vou dar-lhe dois supositórios, um de pimenta e outro
de malagueta. Você mete o primeiro no
rabo do burro. Se ele ainda assim não andar, mete-lhe então o segundo, de malagueta. Mas, cuidado, que ele pode acelerar demais...
- Tá bem, amigo, vou seguir os sês conselhos...
No outro dia...
- Então, sr. Chico, o burro andou?
- Se andou? Pu.. que o pariu... pus-lhe o primeiro supositório no cu e ele saiu desimbestado. Se não meto o de malagueta no meu, nunca mais o apanhava...
Sobressae o azul dos olhos |
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 131
Chegavam estudantes em todos os navios.
Só não desembarcava Malvina, interna no Colégio das Mercês. Primeiro pensaram
que Melk Tavares, aumentando o castigo, resolvera privá-la de férias.
Mas quando Melk viajou inesperadamente
para a capital e voltou sozinho como partira, o rosto sombrio, envelhecido dez
anos, se soube a verdade. Malvina fugira sem deixar rasto, aproveitando a
confusão da partida para férias, o colégio em desordem.
Melk chamara a polícia, na Baía não
estava. Comunicou-se com o Rio, não a encontraram. Todos pensaram que fora
amigar-se com Rómulo Vieira, o engenheiro da barra. Outro motivo não podia
explicar a fuga sensacional, prato suculento para as solteironas. Até João
Fulgêncio assim pensou. E só veio a alegrar-se quando soube que o engenheiro,
chamado à polícia no Rio, provara nada saber de Malvina, não ter nenhuma
notícia da moça desde sua volta de Ilhéus.
Não sabia nem queria saber. Foi então o
mistério completo, ninguém entendia, profetizavam sua volta próxima,
arrependida.
João Fulgêncio não acreditava no
regresso da moça, a solicitar perdão:
-
Não volta, tenho a certeza. Aquela vai longe, sabe o que faz.
Muitos meses depois, em plena safra do
ano seguinte, noticiou-se que ela trabalhava em São Paulo , num
escritório, estudando à noite, vivendo sozinha. A mãe reviveu, nunca mais saíra
de casa. Melk recusou-se a ouvir uma palavra sequer:
-
Não tenho mais filha!
Mas tudo isso sucedeu tempos depois.
Naquele fim de ano, Malvina era apenas escândalo indecente, mau exemplo citado,
a dar razão aos veementes discursos do Dr. Maurício, em antecipada campanha
eleitoral.
As eleições seriam em Maio, mas já o
causídico aproveitava todas as ocasiões para deitar o verbo, conclamando o povo
a restaurar a perdida decência de Ilhéus. No entanto, pouca gente parecia
disposta a fazê-lo, os novos costumes penetravam em toda a parte, mesmo dentro
dos lares, agravavam-se no fim do ano com a vinda dos estudantes.
Todos eles aderiram ao Capitão. Até um
jantar lhe ofereceram no bar de Nacib, ao «futuro Intendente – como o saudou o
terceiranista de Direito, Estêvão Ribeiro, filho do coronel Coriolano, apesar
de seu pai ser dos fiéis a Ramiro Bastos – que irá libertar Ilhéus do atraso,
da ignorância e dos costumes de aldeia, candidato à altura do progresso a
iluminar com o raio da cultura a capital do cacau».
Pior ainda era o filho de Amâncio Leal:
enfrentou-se com o pai, em intermináveis discussões:
-
Não tem jeito, meu pai, o senhor deve entender. Padrinho Ramiro é o passado.
Mundinho Falcão é o futuro – estudava engenharia em São Paulo , só falava em
máqui nas, em estradas, em progresso.
O senhor tem razão em ficar com ele.
Razão sentimental, afectiva que eu respeito. Eu não posso acompanhá-lo. O
senhor deve também compreender – e metia-se com os engenheiros e técnicos da
barra, vestiu escafandro, desceu ao fundo do canal.
quarta-feira, outubro 31, 2012
Ouçam esta maravilha de ontem, (composta há quase 50 anos pelos rapazes que a cantam) de hoje e de sempre.
Recordando o grande poeta José Carlos Ary dos Santos e também aquele miúdo, meio louco, de quem fui colega no Colégio São João de Brito, quando já passam 28 anos após a sua morte.
