sexta-feira, outubro 01, 2010

FÉRIAS


A dona Flôr vai de férias até ao próximo dia 11. Recomeçaremos, então, com a regularidade a que vos habituamos, a história da dona Flôr e as entrevistas ficcionadas com Jesus Cristo. Até lá... passem bem.


ENTREVISTAS FICCIONADAS


COM JESUS CRISTO

Entrevista Nº 65


Tema – SACERDOTES



Raquel – A Unidade Móvel estacionada perto do que foi o grande Templo de Jerusalém. As últimas declarações de J. Cristo sobre a eucaristia e as que nos fez em anteriores entrevistas sobre a confissão bloquearam a nossa central telefónica. Um ouvinte de Assunção, Paraguai, Arturo Bregaglior, faz a seguinte pergunta:

Arturo – Se o senhor diz que os sacerdotes não perdoam pecados nem consagram a hóstia… para que servem então?

Raquel – Ouviu bem, Jesus Cristo?

Jesus – Sim, escutei bem.

Raquel – Para que servem então os sacerdotes?

Jesus – Penso que para nada.

Raquel – Como que para nada?

Jesus – Para nada.

Raquel – Com uma afirmação tão rotunda, o senhor não estará a desqualificar-se a si mesmo?

Jesus – A mim mesmo? Por quê?

Raquel – Bem, porque… o senhor não é o sumo sacerdote da Nova Aliança?

Jesus – Não o sou nem nunca o fui, mas é verdade que tive grandes discussões com os sacerdotes do meu tempo.

Raquel – E a que se deviam essas discussões?

Jesus – À sua arrogância. Sentiam-se superiores, donos da verdade e desprezavam a gente humilde. Acreditavam que eram mediadores entre o céu e a terra, representantes de Deus!... Todavia, lembro-me da cara que puseram com aquilo que contei no outro dia. Disse-lhes: as putas entrarão primeiro que vocês no Reino de Deus.

Raquel – O senhor utilizou mesmo essa palavra?

Jesus – Que palavra?

Raquel – Essa que disse.

Jesus – Putas? Claro. A elas eu sempre as respeitei mas a eles não. Eram altaneiros.

Raquel – Em todo o caso se o senhor não foi sacerdote… os seus discípulos sim.

Jesus – Por que dizes isso?

Raquel – Na Última Ceia, ainda que o senhor tenha afirmado que não consagrou nem o pão nem o vinho mas consagrou sacerdotes aos seus doze apóstolos.

Jesus – De onde concluíste isso, Raquel? Eu nunca consagrei a ninguém, No nosso Movimento não houve nenhum sacerdote e nas primeiras comunidades, que me conste, também não. Eram as pessoas comuns, homens e principalmente mulheres, as responsáveis por prosseguirem o trabalho pelo Reino de Deus. Nem sequer utilizavam a palavra sacerdote.

Raquel – Sacerdote não significa sagrado?

Jesus – Sacerdote significa “afastado”, separado do povo e para trabalhar para o Reino de Deus há que estar entre as pessoas.

Raquel – Então, de onde saíram os sacerdotes, os clérigos que dizem representar o senhor?

Jesus – Pois não sei de que tribo terão saído porque no nosso Movimento não aceitávamos hierarquias.

Raquel – Espere um momento… está-me chegando uma mensagem de texto… É de um teólogo laico, José Maria Marin… Diz assim: “A ordenação de sacerdotes nada tem a ver com Jesus Cristo. É um costume muito posterior ao Império Romano de onde nasceu o clero católico, cheio de poder e privilégios. Para Jesus, a comunidade não precisa de nenhum mediador ante Deus.

Jesus – Apreciei a explicação desse senhor.

Raquel – E que fazemos então com os sacerdotes?

Jesus – Que nasçam de novo, como aconselhou o velho Nicodemo. Se lutam, se estão entre as pessoas, se a sua palavra alegra o coração dos pobres e são uma espada de dois gumes contra os injustos, está bem. Mas se julgam que são os donos de uma escada para chegarem a Deus como aquela dos senhores de Jacob, não servem para nada porque Deus não está acima nem longe, está aqui, entre nós.

Raquel – Que dizem os ouvintes das Emissoras Latinas? E especialmente que opinam os curas, os reverendos e os ministros que talvez nos estejam
escutando. Raquel Perez, Emissoras Latinas,
Jerusalém.

VÍDEO

A mania das superioridades...

ROBERTA FLACK e PEBO BRYSON - TONIGHT I CELEBRAIT MY LOVE
Uma das vozes mais afinadas da década de 70, nascida na Carolina do Norte, nos E.U.A. em 1937. Começou a estudar piano desde muito cedo e a desenvolver a sua bela voz. É formada em música pela Universidade de Howard. É considerada uma cantora "soul"com influências de Jazz e clássicas. Ele, mais novo, nasceu em 1951, é também um cantor "soul", venceu dois Grammys e é conhecido como cantor de baladas em parecerias com intérpretes femeninas. Esta linda cançao é um autêntico hino ao amor.

