sábado, novembro 03, 2012

A Manifestação do Acácio


ELEIÇÕES
AMERICANAS. (Again…)

Parece ter sido no outro dia quando exultei com a vitória de Obama e já aí o temos outra vez a lutar numa América cada vez mais dividida, a dos abastados contra a dos pobres. A América tolerante, cosmopolita, aberta ao casamento homossexual, contra a do obscurantismo e do puritanismo religioso. A América dos abastados contra a dos pobres, a dos que amam Obama contra aquela que o odeia.

A América, na qual, um em cada sete – 43,6 milhões de pessoas – depende, para sobreviver, dos «cupões de comida» do Programa de Assistência Nutricional Suplementar.

A América, em que os seis herdeiros da família Walton, dona da cadeia de supermercados Wal – Mart, têm uma fortuna igual ao património acumulado de 100 milhões de americanos, ou seja: 1% possui tanto como os restantes 90.

Sociedade dividida cada vez mais em que a maioria dos eleitores, talvez uns 90%, votam num dos dois grandes partidos e vêem o mundo pelos óculos desses partidos. Têm cada vez menos em comum, atingindo mesmo a história, aquela história que os americanos julgavam ser largamente comum.

Os Republicanos reacendem o medo do colectivismo e assumem-se como a América boa contra a América má. Para eles, a Europa é o patinho feio, é o declínio, os impostos, o estatismo. A América profunda, do interior, é aquela “que não mente”.

Mas há quem afirme que não há apenas duas Américas:

«Discordamos sobre aquilo que somos, por que não nos conseguimos pôr de acordo sobre aquilo que fomos» Diz E.J. Dionne, editorialista do Washington Post e autor de Our Divided Political Heart (O nosso dividido coração político).

Os depoimentos de personalidades de relevo dos Republicanos são reveladores do carácter e pensamento desta gente, da tal América profunda.

 Roy Nicholson, 64 anos, presidente do Tea Party do Mississípi:

 - «Obama é perigoso, ele odeia os Estados Unidos, não é um verdadeiro patriota. Estou convencido que ele é muçulmano. Desde que foi eleito, precipita-se para o estrangeiro para fazer salamaleques. Se for reeleito vai acabar com o país que amo. Receio que os meus netos cresçam numa ditadura soviética»

Um político europeu que fizesse afirmações destas para com um candidato seu adversário, mais ainda sendo Presidente do seu país, ficaria imediatamente desacreditado perante todos os cidadãos, eleitores ou não, isto numa situação perfeitamente hipotética.

Obama conseguiu fazer aprovar nos dois primeiros anos do seu mandato, contra os bloqueios do sistema, reformas de fundo mas, nos Estados Unidos, não é recompensado por isso, é punido.

Receio pelo futuro da Europa.  Muito mais se Obama perder… 

Com Mitt Romney o orçamento militar aumentará 2.000 biliões de dólares para o período de 2013 e 2022 e a redução de efectivos de Obama será anulada. 

sexta-feira, novembro 02, 2012

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À passagem do furacão Sandy por Nova York, a estátua da Liberdade, à cautela, escondeu-se atrás do pedestal...



FELIZ ANIVERSÁRIO...


Era o meu 39º aniversário e o meu humor não estava grande coisa. Nessa manhã, ao levantar-me, dirigi-me à sala para beber o café na expectativa que o meu marido dissesse:

-“Feliz aniversário, querida!”… mas ele não disse nada.

- “Este é o homem que eu mereço!”… pensei eu.

...mas continuei a sonhar:

- “As crianças, certamente, lembrar-se-ão…” mas quando chegaram para beber o café também não disseram nada.

Saí bastante desalentada mas senti-me um pouco melhor quando ao entrar no meu local de trabalho o estagiário me disse:

- “Bom dia Drª… Feliz Aniversário!”

Finalmente, alguém se havia lembrado!

Trabalhei até ao meio-dia quando o estagiário entrou no meu gabinete e me disse:

- “Sabe, Drª Promotora…está um dia lindo lá fora e já que é o dia do seu aniversário poderíamos almoçar juntos, só a senhora e eu, que acha?

Achei a ideia excelente, e fomos a um lugar bastante reservado. Divertimo-nos bastante e no caminho de regresso ele sugeriu:

- “Drª…com este dia tão lindo, acho que não devíamos voltar ao trabalho… vamos até ao meu apartamento e tomaremos uma bebida.

Fomos, então, para o apartamento dele e enquanto saboreava um Martini, ele disse:

- “Se não se importa, eu vou até ao meu quarto vestir uma roupa mais confortável”.

- “Tudo bem”… respondi: “Fique à vontade…”

Decorridos mais ou menos uns cinco minutos ele saiu do quarto e entrou na sala com um enorme Bolo de Aniversário… seguido do meu marido, dos meus filhos, amigas e todo o pessoal de escritório…cantando os Parabéns a Você!!!.

E…lá estava eu…sem sutiã, sem calcinha, sentada no sofá da sala!...

É por isso que eu sempre digo:

- “Estagiário…só faz merda!”


