Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, fevereiro 01, 2014
Um tipo do norte comprou um Mercedes e estava a dar
uma volta numa estrada nacional à noite.
A capota estava recolhida, a brisa soprava levemente
pelo seu cabelo e ele decidiu puxar um bocado pelo carro.
Assim que a agulha chegou aos 130 km , ele de repente
reparou nas luzes azuis por trás dele.
'De maneira alguma conseguem acompanhar um Mercedes'
pensou ele para consigo mesmo, e acelerou ainda mais.
A agulha bateu os 150, 170, 180 e, finalmente, os 200 km/h , sempre com as
luzes atrás dele.
Entretanto teve um momento de lucidez e pensou:
'Mas que raio é que eu estou a fazer?!' e logo de
seguida encostou.
O polícia chegou ao pé dele, pediu-lhe a carta de
condução e sem dizer uma palavra e examinou o carro e disse:
- Eu tive um turno bastante longo e esta é a minha
última paragem. Não estou com vontade de tratar de mais papeladas, por isso, se
me der uma desculpa pela forma como conduziu que eu ainda não tenha ouvido, deixo-o
ir!
- Na semana passada a minha mulher fugiu de casa com
um polícia - disse o homem - e eu estava com medo que a qui sesse
devolver!
Diz o polícia: - Tenha uma boa noite!
Ricardo Araújo PereiraUM PARECER"Caro Sr. primeiro-ministro, O conjunto de medidas que me enviou para apreciação parece-me extraordinário.Confiscar as pensões dos idosos é muito inteligente.Em 2015, ano das próximas eleições legislativas, muitos velhotes já não estarão cá para votar. Tem-se observado que uma coisa que os idosos fazem muito é falecer. É uma espécie de passatempo, competindo em popularidade com o dominó.E,que se lhe cortarmos na pensão, essa tendência agrava-se bastante. Ora, gente defunta não penaliza o governo nas urnas.Essa tem sido uma vantagem da democracia bastante descurada por vários governos, mas não pelo seu.Por outro lado, mesmo que cheguem vivos às eleições, há uma probabilidade forte de os velhotes não se lembrarem de quem lhes cortou o dinheiro da reforma.O grande problema das sociedades modernas são os velhos. Trabalham pouco e gastam demais.Entregam-se a um consumo desenfreado, sobretudo no que toca a drogas. São compradas na farmácia, mas não deixam de ser drogas.A culpa é da medicina, que lhes prolonga a vida muito para além da data da reforma. Chegam a passar dois ou três anos repimpados a desfrutar das suas pensões.A esperança de vida destrói a nossa esperança numa boa vida, uma vez que o dinheiro gasto em pensões poderia estar a ser aplicado onde realmente interessa, como os swaps, as PPP e o BPN.Se me permite, gostaria de acrescentar algumas ideias para ajudar a minimizar o efeito negativo dos velhos na sociedade portuguesa:1. Aumento da idade de reforma para os 85 anos. Os contestatários do costume dirão que se trata de uma barbaridade, e que acrescentar 20 anos à idade da reforma é muito.Perguntem aos próprios velhos. Estão sempre a queixar-se de que a vida passa a correr e que 20 anos não são nada.É verdade: 20 anos não são nada. Respeitemos a opinião dos idosos, pois é neles que está a sabedoria.2. Exportação dos velhos. O velho português é típico e pitoresco. Bem promovido, pode ter aceitação lá fora, quer para fazer pequenos trabalhos, quer apenas para enfeitar um alpendre, um jardim.
A
CULPA
A culpa é do pólen dos pinheiros
Dos juízes, padres e mineiros
Dos turistas que vagueiam nas ruas
Das 'strippers' que nunca se põem nuas
Da encefalopatia espongiforme bovina
Do Júlio de Matos, do João e da Catarina
A culpa é dos frangos que têm HN1
E dos pobres que já não têm nenhum
A culpa é das prostitutas que não pagam impostos
Que deviam ser pagos também pelos mortos
A culpa é dos reformados e desempregados
Cambada de malandros feios, excomungados,
A culpa é dos que têm uma vida sã
E da ociosa Eva que comeu a maçã.
