sábado, março 12, 2016

Autores da geringonça
E a geringonça

lá vai andando...














« primeira sondagem (feita uns dias depois de António Costa tomar posse como primeiro-ministro) eram apenas 0,7 décimas. Agora, são já três pontos que separam PS do PSD.

Se as eleições fossem hoje, e de acordo com o barómetro de março da Eurosondagem para o Expresso e SIC, os socialistas até poderiam começar a sonhar com uma "geringonça" diferente da atual, dado que os votos somados de PS (35%) e BE (9,2%) já chegam aos 44,2%, uma confortável maioria (embora ainda dificilmente absoluta). PSD e CDS ficam-se pelos 40%.

A popularidade de Costa aumenta em proporção: o chefe do Executivo soma mais 1,7% de pontos positivos do que há um mês. Só Paulo Portas cresce (ligeiramente) mais do que o primeiro-ministro 1,8%, que lhe permitem sair de cena com uns confortáveis 15,5% de saldo positivo.

Ao contrário do líder do CDS (que hoje mesmo deixa de o ser), Cavaco Silva atinge novos mínimos históricos e deixa o palco com um saldo negativo de 14,1 – menos 0,9 décimas do que no mês passado.» [Expresso]
   
Parecer:

 - Nada mau para uma geringonça.
   
Despacho do Director-Geral do Palheiro: -  «Dê-se conhecimento ao pimeiro-ministro no exílio, degredado em Massamá.»

Do blog "O Jumento"

Mixórdia de Temáticas - Natureza Parva



António Zambujo  - Senhora da Nazaré


Todos querem ver e saudar a conterrânea
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 100























DO FIM DA TARDE NO AREÓPAGO



Tieta, depois de se despedir dos parentes e ter contratado os serviços de mestre-de-obras Liberato, recomendado como excelente por Modesto Pires, consegue chegar sozinha à porta da Agência dos Correios para a conversa reservada, conforme prometera na véspera a dona Carmosina.

Finalmente as duas amigas irão passar em revista os últimos acontecimentos; as duas interessadas em ouvir e contar, ruminando ideias e planos, escondendo, uma e outra, segundas intenções.

Ao ver Tieta subir o degrau da porta, dona Carmosina larga o jornal e exclama:

- Enfim, sós! – ri, estendendo os braços para acolher visita ilustre, figura importante. – Salve, minha líder!

Por demais ilustre e importante. Não demoram sem companhia nem por cinco minutos. Ainda ajeitam cadeiras, trocam palavras de afecto, Tieta perguntando como vai passando mãe Milú – costuma dizer que dona Milú é sua segunda mãe – quando surgem os primeiros conhecidos e na porta do areópago juntam-se curiosos.

Todos querem ver e saudar a conterrânea donatária da capitania de São Paulo, manda-chuva no país. Ficam parados, sorrindo para ela.

Pedintes que não a encontraram em casa, de faro aguçado pela necessidade, descobrem-na na Agência, cada qual recita história mais triste.

Triste e verídica. Com dois deles, Tieta marca encontro para a manhã seguinte, em casa. Dona Carmosina abana a cabeça, assim não dá. Ao mesmo tempo deixam-na alegre a gentileza e paciência de Tieta a ouvir e a ajudar os pobres, a dialogar com os ociosos que apenas desejam falar com ela, felicitá-la pela luz. Rindo, Antonieta desabafa:

- Essa história da luz já me está enchendo…

- Não fale assim, minha negra. O povo manifesta sua gratidão, é uma gente boa, ainda não está corrompida pela civilização.

Do passeio a voz do Comandante Dário vem liquidar as últimas esperanças de dona Carmosina. Ainda não será desta vez que conversarão a batons rompus – de quando em quando Tieta utiliza uma expressão francesa; no sul, conquistou, certamente sob influxo do marido, nível de cultura desabitual nos cafundós destes sertões, fez-se realmente uma senhora, não apenas pela elegância e riqueza, também pelo intelecto; dona Carmosina sente-se orgulhosa pela da amiga e assim devem sentir-se todos os cidadão de Agreste.

Tomando de uma cadeira e nela escachando as pernas, o Comandante demonstra sua decisão de ali se demorar batendo papo.

Deseja saber quando Tieta deseja voltar a Mangue Seco. Ele e dona Laura regressarão no dia seguinte, logo depois do almoço, não quer aproveitar a canoa? Aproveitará, sim. 