O Rapaz do Trompete

A vida é fugaz, um sopro, um suspiro, um abrir e fechar de olhos. Antes, o nada, depois, o nada de novo. Entre os dois nadas, a vida. Debruço-me sobre ela, braço esticado, revolvendo com os dedos da minha imaginação as recordações que por lá existem. Puxei uma ao acaso, já amarelecida pela idade…há quantos anos! 
Eu teria para aí os meus dezanove, vinte anos, estudava então no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, que em 1961 mudou para Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU) por causa dos novos ventos da política internacional de então.
O meu pai alugara-me um quartinho numa casa particular pertença de mãe e filha, viúvas, que para sobreviverem arrendaram três quartos que milagrosamente conseguiram fazer sobrar de um primeiro andar do velho prédio de azulejos azuis que dava para o Jardim do Príncipe Real - tal como as magníficas portas do Palacete onde, então, funcionava o meu Instituto.
Estávamos no primeiro ano da década de 60. Em Janeiro, Henrique Galvão numa operação com o nome de código Dulcineia - surripiou, em pleno alto-mar, o paquete Santa Maria para desespero de Salazar  que ficou possesso  e regozijo da tímida oposição.

Lembro-me, perfeitamente,  de parar no passeio para ver o cabeçalho do jornal “O Século” que relatava, com uma grande fotografia do paquete, a notícia que tinha foros de escândalo nacional. Ri-me para dentro como o cão Mutley. Estávamos no tempo em que até o apontar para além de feio era perigoso.
Mas, quanto ao resto, tudo era calmo naquela Lisboa pacífica e provinciana, e o meio estudantil universitário ainda tinha que aguardar uns anos pelos ventos agitados de Maio de 68.

Nunca mais regressei ao “meu” Jardim do Príncipe Real onde, nas horas de lazer, me deliciava com as leituras do Pitigrilli e nas de aperto para os exames media forças com a sebenta de Princípios Gerais de Direito para tentar perceber aquelas vinte e tal páginas em que o Prof. Adriano Moreira explicava as diferenças entre Direito Público e Privado. 

Essa explicação seria, anos mais tarde, feita por Freitas do Amaral, muito melhor e com um terço das páginas...

Para além disto, era o retrato rotineiro dos jardins de Lisboa, com os magalas a namoriscarem as sopeiras, o fulano que vendia a banha da cobra e que, estacionado no passeio, desertava sobre as maravilhas do produto que fazia bem a tudo e  tinha a ver com uma cobra que toda a gente esperava ver quando ele abrisse a mala que estava no chão, a seus pés, e que afinal só guardava os frascos da poção mágica que começavam a ser vendidos quando a conversa já não dava para esticar mais e o pessoal à sua volta ameaçava desertar.

E havia também um sujeito que parava muito por ali,  com aspecto de chuleco, ares de galã dos “pampas”, morenaço, calças justas, botas à vaqueiro e andar à Yul Brynner, e ao que diziam as más-línguas, trepava na mulher do Mister Cork, da Casa das Cortiças, ali ao lado, que tinha tanto de gordo e mesureiro   a despedir-se dos clientes ingleses, como a mulher, muito mais nova que ele, tinha de “boa”.

Finalmente, havia a minha vizinha da cave e como último personagem desta história de memórias, o malfadado rapaz do trompete. Ela, era uma jovem linda como os amores, o seu rosto, o de uma boneca que me deixava fascinado como o passarinho se hipnotiza  pelo olhar da serpente.

 Não a podia ver à janela pois a cave, onde morava, por baixo de mim, apenas dava para um pequeno e esconso saguão, mas sempre que nos cruzávamos à saída ou entrada do prédio era um encantamento para mim. Segui-a com o olhar e perguntava-me como é que uma rapariga tão linda podia sair daquela cave escura, húmida e mal cheirosa em vez de um palácio a que a sua beleza lhe dava direito?

Eu era um aluno universitário, coisa rara naquele tempo, ela uma pobre rapariga que nem a 4ªclasse teria e, no entanto, os meus olhos enchiam-se com a sua figura e eu, tímido,  sentia-me como um barco à deriva aguardando a orientação de um olhar seu que nunca veio.

Jamais trocámos palavra, nem um simples bom-dia, mas ela era, definitivamente, a eleita do meu coração, a musa inspiradora dos meus sonhos…até que um dia despertei para a realidade ao som de um estridente, agudo e desafinado trompete desesperadamente soprado por um não menos desafinado músico… era o namorado.

Maldito, não só se tinha apropriado da minha secreta namoradinha como, ainda por cima, fazia-se anunciar junto dela com aquele maldito trompete!

Que desperdício, junto de uma rapariga tão linda tocava-me trompete… raios o partam, como eu o invejei!


PS:

A esta distância, as paixões da juventude, tal como as cartas de amor de Fernando Pessoa, parecem-nos ridículas. Em boa verdade, aos 19 anos estava descomandado e ter-me-ia apaixonado perdidamente por qualquer linda jovem que ousasse levantar certos olhares para mim.