A culpa é do Eusébio, que já não joga a bola,
E daqueles que não batem bem da tola.
A culpa é dos putos da casa Pia
Que mentem de noite e de dia.
A culpa é dos traidores que emigram
E dos patriotas que ficam e mendigam.
A culpa é do Partido Social Democrata
E de todos aqueles que usam gravata.
A culpa é do BE, do CDS e do PCP
E dos que não querem o TGV
A culpa até pode ser do urso que hiberna
Mas não será nunca de quem governa.
A culpa é do pólen dos pinheiros
Dos juízes, padres e mineiros
Dos turistas que vagueiam nas ruas
Das 'strippers' que nunca se põem nuas
Da encefalopatia espongiforme bovina
Do Júlio de Matos, do João e da Catarina
A culpa é dos frangos que têm HN1
E dos pobres que já não têm nenhum
A culpa é das prostitutas que não pagam impostos
Que deviam ser pagos também pelos mortos
A culpa é dos reformados e desempregados
Cambada de malandros feios, excomungados,
A culpa é dos que têm uma vida sã
E da ociosa Eva que comeu a maçã.
A culpa é do Eusébio, que já não joga a bola,
E daqueles que não batem bem da tola.
A culpa é dos putos da casa Pia
Que mentem de noite e de dia.
A culpa é dos traidores que emigram
E dos patriotas que ficam e mendigam.
A culpa é do Partido Social Democrata
E de todos aqueles que usam gravata.
A culpa é do BE, do CDS e do PCP
E dos que não querem o TGV
A culpa até pode ser do urso que hiberna
Mas não será nunca de quem governa.
Negro burro. Nem sabe o que é mulher bonita. |
A MORTE
E A
MORTE
MORTE
DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 27
Negro Pastinha recolheu no canto do
quarto as velhas roupas do amigo, vestiram-no e reconheceram-no então:
– Agora, sim, é o velho Quincas.
Sentiam-se alegres. Quincas parecia
também mais contente, desembaraçado daquelas vestimentas incómodas.
Particularmente grato a Curió, pois os sapatos apertavam-lhe os pés.
O camelô aproveitou para aproximar sua
boca do ouvido de Quincas e sussurrar-lhe algo sobre Quitéria. Pra que o fez?
Bem dizia Negro Pastinha que aquela
conversa sobre a rapariga irritava Quincas. Ficou violento, cuspiu uma golfada
de cachaça no olho de Curió. Os outros estremeceram, amedrontados.
– Ele se danou.
– Eu não disse?
Pé-de-Vento terminava de vestir as
calças novas, cabo Martim ficara com o paletó. A camisa, Negro Pastinha
trocaria, num botequi m conhecido,
por uma garrafa de cachaça. Lastimavam a falta de cuecas. Com muito jeito, cabo
Martim disse a Quincas:
– Não é para falar mal, mas essa sua
família é um tanto quanto económica. Acho que o genro abafou as cuecas...
– Unhas-de-fome... – precisou Quincas.
– Já que você mesmo diz, é verdade. A
gente não queria ofender eles, afinal são seus parentes. Mas que pão-durismo, que
sumiticaria... Bebida por conta da gente, onde já se viu sentinela desse jeito?
– Nem uma flor... – concordou Pastinha.
– Parentes dessa espécie eu prefiro não ter.
– Os homens, uns bestalhões. As
mulheres, umas jararacas – definiu Quincas, preciso.
– Olha, paizinho, a gorducha até que
vale uns trancos... Tem uma padaria que dá gosto.
– Um saco de peidos.
– Não diga isso, paizinho. Ela tá um
pouco amassada mas não é pra tanto desprezo. Já vi coisa pior.