Concluída a compra da casa, assinada a escritura, efectuado o apagamento, nada de especial a prende a Agreste. O velho se encarregará de dirigir a limpeza e a pintura da vivenda, alguns concertos indispensáveis, antes de tudo a construção do banheiro e latrina decentes. Os que existem estão inservíveis. Há muito dona Zulmira toma banho em bacia, faz cocó em penico.

O Comandante
escuta a relação das obras, dos tais pequenos consertos, prevê:

- Um mês de trabalho, daí para mais… Liberato é descansado.

Não com pai de fiscal em cima dele… - garante Antonieta. – O Velho está doido para mudar-se, seu Liberato vai andar de rédea curta.

- Fez empreitada ou vai pagar pelos dias de trabalho?

- Comandante, por amor de Deus, não esqueça que eu nasci aqui. Empreitada é claro.

- Nesse caso, um mês. E Liberato o que tem de descansado tem de competente. Nesse particular, pode ficar tranquila.

- Veja como são as coisas Comandante. Considero que fiz uma boa compra, adquirindo a casa de dona Zulmira…

- Cara para os preços daqui

- Ainda assim. Custou um bocado de dinheiro, é uma casa óptima, vai entrar em obras, mas eu só penso na cabana de Mangue Seco. Minha cabeça está lá. Essa sim, me apaixona. Não quero viajar sem que ela esteja de pé.

O povo de Mangue Seco ainda é mais descansado do que o daqui. Praia, sabe como é. Com aquele ventinho não dá para se trabalhar muito…

- Por isso quero voltar logo para dar um empurrão. Cardo não é o Velho, não é de dar bronca em ninguém… O pobre deve estar pensando que a tia o abandonou e foi embora para São Paulo. Menino de ouro, esse meu sobrinho, Comandante.

Os olhos brilham quando ela fala do sobrinho. Dona Carmosina e o marujo concordam com o elogio. Deus fora extremamente generoso com Perpétua: não apenas a retirara do barricão, milagre considerável, dera-lhe bom marido e bons filhos.

Exercendo a arte subtil de falar da vida alheia, dona Carmosina e o Comandante regalaram-se durante alguns minutos considerando a bondade de Deus na premiação das virtudes eclesiásticas de Perpétua.

Eclesiásticas? O adjectivo para as virtudes de Perpétua devia-se a Barbozinha e dona Carmosina o encontra poético e perfeito. Assim, em prosa e riso corre o tempo. Não adiante Tieta dizer que viera por uma noite e já se encontra há três dias – e ainda, imagine! Não tivera tempo para conversar uns assuntos urgentes com Carmô. Para fazê-lo se encontra ali, na Agência, mas amanhã retornará sem falta a Mangue Seco.

O Telemóvel...












Depois de um longo e agitado dia de trabalho, um homem sentou-se no comboio, recostou-se e fechou os olhos.

Quando o comboio saía da estação, a mulher que se sentara a seu lado, pegou no telemóvel e começou a falar bem alto:

- "Olá meu amor, aqui é a Susi, já estou no comboio... sim, eu sei, é o das seis e meia... não apanhei o das quatro e meia porque estive numa reunião que nunca mais acabava...

- Nãooooo, não foi com o Leandro dos Recursos Humanos, foi com o meu chefe...Nãooooo amor, és o único da minha vida, tu sabes... sim, meu amor, amo-te tanto, bla, bla, bla, bla, bla..."

Passados 15 minutos, a mulher continuava a falar, a falar, a falar, e sempre alto...

O homem, já cansado de a ouvir, aproximou-se dela, e com voz clara, disse quase encostado ao telemóvel:

- "Susi, desliga o telemóvel e volta para a cama!!!"

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 211




















Naquele momento, também excitado pela expectativa da batalha, aprovei as palavras do meu melhor amigo, que desejava já a confrontação.

Hoje, muitos anos passados, acredito que ele cometeu um erro grave. Se não tivesse falado de Chamoa, se não tivesse sido tão brusco e acintoso com Paio Soares, talvez ele acabasse por ceder traindo Dona Teresa e Fernão Peres. Se tivesse passado para o nosso lado, Paio Soares certamente revelaria o segredo da relíquia.

Ter-se-iam poupado muitos trabalhos e a minha investigação posterior seria desnecessária.

Porém, para Afonso Henriques, naquele momento, a relíquia era o último dos seus pensamentos. O fundamental era vencer a mãe, o Trava e, sobretudo, no seu íntimo, recuperar Chamoa.