O que eu não sabia e vim a perceber mais tarde, é que me limitava a cumprir instruções da “mãe natureza” que em código cifrado no meu ADN, exigia que transmitisse os meus genes à fêmea mais bonita da minha tribo para que os meus filhos também nascessem lindos e tivessem, por isso, mais oportunidades de continuarem os meus genes pelas gerações seguintes. A beleza, entre nós, representa um trunfo para a procriação, as contas bancárias viriam mais tarde...

Já lá dizia Vinícius de Morais, “… que me perdoem as feias mas eu prefiro as lindas…" E é assim, simples coisas da biologia transformadas em lindos romances de amor, pois não me consta que a Dulcineia do D. Quixote ou a Julieta do Romeu, fossem vesgas ou tivessem borbulhas na testa…

 

"Tonico Bastos, um inútil, só pensava em mulheres..."

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 132

Amâncio ouvia, opunha argumentos, deixava-se vencer. Orgulhoso daquele filho, aluno brilhante, com notas altas nos exames:

 - Quem sabe, tu tem razão, os tempos são outros. Só que eu comecei junto com compadre Ramiro. Tu nem tinha nascido. A gente correu perigo junto, eu era um rapaz, ele era um senhor. Junto a gente derramou sangue, junto enriçou. Não vou largar ele nessa hora, o homem morrendo cheio de desgosto.

 - O senhor tem razão. Eu também tenho. Gosto do padrinho mas, se eu votasse, não votava com ele.

Para Amâncio eram horas felizes aquelas pela manhã cedinho, quando ia saindo para a banca de peixe e Berto, o filho, vinha chegando da farra nocturna. Ficavam conversando. Seu filho mais velho, tanto gosto lhe dava, aplicado aos estudos. Aproveitava para lhe avisar, num conselho:

 - Tu anda metido com mulher de Florêncio – um coronel idoso que casara com fogosa filha de sírios, na Baía, ainda moça e dona de imensos olhos langorosos. Entrando de noite em casa dele, pela porta do fundo. Tem tanta mulher em Ilhéus, nos cabarés. Não te chega? Porque tu te mete com mulher casada? Florêncio não nasceu para chifrudo. Se chega a saber… Não tou com vontade de botar jagunço para te seguir. Acaba com isso, Berto. Tu me tira o sossego. – Ria-se por dentro, era um danado seu filho, botando chifres no pobre Florêncio.

 - Não tenho culpa, meu pai ela estava me dando linha demais. Não sou feito de pau. Mas fique tranquilo, ela vai viajar para a Baía, passar as festas. Afinal, meu pai quando é que vai acabar em Ilhéus esse costume de matar mulher que engana marido? Nunca vi terra assim!

A gente não pode se esgueirar de uma casa, às quatro da madrugada, que logo se abrem todas as janelas da rua para espiar.

Amâncio Leal fitava o filho com seu olho são, cheio de ternura.

 - Oposicionista de uma figa…

Invariavelmente, todos os dias, visitava Ramiro. O velho comandava a campanha, apoiando-se nele e em Melk, em Coriolano e poucos mais. Alfredo, aproveitando as férias da Câmara, viajava pelo interior, visitava eleitores.

Tonico era um inútil, só pensava em mulheres. Amâncio ficava ouvindo Ramiro falar, dava-lhe notícias animadoras, chegava a mentir. Sabia que as eleições estavam perdidas. Para manter-se, Ramiro, ia depender do Governo, da degola dos adversários no reconhecimento de poderes.

Mas nem queria que se falasse nisso. Considerava seu prestígio inabalável, dizia que o povo estava com ele. Como prova citava a mulher de Nacib, vindo de noite, afrontando a cidade, salvar os seus nomes e o de Melk. Evitando aparecessem publicamente envolvidos no processo do atentado a Aristóteles, o que sucederia na certa se o negro fosse apanhado pelos jagunços. Sobretudo com aquela velhacaria do Tribunal de Justiça designando um promotor especialmente para acompanhar o processo.

- Pois eu acho, compadre, que o negro morria e não falava. É um negro correcto, pena ter errado o tiro.

quinta-feira, novembro 01, 2012

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Reparem nos desenhos da parede da caverna que recordam o que os portugueses tinham nesses outros tempos antes do... e do...




Vale e Azevedo foi jantar a um restaurante de luxo, onde até os talheres eram de ouro.
De repente, Vale e Azevedo vê um cliente pegar em duas colheres de ouro e escondê-las no bolso.
Chateado por não ter sido ele o primeiro a ter a ideia mas para demonstrar que em matéria de trafulhice ninguém o engana decidiu que também ia roubar duas colheres.
Pensou um pouco e, como exímio enganador, dissimulado e oportunista, perguntou ao empregado:
- Você quer que eu faça uma magia?
- Sim senhor, respondeu o empregado.
- Bem, pegue nestas duas colheres de ouro e ponha-as no meu bolso.
O empregado assim fez. Pegou nas colheres e colocou-as no bolso de Vale e Azevedo.
- OK senhor, e agora?
- Agora conte até 3 e de seguida vá tirá-las do bolso daquele cliente.

Brilhante...