DONA
FLOR

E SEUS
DOIS
MARIDOS



Episódio Nº 239



A meio caminho, pelo corredor, dona Flor se deteve em frente ao extravagante grupo composto pela imagem barroca de Santa Clara e pela madeira antiga e popular onde fora esculpido aquele anjo de cinismo e de candura tão igual ao finado, com a mesma insolência e a mesma graça irresponsável.

Coitada da santa: sua santidade, por maior e mais defensa, por mais forte de virtude, não resistia ao olhar de frete do tinhoso, rendendo-se a ele a pobre bem aventurada, entregues seu decoro e sua vida, por ele pondo a perder sua salvação já conquistada, trocando pelo inferno o paraíso por que, sem ele, de que valem o paraíso e a vida?

Ali, diante do grupo insólito em madeira e frete, dona Flor ficou parada longo tempo, e a nave de pedra e cal, imenso barco, levantou âncora e partiu, singrando os ares num mar azul de nuvens, céu afora.


Esmerou-se dona Flor e a festinha foi das mais distintas, um sucesso completo a coroar o primeiro aniversário do feliz “conúbio de duas almas gémeas” com disse, com estilo e acerto, o doutor Sílvio Ferreira, secretário geral (reeleito) da Sociedade Bahiana de Farmácia, levantando sua taça num brinde aos esposos, “ao nosso prezadíssimo segundo tesoureiro e à sua digna consorte, dona Flor, exemplo de prendas e virtudes.

Dona Flor anunciara a dom Clemente a restrita presença de “alguns amigos próximos” mas, ao frequentar a porta, o padre deparou com a casa cheia e não apenas de vizinhos. O prestígio do doutor Teodoro e a simpatia de dona Flor haviam trazido àquele festejo íntimo um número considerável de pessoas: dirigentes da classe farmacêutica, colegas da orquestra de amadores, representantes comerciais, alunas e ex-alunas da escola Sabor e Arte, alem de velhos amigos, alguns importantes como dona Magá Paternostro, a ricaça e o doutor Luís Henrique, “o cabecinha de ouro”. Antes mesmo de cumprimentar o casal, dom Clemente abraçou esse “festejado beletrista”: sua História da Bahia vinha de obter um prémio do Instituto, “cobiçada láurea consagradora de um valor autêntico”.

Em matéria de cultura, além do discurso do doutor Ferreira, rico em tropos de retórica, houve um pouco de música. Doutor Venceslau Veiga executou duas árias ao violino, entre aplausos. Aplaudida também – e muito – a jovem cantora Marilda Ramosandrade, a “voz meiga dos trópicos” apesar de lhe faltar acompanhamento. Apenas Oswaldinho marcando o ritmo ao pandeiro.

Nessa improvisada hora de arte, doutor Teodoro fez um bonito, exibindo-se em número de verdadeira sensação: tocou ao fagote, todo o hino nacional, arrancando palmas no fim, entusiásticas.

Fora disso, comeram e beberam, rindo e conversando. Na sala de visitas plantaram-se os homens, na outra sala as mulheres, apesar dos protestos de dona Gisa para quem essa separação de sexo era um absurdo “feudal e maometano”. Apenas ela e mais duas ou três senhoras se arriscavam a participar da roda masculina onde corria a cerveja e sucediam-se as anedotas, sujeitas à censura de dona Dinorá, ainda alquebrada e dolorida mas impertérrita:

- Essa Maria Antónia é uma debochada… Fica metida no meio dos homens a ouvir patifarias… E ainda arrasta dona Alice e dona Misete… Quanto à gringa, essa é a pior de todas … Vejam como estende o pescoço para ouvir…

quinta-feira, setembro 30, 2010



Finalmente…
“As Medidas”








Pessoas não vocacionadas para assumir responsabilidades na governação do país, apoiadas por máquinas partidárias preocupadas com a satisfação de interesses e projectos pessoais e familiares, conduziram o país ao longo dos últimos anos, de uma forma progressiva, à situação em que neste momento se encontra.

Não me queixo da democracia, queixo-me, isso sim, da qualidade das pessoas que se envolveram em funções de poder, o mesmo é dizer, queixo-me dos portugueses que transportaram para a política – não sei se seria de esperar outra coisa – os defeitos ancestrais característicos de um povo: individualismo, indisciplina, falta de rigor e pouco apreço, senão mesmo desprezo, pela “coisa pública”.

A situação a que se chegou era percebida pelas pessoas mais ou menos atentas à realidade para quem estas medidas, e outras que ainda virão, não constituem surpresa.

Em função da riqueza que o país produz temos uma classe média que vive demasiado bem, para além de um grupo de pessoas, não tão restrito como possamos pensar, de gestores, assessores e dirigentes, na sua quase totalidade ligadas aos partidos do poder, escandalosamente bem pagas criando desigualdades sociais gravíssimas. Do outro lado, uma massa enorme de pensionistas e desempregados que cada vez irá contar menos tostões.

Governar talvez tenha sido sempre a arte de manipular mas ultimamente ganha foros de descaramento. Os cidadãos estão apreensivos, fragilizados, receosos.

Que será do futuro do país quando os governantes hoje dizem uma “coisa” e no outro dia apresentam-se como “homens de muita coragem” apenas porque, em actos, se desdizem do dia anterior?