– Negro burro. Nem sabe o que é mulher
bonita.
Pé-de-Vento, sem nenhum senso de
oportunidade, falou:
– Bonita é Quitéria, hein, velhinho? O
que é que ela vai fazer agora? Eu até...
– Cala a boca, desgraçado! Não vê que
ele se zanga?
Quincas, porém, nem ouvia. Atirava a
cabeça para o lado do cabo Martim, que pretendera subtrair-lhe, naquela horinha
mesmo, um trago na distribuição da bebida. Quase derruba a garrafa com a
cabeçada.
– Dá a cachaça do paizinho... – exigia
Negro Pastinha.
– Ele estava esperdiçando – explicava o
Cabo.
– Ele bebe como qui ser.
É um direito dele.
sexta-feira, janeiro 31, 2014
Sketch dos Mouty Python
Poder-se-à dizer que este é o protótipo do humor inglês... pois bem, então eu sou inglês.
Douglas Adams |
A Conversão ao Ateísmo
de Douglas Adams
Richard Dawkins fala do "comovente e divertido relato que Douglas Adams faz da sua
própria conversão ao ateísmo radical – ele insistia no “radical” para o caso de
alguém o confundir com um agnóstico – é uma prova do poder do Darwinismo
enquanto despertador das consciências.
Espero ser perdoado por me permitir alongar tanto na citação
que se segue. A minha desculpa é que a conversão Douglas pelas minhas obras
anteriores, que não pretendiam converter ninguém, me inspirou a dedicar à sua
memória este livro.
Numa entrevista reeditada postumamente, um jornalista
perguntou-lhe como se tinha tornado ateu.
Douglas iniciou a resposta explicando como se fizera
agnóstico, logo acrescentando":
- «Eu pensei, pensei. Mas não tinha muito por onde avançar,
por isso não cheguei a nenhuma decisão.
Tinha imensas dúvidas em relação à ideia de deus mas não
sabia o suficiente sobre o que quer que fosse para o substituir por um bom
modelo de uma eventual explicação para, sei lá, a vida, o universo e tudo o que
há.
Mas eu insisti e continuei a ler e continuei a pensar. A
certa altura, estava eu a entrar na casa dos 30 quando tive um encontro com a
biologia evolutiva, particularmente sob as formas dos livros de Richard
Dawkins, o Gene Egoísta e, a seguir, o Relojoeiro Cego.
De repente, (creio que ao ler o Gene Egoísta pela segunda
vez) todas as peças se encaixaram. Era um conceito de uma simplicidade
assombrosa, mas que deu origem, naturalmente, a toda a infinita e
desconcertante complexidade que a vida contem.
O espanto que inspirou em mim fazia parecer com que o
espanto de que as pessoas falam relativamente à experiência religiosa me
parecesse francamente pateta quando postos ambos lado a lado.
Eu colocaria o espanto da compreensão acima do espanto da
ignorância, não tenho dúvidas sobre isso.»
E Richard Dawkins continua:
"É evidente que o conceito de simplicidade assombrosa de
Adams aqui fala nada tinha a ver
comigo. Ele falava era de Darwin e da sua teoria da evolução por selecção
natural – o grande despertador de consciências científico.
Douglas, tenho saudades tuas. És o meu convertido mais
inteligente, o mais alto e possivelmente também o único. Espero que este livro
te consiga fazer rir – embora não tanto como tu a mim".
Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
Douglas Adams, famoso comediante britânico, falecido em 2001 com 49 anos ficou famoso por ter escrito os textos para a série televisiva Monty Python's tendo sido, igualmente, um activista ambiental.
As suas piadas são do mais profundo e arrojado humor que já me foi dado conhecer. Felizmente, com a sua divulgação através da televisão, passaram para o domínio público.
as
vacas dão!
A
família jantava tranqui la quando, de
repente, a filha de 11 anos comenta:
Tenho uma má notícia...