Se ele tem agido de forma diferente, ninguém sabe como teria nascido Portugal, pois poderia não ter existido a batalha de São Mamede.

Mas isso agora pouco importa, a verdade é que foi assim que aconteceu.

Com apenas dezanove anos, o meu melhor amigo era um homem de paixões e impetuoso e não aprendera a medir as próprias palavras.

Provocar Paio Soares deu-lhe gozo, bem como a muitos de nós. Mas foi evidente o ciúme louco que nasceu na mente do mordomo-mor, que voltou costas ao príncipe, dirigindo-se ao seu cavalo e dando por terminadas as conversações de paz.

Os dois emissários de Dona Teresa saíram a trote do castelo de Guimarães seguidos pelo peão, que continuava a transportar a bandeira da paz.

Contudo, mal chegaram ao acampamento e partilharam as novidades trazidas, a reacção de Dona Teresa foi veemente, alegando que nunca deixaria partir Fernão Peres, agora o pai das suas filhas e sempre o seu amante.

- Se for preciso lutar por ele, eu mesmo lutarei! E se for preciso matar o meu filho, eu mesmo o matarei! – gritou.

O Trava teve também um poderoso ataque de raiva quando Peres Cativo lhe sugeriu que regressasse a Galiza.

 - Sois um traidor! Se não precisasse de vós, matava-vos agora mesmo!

- A partir daquela data não mais aqueles dois meios irmãos se voltaram a falar, e Paio Soares regressou à sua tenda convencido de que Peres Cativo se iria embora à noite, antes do combate.

No entanto, não ouviu qualquer movimentação de tropas, e a única agitação que sentiu foi quando alguém o veio chamar dizendo que Chamoa chegara.

Correu para fora da tenda, e deu de caras com a mulher e as três mouras.

- Meu marido é verdade o que dizem, que vai haver guerra? – perguntou a rapariga, angustiada.

Chamoa fora mãe pela segunda vez, mas já parecia recuperada. Embora a preocupação se notasse no seu olhar vibrante, a Paio Soares ela pareceu ainda mais bonita do que da última vez a vira.

Jurou que a amava e nessa noite possuiu-a com uma intensidade e um vigor que até o próprio surpreenderam.

Quando terminaram, permaneceram acordados, deitados naquele improvisado colchão, ouvindo a respiração das três mouras que dormiam ao fundo da tenda.

- Meu marido, quero fazer-vos um pedido – disse Chamoa.

Paio Soares incentivou-a com o olhar, fascinado com a sua beleza, com a sua cara corada depois do amor, com as mil sardas que lhe cobriam a pele dos braços, da cara e do peito.

- Prometei-me que não matareis o príncipe durante a batalha. Afastando o medo que ela sentia, o marido beijou-a na boca e disse:

- Prometo-vos, minha amada.

Depois iniciaram uma longa conversa, entrecortada com jogos de amor que se prolongou noite fora.


É evidente que quem me contou este íntimo episódio da vida conjugal foi Zaida, que no canto da tenda de Paio Soares ouviu o casal a conversar e a amar-se.

Ao saber disso, confirmei a minha convicção de que a guerra deixa as pessoas muito dadas a estas coisas. Sei bem o que digo, pois na véspera da batalha de São Mamede também filhei minha esposa fortemente e meu pai fez o mesmo com Teresa de Celanova. O meu melhor amigo juntou-se à minha prima Raimunda, como era seu costume, e Gonçalo, também como era seu hábito, foi às soldadeiras.


Estávamos todos com medo de morrer e quando é assim, os seres humanos fazem aquilo que é mais primitivo, básico e essencial: foder.

sexta-feira, março 11, 2016

A muito falada sopa vichyssoise
Criador de

Factos Políticos
















Uma das acusações que pesa sobre o Prof. Marcelo era a de “criador de factos políticos”.

Por outras palavras, ele inventava factos ou acontecimentos que passava a  outros como tendo sido realidade.

Marcelo, pelo seu destaque no PSD e na política partidária portuguesa, era uma riquíssima fonte de informações que o tornavam escutado pelo seu amigo Paulo Portas, Director do Jornal “O Independente”, especializado em noticias políticas.

Em 1991, Marcelo passa a Paulo Portas uma informação de um certo jantar político, que nunca existiu, com o pormenor delicioso de que a sopa teria sido “vichyssoise”.

Desde então, ficou um ódiozinho de estimação que, perante as referências tão elogiosas ao discurso de investidura do novo Presidente feitas por Paulo Portas, já deverão estar ultrapassadas.