No tempo em que os animais falavam já o
leão era o incontestado e respeitado Rei dos Animais ao qual todos os outros
bichos prestavam submissão. De admirar, pois, aquela cena do tigre, sentado na
clareira, a afiar as garras.
-
Oh, tigre, pergunta-lhe uma zebra que passava por ali, o que estás a fazer?
-
Não vês? – Estou a afiar as garras porque vou desafiar o leão para uma luta.
Palavras não eram ditas e já a zebra
partia à desfilada antes que sobrasse algo para ela.
Outros animais passaram pela clareira e
formularam ao tigre a mesma pergunta e a resposta era:
-
Não vês? – Estou a afiar as garras para desafiar o leão para uma luta. A
reacção era a fuga imediata.
O leão, não muito longe dali, acordou da
sesta diária, levantou-se, espreguiçou-se, abriu a enorme bocarra e emitiu o
seu enorme urro que fazia tremer de medo toda a restante bicharada e, no seu
passo lento e seguro, foi vigiar os seus domínios.
Também ele passou pelo tigre e, curioso,
perguntou:
-
Oh tigre, o que estás a fazer?
- Ora ... paneleirices…
O Genial Jorge Amado e a Talentosa Sónia Braga |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 130
Faziam comparações com o sempre lembrado Dr. Argileu
Palmeira, duas vezes formado com sua voz de trovão. Aqui lo
é que era conferencista! Besteira querer comparar. Sem falar que o moço do Rio
nem sabia beber. Bastava dois tragos de boa cachaça local e ele ficava caindo
de bêbado.
Dr. Argileu podia encostar com os mais famosos
chacareiros de Ilhéus, era um gambá para beber, um Rui Barbosa para falar.
Aquele, sim, um talento.
No entanto a discutida conferência tivera sua nota
animada, seu pitoresco. Envolta em perfume tão forte que encheu toda a sala,
trajando melhor do qualquer das senhoras, vestido de rendas mandado buscar da
Baía, abanando-se com um leque, verdadeira matrona – não pela idade pois era
tão jovem, mas pela pose, os modos sérios, o recato dos olhos, por sua extrema
dignidade uma verdadeira matrona – fez sua inesperada aparição na sala a
proibida Glória, antiga solidão a suspirar na janela, consolada carnação
magnífica, sem suspiros agora.
A do Dr. Demóstenes, largando o “lorgnon”, rosnou.
- Atrevida!
A do Dr. Alfredo, mulher de deputado (estadual, é
verdade, mas mesmo assim importante) levantou-se quando Glória, gloriosa,
pedindo licença, no salão nobre, a seu lado, a cobiçada bunda numa cadeira sentou.
Arrastando Jerusa, mais adiante foi instalar-se a ofendida senhora.
Glória sorriu, arrebanhando as voltas da saia. Quem
junto dela sentou foi o padre Basílio, a quanto o obrigava a caridade cristã!
Os homens lançavam olhares medrosos, sob vigilante controle das esposas.
“Josué felizardo!”, invejavam arriscando uma olhadela
furtiva. Por mais precauções, cuidadosos cuidados, quem não sabia, na cidade de
Ilhéus, da desvairada paixão do professor do colégio pela manceba do coronel?
Só mesmo Coriolano ainda estava por descobrir.
Josué levantou-se, pálido e magro, enxugou inexistente
suor com lenço de seda, presente de Glória (aliás por Glória estava vestido da
cabeça aos pés, da brilhantina cheirosa à pasta dando lustro aos sapatos)
cantou suas palavras bonitas, chamando o jornalista do Rio de «fulgurante
talento da nova geração, a dos antropófagos e futuristas».
Elogiou o rapaz, mas sobretudo combateu a hipocrisia,
reinante na literatura anterior e na sociedade de Ilhéus. A literatura era para
cantar as belezas da vida, o prazer de viver, o corpo formoso das mulheres. Sem
hipocrisias. Aproveitou para declamar um poema nascido de Glória, um horror de
imoral. Glória, orgulhosa, aplaudia.
A esposa de Alfredo qui s
retirar-se, só não o fez porque Josué acabara, desejava ouvir o doutor. O
doutor ninguém entendeu mas não era imoral.