Infelizmente, do ponto de vista político, as alternativas credíveis e fiáveis não se vislumbram. Dá a sensação que as “pessoas boas” deste país desistiram, abandonaram ou foram escorraçadas da política activa.

Resta-nos a esperança de um país com muitos séculos de existência cheio de dificuldades, vicissitudes, privações e que com grandes sacrifícios da população conseguiu sobreviver.

Está em curso um projecto europeu. É ele a nova realidade destes tempos, a maior esperança no futuro não só para nós como para todos os países da europa. Com estes padrões de vida, isoladamente, cada um por si, não temos escapatória. A globalização, os novos grandes países emergentes, a concorrência comercial entre povos com diferentes níveis de conquista de direitos no trabalho, colocam novos desafios só possíveis de enfrentar com imaginação, inteligência, trabalho e de uma forma concertada num espaço alargado.

Há muito que deveríamos ter começado a arrumar a nossa casa… com ela desarrumada somos um peso e não um contributo… Impõe-se corrigir vícios, abusos e desgovernos numa altura em que um erro destes passa a crime.

Como exemplo, (negativo) aquele senhor, vogal de “qualquer coisa”, que foi de Lisboa ao Porto, (ida e volta), de avião, a uma reunião e mandou o motorista no automóvel de serviço pela auto-estrada para o esperar e o levar ao aeroporto de Pedras Rubras. No regresso, como o carro ainda não é tão rápido como o avião, lá teve que ir de táxi do aeroporto para casa… (Diário de Noticias
de hoje, dia 30).

VÍDEO

Olha se ele vai distraído...

LIONEL RITCHIE - GOODBYE
Vender mais de 100 milhões de discos a solo diz "alguma coisa" da qualidade deste cantor e compositor nascido em 1949 nos E.U., em Alabama. Foi ele o autor da canção "Say You, Say Me" para o filme Noites Brancas cujo trabalho lhe valeu um Óscar. Essa canção esteve em nº 1 dos Tops durante 4 semanas tendo sido considerada, igualmente, a
canção nº1 de 1985 nos E.U.A. Escolhemos, hoje, Goodbye porque a achamos linda e estar legendada em português.



INFORMAÇÕES ADICIONAIS
À ENTREVISTA Nº 64 SOBRE O TEMA:

“COMPARTILHAMOS O PÃO?” (3 e último)


Compartilhar é o Essencial

Compartilhar é a nota essencial da “comida” eucarística. O teólogo John Dominic Grossan diz: “A eucaristia é uma comida real e compartilhada”. O acento está no partir do pão, que é um sinal de compartilhar. O ênfase não está no vinho mas sim no copo que pode passar de uns para outros. Uma eucaristia sem compartilhar não é nada. Por isso, Paulo condena aqueles que não compartilham com os outros na cerimónia da eucaristia. Nela, não se pode prescindir do seguinte: é na comida e na bebida, bases materiais da vida, oferecidas equitativamente a todos que se encontra a presença de Deus e de Jesus.

O Didaqué (significa “instrução” ou “doutrina”) é um livro antiquíssimo, descoberto no Séc. XIV, que contém um relato da tradição viva das comunidades cristãs do Séc. I a partir de fontes escritas e orais, e é imprescindível para se conhecer a história do cristianismo primitivo porque ele é uma espécie de manual de instruções que serviu às primeiras comunidades para se manterem fiéis aos ensinamentos de Jesus.

Saber Sentir o Vento

No fim da entrevista nº 64, Jesus fala a Raquel do vento para que ela entenda que há realidades que não se compreendem racionalmente, que só o espírito as capta, um espírito aberto.

No Evangelho de João, Jesus utiliza a metáfora do vento (João 3,8). No relato de um jesuíta hindu aparece também “o vento” como elemento “explicativo” do caminho que nos leva (ou não, digo eu) ao mistério de Deus.

Diz o relato que ao chegar à China, um americano perguntou ao rapaz do ascensor do Hotel: “Como é a religião na China?”. O rapaz levou-o até à janela e perguntou-lhe o que ele via. “Vejo carros, lojas,…” E que mais? Pergunta-lhe. “Vejo flores, árvores, pássaros…” E que mais? Volta a perguntar o rapaz. “Vejo como se move o vento…” “Pois, essa é a religião na China, respondeu o rapaz: “uma percepção da realidade. Partimos das coisas, chegamos aos seres vivos e terminamos no que é invisível e livre, no que não podemos agarrar.

Muitos teólogos actuais consideram que quando a China for a próxima grande potência mundial, o ocidente ver-se-á desafiado pelas religiões asiáticas: Budismo, Hinduísmo, Taoismo e Confucionismo. A cultura ocidental cristã não está preparada para responder às interrogações actuais pois nem sequer dispõe de ferramentas conceptuais para captar o essencial dessas visões do mundo, da vida e de Deus, porque nos esquecemos do “vento”, porque não sabemos vê-lo
nem estamos ensinados a
senti-lo.

DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 238


“Mas, imagine só, Rosália, o que foi que a maluca da gringa deu a Teodoro, uma camisa toda cheia de mulheres nuas, você já pensou no doutor vestindo um trem desses? Educado como ele é, não disse nada, até agradeceu sem se zangar mas a camisa eu guardei no fundo da minha gaveta para ele não ficar toda hora vendo e com raiva de Gisa que é assim mas é muito boazinha”. Quem estava doente sem sair de casa era dona Dinorá, “imagine o sofrimento dela, com as juntas emperradas, um reumatismo brabo, sabendo as coisas por terceiros”. Ficou reduzida a botar cartas para as visitas e a prever desgraças para todo o mundo, numa irritação. Até a dona Flor ameaçou, consultando os naipes: “me disse para tomar cuidado pois não há bem que sempre dure, nunca vi boca de tanta praga, t’esconjuro.”

Tirante essas coisas rotineiras, nada havia a contar: “nada acontece, sempre a mesma vidinha sem novidade”. O doutor pretendera comprar a casa onde moravam mas um dos herdeiros da drogaria decidiu vender a sua parte e ir-se para o Rio. Doutor Teodoro consultara dona Flor: “o que lhe parecia mais certo e razoável: adquirir a casa ou a parte na farmácia?” Ao lhe perguntar argumentara: aquela parte lhe garantiria o controle da firma, sócio maioritário. Quanto à casa mais tarde a comprariam, quando pudessem. O proprietário não tinha outra saída senão vender, a renda do aluguel era ridícula.

Em verdade, doutor já formara opinião e decidira como melhor agir, e se demandava conselho a dona Flor fazia-o por gentileza e boa educação: “o tempo passa e o doutor não muda nada a mesma polidez, o mesmo sistema, o mesmo trato, sempre igual, um dia atrás do outro. Posso dizer o que vai acontecer a cada instante, no passar das horas, e sei cada palavra, porque hoje é igual a ontem.”

Transcorrendo assim a vida, suave e plácida, nesse lento e invariável ritmo, como temer mudança, como levar a sério as previsões da cartomante de meia-tigela e entrevada, mais amadora em seus baralhos e em suas adivinhas do que o próprio comendador Adriano Pires ao violoncelo?

Até que ela, dona Flor, não levaria a mal se algo sucedesse, um imprevisto qualquer a romper a rotina dos dias igualmente felizes e pacatos. “É até um pecado, minha irmã, falar assim quando se tem a vida que eu tenho, depois de haver comigo o pão amargo, mas a mesma coisa todo o dia cansa, até quando a gente está no bom e no melhor, Aqui pra nós lhe digo, mana saudosa, que mesmo com essa vida tão feliz, por todos invejada, por vezes me dá uma agonia, tão sem pé e sem cabeça, difícil até de explicação, um não-sei-quê… Natureza ruim dessa sua irmã que não sabe apreciar como devido o quanto mereceu do céu sem para tanto ter merecimento: vida tão tranquila e um bom marido.”

Naquela ocasião, tendo ido num domingo à missa na Igreja de Santa Tereza, como sermão de dom Clemente (“Por que, Senhor, a paz não habita o coração dos homens?”), após o ofício dirigiu-se à sacristia na intenção de convidar o sacerdote para o primeiro aniversário do seu consórcio com o doutor Teodoro. Não seria uma festa, propriamente: reuniam apenas os amigos íntimos em torno a um cálice de licor e uns doces, comemorando, ao mesmo tempo, a escolha do boticário para segundo-tesoureiro da recém-eleita directoria da Sociedade Bahiana da Farmácia.

- Lá estarei, com todo o prazer, para felicitá-los por esse ano de harmonia conjugal, esse exemplo de união abençoada por Deus…

Retirou-se dona Flor, e o padre de marfim, numa autocrítica a seu sermão um tanto pessimista, sorriu alegre: eis ali alguém, dona Flor, cujo coração era uma morada da paz, eis um ser humano satisfeito e feliz com
sua vida, desmentindo seu sermão de sombras e de dúvidas.

quarta-feira, setembro 29, 2010

JOSÉ VIANA - O CACILHEIRO
A travessia do Tejo é quase tão antiga como o próprio rio. Assim dito parece um exagero mas, de facto, perde-se na memória do tempo a origem do transporte de pessoas e bens por via fluvial entre as margens do Tejo. Os primeiros registos de que há notícia reportam um encontro entre as autoridades de Almada e Lisboa, em 1284, Séc. XIII, para "discussão dos preços da travessia do Tejo a cobrar a homens, bestas e cestos", mas isto é história... Eu próprio, logo no início dos anos 40, atavessava o rio para visitar a minha avó materna que era de Paio Pires, na "outra banda", conhecida no lugar pela t'i Júlia da "Quarela".
José Viana foi um artista completo: cantor, actor, pintor, encenador e músico. Nasceu em Lisboa em 1922 e faleceu em 2003 com 81 anos. Nas andanças da Revista conheceu a artista brasileira Juju Batista, que lhe deu uma filha, a Maria, mas é Dora Leal, com quem também contracena, que se torna sua companheira para o resto da vida e lhe dá mais duas filhas: outra Maria e uma Madalena. O fado Zé Cacilheiro, de César de Oliveira, Paulo Fonseca/Carlos Dias, surge em 1966, na revista "Zero, Zero, Zero - Ordem para Matar" e marca em definitivo o estilo próprio do artista.