Marcelo, é hoje Presidente da República e a responsabilidade do cargo não lhe permitirá mais partidinhas deste género mas, como toda a gente conhecia esta história da “vichyssoise”, que tinha mais de partida a Paulo Portas, do que outra coisa, não foi por causa dela que não votei nele para Presidente.

Expliquei, na altura, aqui neste blog, que considerava Marcelo a pessoa mais bem preparada para o exercício das funções de Presidente, embora me desagradasse nele um certo fundamentalismo religioso.

No entanto, apesar de não crente, nada tenho contra a moral cristã, ideias muito avançadas para a época de Jesus e das quais sou adepto, acabei por não valorizar a história das rezas a nadar e das missas, herança de família, assunto privado, ponto final.

Se acrescentarmos a essa preparação, o facto de ele ser visita semanal, constante durante anos, da casa dos portugueses, sempre com a mesma simpatia e capacidade de comunicação, que desenvolveu como professor, uma vez tendo decidido candidatar-se a Presidente, a sua eleição não só era certa como inevitável.

Votar em Marcelo era, pois, para mim, “chover no molhado”.

Por isso, votei no Porf. Sampaio da Nóvoa, pessoa de quem fiquei com muito boa impressão, o que foi igualmente sentido pelos portugueses que lhe deram, a ele, candidato desconhecido e sem partido, quase 23% dos votos.

Depois das últimas e frustrantes votações para Presidente da República, com vitórias do inefável Cavaco Silva, para mim erro de "casting", regressei, finalmente, ao fim de dez anos, à alegria da comunhão dos resultados eleitorais com os meus concidadãos.

Espero, esperamos todos, agora que temos na presidência alguém que nos é próximo, visita habitual cá da casa, que Marcelo ponha ao serviço do país a sua prodigiosa imaginação, inteligência e sabedoria, e desenvolva com António Costa, 1º Ministro, e um dos seus melhores alunos na Faculdade de Direito, um trabalho de equipa que nos beneficie a todos, portugueses, apesar dos constrangimentos do país que todos conhecemos.

Elis Regina - Fascinação


Quase 40 anos depois, foi em em 1978, Elis e Fascinação continuam obrigatórios...



Astério era feliz em Agreste....
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 99

















Bastavam-lhe Agreste, a vida pacata da cidade, os prazeres, mínimos, a boa companhia, não queria mais. São Paulo? Emprego em escritório, bom ordenado, horário rígido? Quarto em casa da cunhada? Deus o livre e guarde.

Noite de discussão áspera e desagradável, Elisa perdera a cabeça e o acusara de indiferente e molengas, de egoísta, a pensar unicamente nos próprios interesses, sem ligar aos dela. 

Para ele, um pamonha, o marasmo de Agreste podia ser o ideal de vida, mas ela, moça e viçosa, tinha ambições maiores: a cidade grande, plena de possibilidades, vida digna de viver-se. 

Onde, aliás, Astério se quisesse poderia progredir, tornar-se alguém, ganhar dinheiro, afirmar-se. Mas ele não a compreendia, não fazia caso dela, tratando-a como se ela fosse um pedaço de pau, um animal sem serventia, um trapo.


Segurando a barriga para conter as dores, Astério fugiu para a sala. Elisa terminou vindo buscá-lo, ao ouvir os gemidos pungentes. Encontrou-o esvaído, pálido, cor de cera, numa daquelas violentas crises de estômago. Dera-lhe remédio, pedira desculpa pelas más palavras da exaltação passou às lágrimas.

Não recuara, no entanto de usar de todos os recursos junto da irmã para que ela os levasse a viver em São Paulo. Verde a boca de fel, ele nada respondera mas entre os engulhos decidira tomar medidas urgentes para impedir a concretização do projecto, sem que Elisa viesse a saber e a responsabilizá-lo pelo fracasso dos monstruosos planos. Enquanto ouve doutor Franklin, medita e resolve.

Discreta, junto a uma estante onde se acumulam papéis, encontra-se a formosa Leonora Cantarelli, enteada da promitente compradora.

Um sorriso suave no rosto delicado, talvez, entre todos os presentes, seja ela quem mais deseja possuir casa em Agreste, mesmo modesta, em rua sem calçamento, mas com um pequeno jardim plantado de cravinas e resedás, um coqueiro carregado no quintal, varanda onde estender a rede no calor da tarde.

