Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 211
Naquele momento, também
excitado pela expectativa da batalha, aprovei as palavras do meu melhor amigo,
que desejava já a confrontação.
Hoje, muitos anos passados,
acredito que ele cometeu um erro grave. Se não tivesse falado de Chamoa, se não
tivesse sido tão brusco e acintoso com Paio Soares, talvez ele acabasse por
ceder traindo Dona Teresa e Fernão Peres. Se tivesse passado para o nosso lado,
Paio Soares certamente revelaria o segredo da relíquia.
Ter-se-iam poupado muitos
trabalhos e a minha investigação posterior seria desnecessária.
Porém, para Afonso
Henriques, naquele momento, a relíquia
era o último dos seus pensamentos. O fundamental era vencer a mãe, o Trava e,
sobretudo, no seu íntimo, recuperar Chamoa.
Se ele tem agido de forma
diferente, ninguém sabe como teria nascido Portugal, pois poderia não ter
existido a batalha de São Mamede.
Mas isso agora pouco
importa, a verdade é que foi assim que aconteceu.
Com apenas dezanove anos, o
meu melhor amigo era um homem de paixões e impetuoso e não aprendera a medir as
próprias palavras.
Provocar Paio Soares deu-lhe
gozo, bem como a muitos de nós. Mas foi evidente o ciúme louco que nasceu na
mente do mordomo-mor, que voltou costas ao príncipe, dirigindo-se ao seu cavalo
e dando por terminadas as conversações de paz.
Os dois emissários de Dona
Teresa saíram a trote do castelo de Guimarães seguidos pelo peão, que
continuava a transportar a bandeira da paz.
Contudo, mal chegaram ao
acampamento e partilharam as novidades trazidas, a reacção de Dona Teresa foi
veemente, alegando que nunca deixaria partir Fernão Peres, agora o pai das suas
filhas e sempre o seu amante.
- Se for preciso lutar por
ele, eu mesmo lutarei! E se for preciso matar o meu filho, eu mesmo o matarei!
– gritou.
O Trava teve também um
poderoso ataque de raiva quando Peres Cativo lhe sugeriu que regressasse a
Galiza.
- Sois um traidor! Se não precisasse de vós,
matava-vos agora mesmo!
- A partir daquela data não
mais aqueles dois meios irmãos se voltaram a falar, e Paio Soares regressou à
sua tenda convencido de que Peres Cativo se iria embora à noite, antes do
combate.
No entanto, não ouviu
qualquer movimentação de tropas, e a única agitação que sentiu foi quando
alguém o veio chamar dizendo que Chamoa chegara.
Correu para fora da tenda, e
deu de caras com a mulher e as três mouras.
- Meu marido é verdade o que
dizem, que vai haver guerra? – perguntou a rapariga, angustiada.
Chamoa fora mãe pela segunda
vez, mas já parecia recuperada. Embora a preocupação se notasse no seu olhar
vibrante, a Paio Soares ela pareceu ainda mais bonita do que da última vez a
vira.
Jurou que a amava e nessa
noite possuiu-a com uma intensidade e um vigor que até o próprio surpreenderam.
Quando terminaram,
permaneceram acordados, deitados naquele improvisado colchão, ouvindo a
respiração das três mouras que dormiam ao fundo da tenda.
- Meu marido, quero
fazer-vos um pedido – disse Chamoa.
Paio Soares incentivou-a com
o olhar, fascinado com a sua beleza, com a sua cara corada depois do amor, com
as mil sardas que lhe cobriam a pele dos braços, da cara e do peito.
- Prometei-me que não
matareis o príncipe durante a batalha. Afastando o medo que ela sentia, o
marido beijou-a na boca e disse:
- Prometo-vos, minha amada.
Depois iniciaram uma longa
conversa, entrecortada com jogos de amor que se prolongou noite fora.
É evidente que quem me
contou este íntimo episódio da vida conjugal foi Zaida, que no canto da tenda
de Paio Soares ouviu o casal a conversar e a amar-se.
Ao saber disso, confirmei a
minha convicção de que a guerra deixa as pessoas muito dadas a estas coisas.
Sei bem o que digo, pois na véspera da batalha de São Mamede também filhei
minha esposa fortemente e meu pai fez o mesmo com Teresa de Celanova. O meu
melhor amigo juntou-se à minha prima Raimunda, como era seu costume, e Gonçalo,
também como era seu hábito, foi às soldadeiras.
Estávamos todos com medo de
morrer e quando é assim, os seres humanos fazem aquilo
que é mais primitivo, básico e essencial: foder.