Não sou mais Virgem! Sou uma vaca! E começa a chorar visivelmente alterada, com
as mãos no rosto e um ar de vergonha.
Silêncio sepulcral na mesa.
De repente, começam as acusações mútuas:
Isto é por você ser como é! - marido dirigindo-se à mulher - Por se vestir como
uma puta barata e se arreganhar para o primeiro imbecil que chega aqui em casa. Claro que isso tinha que ocorrer, com este
exemplo que a menina vê todo dia!
E você - pai apontando para a outra filha de 19 anos - que fica se agarrando no
sofá e lambendo aquele palhaço do teu namorado que tem jeito de veado. Tudo na
frente da menina!
A mãe não aguenta mais e revida, gritando: E quem é o idiota que gasta metade
do salário com as putas e se despede delas na porta de casa? Pensa que eu e as
meninas somos cegas? E, além disso, que exemplo você pode dar se, desde que
assinou esta maldita TV a cabo, passa todos os finais de semana assistindo a
pornôs de qui nta categoria?
Desconsolada e à beira de um colapso, a mãe, com os olhos cheios de lágrimas e
a voz trêmula, pega ternamente na mão da filhinha e pergunta baixinho:
Como foi que isso aconteceu, minha filha?
E, entre soluços, a menina responde:
A professora me tirou do presépio!
A Virgem agora é a Isabel, eu vou fazer a vaqui nha.
Vocês não têm vergonha de disputar a mulher dele... |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 26
Não lhes parecia fácil. Negro Pastinha
conhecia Oxalá, mais longe não ia sua cultura
religiosa. Pé-de-Vento não rezava há uns trinta anos. Cabo Martim considerava
preces e igrejas como fraquezas pouco condizentes com a vida militar.
Ainda
assim tentaram, Curió puxando a reza, os outros respondendo como melhor podiam.
Finalmente Curió (que se havia posto de joelhos e baixara a cabeça contrita)
irritou-se:
– Cambada de burros...
– Falta de treino... – disse o Cabo. –
Mas já foi alguma coisa. O resto o padre faz amanhã.
Quincas parecia indiferente à reza,
devia estar com calor, metido naquelas roupas quentes. Negro Pastinha examinou
o amigo, precisavam fazer alguma coisa por ele já que a oração não dera certo.
Talvez cantar um ponto de candomblé? Alguma coisa deviam fazer. Disse a
Pé-de-Vento:
– Cadê o sapo? Dá pra ele...
– Sapo, não. Jia. Agora, pra que lhe
serve?
– Talvez ele goste.
Pé-de-Vento tomou delicadamente a jia,
colocou-a nas mãos cruzadas de Quincas. O animal saltou, escondeu-se no fundo
do caixão. Quando a luz oscilante das velas batia no seu corpo, fulgurações
verdes percorriam o cadáver.
Entre cabo Martim e Curió recomeçou a
discussão sobre Quitéria do Olho Arregalado. Com a bebida, Curió ficava mais
combativo, elevava a voz em defesa dos seus interesses. Negro Pastinha
reclamou:
– Vocês não têm vergonha de disputar a
mulher dele na vista dele? Ele ainda quente e vocês que nem urubu em carniça?
– Ele é que pode decidir... – disse
Pé-de-Vento. Tinha esperanças de ser escolhido por Quincas para herdar
Quitéria, seu único bem. Não lhe trouxera uma jia verde, a mais bela de quantas
já caçara?
– Hum! – fez o defunto.
– Tá vendo? Ele não está gostando dessa
conversa – zangou-se o negro.
– Vamos dar um gole a ele também... –
propôs o Cabo, desejoso das boas graças do morto.
Abriram-lhe a boca, derramaram a
cachaça. Espalhou-se um pouco pela gola do paletó e o peito da camisa.
– Também nunca vi ninguém beber
deitado...
– É melhor sentar ele. Assim pode ver a
gente direito.