Coisas que quase já não escandalizavam ninguém, tanto
mudara Ilhéus, “paraíso das mulheres de má vida, de costumes corruptos,
perdendo aquela sobriedade, aquela simplicidade, aquela decência dos tempos de
antanho” como discursava o Dr. Maurício, candidato a Intendente, disposto a
restaurar a austera moral.
Como escandalizar-se com a presença de Glória numa
conferência quando circulava a notícia, logo confirmada, da fuga de Malvina?
COM JESUS Nº 82
SOB O TEMA:
“O PROJECTO DE JESUS”
RAQUEL - Continuamos analisando a situação política nos
tempos de Jesus Cristo com o próprio Jesus Cristo. Não são poucos os ouvintes
que ligaram para Emissoras Latinas muito preocupados, até escandalizados.
JESUS – Escandalizados,
desta vez, porquê, Raquel?
RAQUEL - Porque,
nas últimas entrevistas o senhor estava falando de política. E segundo eles, o
senhor deveria concentrar-se nas coisas de Deus, especialmente nestes dias da
Semana Santa.
JESUS - E quais são as coisas de Deus?
RAQUEL - Bom, imagino que se referiam às orações, aos
sacramentos, ao culto… em uma palavra, às coisas sagradas.
JESUS - Eu
creio que a vida é o mais sagrado, Raquel. Deus não pode fingir que não vê seus
filhos famintos. Eu também não podia ficar tranqui lo
vendo os abusos que se cometiam em meu país.
RAQUEL - Isso
é meter-se em política. E
por se meter, deve ter ganho muitos inimigos.
JESUS - Muitos.
Os grandes odiavam-me. Os debaixo, os humilhados, as mulheres, entendiam.
RAQUEL - Entendiam o quê?
JESUS - Que
o Reino de Deus tinha chegado. Por isso, a cada dia mais se juntavam a nosso
movimento.
RAQUEL - Voltemos aos inimigos. Um homem de paz como o
senhor com tantos inimigos?
JESUS - Raquel,
quem luta pela justiça sempre terá inimigos. Quem não tem é porque não faz
nada.
+º-
RAQUEL - Mas o senhor disse: amem seus inimigos.
JESUS - Sim, eu disse que os amássemos, não que não os
tivéssemos.
RAQUEL - Essa famosa frase sua de amar aos inimigos é
autêntica ou a suavizaram também?
JESUS - Não,
eu a disse. E não é nenhuma palavra suave.
RAQUEL - O que qui s
dizer com ela?
JESUS - Amar
aos inimigos é não cair na armadilha do ódio, não imitar sua violência. Quem
luta contra Leviatã pode acabar parecendo-se com esse monstro.
RAQUEL - O senhor recomendou inclusive dar a outra
face. Debilidade, covardia?
JESUS - Astúcia.
Tem que ser um pouco pomba e um pouco serpente. Há tempo para tudo, para atirar
pedras e para recolhê-las. Aos mercadores do Templo eu não dei nenhuma face. Os
tirei a chicotadas.
RAQUEL -
Insisto. Como é que o senhor, numa situação tão crítica como a que vivia o seu
país, e com as ideias que tinha, não terminou optando pela via armada?
JESUS - Os
zelotas tentaram convencer-me. Queriam apressar a chegada do Reino com as
armas. Mas a violência gera violência. Cada revolta dos zelotas terminava num
novo banho de sangue.
RAQUEL - A história deu razão ao senhor. Isso foi o que
aconteceu pouco depois de sua morte, no ano 70, quando os zelotas se insurgiram
e o imperador Tito arrasou Jerusalém.
JESUS - Eu
pensava que o Reino de Deus tinha que ir por outro caminho. Como lhe disse,
Raquel, o primeiro era abrir os olhos das pessoas. No nosso movimento qui semos reunir os pobres, sentir-nos fortes, sentir
que podíamos.
RAQUEL - Organizar-se? Organização popular?
JESUS - Sim, isso, a comunidade. Crescer desde baixo,
como as árvores. Um povo sem amos nem senhores. Um mundo novo. Outro mundo.
RAQUEL - Tinha em mente um projecto a um prazo mais
longo?
JESUS - Eu tinha pressa. Eu queria o Reino de Deus já.
E ele não chegou.
