Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, março 04, 2006
quarta-feira, março 01, 2006
Afinal, quem somos?
Por casualidade ouvi há uns dias atrás um trecho de uma entrevista a um escritor espanhol, Arturo Perez-Reverte que parece estar agora na primeira linha dos escritores com grande saída, traduzido em 29 idiomas com 8 livros adaptados ao cinema e Membro da Real Academia Espanhola, licenciado em Ciência Política e Jornalismo, que me chamou a atenção pelas suas afirmações desassombradas sobre a avaliação que fazia da verdadeira natureza da nossa qualidade humana.
Em síntese, o que ele dizia é que, exceptuando alguns casos, o homem é um grande “hijo de puta”. No contexto da entrevista, este senhor, como resultado de ter começado muito novo a sua vida como repórter de guerra, testemunhou o espectáculo dos conflitos bélicos em que a violência adquire todos os requintes de malvadez porque, muitas vezes, a simples eliminação do inimigo não chega se não for acompanhada de dor e sofrimento completamente gratuitos, só explicados pela malvadez da natureza humana.
E portanto, adiantava ele, não vale a pena vir a moral cristã apregoar que somos todos bonzinhos, feitos à imagem e semelhança de um Deus infinitamente bom e que os maus correspondem apenas a algumas ovelhas tresmalhadas porque essa não é a verdade. Libertem o homem dos códigos de conduta impostos nas sociedades pelas leis, tribunais e a polícia e aí os teremos ávidos e sequiosos de violência.
Eu creio que este assunto é polémica antiga em que se procurava saber se o homem era bom e a sociedade é que o pervertia ou se, pelo contrário, o homem é uma “peste” e só a sociedade é que lhe permite sobreviver, não obstante todos os conflitos, em relativa harmonia. O J.J. Rousseau expôs essa velha questão já dois séculos e, desde então, ela ainda não se desactualizou.
Pessoalmente, tive contacto com um palco de guerra e embora, felizmente, não tenha vivido as situações mais escabrosas apercebi-me delas e, no geral, o mínimo que registei, foi um profundo desprezo pela vida humana e com mais ou menos requintes de malvadez. As pessoas eram eliminadas apenas porque havia uma guerra que tudo justificava e, tal como no Vietnam, as populações aparentadas com o inimigo ou eram sumariamente executadas ou torturadas para revelarem segredos quer os possuíssem ou não.
No meu caso, emboscaram um Unimog e mataram 6 militares nossos, meus amigos, a quem eu tinha dado a recruta, seis jovens, um deles tinha deixado em Portugal a mulher e um filho pequeno. Chamava-lhe o Setúbal porque ele era de lá, trabalhava como empregado de mesa e era o mais inteligente de todos. Só estava autorizado a responder às minhas perguntas quando ninguém mais soubesse e depois… ali estava ele, morto com uma bala no meio da testa e se ainda tinha alguma roupa foi porque chegámos a tempo de evitar que o despissem completamente e quem sabe, profanassem o corpo.
Em quantos casos não terá sido o princípio da espiral do ódio?
Em síntese, o que ele dizia é que, exceptuando alguns casos, o homem é um grande “hijo de puta”. No contexto da entrevista, este senhor, como resultado de ter começado muito novo a sua vida como repórter de guerra, testemunhou o espectáculo dos conflitos bélicos em que a violência adquire todos os requintes de malvadez porque, muitas vezes, a simples eliminação do inimigo não chega se não for acompanhada de dor e sofrimento completamente gratuitos, só explicados pela malvadez da natureza humana.
E portanto, adiantava ele, não vale a pena vir a moral cristã apregoar que somos todos bonzinhos, feitos à imagem e semelhança de um Deus infinitamente bom e que os maus correspondem apenas a algumas ovelhas tresmalhadas porque essa não é a verdade. Libertem o homem dos códigos de conduta impostos nas sociedades pelas leis, tribunais e a polícia e aí os teremos ávidos e sequiosos de violência.
Eu creio que este assunto é polémica antiga em que se procurava saber se o homem era bom e a sociedade é que o pervertia ou se, pelo contrário, o homem é uma “peste” e só a sociedade é que lhe permite sobreviver, não obstante todos os conflitos, em relativa harmonia. O J.J. Rousseau expôs essa velha questão já dois séculos e, desde então, ela ainda não se desactualizou.