Sentaram Quincas no caixão, a cabeça
movia-se para um e outro lado. Com o gole de cachaça ampliara-se seu sorriso.
– Bom paletó... – cabo Martim examinou a
fazenda. – Besteira botar roupa nova em defunto. Morreu ,
acabou, vai pra baixo da terra. Roupa nova pra verme comer, e tanta gente por
aí precisando...
Palavras cheias de verdade, pensaram.
Deram mais um gole a Quincas, o morto balançou a cabeça, era homem capaz de dar
razão a quem a possuía, estava evidentemente de acordo com as considerações de
Martim.
– Ele está é estragando a roupa.
– É melhor tirar o paletó pra não
esculhambar.
Quincas pareceu aliviado quando lhe
retiraram o paletó negro e pesado, quentíssimo. Mas, como continuava a cuspir a
cachaça, tiraram-lhe também a camisa. Curió namorava os sapatos lustrosos, os
seus estavam em
pandarecos. Pra que morto quer sapato novo, não é, Quincas?
– Dão direitinho nos meus pés.
quinta-feira, janeiro 30, 2014
WILSON SIMONAL
Se
Jorge Ben foi o compositor que inovou o samba para uma concepção afro-moderna,
Wilson Simonal foi o intérprete que soube como ninguém captar todo o balanço da
chamada à época, moderna musica popular brasileira, consagrando-se como um dos seus
maiores interpretes e até hoje inigualável em swing e balanço. "Quem
não tem swing morre com a boca cheia de formiga".Escolhi este vídeo para que possam recordar as carinhas das jovens do nosso tempo e da "candura"
daqueles ambientes. Wilson faleceu em 2000 e a sua vida não foi pacífica.
SOMOS
BONS?
As flores não podem voar, por isso pagam
às abelhas o aluguer das suas asas e a moeda de pagamento é o néctar.
As guias-do-mel, aves da família indicatoridae, conseguem encontrar
colmeias mas não conseguem entrar nelas ao contrário dos ratéis e dos homens.
Então, as aves conduzem, através de um
voo atractivo, os ratéis ou o homem até ao mel e depois ficam à espera da
recompensa.
Estas relações mutualistas abundam no
reino dos seres vivos: búfalos e picanços, flores tubulares e beija flores,
garoupas e bodiões, etc.
O altruísmo recíproco funciona por causa
das assimetrias que há nas necessidades e nas capacidades de as satisfazer. É
por isso que funciona particularmente bem entre espécies diferentes onde as
assimetrias são maiores.
E nós, por que nos condoemos com o choro
de uma criança que sofre?
Por que sentimos compaixão por uma viúva
idosa em desespero devido à solidão?
O que nos provoca o impulso para
enviarmos uma dádiva anónima para as vítimas de um cataclismo que não conhecemos
nem viremos a conhecer e nunca nos retribuirá?
De onde vem o bom samaritano que vive em
nós?
Recordemos Einstein:
Estranha é a nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para
uma curta visita, sem saber porquê, contudo, parecemos adivinhar um objectivo.
No entanto, do ponto de vista do quotidiano, há uma coisa que sabemos: que o
homem está aqui pelos outros homens – acima de tudo por aqueles de cujos
sorrisos e bem-estar depende a nossa própria felicidade.
Será realmente pelos outros homens que
nós aqui estamos e terá isso alguma coisa a ver com a religião?
É por causa dela que somos bons?
Muitas pessoas religiosas consideram
difícil imaginar como sem religião alguém pode ser bom ou há-de sequer querer
ser bom, e esta incapacidade para compreender e aceitar a bondade fora da
religião leva algumas pessoas religiosas a paroxismos de ódio contra aqueles
que não professam a sua religião.
E assim, a religião, que se proclama
como fonte de inspiração para a bondade e o amor transforma-se, ela própria,
num imenso reservatório de ódio e maldade.