Ia um alentejano montado num burro por uma estrada fora quando, a determinada altura o burro parou.
Diz o homem:
- Este burro filho da p... parou e eu é que vou ter de levar a carga toda? - Vou falar com o mecânico porque
se ele põe um carro a andar deve também fazer andar um burro.
E dirigiu-se a uma oficina próxima.
- Sr. mecânico, o mê burro parou, não quer andar e preciso de sua ajuda.
- Sr. Chico, eu vou dar-lhe dois supositórios, um de pimenta e outro de malagueta.  Você mete o primeiro no rabo do burro. Se ele ainda assim não andar, mete-lhe então o segundo, de malagueta. Mas, cuidado, que ele pode acelerar demais...
- Tá bem, amigo, vou seguir os sês conselhos...
No outro dia...
- Então, sr. Chico, o burro andou?
- Se andou? Pu.. que o pariu...  pus-lhe o primeiro supositório no cu e ele saiu desimbestado. Se não meto o de malagueta no meu, nunca mais o apanhava...


Sobressae o azul dos olhos 
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 131


Chegavam estudantes em todos os navios. Só não desembarcava Malvina, interna no Colégio das Mercês. Primeiro pensaram que Melk Tavares, aumentando o castigo, resolvera privá-la de férias.

Mas quando Melk viajou inesperadamente para a capital e voltou sozinho como partira, o rosto sombrio, envelhecido dez anos, se soube a verdade. Malvina fugira sem deixar rasto, aproveitando a confusão da partida para férias, o colégio em desordem.

Melk chamara a polícia, na Baía não estava. Comunicou-se com o Rio, não a encontraram. Todos pensaram que fora amigar-se com Rómulo Vieira, o engenheiro da barra. Outro motivo não podia explicar a fuga sensacional, prato suculento para as solteironas. Até João Fulgêncio assim pensou. E só veio a alegrar-se quando soube que o engenheiro, chamado à polícia no Rio, provara nada saber de Malvina, não ter nenhuma notícia da moça desde sua volta de Ilhéus.

Não sabia nem queria saber. Foi então o mistério completo, ninguém entendia, profetizavam sua volta próxima, arrependida.

João Fulgêncio não acreditava no regresso da moça, a solicitar perdão:

 - Não volta, tenho a certeza. Aquela vai longe, sabe o que faz.

Muitos meses depois, em plena safra do ano seguinte, noticiou-se que ela trabalhava em São Paulo, num escritório, estudando à noite, vivendo sozinha. A mãe reviveu, nunca mais saíra de casa. Melk recusou-se a ouvir uma palavra sequer:

 - Não tenho mais filha!

Mas tudo isso sucedeu tempos depois. Naquele fim de ano, Malvina era apenas escândalo indecente, mau exemplo citado, a dar razão aos veementes discursos do Dr. Maurício, em antecipada campanha eleitoral.

As eleições seriam em Maio, mas já o causídico aproveitava todas as ocasiões para deitar o verbo, conclamando o povo a restaurar a perdida decência de Ilhéus. No entanto, pouca gente parecia disposta a fazê-lo, os novos costumes penetravam em toda a parte, mesmo dentro dos lares, agravavam-se no fim do ano com a vinda dos estudantes.

Todos eles aderiram ao Capitão. Até um jantar lhe ofereceram no bar de Nacib, ao «futuro Intendente – como o saudou o terceiranista de Direito, Estêvão Ribeiro, filho do coronel Coriolano, apesar de seu pai ser dos fiéis a Ramiro Bastos – que irá libertar Ilhéus do atraso, da ignorância e dos costumes de aldeia, candidato à altura do progresso a iluminar com o raio da cultura a capital do cacau».

Pior ainda era o filho de Amâncio Leal: enfrentou-se com o pai, em intermináveis discussões:

 - Não tem jeito, meu pai, o senhor deve entender. Padrinho Ramiro é o passado. Mundinho Falcão é o futuro – estudava engenharia em São Paulo, só falava em máquinas, em estradas, em progresso.

O senhor tem razão em ficar com ele. Razão sentimental, afectiva que eu respeito. Eu não posso acompanhá-lo. O senhor deve também compreender – e metia-se com os engenheiros e técnicos da barra, vestiu escafandro, desceu ao fundo do canal. 

quarta-feira, outubro 31, 2012

Ouçam esta maravilha de ontem, (composta há quase 50 anos pelos rapazes que a cantam) de hoje e de sempre.

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Estes são os novos instrumentos com que te dou música, real esposa bem amada...


Recordando o grande poeta José Carlos Ary dos Santos e também aquele miúdo, meio louco, de quem fui colega no Colégio São João de Brito, quando já passam 28 anos após a sua morte.


No tempo em que os animais falavam já o leão era o incontestado e respeitado Rei dos Animais ao qual todos os outros bichos prestavam submissão. De admirar, pois, aquela cena do tigre, sentado na clareira, a afiar as garras.

 - Oh, tigre, pergunta-lhe uma zebra que passava por ali, o que estás a fazer?

 - Não vês? – Estou a afiar as garras porque vou desafiar o leão para uma luta.