 Ninho para ela e seu marido, marido com ou sem papel passado, não impunha exigências desde que fosse Ascânio Trindade. Mãezinha prometera se ocupar do caso dar jeito em sua vida, Madame Antonieta não é mulher de falar em vão. Leonora sente-se confortada, espera; escuta a leitura com paciência, virtude aprendida em duro aprendizado.

Do outro lado da barricada, ouvindo a interminável lengalenga da escritura, dona Zulmira, velhíssima, ar de ave de rapina, óculos fora de moda escanchados no nariz adunco, o terço emrolado no punho magérrimo, no pescoço um medalhão com o retrato do finado marido quando jovem e noivo.

Sorri contente, a casa convertida em dinheiro, servirá à salvação da sua alma e à glória da Senhora de Sant’Ana, não irá parar às mãos excomungadas de João Felício, amaldiçoado sobrinho.

O coisa ruim não poderá fazer com suas últimas vontades o que estavam fazendo com o testamento de seu Lito os maus parentes, discutindo-lhe a validade na justiça, tentando roubar a Santa Madre Igreja.

Acolitando-a padre Mariano: o dinheiro resultante da venda da casa destina-se a missas no altar-mor da Matriz diante da imagem da padroeira e em benefício da alma da doadora, mas somente após a sua morte. Antes depositado em mãos de Modesto Pires, renderá juros mensais que ajudarão às despesas de dona Zulmira, servirão para médico e remédios, conforme consta de documento anexo à escritura que o doutor Franklin está terminando de ler.

Emboscado no passeio em frente, o sobrinho João Felício espia. Pequeno comerciante de secos e molhados, o rosto semelhante ao da tia, nariz curvo, queixo duro, gavião pronto a atacar a presa. A presa acaba de lhe escapar, levada céu afora pela Santa, ídolo e superstição dos católicos romanos. 

Na casa confortável que esperara ocupar em breve – a Velha não pode durar muito – com a mulher e o filho pequeno, irá viver Zé Esteves, com a presunção, a arrogância e a mulher, pobre infeliz.

Também de quem a culpa se ele, João Felício, se casara contra a vontade da tia com moça protestante, filha do pastor da Igreja Batista de Esplanada?

Católica à maneira antiga, desconhecendo as teses ecuménicas, para dona Zulmira, protestante é sinónimo de herético, inimigo, raça perdida e condenada, com pés de bode. 

Os crentes são filhos do demónio aos quais os bons católicos devem negar pão e água, já que, infelizmente, se acabou a Santa Inquisição.

Terminada a leitura, doutor Franklin convida as partes interessadas, para o acto de assinatura. Como testemunhas, apõem suas firmas Astério e o Padre e depois apertam-se as mãos, em mútua felicitação.

Dos fundos bolsos da saia negra de gorgorão de seda, Perpétua, depositará provisória, saca rolos e rolos de dinheiro, entregando-os ao doutor Franklin, todos os olhos acompanhando a operação. O tabelião conta nota por nota, antes de passá-las para a mão de dona Zulmira.

Sorridente, Tieta remói uma apreensão: terreno e casa, comprados e pagos, escriturados em nome de Antonieta Esteves Cantarelli, pertencem sem sombra de dúvida a Antonieta Esteves, simplesmente?

O advogado consultado em São Paulo, antes da viagem, garantira que sim, desde que existissem testemunhas de compra e pagamento, tratando-se, então de simples engano de nome, facilmente corrigível. Quem o dissera não fora um corrigível qualquer, de porta de xadrez, e sim o Procurador-Geral do Estado, freguês constante do Refúgio, consultor jurídico de Madame Antoinette.


Jô Soares - Cirurgia Cardíaca


A tratar do assunto...














Um casalinho seguia no seu automóvel para a igreja, onde iam casar, quando são abalroados por um camião e morreram ambos.


Foram para o céu onde S. Pedro os recebeu e a quem perguntaram se não seria possível casarem mesmo ali, já que não o tinham feito na terra.
S. Pedro disse que sim e que trataria pessoalmente de satisfazer tão nobre e piedoso pedido.

Passaram 3 meses, e nada ! Foram ter com S. Pedro e perguntaram-lhe o que se passava, ao que ele respondeu:

- Não se preocupem, pois eu estou a tratar do assunto ... não está esquecido.


Decorreram 2 anos e de casamento ... népia ! 
S. Pedro, uma vez mais, lhes assegurou que estava a tratar do assunto. Finalmente, e 10 anos depois, veio S. Pedro a correr com um padre e dirigiu-se ao casalinho:

– Vamos, chegou a hora !