Pessoalmente, tive contacto com um palco de guerra e embora, felizmente, não tenha vivido as situações mais escabrosas apercebi-me delas e, no geral, o mínimo que registei, foi um profundo desprezo pela vida humana e com mais ou menos requintes de malvadez. As pessoas eram eliminadas apenas porque havia uma guerra que tudo justificava e, tal como no Vietnam, as populações aparentadas com o inimigo ou eram sumariamente executadas ou torturadas para revelarem segredos quer os possuíssem ou não.
No meu caso, emboscaram um Unimog e mataram 6 militares nossos, meus amigos, a quem eu tinha dado a recruta, seis jovens, um deles tinha deixado em Portugal a mulher e um filho pequeno. Chamava-lhe o Setúbal porque ele era de lá, trabalhava como empregado de mesa e era o mais inteligente de todos. Só estava autorizado a responder às minhas perguntas quando ninguém mais soubesse e depois… ali estava ele, morto com uma bala no meio da testa e se ainda tinha alguma roupa foi porque chegámos a tempo de evitar que o despissem completamente e quem sabe, profanassem o corpo.
Em quantos casos não terá sido o princípio da espiral do ódio?
Isto aconteceu no continente Africano, no Asiático, mas passou-se igualmente aqui, ao nosso lado, aquando da revolução civil espanhola, a pretexto de que uns eram comunistas e os outros patriotas e por causa disso centenas de espanhóis foram levados para a Praça de Touros de Badajoz e assassinados e mais recentemente, na Bósnia, onde populações inteiras, entre 60000 a 200000 eram mortas porque as autoridades Sérvias entenderam que o facto de serem de origem muçulmana não lhes dava direito à vida.
Recordo, dessa altura, a história de um Sérvio que vivia na Bósnia (eles representavam 37% da população) e que era vizinho de uma senhora que pertencia à maioria muçulmana, 44%. Durante anos cumprimentaram-se normalmente como vizinhos mas quando as autoridades desencadearam a perseguição às pessoas de etnia muçulmana ele, pura e simplesmente, violou e matou a senhora.
Provavelmente, Arturo Perez-Reverte é capaz de ter razão e o homem é mesmo um “hijo de puta.” Dêem-lhe um motivo, um pretenso motivo, e ele atira-se ao vizinho e mata-o com requintes de malvadez. Vemos isso na estrada com os nossos "belos" automobilistas...
Felizmente, excluindo a criminalidade que começa a ser preocupante em que jovens sem referências matam à pancada um pobre desgraçado sem defesa, vivemos numa sociedade pacífica e ordeira mas seremos nós mesmos pacíficos e ordeiros? A tal senhora seria capaz de afirmar a pés juntos que o seu vizinho era pacífico e ordeiro.
Existe um generalizado apelo da moral religiosa, de todas as religiões, aos comportamentos que respeitem a vida do semelhante, é um ponto comum a todas elas: não matarás e eu pergunto-me se os inspiradores deste conceito moral nas várias religiões não estariam preocupados com a componente violenta da personalidade humana a ponto de transformarem num preceito religioso a proibição de matar o semelhante.
Na história da humanidade julgo que há um momento em que as coisas se agravam no que se refere à violência entre os homens, e esse momento foi aquele a partir do qual se criaram as condições para a acumulação da riqueza e que coincidiu com o sedentarismo, a prática da agricultura e da pastorícia.
A este propósito lembro-me sempre de dois exemplos: os pigmeus e os bosquímanos, os homens da floresta e os das zonas desérticas do Kalahari. Uns e outros têm duas coisas em comum: são os povos mais pobres e mais pacíficos do mundo tendo desenvolvido no seio da sua cultura um enorme respeito pela vida, não só deles mas também dos animais de que dependem cultivando, simultaneamente, a prática de uma vida social em paz e harmonia.
A humanidade acumulou muito mais anos de experiência como populações nómadas colectoras-caçadoras do que vivendo de forma sedentária da agricultura ou pastoreando os seus rebanhos e mais tarde desenvolvendo as várias civilizações até aos dias de hoje.