Brian Fleming, autor e realizador de um
documentário sincero e comovente em defesa do ateísmo recebeu uma carta em 21
de Dezembro de 2005 que rezava assim:
Decididamente, vocês têm cá uma lata! Adorava pegar numa faca e
esventrá-los a todos, seus idiotas, e gritar de alegria a ver as vossas
entranhas a derramarem-se à vossa frente. Vocês andam a ver se arranjam como
atear uma guerra santa em que um dia eu e outros como eu, possamos a vir ter o
prazer de passar aos actos como o atrás mencionado.
Chegado a este ponto o
autor da carta reconhece tardiamente que a sua linguagem não é muito cristã,
pois continua, agora num tom mais amistoso:
Contudo Deus ensina-nos a não procurar a vingança mas sim a rezar
pelas pessoas como vocês.
Mas a benevolência dura-lhe
pouco:
Vai consolar-me saber que o castigo que Deus vos há-de trazer
será mil vezes pior do que o que quer que seja que eu possa infligir. O melhor
de tudo é que vocês hão-de sofrer para toda a eternidade por estes pecados de
que estão completamente ignorantes. A ira de Deus não há-de mostrar
misericórdia. Para vosso próprio bem, espero que a verdade vos seja revelada
antes que a faca vos toque na carne. Feliz NATAL!!!
P.S: Vocês não fazem mesmo ideia do que vos está reservado…Eu
agradeço a Deus por não ser vocês.
Estas cartas rancorosas, de que esta é
apenas um exemplo, são mais comuns na América do Norte provenientes de pessoas
afectas a Igrejas de Cristo e a Seitas que proliferam por todos os EUA, mas a
carta que se segue, de Maio de 2005, é de um médico inglês e foi dirigida a
Richard Dawkins.
Depois de uns parágrafos introdutórios a
denunciar a evolução e a incitar o autor a ler um livro que defende que o mundo
tem apenas 8.000 anos (será que ele pode mesmo ser médico?) conclui:
“Os seus livros, o prestígio de que goza em Oxford, tudo o que
ama na vida, e tudo aqui lo que
alcançou são um exercício de total futilidade…A interpeladora pergunta de Camus
torna-se inescapável: porque não cometemos todos suicídio? Na verdade, a sua
visão do mundo tem esse tipo de efeito sobre os estudantes e em muitas outras
pessoas…que todos evoluímos por puro acaso, a partir do nada, e que a esse nada
voltaremos. Mesmo que a religião não fosse verdadeira, é melhor, muito melhor
acreditar num mito nobre, como o de Platão, se durante as nossas vidas ele
conduzir à paz de espírito.
Mas a sua visão do mundo leva à ansiedade, à toxicodependência,
à violência, ao niilismo, ao hedonismo, à ciência Frankenstein, ao inferno na
Terra e à terceira guerra mundial. Pergunto-me quão feliz será o senhor nas
suas relações pessoais? Divorciado? Viúvo? Homossexual? As pessoas como o
senhor nunca são felizes, caso contrário não se esforçariam tanto para provar
que não existe felicidade nem significado em nada.”
Segundo este médico inglês o Darwinismo
é intrinsecamente uma evolução ao acaso quando, a selecção natural, é
precisamente o oposto de um processo casual.
A evolução acontece à custa de
alterações genéticas que favorecem a sobrevivência da espécie e essa é a
essência da selecção natural de Darwin.
Muitas vezes, a selecção natural conduz
a “becos sem saída” e, nesses casos, a espécie extingue-se e esse foi o
desfecho de todas aquelas que hoje estudamos sob a forma de fósseis.
Os grandes dinossauros que noutros
tempos dominaram a vida sobre a Terra foram eliminados por alterações drásticas
e bruscas que lhes retiraram totalmente as possibilidades de sobrevivência
tendo-se aberto então caminho para a evolução de outras espécies que até aí não
tinham hipótese de evoluir.
Há cerca de sessenta milhões de anos,
após o desaparecimento dos grandes dinossauros, pequenos animais que viviam nas
florestas passaram a encontrar um espaço que até aí não dispunham.