DONA FLOR

E SEUS DOIS

MARIDOS


Episódio Nº 237


O professor Epaminondas Sousa Pinto, circunspecto e monarco, amava os provérbios e frases feitas, encontrando nesses ditos um resumo de sabedoria dos séculos, a expressão de verdades eternas.

“A felicidade não tem história, com uma vida feliz não se faz romance”, respondeu, quando Chimbo, aquele parente importante do finado, lhe perguntara por dona Flor, a quem não via há anos, desde o absurdo carnaval (há quantos anos, dois ou três) do enterro do estroina.

- Pois casou de novo e é feliz… Faz um ano, mais ou menos, que uniu a sua sorte à do doutor Teodoro Madureira…

- E que mais lhe sucedeu?

- Que eu saiba, nada… – e para não perder a ocasião, colocou o adágio: - Como bem diz o povo, a felicidade não tem história…

Chimbo, experiente da vida, concordou:

- É isso mesmo. Quando sucede alguma coisa é quase sempre para aporrinhar o juízo da gente… Se eu lhe contasse… Ouça…

Abriu o peito: naquela sua idade, provecta, professor!, fora se meter com moça de dezanove anos – donzela, não, mas quase. Um velhaco aplicando o golpe do noivado, comera-lhe os tampos, mas o fizera atabalhoadamente, com muita pressa, deixando uns restos do cabaço que Chimbo, vindo consolar e proteger, arrematara… Resultado, meu nobre professor: a moça de barriga e ele com aquela responsabilidade…

O professor Epaminondas Souza Pinto, de vida ilibada não teve conselho nem consolação para o desassossego do ilustre homem público, e, à falta de um bom parecer, deu-lhe parabéns pela “auspiciosa gravidez”.

Tampouco temos nós consolo ou prudente aviso para mestre Chimbo, sequer tempo e espaço – e de todo esse incidente aproveitamos apenas a verdade contida no refrão: na feliz existência de dona Flor e do doutor Teodoro nada mais aconteceu cuja narrativa se imponha, não sendo nosso desejo alongar essa crónica, já substanciosa, com o relato de um quotidiano de bonança monótona e insípida matéria antiliterária.

A própria dona Flor, noticiarista de miudezas em sua parca correspondência familiar, em carta à irmã Rosália, às vésperas do primeiro aniversário de seu matrimónio com o farmacêutico dizia-lhe nada ter a contar, de importância.

Enchera as páginas com as notícias dos parentes e vizinhos (durante aqueles anos Rosália acabara conhecendo de nome aquela gente toda, através da irmã). Contara de tia Lina com seus achaques, tio porto não envelhecia. Dona Rozilda sempre em Nazareth, pobre Celeste! Marilda, de sucesso em sucesso, agora na Rádio Sociedade e com a promessa de gravar um disco. De dona Norma relatava uma história, uma graça (“é preciso conhecer Norminha pessoalmente, vale a pena”): convidada numa terça-feira para ir no sábado seguinte a um baptizado, se recusara “porque no sábado já estava comprometida com um enterro. Como sabe que no sábado tem um enterro, Norminha, se ainda é terça-feira?” Ora como… estava um conhecido seu para esticar e certamente o faria na noite de sexta para sábado para assim aproveitar a semana-inglesa e ter um enterrão. Dona Gisa, de regresso, trouxera de New York um cachorro, “desses que são
direitinho uma linguiça”, e, para dona Flor, uma prenda linda, um broche.

terça-feira, setembro 28, 2010

VÍDEO

Espero que seja mais meiginha com o bebé...

HERMÍNIA SILVA - ROSA ENJEITADA
Este é o fado que, quanto a mim, melhor identifica Hermínia Silva como a fadista por excelência, de voz castiça e linda. Só ela, com os seus requebres e entoações melódicas: ... afinal, desventurada, quem és tu???... inimitável!. Tive oportunidade de a conhecer pessoalmente quando, há muitos anos, o meu irmão organizou as Festas de verão na aldeia dos meus avós e a convidou para ela cantar, o que aceitou como exemplo da sua simplicidade e total ausencia de vedetismo. Era uma pessoa alegre e bricalhona, (ficou célebre a sua "boca" para o guitarrista, antes de inicia a actuação: "anda Pacheco..."). Apoiou-se em dois grandes mestres: maestro Jaime Mendes e o compositor Raúl Ferrão. Cantou quase até ao fim da sua vida no Solar da Hermínia tendo falecido em 1993, aos 86 anos... uma das maiores vedetas do Fado e do Teatro de Revista português.


INFORMAÇÕES ADICIONAIS
À ENTREVISTA Nº 64 SOBRE O TEMA:
" COMPARTILHAMOS O PÃO?" (2)



Para além de repugnante, a um “milagre” tão materialista corresponde também uma pergunta materialista: como poderia viver Jesus ressuscitado sem um pedaço tão vital do coração?