Fez-se o casamento e foram felizes durante algum tempo, mas passados uns quantos meses foram ter com S. Pedro e disseram-lhe que as coisas entre eles não estavam muito bem e que pretendiam divorciar-se.

– Pode conseguir-nos isso aqui no céu ?
E S. Pedro respondeu:

– Estão a brincar comigo ou quê ? Levei 10 anos para encontrar um padre aqui no céu. Como é que vou agora conseguir encontrar um advogado ?

Assim Nasceu Portugal
 (Domingos do Amaral)

Episódio Nº 210



















Um esperado silêncio manteve-se depois de ele terminar. Afonso Henriques permanecia sério, a olhar para o chão, e o mordomo – mor vendo que ninguém falava, perguntou:

 - Que devo dizer a Dona Teresa?

O príncipe olhou-o e declarou em voz pousada:

 - Nobre Paio Soares o vosso lugar é aqui, ao pé dos portucalenses!

Depois, aproximando-se dele, disse:

_ Minha mãe deve pensar que estou a guerreá-la por capricho...

O Condado está mal governado, o povo sofre com fome, Braga continua prejudicada, os nobres portucalenses estão contra ela e contra o Trava! Compreendeis Paio Soares?

O marido de Chamoa preparava-se para responder mas Afonso Henriques levantou a mão, dando a entender que não terminara.

- Minha mãe terá de abandonar a regência do Condado, e de ir viver para Astorga ou Zamora, onde poderá continuar a aspirar ao reino de Galiza. E Fernão Peres de Trava tem de retirar-se para a sua terra!

Houve um contentamento geral entre os portucalenses, mas paio soares avisou que tal proposta jamais seria aceite! Contudo, o príncipe notou um sorriso subtil em Peres Cativo e, intrigado, perguntou:

- O que vos faz sorrir a minha proposta ou a da minha mãe?

 Paio Soares olhou para o seu companheiro, surpreendido, mas Peres Cativo não se atemorizou e declarou em voz segura:

 - As condições de vossa mãe são inaceitáveis, porque colocam nas mãos de Afonso VII as decisões importantes, nada vos garantindo até lá. Mas as vossas também me parecem violentas de mais.

Depois de uma curta pausa, acrescentou:

 - O Conde Pedro Froilaz não me cedeu os seus homens, pois diz que seu filho Fernão Peres deve regressar à Galiza, para tratar da esposa e dos filhos legítimos.

Os portucalenses aprovaram enquanto Pais Soares ficou pasmado, e ainda mais quando o seu companheiro de embaixada afirmou, com grande atrevimento:

- Talvez seja possível convencê-lo disso, evitando essa batalha.

Afonso Henriques abanou a cabeça, descrente que alguém conseguisse demover o Trava, mas mesmo assim disse:

- Está nas vossas mãos.

Então Peres Cativo perguntou:

 - Poderei dizer a Dona Teresa que, se Fernão Peres se afastar e regressar a Galiza, não haverá guerra?

Afonso Henriques observou os nobres portucalenses. A fúria deles contra a rainha devia-se, sobretudo, ao Trava. Sem o galego, talvez eles se reconciliassem com Dona Teresa. Ermígio e Egas confirmaram isso mesmo, com acenos de cabeça aprovadores.

Será um primeiro passo para a paz – afirmou o príncipe.

Depois, olhando para Paio Soares, relembrou:

 - Se vos arrependerdes, sereis bem recebido entre nós.

Mirou Peres Cativo e acrescentou:

 - E vós também, fazem-nos falta homens inteligentes.

Embora parecesse contrariado, Paio Soares, alegou que teria de manter se fiel às suas lealdades. Não desejava trair Dona Teresa, nem o tio da sua esposa, embora considerasse que a guerra podia ser evitada, e que o príncipe, os nobres, o clero e o povo todos tinham legítimas razões e queixas, que deviam ser escutadas pela rainha.

Contudo, Afonso Henriques não pareceu ter valorizado a subtileza dos seus argumentos, e limitou-se a semicerrar os olhos, furioso.


- Se não abandonais o Trava nada mais tenho a dizer-vos. Regressai para junto dele e de minha mãe, e de caminho despedi-vos de Chamoa, que em breve será minha. 

quinta-feira, março 10, 2016

Marcelo - Presidente da República
Marcelo

















Eu sei, todos sabemos que a margem que temos para gerir o nosso destino é estreita. Perdemo-la para os credores, para a dívida, negociámo-la com Bruxelas, enfim... é a vida, como disse, um dia, António Guterres.