Palavras não eram ditas e já a zebra partia à desfilada antes que sobrasse algo para ela.

Outros animais passaram pela clareira e formularam ao tigre a mesma pergunta e a resposta era:

 - Não vês? – Estou a afiar as garras para desafiar o leão para uma luta. A reacção era a fuga imediata.

O leão, não muito longe dali, acordou da sesta diária, levantou-se, espreguiçou-se, abriu a enorme bocarra e emitiu o seu enorme urro que fazia tremer de medo toda a restante bicharada e, no seu passo lento e seguro, foi vigiar os seus domínios.

Também ele passou pelo tigre e, curioso, perguntou:

 - Oh tigre, o que estás a fazer?

 -  Ora ... paneleirices…

O Genial Jorge Amado e a Talentosa Sónia Braga

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 130


Faziam comparações com o sempre lembrado Dr. Argileu Palmeira, duas vezes formado com sua voz de trovão. Aquilo é que era conferencista! Besteira querer comparar. Sem falar que o moço do Rio nem sabia beber. Bastava dois tragos de boa cachaça local e ele ficava caindo de bêbado.

Dr. Argileu podia encostar com os mais famosos chacareiros de Ilhéus, era um gambá para beber, um Rui Barbosa para falar. Aquele, sim, um talento.

No entanto a discutida conferência tivera sua nota animada, seu pitoresco. Envolta em perfume tão forte que encheu toda a sala, trajando melhor do qualquer das senhoras, vestido de rendas mandado buscar da Baía, abanando-se com um leque, verdadeira matrona – não pela idade pois era tão jovem, mas pela pose, os modos sérios, o recato dos olhos, por sua extrema dignidade uma verdadeira matrona – fez sua inesperada aparição na sala a proibida Glória, antiga solidão a suspirar na janela, consolada carnação magnífica, sem suspiros agora.

A do Dr. Demóstenes, largando o “lorgnon”, rosnou.

 - Atrevida!

A do Dr. Alfredo, mulher de deputado (estadual, é verdade, mas mesmo assim importante) levantou-se quando Glória, gloriosa, pedindo licença, no salão nobre, a seu lado, a cobiçada bunda numa cadeira sentou. Arrastando Jerusa, mais adiante foi instalar-se a ofendida senhora.

Glória sorriu, arrebanhando as voltas da saia. Quem junto dela sentou foi o padre Basílio, a quanto o obrigava a caridade cristã! Os homens lançavam olhares medrosos, sob vigilante controle das esposas.

“Josué felizardo!”, invejavam arriscando uma olhadela furtiva. Por mais precauções, cuidadosos cuidados, quem não sabia, na cidade de Ilhéus, da desvairada paixão do professor do colégio pela manceba do coronel? Só mesmo Coriolano ainda estava por descobrir.

Josué levantou-se, pálido e magro, enxugou inexistente suor com lenço de seda, presente de Glória (aliás por Glória estava vestido da cabeça aos pés, da brilhantina cheirosa à pasta dando lustro aos sapatos) cantou suas palavras bonitas, chamando o jornalista do Rio de «fulgurante talento da nova geração, a dos antropófagos e futuristas».

Elogiou o rapaz, mas sobretudo combateu a hipocrisia, reinante na literatura anterior e na sociedade de Ilhéus. A literatura era para cantar as belezas da vida, o prazer de viver, o corpo formoso das mulheres. Sem hipocrisias. Aproveitou para declamar um poema nascido de Glória, um horror de imoral. Glória, orgulhosa, aplaudia.

A esposa de Alfredo quis retirar-se, só não o fez porque Josué acabara, desejava ouvir o doutor. O doutor ninguém entendeu mas não era imoral.

Coisas que quase já não escandalizavam ninguém, tanto mudara Ilhéus, “paraíso das mulheres de má vida, de costumes corruptos, perdendo aquela sobriedade, aquela simplicidade, aquela decência dos tempos de antanho” como discursava o Dr. Maurício, candidato a Intendente, disposto a restaurar a austera moral.

Como escandalizar-se com a presença de Glória numa conferência quando circulava a notícia, logo confirmada, da fuga de Malvina?


ENTREVISTA FICCIONADA
COM JESUS Nº 82 SOB O TEMA:
“O PROJECTO DE JESUS”



RAQUEL -  Continuamos analisando a situação política nos tempos de Jesus Cristo com o próprio Jesus Cristo. Não são poucos os ouvintes que ligaram para Emissoras Latinas muito preocupados, até escandalizados.

JESUS – Escandalizados, desta vez, porquê, Raquel?

RAQUEL - Porque, nas últimas entrevistas o senhor estava falando de política. E segundo eles, o senhor deveria concentrar-se nas coisas de Deus, especialmente nestes dias da Semana Santa.

JESUS -  E quais são as coisas de Deus?

RAQUEL -  Bom, imagino que se referiam às orações, aos sacramentos, ao culto… em uma palavra, às coisas sagradas.

JESUS - Eu creio que a vida é o mais sagrado, Raquel. Deus não pode fingir que não vê seus filhos famintos. Eu também não podia ficar tranquilo vendo os abusos que se cometiam em meu país.