Segundo Falasca, “milagres” deste teor – carne e sangue sobre os altares de sacerdotes atormentados por dúvidas de fé – produziram-se já 25: 10 em Itália, 7 em Espanha, mas só o de Lanciano foi referendado pelo Vaticano por ter sido “
submetido a rigorosas análises científicas”.

Em 2004, o Papa João Paulo II escreveu assim ao Arcebispo de Lanciano:
“Para nós cristãos, a eucaristia é tudo: é o centro da nossa fé e o centro de toda a nossa espiritualidade… isto vale de modo especial para a comunidade de Lanciano, custódia de milagres eucarísticos, que, para além de serem muito queridos para os fiéis desse lugar, são destino de numerosas peregrinações de Itália e de todo o mundo.”


Sem Desigualdades e Descriminações

Jesus recorda a Raquel o que escutou da comunidade de Corinto onde se celebrava a eucaristia, mas existem muitas outras situações de desigualdade e Paulo os repreendia por isso (1 Corintos 11, 17-34).

Santiago, o irmão de Jesus que dirigia a igreja de Jerusalém até ser assassinado pelo Sumo Sacerdote Ananías, no ano 62, também seguiu os ensinamentos de Jesus e em sua Carta adverte sobre descriminações na celebração da eucaristia:

- “Suponhamos que quando estão reunidos, entra um homem com um anel de ouro e vestido elegantemente e, ao mesmo tempo, entra outro pobremente vestido. Se vocês se fixam no que está muito bem vestido e lhe dizem : “Senta-te aqui, num lugar de honra” e ao pobre lhe dizem: “Fica ali de pé” ou: “Senta-te aqui aos meus pés” não estão, por acaso a fazer distinção entre os outros e actuando como juízes mal intencionados? Escutem, irmãos muito queridos: Acaso Deus não elegeu os pobres deste mundo para enriquecê-los na fé e fazê-los herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? E, contudo, vocês desprezam o pobre. Não serão por acaso os ricos os que os oprimem e os fazem comparecer perante os tribunais? (Santiago 2, 1-7)


Um Espaço de Equidade

Na Igreja primitiva insistiu-se para que a celebração da eucaristia fosse um espaço de equidade, de justiça, onde se compartilhassem as palavras, a comida e até os bens. Os primeiros padres da Igreja falaram nesse sentido. São Justino dizia: “A eucaristia é o momento em que os cristãos dão, cada um o que tem, aos necessitados.”

São Cipriano dizia: “Quando os ricos não levam à missa o que os pobres necessitam não celebram o sacrifício do Senhor.”

Santo Ambrósio dizia numa carta ao Imperador que acabara de desrespeitar os habitantes de Tesalónica: “Não oferecerei o sacrifício da missa diante de si, caso se atreva a assistir.”

Ao relatar os começos da Igreja primitiva, o teólogo Hans Kung refere-se ao novo “ideal ético” cristão de justiça e equidade:
- O que resultava surpreendente e atractivo a muitos estranhos, era a coesão social dos cristãos tal como se expressava no culto: “Irmãos” e “Irmãs”, sem distinções de classe, raça ou educação podiam tomar parte na eucaristia. Ofereciam generosas oferendas voluntariamente durante o culto que eram administradas e distribuídas pelo bispo, proporcionando bem-estar aos pobres, doentes, velhos, órfãos, viúvas, presos e viajantes. Neste aspecto, a vida correcta (ortho-praxy) era mais importante na vida quotidiana das comunidades do que propriamente o ensino (a teoria) (ortho- doxy).
Em qualquer caso, esta foi uma razão de peso para o insólito êxito do cristianismo… Esta revolução amável, este movimento revolucionário “desde baixo” acabou por se impor no Império Romano.

DONA
FLOR
E DSEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 236


Dona Norma pediu cinco minutos apenas, o tempo necessário para emborcar mais uma taça de champanhe. “adoro”.

Emborcou duas e no táxi sem saber por quê, contente da vida. Dona Norma tomara entre as suas as mãos do seu marido, seu bom marido. Comentaram o concerto e a festa, ambos magníficos. Tanta coisa de comer e de beber, tudo do melhor, o comendador gastara um dinheirão.

- Um exagero… - disse o doutor. – Até caviar… do verdadeiro, russo…

Dona Norma, no bem-estar do champanhe, piscou o olho para dona Flor e dirigiu-se a doutor Teodoro numa voz de malícia só compreensível a elas as duas:

- E caviar lhe agrada doutor?

- Sei que é acepipe para deuses, ainda hoje provei, porque não se deve perder uma ocasião como essa, quando se pode comer manjar tão caro. Mas vou lhe confessar, dona Norma, não consigo adaptar o meu paladar ao gosto…

- E que gosto o senhor acha que tem o caviar?

Sorria pícara dona Norma, numa euforia descontraída. Dona Flor baixara a cabeça, quem sabe para esconder um sorriso motejo. Doutor Teodoro procurou com que comparar o gosto ainda recente da iguaria, nada encontrando:

- Para ser franco não recordo nada com o mesmo gosto. Aqui para nós que ninguém nos ouça, que gosto mais ruim!