Eram os antepassados dos mamíferos dos
quais, hoje, nós somos os seus mais recentes representantes.
Nada aconteceu por acaso.
Muitos cientistas sustentam que o nosso
sentido do certo e errado provêm do nosso passado darwiniano.
A Bondade e a Religião – Uma Lição que
nos é dada por Richard Dawkins que, apresenta, a este respeito, a sua versão:
- Em primeiro lugar temos os
comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos parentes dos quais o
carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é o exemplo mais óbvio
mas não o único no mundo animal.
Cuidar dos parentes próximos para os
defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são
comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.
- Em segundo lugar temos um outro tipo
de altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana que
é o altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros).
Esta teoria trazida para a biologia por
Robert Trivers não depende da partilha de genes e funciona até igualmente bem
entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.
Trata-se do mesmo princípio que está na
base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos.
O caçador precisa de uma lança e o
ferreiro precisa de carne. É assimetria que medeia o acordo.
A
abelha precisa de néctar e a flor de ser polinizada.
A selecção natural favorece os genes que
predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade
assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem.
E favorece também as tendências para
lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de
troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a
sua vez de o fazerem.
- Em terceiro lugar, os comportamentos
altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama
de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem
nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de se serem bons como
também por alimentarem essa reputação.
Reputação que não se restringe apenas ao
ser humano, de acordo com experiências recentemente feitas em animais,
nomeadamente peixes, e publicadas num artigo de R. Bshary e A. S. Grutter na
revista Nature de Junho de 2006.
- Em quarto lugar, o economista
norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo
israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à
vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação
implícita de domínio ou superioridade.
Por exemplo, os chefes rivais das tribos
do noroeste do Pacífico competiam entre si organizando festins de uma
abundância ruinosa.
Só um indivíduo genuinamente superior
pode dar-se ao luxo de anunciar o facto por meio de uma oferta dispendiosa.
Os indivíduos compram o êxito através de
demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o
assumir de riscos pelo bem comum.
Temos então quatro boas razões
Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para
com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em
condições que terão favorecido bastante a evolução destes 4 tipos de altruísmo.
Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais
recuados, em bandos nómadas discretos, parcialmente isolados de aldeias ou de
bandos vizinhos, e estas eram condições que favoreceram extraordinariamente o
evoluir das relações altruístas familiares como factor importante para a
sobrevivência do grupo.
E não só para o altruísmo de base
parental como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência
com os mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a
reputação do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.
É fácil perceber a razão pela qual os nossos
antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu próprio
grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.
Mas agora que a maior parte de nós vive
em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos
indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda tão
bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao
nosso?
É importante não transmitir uma ideia errada
sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de uma
consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece são
regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os genes
que as criaram.
Vejamos um exemplo:
- No cérebro de um pássaro a regra
«cuidar daquelas coisas pequenas que soltam grasnidos e vivem no ninho e
deixar-lhes cair comida nas bocas vermelhas e escancaradas» tem o objectivo de
preservar os genes que criaram a regra porque os objectos que soltam grasnidos
e ficam de boca aberta são os seus descendentes.
Mas esta regra falha se outra cria de
pássaro entra para dentro do ninho, situação que foi engendrada pelos cucos.
Esta falha ou “tiro fora do alvo”pode
também acontecer com os impulsos para a bondade, altruísmo, empatia, piedade,
que o homem continua a desenvolver quando as condições já são diferentes das que
existiam em tempos ancestrais.
Por outras palavras, as condições são
outras mas a regra empírica manteve-se e, portanto, embora hoje as pessoas já
não sejam nossos parentes, façam parte do nosso grupo, ou tenham possibilidade
de retribuir, tal como a ave que por impulso continua a alimentar o filho do
cuco, também nós continuamos a sentir o desejo de sermos bons e generosos.