RAQUEL -
Muitos morreram, igual ao senhor, lutando por algo que nunca chegou.
Considera-se um fracassado?
JESUS - Não. Os que caíram lutando pela justiça, Deus
os levantará dentre os mortos. No Livro da Vida estão escritos todos os seus
nomes. O meu também.
RAQUEL -
De Jerusalém e para Emissoras Latinas, transmitiu Raquel Pérez.
terça-feira, outubro 30, 2012
Amigos do Memórias Futuras
Não, não se tratou de um fim-de-semana
prolongado esta minha ausência sem aviso prévio, antes fosse. Pela primeira vez, ao
fim de sete anos de uso diário de computador, na passada 6ª Feira, por volta
das 19H00 horas, o meu computador foi alvo de um ataque de vírus que o bloqueou
totalmente tornando-o inútil. Segunda-Feira, logo pela manhã, deu entrada no hospital, quero
dizer, na oficina do técnico, e só hoje, quatro dias depois, me foi entregue recuperado
do ataque.
Pouco ou nada sei de
computadores para além da utilização que lhe dou mas julgo que qualquer
detentor de um computador ligado á Internet sabe que está sujeito a estes “ataques”.
Quem lança estes vírus não
ganha nada com isso para além de pôr a sua sabedoria ao serviço do mal o que
deve dar alguma espécie de prazer…
Para mim, além dos quatro dias
privado do meu hobby, vai-me custar o arranjo do computador e de nada valeu o
anti-vírus que eu tenho montado. Certos ataques são tão bem urdidos que não há
defesa para eles.
... Bom, continuemos, depois
destes dias de ausência, com o Memórias Futuras.
MURMÚRIOS
Não sei se conhecem o romance de Lídia Jorge “A Costa dos Murmúrios” ou viram o filme com o mesmo título que há anos passou na televisão muito bem realizado por Margarida Cardoso.
Esta obra conta a história, complexa do ponto de
vista humano, social, político e militar que se passou em Moçambique, na cidade
da Beira, nos anos que antecederam o fim do antigo regime.
A própria cidade da Beira serve de cenário às
filmagens e a interpretação, especialmente da personagem feminina mais importante,
Évita, que foi para Moçambique para casar com o Alferes Silva, é tão
convincente e real que bem poderia ter sido um simples documentário arrancado à história daquela época e naquele sítio.
Eu vivia lá, naquela
cidade, pelas alturas em que a história aconteceu. Anos antes tinha feito a
guerra de Angola pelo que conhecia, por experiência própria, as contradições de
uma guerra que se queria que fosse patriótica e que redundou num tremendo
equívoco que abalou as consciências de muitos que nela participaram.
As guerras não se desejam mas se têm que
acontecer que sejam por causas nobres, se tem que se lutar e morrer numa
guerra, que seja pela liberdade, pela justiça e aqui
residiu o grande equívoco da guerra colonial que travámos, pois quem lutava pela
liberdade era o nosso inimigo, os que combatíamos. Nós estávamos, simplesmente,
do lado errado…
Foi a guerra das mentiras para a qual os jovens
portugueses foram arrastados durante treze anos, treze anos durante os quais os
nossos políticos e generais nos ocultaram a verdade ou mentiram deliberadamente
como o fez esse senhor general Kaúlza de Arriaga que, nos anos 70, concebeu no
norte de Moçambique uma pomposa operação militar denominada Nó
Górdio - que envolveu
milhares de soldados e se saldou pelo mais completo e rotundo fracasso militar
pois não tendo conseguido o factor surpresa, base do sucesso da operação, limitou-se
a encontrar os velhos, as mulheres e as crianças do costume que constituíam,
quase sempre, os nossos grandes troféus de guerra.
Não obstante, chegado a
Lisboa, falou aos portugueses pela televisão e com o mapa de Moçambique à
frente – recordo-me perfeitamente de o ver - para emprestar maior veracidade às mentiras e
explicou como tinha conseguido derrotar o inimigo e expulsá-lo para fora das
nossas fronteiras os quais, passados dois anos, descendo progressivamente para
sul, cercavam a cidade da Beira.