RAQUEL - Isso é meter-se em política. E por se meter, deve ter ganho muitos inimigos.

JESUS - Muitos. Os grandes odiavam-me. Os debaixo, os humilhados, as mulheres, entendiam.

RAQUEL -  Entendiam o quê?

JESUS - Que o Reino de Deus tinha chegado. Por isso, a cada dia mais se juntavam a nosso movimento.

RAQUEL -  Voltemos aos inimigos. Um homem de paz como o senhor com tantos inimigos?

JESUS - Raquel, quem luta pela justiça sempre terá inimigos. Quem não tem é porque não faz nada.
+º-
RAQUEL - Mas o senhor disse: amem seus inimigos.

JESUS -  Sim, eu disse que os amássemos, não que não os tivéssemos.

RAQUEL -  Essa famosa frase sua de amar aos inimigos é autêntica ou a suavizaram também?

JESUS - Não, eu a disse. E não é nenhuma palavra suave.

RAQUEL -  O que quis dizer com ela?

JESUS - Amar aos inimigos é não cair na armadilha do ódio, não imitar sua violência. Quem luta contra Leviatã pode acabar parecendo-se com esse monstro.

RAQUEL -  O senhor recomendou inclusive dar a outra face. Debilidade, covardia?

JESUS - Astúcia. Tem que ser um pouco pomba e um pouco serpente. Há tempo para tudo, para atirar pedras e para recolhê-las. Aos mercadores do Templo eu não dei nenhuma face. Os tirei a chicotadas.

RAQUEL - Insisto. Como é que o senhor, numa situação tão crítica como a que vivia o seu país, e com as ideias que tinha, não terminou optando pela via armada?

JESUS - Os zelotas tentaram convencer-me. Queriam apressar a chegada do Reino com as armas. Mas a violência gera violência. Cada revolta dos zelotas terminava num novo banho de sangue.

RAQUEL -  A história deu razão ao senhor. Isso foi o que aconteceu pouco depois de sua morte, no ano 70, quando os zelotas se insurgiram e o imperador Tito arrasou Jerusalém.

JESUS - Eu pensava que o Reino de Deus tinha que ir por outro caminho. Como lhe disse, Raquel, o primeiro era abrir os olhos das pessoas. No nosso movimento quisemos reunir os pobres, sentir-nos fortes, sentir que podíamos.

RAQUEL -  Organizar-se? Organização popular?

JESUS -  Sim, isso, a comunidade. Crescer desde baixo, como as árvores. Um povo sem amos nem senhores. Um mundo novo. Outro mundo.

RAQUEL -  Tinha em mente um projecto a um prazo mais longo?

JESUS -  Eu tinha pressa. Eu queria o Reino de Deus já. E ele não chegou.

RAQUEL - Muitos morreram, igual ao senhor, lutando por algo que nunca chegou. Considera-se um fracassado?

JESUS -  Não. Os que caíram lutando pela justiça, Deus os levantará dentre os mortos. No Livro da Vida estão escritos todos os seus nomes. O meu também.

RAQUEL - De Jerusalém e para Emissoras Latinas, transmitiu Raquel Pérez.

terça-feira, outubro 30, 2012


Amigos do Memórias Futuras


Não, não se tratou de um fim-de-semana prolongado esta minha ausência sem aviso prévio, antes fosse. Pela primeira vez, ao fim de sete anos de uso diário de computador, na passada 6ª Feira, por volta das 19H00 horas, o meu computador foi alvo de um ataque de vírus que o bloqueou totalmente tornando-o inútil. Segunda-Feira, logo pela manhã, deu entrada no hospital, quero dizer, na oficina do técnico, e só hoje, quatro dias depois, me foi entregue recuperado do ataque.

Pouco ou nada sei de computadores para além da utilização que lhe dou mas julgo que qualquer detentor de um computador ligado á Internet sabe que está sujeito a estes “ataques”.

Quem lança estes vírus não ganha nada com isso para além de pôr a sua sabedoria ao serviço do mal o que deve dar alguma espécie de prazer…

Para mim, além dos quatro dias privado do meu hobby, vai-me custar o arranjo do computador e de nada valeu o anti-vírus que eu tenho montado. Certos ataques são tão bem urdidos que não há defesa para eles.

... Bom, continuemos, depois destes dias de ausência, com o Memórias Futuras.


A COSTA DOS

 MURMÚRIOS





Não sei se conhecem o romance de Lídia Jorge “A Costa dos Murmúrios” ou viram o filme com o mesmo título que há anos passou na televisão muito bem realizado por Margarida Cardoso.


Esta obra conta a história, complexa do ponto de vista humano, social, político e militar que se passou em Moçambique, na cidade da Beira, nos anos que antecederam o fim do antigo regime.

A própria cidade da Beira serve de cenário às filmagens e a interpretação, especialmente da personagem feminina mais importante, Évita, que foi para Moçambique para casar com o Alferes Silva, é tão convincente e real que bem poderia ter sido um simples documentário arrancado à história daquela época e naquele sítio.