Mas, com margem estreita ou larga, viver num país em que a figura máxima, o Presidente da República, é Cavaco Silva ou Marcelo Rebelo de Sousa, está longe de ser a mesma coisa... muito longe!

Claro que eu já sabia disto, e os meus concidadãos igualmente, mas, quando ontem vi Marcelo – o único Presidente da democracia portuguesa a quem podemos tratar apenas pelo seu primeiro nome – passar o portão do Palácio de Belém e subir sozinho a pequena rampa até à porta de entrada, num passo apressado de quem tem horas a cumprir para com as obrigações, e compara com imagem idêntica, de há cinco anos atrás, em que Cavaco Silva se recria, levando de mãos dadas toda a família em pose majestática e triunfal, sorrisos rasgados, a passar pelo mesmo portão e a subir a curta alameda, tive a confirmação de como o meu papel de cidadão deste país europeu, que é o meu, tinha dado um salto de gigante.

De repente, uma aragem de dignidade invadiu-me a alma. Tinha deixado para trás o país da aldeia-da-roupa-branca para entrar na Europa civilizada e moderna.

Claro que também sei, que como dizem os entendidos, a História vai julgar este homem que esteve vinte anos, metade como 1º Ministro e outros tantos como Presidente da República, a liderar o país, sempre eleito democraticamente.

Pois bem, que venha a História e o julgue que a mim não me interessa esse julgamento, seja ele qual for, não me diz respeito.

O que me importa, é o que me vai agora na alma de cidadão deste país, é este sentimento de profundo alívio, de sentida alegria, do despertar de uma longa noite de tristeza política que foi, contra a minha vontade, a de ver aquele homem, presunçoso, egoísta, cinzentão, sonso e inculto, representar-me como o mais alto magistrado da Nação.

Ontem à noite, o meu sorriso só tinha paralelo no das crianças de que Marcelo se fez rodear e que, espontaneamente, abraçava com carinho.

Sim, ao 76 anos, eu era ontem à noite como uma criança feliz, não porque me viessem dar fosse o que fosse. Nada espero de Marcelo que nada tem para me dar em bens materiais, dos que têm a ver com a minha carteira, que é no que as pessoas logo pensam, não, ontem à noite eu sentia-me feliz apenas pela companhia daquele homem, da sua presença naquele lugar, com um boné na cabeça, uma manta pelas pernas, rodeado de crianças.

Elisa e Astério, o marido.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 98


















Há algum tempo, no começo das prolongadas negociações para a aquisição da casa de dona Zulmira, a cunhada propusera que, realizada a compra, ali fossem morar juntos os dois casais, o Velho e a mãe Tonha, ele e Elisa: na residência vasta e confortável cabiam os quatro e sobrava espaço.

 A ideia não o seduzira, agradando ainda menos a Elisa. Tieta ouvira as razões da recusa e com elas concordara. Diante disso, Astério, ficara à espera de uma palavra da caridosa parenta referente à aquisição de casa própria para a mana mais nova a quem dava mostras de tanta estima.

Espera vã jamais a cunhada voltara a falar com eles sobre moradia. Somente na véspera, Astério descobrira o motivo desse silêncio. Ao voltar do bilhar, à noite, comentando a escritura a ser assinada no dia seguinte, a compra da casa de dona Zulmira, finalmente decidida, Astério previra, esperançoso: quem sabe, agora vai chegar a nossa vez.

Em resposta ouvira a espantosa revelação, tomara conhecimento dos alarmantes planos de Elisa. A esposa lhe explicara dever-se a reserva de Antonieta ao desinteresse demonstrado por ela, Elisa, a respeito de casa no Agreste. Do meio dos lençóis, a voz fustigara, decidida, insensível, quase agressiva:


- Eu disse a Tieta que não queria ter casa própria em Agreste. Se ela quiser fazer alguma coisa por nós dois que nos leve para São Paulo, arranje para você um bom emprego numa das fábricas, nos ceda um quarto em seu apartamento, é um apartamento enorme, duplex. Duplex quer dizer que tem dois andares, um sobrado.

Astério respondera com um gemido: a dor no estômago ressurgindo, repentina e violenta. As palavras de Elisa soaram-lhe como um cantochão de funeral. Rasgaram-lhe as entranhas. Emprego em São Paulo, no escritório de uma indústria? Monstruosa perspectiva!