Mas estas mentiras não podiam ser contadas aos
militares que faziam a guerra, entre eles o Alferes Silva e o capitão Forza
Leal - da história do nosso filme. As suas personalidades perturbadas que
procuravam um rumo, uma orientação para as suas vidas, que poderiam ter sido
resgatadas numa guerra em que se lutasse e morresse por valores e ideais
verdadeiramente patrióticos, acabaram por se afundar numa pseudo-guerra de
mentiras e vaidades.
O Alferes suicidou-se e o capitão, que se achava
a si próprio um “duro” combatente, sai de cena depois de queimar, no qui ntal da sua casa, receoso e envergonhado, as
fotografias e os relatórios das acções militares em que tinha participado e que
o poderiam vir a comprometer e a servir de matéria acusatória num eventual
Tribunal de Crimes de Guerra.
Evita, sofre com a revelação do verdadeiro homem
com quem tinha casado. Não era o jovem matemático que até tinha descoberto uma
nova fórmula, mas apenas um homem sem carácter que seguia disciplinado e
obedientemente o “duro” do seu capitão e escrevia letras pifiosas para o hino
da Companhia e dava tiros nos cus das galinhas.
Só num meio completamente estranho, onde quase
toda a gente se confrontava com dramas na sua vida, Évita bem poderia ter sido
aquela mulher que me telefonava para o Serviço onde eu trabalhava e com quem ia
conversando, auscultador entalado entre o ombro e a cabeça, enquanto ia
assinando incontáveis papéis.
Ela admirava-se da paciência que eu tinha por
ficar conversando com ela, assim, durante tanto tempo e eu respondia-lhe que
era fácil quando se gostava das pessoas. De todas as pessoas? - perguntava ela admirada - e porque não, respondia-lhe, não têm todas,
tal como eu, nariz, dois olhos, boca e orelhas?
Um dia telefonou-me, estava no hospital, tinha
tentado por termo à vida. Parei o que estava a fazer e fui visitá-la. Vi-a,
então, pela primeira vez, estava acamada, era uma jovem, o seu aspecto era
revelador dos traumas por que estava passando e o seu aspecto de pessoa pouco
vivida. Praticamente não falámos, olhei-a nos olhos, pouco expressivos,
acariciei-a na face e passados poucos minutos despedi-me com um beijo na testa.
Chamou-me de anjo, seguindo-me com
o olhar enquanto eu me afastava…
Nunca mais a vi, nem soube quem era mas era, com certeza, mais uma Évita que num dos seus desabafos dizia que até as putas do Moulin Rouge eram tristes como se as putas do Moulin Rouge, ou de qualquer outro lado, tivessem alguma razão para deixarem de ser tristes.
Nunca mais a vi, nem soube quem era mas era, com certeza, mais uma Évita que num dos seus desabafos dizia que até as putas do Moulin Rouge eram tristes como se as putas do Moulin Rouge, ou de qualquer outro lado, tivessem alguma razão para deixarem de ser tristes.
Um dia, uma delas, dirigiu-se ao meu local de
trabalho e disse à funcionária que a atendeu ao balcão que queria falar com o
senhor Delegado. A funcionária foi ter comigo ao gabinete e entre sorrisos e
olhares cúmplices e conspirativos disse-me que estava ali uma pessoa que
trabalhava no Moulin Rouge e que queria falar comigo.
As prostitutas “casaram” com todos os homens que
lhes pagam para fazerem sexo com elas, não será uma relação abençoada mas não é
furtiva, não estão a quebrar nenhum contrato, não estão a ser desonestas nem a
enganarem seja quem for.
Pedi-lhe que a acompanhasse até junto de mim, e
na presença da funcionária pedi-lhe para se sentar. Era uma mulher quarentona,
de formas cheias, muito pintada, cabelo de um louro artificial e com um vestido
cingido ao corpo, fazendo por parecer exactamente aqui lo
que era e que eu fiz totalmente por ignorar. Fosse ela a esposa do mais
proeminente empresário da cidade da Beira e eu não a teria tratado de forma
mais respeitosa.
Afinal, estava ali na sua qualidade de mãe.
Tinha um filho a estudar em Portugal num colégio interno, quem sabe se seria no
Colégio Nuno Álvares onde eu, uns qui nze
anos antes, também tinha estudado e precisava de uma autorização de
transferência de dinheiro de moçambicano para escudos de Portugal para pagar as
despesas do Colégio.