- Ruim? – desmanchava-se em riso dona Norma – Eu também acho… Mas há quem ache bom, não é mesmo, Flor?

Mas dona Flor não ria, na sombra a face circunspecta, quem sabe triste, ou apenas comovida? Fitava a noite como se não ouvisse o riso da amiga. Apertando a mão do marido lhe disse a meia voz:

- Uma beleza a música e a tua execução, Teodoro.

- Melhor não sei fazer… sou um amador, mais nada.

Para que melhor. Quem sou eu para exigir de ti, querido meu, seja o que seja.

Que trouxe eu, que bens coloquei no meu prato da balança conjugal para equilibrar com o teu, tão pleno: do dinheiro à romanza no fagote, do saber à fina educação, e essa limpidez, essa decência? Nada te trouxe, nada te acrescentei, e não sou translúcida e perene, não tenho essa tua luz meridiana, sou feita também de sombras, de matéria nocturna e transitória. Sou tão pequena para a tua altura, Teodoro.

No abrigo de bondes, esperando transporte, Urbano Pobre Homem os viu passar. Nas mãos a caixa do violino e um embrulho com salgados e doces para siá Maricota.

segunda-feira, setembro 27, 2010

A velhice é uma merda!!



Um casal passa a lua de mel numa linda cidade.


Numa dos seus passeios passam perto de uma casa de espectáculos porno onde o letreiro anuncia:


HOJE, O FABULOSO PAULINHO!

Entram e o show começa com PAULINHO, 44 anos, numa cama com uma louraça, uma morenaça e uma ruivaça, que ele traça uma a uma...... e depois repete.

As três mulheres, exaustas, deixam o palco, enquanto PAULINHO agradece ao público, que aplaude efusivamente, de pé.


Sob o rufar de tambores, uma mesinha com 3 nozes é colocada bem no centro do cenário.

PAULINHO quebra as 3 nozes com o pénis, com pancadas precisas.

O público vai à loucura e ele é ovacionado por vários minutos!


Passados 25 anos, para recordar os velhos tempos, o casal decide comemorar as bodas de prata na mesma cidade.

Passeiam pelos mesmos lugares e, diante da mesma casa vêem,surpresos, o cartaz:

HOJE, O FABULOSO PAULINHO!

Entram e, no palco, quem está lá?


O PAULINHO, agora com 69 anos, enrugadinho, cabelos brancos, traçando 3 mulheraças com o mesmo pique.

Não dá para acreditar!

Quando os tambores começam a rufar, é colocada no centro do palco a mesma mesinha, agora com 3 cocos, e ele os quebra com o pénis com a mesma precisão.

Boquiaberto, o casal vai ao camarim para cumprimentar pessoalmente o fabuloso PAULINHO e, curiosos, perguntam-lhe o motivo da mudança das nozes para cocos..

Meio sem graça, ele responde:

- A VELHICE É UMA MERDA! A VISTA ESTÁ FRACA E JÁ NÃO CONSIGO VER AS NOZES.

VÍDEO

Os jovens da cidade só devem conhecer cavalos de papelão!...

ANTÓNIO MOURÃO - Ó TEMPO VOLTA PARA TRÁS

Nasceu em 1936, no Montijo. Foi ao cumprir o Serviço Militar obrigatório que
começou a dar nas vistas passando a cantar como amador nas casas de Fado de
Lisboa. Na Revista "E Viva o Velho", no Teatro Maria Victória, interpretou
"Oh Tempo Volta para Trás" que foi um dos maiores êxitos da história da música
portuguesa. Tornou-se num cantor muito popular tendo percorrido o país, as
colónias e muitos países estrangeiros na Europa e na Américas. Embora
tenha sido premiado e muito acarinhado pelo público retirou-se do mundo
artístico em 1990.



INFORMAÇÕES ADICIONAIS


À ENTREVISTA Nº 64 SOB O TEMA:


“COMPARTILHAR O PÃO” (1)



Milagre, Prodígio, Magia

Nos primeiros séculos do cristianismo, homens e mulheres indistintamente, podiam presidir à celebração da eucaristia.

A partir do século V essa função passou a ser um ofício exclusivo dos presbíteros convertidos em “profissionais do sagrado”.

No 4º Concílio de Letrão (1275) estabeleceu-se que não podia celebrar a missa ninguém que não fosse um
“sacerdote válido e licitamente ordenado”.

Durante a Idade Média exacerbou-se a devoção a devoção pelo “milagre eucarístico” despojando a eucaristia do seu carácter simbólico e comunitário (compartilhar a comida e as palavras de Jesus) e revestindo os sacerdotes que faziam esse
“milagre” de poderes “mágicos”.

Esta fixação obsessiva no “milagre” que ocorre em cada missa chegou até aos nossos dias e é promovido pelas autoridades católicas. Em 1935, o Papa Pio XI afirmou que, efectivamente, “o sacerdote tinha poder sobre o corpo mesmo de Jesus Cristo e fá-lo presente nos nossos altares (Encíclica “Ad Catolichi Sacerdotti”) e em 1947, o Papa Pio XII confirmou que
"em nossos altares Cristo se oferece a Si mesmo diariamente para nossa redenção" (Encíclica Mediador Dei).