Eu vivia lá, naquela cidade, pelas alturas em que a história aconteceu. Anos antes tinha feito a guerra de Angola pelo que conhecia, por experiência própria, as contradições de uma guerra que se queria que fosse patriótica e que redundou num tremendo equívoco que abalou as consciências de muitos que nela participaram.

As guerras não se desejam mas se têm que acontecer que sejam por causas nobres, se tem que se lutar e morrer numa guerra, que seja pela liberdade, pela justiça  e aqui residiu o grande equívoco da guerra colonial que travámos, pois quem lutava pela liberdade era o nosso inimigo, os que combatíamos. Nós estávamos, simplesmente, do lado errado…

Foi a guerra das mentiras para a qual os jovens portugueses foram arrastados durante treze anos, treze anos durante os quais os nossos políticos e generais nos ocultaram a verdade ou mentiram deliberadamente como o fez esse senhor general Kaúlza de Arriaga que, nos anos 70, concebeu no norte de Moçambique uma pomposa operação militar denominada Nó Górdio - que envolveu milhares de soldados e se saldou pelo mais completo e rotundo fracasso militar pois não tendo conseguido o factor surpresa, base do sucesso da operação, limitou-se a encontrar os velhos, as mulheres e as crianças do costume que constituíam, quase sempre, os nossos grandes troféus de guerra.



Não obstante, chegado a Lisboa, falou aos portugueses pela televisão e com o mapa de Moçambique à frente – recordo-me perfeitamente de o ver -  para emprestar maior veracidade às mentiras e explicou como tinha conseguido derrotar o inimigo e expulsá-lo para fora das nossas fronteiras os quais, passados dois anos, descendo progressivamente para sul, cercavam a cidade da Beira.

Mas estas mentiras não podiam ser contadas aos militares que faziam a guerra, entre eles o Alferes Silva e o capitão Forza Leal - da história do nosso filme. As suas personalidades perturbadas que procuravam um rumo, uma orientação para as suas vidas, que poderiam ter sido resgatadas numa guerra em que se lutasse e morresse por valores e ideais verdadeiramente patrióticos, acabaram por se afundar numa pseudo-guerra de mentiras e vaidades.

O Alferes suicidou-se e o capitão, que se achava a si próprio um “duro” combatente, sai de cena depois de queimar, no quintal da sua casa, receoso e envergonhado, as fotografias e os relatórios das acções militares em que tinha participado e que o poderiam vir a comprometer e a servir de matéria acusatória num eventual Tribunal de Crimes de Guerra.

Evita, sofre com a revelação do verdadeiro homem com quem tinha casado. Não era o jovem matemático que até tinha descoberto uma nova fórmula, mas apenas um homem sem carácter que seguia disciplinado e obedientemente o “duro” do seu capitão e escrevia letras pifiosas para o hino da Companhia e dava tiros nos cus das galinhas.

Só num meio completamente estranho, onde quase toda a gente se confrontava com dramas na sua vida, Évita bem poderia ter sido aquela mulher que me telefonava para o Serviço onde eu trabalhava e com quem ia conversando, auscultador entalado entre o ombro e a cabeça, enquanto ia assinando incontáveis papéis.

Ela admirava-se da paciência que eu tinha por ficar conversando com ela, assim, durante tanto tempo e eu respondia-lhe que era fácil quando se gostava das pessoas. De todas as pessoas? -  perguntava ela admirada -  e porque não, respondia-lhe, não têm todas, tal como eu, nariz, dois olhos, boca e orelhas?

Um dia telefonou-me, estava no hospital, tinha tentado por termo à vida. Parei o que estava a fazer e fui visitá-la. Vi-a, então, pela primeira vez, estava acamada, era uma jovem, o seu aspecto era revelador dos traumas por que estava passando e o seu aspecto de pessoa pouco vivida. Praticamente não falámos, olhei-a nos olhos, pouco expressivos, acariciei-a na face e passados poucos minutos despedi-me com um beijo na testa. Chamou-me de anjo, seguindo-me com o olhar enquanto eu me afastava…

Nunca mais a vi, nem soube quem era mas era, com certeza, mais uma Évita que num dos seus desabafos dizia que até as putas do Moulin Rouge eram tristes como se as putas do Moulin Rouge, ou de qualquer outro lado, tivessem alguma razão para deixarem de ser tristes.

Um dia, uma delas, dirigiu-se ao meu local de trabalho e disse à funcionária que a atendeu ao balcão que queria falar com o senhor Delegado. A funcionária foi ter comigo ao gabinete e entre sorrisos e olhares cúmplices e conspirativos disse-me que estava ali uma pessoa que trabalhava no Moulin Rouge e que queria falar comigo.


Não gosto de falsos pudicos e moralistas. A maioria das senhoras que ali trabalhavam já tinha enganado os maridos ou sido por eles enganados, e, por isso, nenhuma estaria em condições de atirar a primeira pedra. Mas na presença de uma mulher que era assumidamente prostituta não queriam perder a oportunidade de parecerem as mulheres mais sérias deste mundo.