São duas fases completamente distintas do nosso passado colectivo, em que na primeira vivíamos em pequenos grupos organizados à volta de anciãos que com a idade acumulavam conhecimentos por vezes decisivos à sobrevivência do grupo, em contacto estreito com a natureza e dela dependendo totalmente.
Na segunda, começamos a operar sobre a natureza, invadimos as suas entranhas para lhe retirarmos os minerais que os artífices transformariam em ferramentas, alfaias e armas, domesticámos as ervas e os animais selvagens para termos fartura de carne e de pão e mais importante que isto, constituímo-nos em sociedades altamente estruturadas e hierarquizadas com muitos e complexos poderes dentro de si.
Na primeira fase, a violência não era especialmente importante, pelo contrário, era um estorvo, um factor de perturbação, indesejável, não servia os objectivos do grupo. O que era importante era conhecer bem a natureza que nos rodeava e da qual dependíamos e para isso era necessário, em primeiro lugar, ser-se um bom observador, perspicaz com capacidade para desenvolver técnicas de grupo ao serviço de estratégias de caça e de pesca, embora hoje se saiba que a alimentação era muito mais constituída a partir daquilo que as mulheres e as crianças apanhavam do que propriamente com o produto das caçadas.
A inteligência, a agilidade, a valentia, a habilidade, a capacidade de liderança eram qualidades que serviam os objectivos do grupo, a violência não servia para nada e as pessoas violentas eram indesejáveis porque a própria liderança dos grupos, para a sobrevivência deles próprios, tinha que estar a cargo dos chefes naturais, daqueles que revelavam maiores aptidões para serem incontestados como líderes.
A este propósito recordo-me sempre daquele oficial que em pleno teatro de guerra chamou o subalterno e disse-lhe: você é o que tem maiores qualidades de liderança, assuma o comando e salve as nossas vidas.
Este era o chefe natural, no tempo do paleolítico este engano nunca teria ocorrido e a natureza faz exactamente o mesmo quando selecciona o macho mais forte e mais apto para progenitor da geração seguinte.
A violência vem com os Impérios e as Civilizações, ela é o preço que a humanidade tem pago para crescer, para evoluir na senda do progresso, ela constitui o maior desafio porque sem ela não teríamos chegado aonde chegámos e com ela as nossas vidas e o nosso destino colectivo estão ameaçados.
Para chegarmos ao espaço, à Internet, aos telemóveis, aos grandes mercados, à globalização e à OPA do Belmiro de Azevedo, o homem teve que se recriar a si próprio entre outras coisas, como um grande “hijo de puta” como diz o nosso amigo Arturo Perez- Reverte.
É sempre assim: não há bela sem senão.
Recordo, dessa altura, a história de um Sérvio que vivia na Bósnia (eles representavam 37% da população) e que era vizinho de uma senhora que pertencia à maioria muçulmana, 44%. Durante anos cumprimentaram-se normalmente como vizinhos mas quando as autoridades desencadearam a perseguição às pessoas de etnia muçulmana ele, pura e simplesmente, violou e matou a senhora.
Provavelmente, Arturo Perez-Reverte é capaz de ter razão e o homem é mesmo um “hijo de puta.” Dêem-lhe um motivo, um pretenso motivo, e ele atira-se ao vizinho e mata-o com requintes de malvadez. Vemos isso na estrada com os nossos "belos" automobilistas...
Felizmente, excluindo a criminalidade que começa a ser preocupante em que jovens sem referências matam à pancada um pobre desgraçado sem defesa, vivemos numa sociedade pacífica e ordeira mas seremos nós mesmos pacíficos e ordeiros? A tal senhora seria capaz de afirmar a pés juntos que o seu vizinho era pacífico e ordeiro.
Existe um generalizado apelo da moral religiosa, de todas as religiões, aos comportamentos que respeitem a vida do semelhante, é um ponto comum a todas elas: não matarás e eu pergunto-me se os inspiradores deste conceito moral nas várias religiões não estariam preocupados com a componente violenta da personalidade humana a ponto de transformarem num preceito religioso a proibição de matar o semelhante.
Na história da humanidade julgo que há um momento em que as coisas se agravam no que se refere à violência entre os homens, e esse momento foi aquele a partir do qual se criaram as condições para a acumulação da riqueza e que coincidiu com o sedentarismo, a prática da agricultura e da pastorícia.