Sair da vida tranquila de Agreste para enfrentar a correria da cidade imensa, sentar-se diante de uma escrivaninha a fazer contas ou a anotar relatórios, das oito da manhã às seis da tarde, sem liberdade de ir e vir na hora que bem entendesse, sem amigos, sem o bar de seu Manuel, sem a mesa de bilhar, desgraça maior não podia ameaçá-lo.

 Em Agreste, a vida do casal decorria na pobreza, é verdade, a loja mal dava para o essencial, quando dava, mas com a ajuda de Antonieta iam atravessando sem problemas, havia o suficiente para a casa, a comida e ainda sobrava para o cinema e para as revistas de Elisa.
Ademais, à excepção de meia dúzia de privilegiados, todos na cidade eram remediados ou pobres e a vida transcorria sem percalços, na maciota. Tinha o moleque para ajudá-lo na loja, Elisa tinha a moleca para ajudá-la na casa.

Apenas o estômago o aperreava todas as vezes que o movimento comercial decrescia e um título a pagar começava a contar juros mas o médico na Bahia, lhe garantira não ser câncer mas sim nervosismo.

Fora disso, vivia satisfeito, na boa companhia dos camaradas, das partidas de bilhar Brunswick, com as apostas, as disputas, as vitórias, taco de ouro, a prosa agradável, poucos afazeres e a mulher bonita, a mais bonita de Agreste, à espera na cama, à disposição para as noites em que se punha nela, sempre na mesma clássica disposição, quase respeitosamente, como devem praticar tais actos esposos que se prezem.

Quando solteiro, fora freguês assíduo da pensão de Zuleika Cinderela, amarrando rabichos, sempre por mulher de traseiro atrevido, de ancas bem torneadas, vistosas. Na cama não recusava variações; constando inclusive ser por demais chegado a comer bunda de mulher; rapariga que dormisse com ele se já não sabia, logo ia ficar sabendo dessa sua preferência.

Quando ele aparecia na sala da pensão, onde dançavam, corria a voz entre as pequenas: segurem o cu, Astério está na casa. Ao que consta, não se reduzira a subilatórios de mulheres-da-vida, descadeirando igualmente várias solteironas, tendo merecido em priscas eras o apelido de Consolo do Fiofó das Vitalinas.

Casado, jamais lhe passara pela cachola possuir Elisa senão como conveniente, no buraco próprio e com decência, ele por cima, ela por baixo, papai e mamãe, como classificam as putas na pensão, posição de fazer filhos, ou seja, própria para esposo e esposa.

Tampouco lhe aflorara o pensamento montá-la por detrás, indo-lhe às traseiras magníficas, ancas de égua, sem igual em toda a redondeza. Não que lhe faltasse vontade: fosse ela rapariga ou moleca, roceira ou solteirona, e ele não perderia pitéu assim apetitoso, aquela sumptuosa bunda, motivo fundamental da paixão a dominá-lo, levando-o a noivado e casamento.

Mas esposa não é para descaração, a mulher da gente deve ser respeitada, posta entre as santas, num altar. Quando muito, uma vez na vida ou na morte, na hora do gozo, elevando-o ao infinito, dando-lhe nova qualidade, Astério corre a mão nas ancas da mulher, em furtivo agrado.

Leitora de revistas nas quais são contados os feitos dos galãs da rádio, televisão, cinema, Elisa ressente-se do aparente desinteresse sexual do esposo, de fornicação escalonada, burocrática – burocrata do sexo, assim a fogosa actriz o ilustre comediante do qual vinha de se desquitar, em sensacionais declarações prestadas à revista Amiga – da maneira única, repetida, sem as variações tão badaladas.

O próprio Astério, de quando em vez, relatando a última de Osnar ou de Aminthas, de Seixas ou de Fidélio se refere a outras curiosas formas e maneiras, sobre as quais tudo sabe dona Carmosina – ah!, infelizmente apenas na teoria, minha Elisa, quem me dera a prática! Quem dera também a Elisa, talvez por isso injusta com o marido.

Desinteresse da parte dele não existe e sim a convicção de que amor de esposo e esposa tem de exercer-se, isento de arroubos, de maus pensamentos e de extravagâncias, respeitoso.

Represado, Astério contenta-se em ser proprietário daquele rabo, de espiá-lo quase às escondidas, enquanto Elisa muda a roupa, de sentir-lhe a proximidade na cama. Digno, contido esposo. 

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