Passados uns dias, telefonou-me para me agradecer,
sensibilizada e reconhecida não só pela forma como a tinha tratado como também
pela autorização de transferência que lhe tinha concedido mas a que tinha
direito. Depois, ofereceu-se para me pagar da única maneira que sabia.
Agradeci-lhe e pedi para deixarmos as coisas assim - respondeu-me que devia ter
logo percebido que eu era diferente.
Assim que acabei de ver o filme senti desejos de
telefonar à Lídia Jorge e à Margarida Cardoso e agradecer a ambas “A COSTA DOS MURMÚRIOS”
- autêntico soco nas minhas memórias.
Adormeci
tarde, com a ajuda de um comprimido, e nunca senti tanto a sensação de como a minha vida já
era passado.
DUAS FLORES... |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 129
As três ajudantes estavam de
acordo. Iluminou-se Gabriela, bateu as mãos de contente. Nem tivera coragem de
falar com Nacib. Ia de noite, escondida, ensaiar o reisado. Todo o dia era para
lhe falar, adiava para o outro.
Dora costurava sua roupa de
cetim com lantejoulas e missangas brilhantes. Pastora dos Reis, dançando nas
ruas, levando o estandarte, cantando cantigas, puxando o terno mais belo de
Ilhéus. Disso gostava, para isso nascera, ah!, Gabriela! A Srª Saad não podia
sair, pastora de reis a dançar pelas ruas. Iria ofendê-lo, iria magoá-lo. Que
podia fazer? Ah!, que podia fazer?
Das Festas do Fim do Ano
Chegava o fim do ano, os
meses das festas de Natal, de Ano Bom, dos Reis Magos, das festas de formatura,
das festas da Igreja com quermesses armadas na Praça do bar Vesúvio, à cidade
cheia de estudantes em férias, petulantes e realizadores, vindos dos Colégios e
Faculdades da Baía.
Danças em casas de família,
sambas de umbigada nas casas pobres dos morros, da ilha das Cobras. A cidade
festiva e festeira, cachaçadas e brigas nos cabarés e botequi ns das ruas do canto. Cheios os bares e os
cabarés do centro. Passeios no Pontal, piqueniques no Malhado e no morro de
Pernambuco para ver os trabalhos das dragas.
Namoros, noivados, os
recentes doutores recebendo, ante os olhares húmidos de pais e mães, as visitas
de felicitações. Os primeiros ilheenses de anel de grau, filhos de coronéis.
Advogados e médicos,
agrónomos, professores, formados ali mesmo, no Colégio das Freiras. O padre
Basílio, contente da vida, a baptizar o sexto afilhado, nascido por obra de
Deus do ventre de Otália, a sua comadre. Farto comentário para os comentários
das solteironas.
Fim de ano tão animado
jamais transcorrera. A safra fora muito além de quanto se pudera imaginar. O
dinheiro rolava fácil, nos cabarés corria o champanhe, nova carga de mulheres
em cada navio, os estudantes fazendo concorrência aos moços do comércio e aos
caixeiros-viajantes no xodó das raparigas.
Os coronéis pagando, pagando
com larguesa, rasgando dinheiro, notas de qui nhentos
mil réis. A casa nova do coronel Manuel das Onças, quase um palácio, inaugurado
com uma festa de arromba. Muitas casas novas, ruas novas, a avenida da praia
crescendo no caminho dos coqueirais do Malhado.
Os navios chegando da Baía,
do Recife e do Rio entupidos de encomendas: o conforto crescendo dentro das
casas. Lojas e lojas, as vitrinas convidativas. A cidade aumentando, se
transformando.
No Colégio de Enoch
realizaram-se os primeiros exames sob fiscalização federal. Veio do Rio o
fiscal, jornalista do órgão do governo, pegara aquele bico. Era cronista
citado, deitou conferência, os meninos do colégio passaram os bilhetes.
Foi muita gente, o rapaz
tinha fama de grande talento. Apresentado por Josué, falou sobre “As novas
correntes na literatura moderna – de Maritetti a Graça Aranha. Um xarope
tremendo, somente quatro ou cinco conseguiram entender. João Fulgêncio, Josué,
um pouco Nhô-Galo e o Capitão. Ari entendia mas era contra.