A este propósito lembro-me sempre de dois exemplos: os pigmeus e os bosquímanos, os homens da floresta e os das zonas desérticas do Kalahari. Uns e outros têm duas coisas em comum: são os povos mais pobres e mais pacíficos do mundo tendo desenvolvido no seio da sua cultura um enorme respeito pela vida, não só deles mas também dos animais de que dependem cultivando, simultaneamente, a prática de uma vida social em paz e harmonia.
A humanidade acumulou muito mais anos de experiência como populações nómadas colectoras-caçadoras do que vivendo de forma sedentária da agricultura ou pastoreando os seus rebanhos e mais tarde desenvolvendo as várias civilizações até aos dias de hoje.
São duas fases completamente distintas do nosso passado colectivo, em que na primeira vivíamos em pequenos grupos organizados à volta de anciãos que com a idade acumulavam conhecimentos por vezes decisivos à sobrevivência do grupo, em contacto estreito com a natureza e dela dependendo totalmente.
Na segunda, começamos a operar sobre a natureza, invadimos as suas entranhas para lhe retirarmos os minerais que os artífices transformariam em ferramentas, alfaias e armas, domesticámos as ervas e os animais selvagens para termos fartura de carne e de pão e mais importante que isto, constituímo-nos em sociedades altamente estruturadas e hierarquizadas com muitos e complexos poderes dentro de si.
Na primeira fase, a violência não era especialmente importante, pelo contrário, era um estorvo, um factor de perturbação, indesejável, não servia os objectivos do grupo. O que era importante era conhecer bem a natureza que nos rodeava e da qual dependíamos e para isso era necessário, em primeiro lugar, ser-se um bom observador, perspicaz com capacidade para desenvolver técnicas de grupo ao serviço de estratégias de caça e de pesca, embora hoje se saiba que a alimentação era muito mais constituída a partir daquilo que as mulheres e as crianças apanhavam do que propriamente com o produto das caçadas.
A inteligência, a agilidade, a valentia, a habilidade, a capacidade de liderança eram qualidades que serviam os objectivos do grupo, a violência não servia para nada e as pessoas violentas eram indesejáveis porque a própria liderança dos grupos, para a sobrevivência deles próprios, tinha que estar a cargo dos chefes naturais, daqueles que revelavam maiores aptidões para serem incontestados como líderes.
A este propósito recordo-me sempre daquele oficial que em pleno teatro de guerra chamou o subalterno e disse-lhe: você é o que tem maiores qualidades de liderança, assuma o comando e salve as nossas vidas.
Este era o chefe natural, no tempo do paleolítico este engano nunca teria ocorrido e a natureza faz exactamente o mesmo quando selecciona o macho mais forte e mais apto para progenitor da geração seguinte.
A violência vem com os Impérios e as Civilizações, ela é o preço que a humanidade tem pago para crescer, para evoluir na senda do progresso, ela constitui o maior desafio porque sem ela não teríamos chegado aonde chegámos e com ela as nossas vidas e o nosso destino colectivo estão ameaçados.
Para chegarmos ao espaço, à Internet, aos telemóveis, aos grandes mercados, à globalização e à OPA do Belmiro de Azevedo, o homem teve que se recriar a si próprio entre outras coisas, como um grande “hijo de puta” como diz o nosso amigo Arturo Perez- Reverte.
É sempre assim: não há bela sem senão.
segunda-feira, fevereiro 27, 2006
O fisco...
Um engravatado entra na lojinha do Abdul, no Martim Moniz em Lisboa, e
olha com desprezo para o balcão escuro, as roupas penduradas em ganchos.
Abdul irrita-se com o desprezo do tipo, e resmunga:
- Está a olhar para a loja do Abdul com cara de parvo porquê? Com esta
lojinha, Abdul tem apartamento em Cascais, tem apartamento em Algarve,
tem casa no Chiado, tem quinta no campo, tem filho a estudar medicina nos
Estados Unidos, tem filha estudando moda em Paris, tudo só com lojinha!
- Eu sou fiscal das Finanças!
- Muito prazer! Eu Abdul, maior mentiroso do Martim Moniz...