É como o desejo sexual que não deixa de
ser sentido mesmo quando a mulher é estéril ou toma a pílula e fica incapaz de
reproduzir.
São ambos “tiros fora do alvo”, erros
darwinianos: abençoados e inestimáveis erros.
Em tempos ancestrais a melhor forma da
selecção natural assegurar a sobrevivência da nossa espécie foi instalando no
cérebro não só a necessidade de acreditar, da qual já falamos num texto
anterior, como também, o desejo sexual e a compaixão ou generosidade.
Estas regras que ditam estes impulsos
para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito
anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se
limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um
à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua
existência.
Se voltarmos novamente a pôr a questão
de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta parece-nos
ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de tudo, nada
ter a ver com qualquer religião.
Richard Dawkin
Pode ir descansado, a gente faz companhia a ele. |
A MORTE
E
A MORTE
DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 25
Quem sabe não iria o comerciante mandar
comprar uma bebidinha para ajudar a travessia da noite longa?
– Vocês vão ficar a noite toda?
– Com ele? Sim senhor. A gente era
amigo.
– Então vou em casa, descansar um pouco
– meteu a mão no bolso, retirou uma nota. Os olhos do Cabo, de Curió e
Pé-de-Vento acompanhavam seus gestos. – Tá aí para vocês comprarem uns
sanduíches. Mas não deixem ele sozinho. Nem um minuto, hein!
– Pode ir descansado, a gente faz
companhia a ele.
Negro Pastinha acordou quando sentiu o
cheiro de cachaça. Antes de começar a beber, Curió e Pé-de-Vento acenderam
cigarros; cabo Martim, um daqueles charutos de cinquenta centavos, negros e
fortes, que só os verdadeiros fumantes sabem apreciar.
Passara a fumaça poderosa sob o nariz do
negro, nem assim ele acordara. Mas apenas destaparam a garrafa (a discutida
primeira garrafa que, segundo a família, o Cabo levara escondida sob a camisa)
o negro abriu os olhos e reclamou um trago.
Os primeiros tragos despertaram nos
quatro amigos um acentuado espírito crítico. Aquela família de Quincas, tão
metida a sebo, revelara-se mesqui nha
e avarenta. Fizera tudo pela metade. Onde as cadeiras para as visitas sentarem?
Onde as bebidas e comidas habituais, mesmo em velórios pobres?
Cabo Martim comparecera a muita
sentinela de defunto, nunca vira uma tão vazia de animação. Mesmo nas mais
pobres serviam pelo menos um cafezinho e um gole de cachaça. Quincas não
merecia tal tratamento. De que adiantava arrotar importância e deixar o morto
naquela humilhação, sem nada para oferecer aos amigos?
Curió e Pé-de-Vento saíram em busca de
assentos e mantimentos. Cabo Martim achava necessário organizar o velório com
um mínimo de decência, pelo menos. Sentado na cadeira, dava ordens: caixões e
garrafas. Negro Pastinha ocupara o caixão de querosene, aprovava com a cabeça.
Devia-se confessar que, em relação ao
cadáver propriamente dito, a família comportara-se bem. Roupa nova, sapatos
novos, uma elegância. E velas bonitas, das de igreja. Ainda assim haviam
esquecido as flores, onde já se viu cadáver sem flores?
– Está um senhor – gabou Negro Pastinha.
– Um defunto porreta!
Quincas sorriu com o elogio, o negro
retribuiu-lhe o sorriso:
– Paizinho... – disse comovido e
cutucou-lhe as costelas com o dedo, como costumava fazer ao ouvir uma boa piada
de Quincas.
Curió e Pé-de-Vento voltaram com
caixões, um pedaço de salame e algumas garrafas cheias. Fizeram um semicírculo
em torno ao morto e então Curió propôs rezarem em conjunto o Padre-Nosso.
Conseguira, num surpreendente esforço de
memória, recordar-se da oração quase completa. Os demais concordaram, sem
convicção.