Miocárdio e Sangue Coagulado

Da doutrina oficial católica sobre a eucaristia derivaram as mais ridículas e absurdas devoções. Entre elas destaca-se aquela a que os devotos chamam
“o milagre eucarístico maior da história”:

- Um suposto pedaço do coração de Jesus e cinco coágulos do seu sangue conservados numa igreja de Lanciano, Itália, desde o ano 700, prodígio que ocorreu quando um monje-sacerdote duvidava do “milagre” que as suas palavras conseguiam sobre a hóstia e o cálice ao celebrar a missa.

A escritora católica Stefania Falasca comenta o milagre revestindo-o de tintas científicas:

- “Verdadeira carne e verdadeiro sangue humano. Pertencem ao mesmo grupo sanguíneo: AB. Na carne estão presentes, em secção, o miocárdio, o endocárdio, o ventrículo cardíaco esquerdo; se trata, pois, de um coração completo na sua estrutura essencial. No sangue estão presentes as proteínas normalmente fraccionadas com a mesma percentagem que falamos num quadro sero-proteico do sangue fresco normal… Embora tenha sido deixado no estado natural sem nenhum tipo de conservação ou mumificação durante séculos e exposto à acção dos agentes físicos, atmosféricos e biológicos, essa carne e esse sangue apresentam as
mesmas características da carne e do sangue extraídos no mesmo dia de um ser vivo”.


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 235

Aplausos infindáveis quando terminou. De pé no anfiteatro, apontando para o maestro e para os colegas da orquestra, curvado agradecia seu Adriano. Gritavam bravos e bis, e não apenas os entendidos, os da curriola da música. Gritavam todos, destacando-se pela força das palmas e dos “bravos” o agiota Alírio de Almeida, que de música não o entendia neres: estavam seus negócios na dependência de uma palavra do Cavalo Pampa.

Como disse depois o Pobre Homem, o número do comendador deveria ter sido o último do programa, pois, após ele, muitos convidados abandonaram a orquestra no jardim, foram para as salas beber e conversar. Os que sentados nas cadeiras não se atreviam a sair, ouviram o resto do concerto desatentos e alguns com certa impaciência. De quando em vez, um deles se enchia de coragem e, pedindo desculpas aos vizinhos, dava o fora, indo se regalar no interior do palacete.

Os Filhos de Orfeu, porém, nem percebiam essas deserções, prosseguindo com a mesma afinação e qualidade. Os devotos da música, sim, incomodavam-se com o movimento e o cochicheio a aumentar. Dona Norma fez “psiu”, voltando-se para trás quando doutor Teodoro iniciou seu solo de fagote (os olhos na direcção de dona Flor). Dona Imaculada atenta anfitrioa, voltou-se também e fitou com o seu lornhão os impacientes. Foi quanto bastou: fez-se o silêncio e ninguém mais teve a ousadia de querer se levantar.

Os sons do fagote cresciam no ar, sobrevoavam o jardim, vinham tecer um halo de amor em torno dos cabelos de tão negros quase azuis de Dona Flor.

Dona Flor semicerrara os olhos, ouvindo e reconhecendo através daquele solo de romanza quanto ele lhe dera um bom marido.

Ali estava ela onde nunca imaginara, sentada nos jardins da casa mais aristocrata da Bahia, tendo a seu lado a ouvir complacente, Sua Eminência, o Senhor Arcebispo Primaz, com sua púrpura e seu arminho.

Tanto lhe dera, tanto: paz e segurança, tranquilidade, ordem e conforto, quanto ela desejou e ele pôde adivinhar, projecção e nem um só desgosto, nem um sobressalto. Agora ia buscar no ventre magro do fagote a grave nota de seu amor, de sua devoção. Ninguém poderia desejar melhor marido.

Dona Norma, na hora de aplaudir, olhou para a amiga: havia uma lágrima na face de dona Flor. “Lágrimas de felicidade”, sorria a boa vizinha, contente também com o sucesso do doutor:

- Doutor Teodoro tocou divinamente…

A própria dona Imaculada, da cadeira próxima, dignou-se elogiar:

- Seu marido saiu-se muito bem…

Na grande sala de recepções as danças começaram apenas os sons da orquestra, no pot-pourri da Viúva Alegre, derradeiro número. No jardim, os ouvintes, à frente o Primaz, cumprimentavam o maestro e os músicos, cercando o comendador. Dona Flor não apagara a lágrima da face, e o doutor ao vê-la comovida, se deu por bem pago dos seis meses de ensaio.

Da sala vinham em busca de Hélio Basto para debulhar ao piano sambas e foxes, tangos e boleros, improvisavam um arrasta-pé. Doutor Teodoro
de fagote em punho, propôs a retirada:
mais de meia-noite…

domingo, setembro 26, 2010

BOM DOMINGO A TODOS
Fiquem bem com o "Stand My Me".... a música como fio condutor, linguagem universal, elo de ligaçãção entre todos nós. Esplêndido, uma bela sensação! São momentos como este, de dedicação e generosidade, que nos fazem ainda ter esperança na espécie humana.

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