As prostitutas “casaram” com todos os homens que lhes pagam para fazerem sexo com elas, não será uma relação abençoada mas não é furtiva, não estão a quebrar nenhum contrato, não estão a ser desonestas nem a enganarem seja quem for.

Pedi-lhe que a acompanhasse até junto de mim, e na presença da funcionária pedi-lhe para se sentar. Era uma mulher quarentona, de formas cheias, muito pintada, cabelo de um louro artificial e com um vestido cingido ao corpo, fazendo por parecer exactamente aquilo que era e que eu fiz totalmente por ignorar. Fosse ela a esposa do mais proeminente empresário da cidade da Beira e eu não a teria tratado de forma mais respeitosa.

Afinal, estava ali na sua qualidade de mãe. Tinha um filho a estudar em Portugal num colégio interno, quem sabe se seria no Colégio Nuno Álvares onde eu, uns quinze anos antes, também tinha estudado e precisava de uma autorização de transferência de dinheiro de moçambicano para escudos de Portugal para pagar as despesas do Colégio.

Passados uns dias, telefonou-me para me agradecer, sensibilizada e reconhecida não só pela forma como a tinha tratado como também pela autorização de transferência que lhe tinha concedido mas a que tinha direito. Depois, ofereceu-se para me pagar da única maneira que sabia. Agradeci-lhe e pedi para deixarmos as coisas assim - respondeu-me que devia ter logo percebido que eu era diferente.

Assim que acabei de ver o filme senti desejos de telefonar à Lídia Jorge e à Margarida Cardoso e agradecer a ambas “A COSTA DOS MURMÚRIOS” - autêntico soco nas minhas memórias.


Adormeci tarde, com a ajuda de um comprimido, e nunca senti tanto a sensação de como a minha vida já era passado.

DUAS FLORES...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 129


As três ajudantes estavam de acordo. Iluminou-se Gabriela, bateu as mãos de contente. Nem tivera coragem de falar com Nacib. Ia de noite, escondida, ensaiar o reisado. Todo o dia era para lhe falar, adiava para o outro.

Dora costurava sua roupa de cetim com lantejoulas e missangas brilhantes. Pastora dos Reis, dançando nas ruas, levando o estandarte, cantando cantigas, puxando o terno mais belo de Ilhéus. Disso gostava, para isso nascera, ah!, Gabriela! A Srª Saad não podia sair, pastora de reis a dançar pelas ruas. Iria ofendê-lo, iria magoá-lo. Que podia fazer? Ah!, que podia fazer?

Das Festas do Fim do Ano

Chegava o fim do ano, os meses das festas de Natal, de Ano Bom, dos Reis Magos, das festas de formatura, das festas da Igreja com quermesses armadas na Praça do bar Vesúvio, à cidade cheia de estudantes em férias, petulantes e realizadores, vindos dos Colégios e Faculdades da Baía.

Danças em casas de família, sambas de umbigada nas casas pobres dos morros, da ilha das Cobras. A cidade festiva e festeira, cachaçadas e brigas nos cabarés e botequins das ruas do canto. Cheios os bares e os cabarés do centro. Passeios no Pontal, piqueniques no Malhado e no morro de Pernambuco para ver os trabalhos das dragas.

Namoros, noivados, os recentes doutores recebendo, ante os olhares húmidos de pais e mães, as visitas de felicitações. Os primeiros ilheenses de anel de grau, filhos de coronéis.

Advogados e médicos, agrónomos, professores, formados ali mesmo, no Colégio das Freiras. O padre Basílio, contente da vida, a baptizar o sexto afilhado, nascido por obra de Deus do ventre de Otália, a sua comadre. Farto comentário para os comentários das solteironas.

Fim de ano tão animado jamais transcorrera. A safra fora muito além de quanto se pudera imaginar. O dinheiro rolava fácil, nos cabarés corria o champanhe, nova carga de mulheres em cada navio, os estudantes fazendo concorrência aos moços do comércio e aos caixeiros-viajantes no xodó das raparigas.

Os coronéis pagando, pagando com larguesa, rasgando dinheiro, notas de quinhentos mil réis. A casa nova do coronel Manuel das Onças, quase um palácio, inaugurado com uma festa de arromba. Muitas casas novas, ruas novas, a avenida da praia crescendo no caminho dos coqueirais do Malhado.

Os navios chegando da Baía, do Recife e do Rio entupidos de encomendas: o conforto crescendo dentro das casas. Lojas e lojas, as vitrinas convidativas. A cidade aumentando, se transformando.

No Colégio de Enoch realizaram-se os primeiros exames sob fiscalização federal. Veio do Rio o fiscal, jornalista do órgão do governo, pegara aquele bico. Era cronista citado, deitou conferência, os meninos do colégio passaram os bilhetes.

Foi muita gente, o rapaz tinha fama de grande talento. Apresentado por Josué, falou sobre “As novas correntes na literatura moderna – de Maritetti a Graça Aranha. Um xarope tremendo, somente quatro ou cinco conseguiram entender. João Fulgêncio, Josué, um pouco Nhô-Galo e o Capitão. Ari entendia mas era contra.

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