quinta-feira, agosto 21, 2008

As Eleições Americanas e o Manifesto Ateísta de Sam Harris


Ao elegerem o responsável máximo pelo seu país os cidadãos americanos revelam-se nos aspectos mais profundos das suas consciências, convicções, medos e dúvidas.

Depois de lermos o Manifesto Ateísta de Sam Harris que, naturalmente, se refere à sociedade americana nós, que raciocinamos e pensamos com a nossa mentalidade europeia, começamos a perceber as verdadeiras razões porque é reeleito um homem com as características de George Bush e, dentro de 3 meses, um político com a qualidade de Barack Obama, que teria a sua eleição assegurada em qualquer país da Europa democrática, poderá vir ser preterido a favor de um antigo combatente da guerra do Vietnam com aura de herói.

Se tal vier a acontecer, e neste momento as sondagens já o dão à frente nas intenções de voto, não será de certeza mais grave do que foi a reeleição de Bush mas confirmará aquilo que é óbvio:

- O povo americano decide cada vez menos com base na razão e nas evidências e isso está directamente relacionado com as suas convicções religiosas.

O povo americano é ignorante e medroso, refugia-se no seu poderoso arsenal de guerra e entrega o poder a quem mais facilmente se mostra capaz de fazer uso dele.

As manifestações de força e de violência como reacção primeira revelam fraqueza, fragilidade e incompetência, como foi perfeitamente visível, através das imagens televisivas, quando chegarem a Bagdad e ficaram sem saberem o que fazer, depois de pouco mais que um mero passeio dos tanques e de uns bombardeamentos da aviação.

Permitiram que uma cidade, capital de um país onde viviam milhões de pessoas, ficasse a saque e sem uma autoridade com excepção dos soldados americanos que passeavam as armas a tiracolo e os capacetes nas cabeças sem nenhum tipo de instruções que revelassem preocupação pelos bens e segurança das pessoas.

Mas que esperar de um povo em que 68% das pessoas acredita no diabo e só 28% aceita como boa a Teoria da Evolução?


É realmente preocupante que um país que dispõe do mais poderoso exército do mundo tenha dirigentes máximos escolhidos por cidadãos que, numa maioria esmagadora, acredita e tem medo do diabo.


Como diz Sam Harris no seu Manifesto: “este grau de ignorância concentrada na cabeça e na barriga de uma super-potência constitui um perigo para todo o mundo”.

Sam Harris é licenciado em filosofia pela universidade de Stanford e ao longo de 20 anos estudou as tradições religiosas ocidentais e orientais bem como algumas disciplinas espirituais.

Actualmente está a concluir um doutoramento em neurociências, estudando a base neural da crença, da descrença e da incerteza.

As suas teses sobre os perigos que as religiões colocam à humanidade têm sido debatidos nos principais jornais e programas televisivos dos EUA.

Colabora em publicações como a Newsweek, The Times of London, The Boston Globe e The Los Angeles Times.

É autor de Letter to a Christian Nation, (2006) em que responde contundentemente aos inúmeros comentários de contestação que recebeu a propósito do lançamento do seu livro “O Fim da Fé”.

Cristopher Hitchens - Ilustrado e Legendado (parte I)

Cristopher Hitchens - Ilustrado e Legendado (parte II)



Pensar é Melhor Que Rezar


Manifesto Ateísta de Sam Harris (Última Parte)




Por que razão a Religião há-de ser fonte de violência?


As nossas religiões são intrinsecamente incompatíveis uma com a outra.

Ou Jesus subiu dos mortos e está a chegar à terra como um super herói ou não; ou o Alcorão é a palavra de Deus ou não é.

Todas as religiões fazem reivindicações explícitas sobre o mundo e a profusão destas reivindicações incompatíveis cria uma base duradoura para o conflito.

Não há nenhum outro campo no qual os seres humanos estejam tão completamente cientes das suas diferenças ou lance essas diferenças em termos de recompensas ou castigos perpétuas.


Se uma pessoa acredita realmente que chamando Deus pelo nome certo pode fazer a diferença entre a felicidade e o sofrimento eterno, então é razoável tratar os hereges e os incrédulos bastante mal, será até mesmo razoável se os matar.

Se uma pessoa pensa que há algo que outra pessoa possa dizer a uma criança que ponha em perigo a sua alma para toda a eternidade, então o herege que mora na porta ao lado é mais perigoso do que um molestador de crianças. As “estacas” das nossas diferenças religiosas são mais altas e profundas do que aquelas que resultam do mero tribalismo, racismo ou políticas.

Fé “religiosa” é uma conversão-tampão. A religião é uma área do nosso discurso no qual as pessoas não são obrigadas a apresentarem evidências sobre convicções das quais estão tão seguras.

De tal forma seguras que são elas que vão determinar, frequentes vezes, a razão porque vivem, morrem e até matam.

Este é um problema porque quando as “estacas” são demasiado altas o ser humano apenas tem uma escolha simples entre a conversão e a violência.

Por isso, a nossa vontade fundamental, para ser razoável, tem que assentar em convicções sobre o mundo baseadas em evidências e argumentos novos. Só assim será garantido que o diálogo entre os homens é possível.

Certezas sem evidências são factores de divisão. Nada garante que pessoas racionais estejam de acordo mas é certa a divisão irracional entre pessoas aprisionadas dentro dos seus dogmas.

É muito pouco provável que consigamos ultrapassar as nossas divisões multiplicando as oportunidades de diálogo entre as religiões.


O desfecho para a nossa civilização não pode ser a tolerância mútua entre irracionalidades patentes.

Enquanto o discurso dos religiosos liberais, não fundamentalistas, concordar em seguir pontos onde as suas visões do mundo colidem, esses mesmos pontos permanecerão fontes perpétuas de conflito para os seus correligionários.

A justiça política, só por si, não oferece uma base duradoura para a cooperação humana.

Tendo dispensado o dogma da fé a guerra religiosa passou, simplesmente, a ser inconcebível do mesmo modo que, para outros, o canibalismo e a escravidão parecem equilibrados.

Quando temos razões para aquilo que acreditamos não precisamos para nada da fé e quando não temos nenhuma razão perdemos a conexão com o mundo e entre uma pessoa e outra.

O ateísmo não é mais nada do que um compromisso para o padrão mais básico da honestidade intelectual.

As convicções das pessoas deveriam ser proporcionais às suas evidências. Fingir estar certo sobre proposições relativamente às quais nenhuma evidência é até mesmo concebível, constitui uma falha intelectual e moral e só ateu percebeu isto.

O ateu é simplesmente uma pessoa que percebeu as mentiras da religião e recusou fazer parte dessa mentira.


Pensar é melhor que Rezar

Manifesto Ateísta de Sam Harris (Parte III)


Fé e Boa Sociedade

É hábito que as pessoas de fé reivindiquem para o ateísmo a responsabilidade por alguns dos crimes mais apavorantes do século XX.

Embora seja verdade que homens como Staline, Hitler, Mao e Polt não eram religiosos, em graus diferentes, eles também não eram especialmente racionais.

Na realidade os seus discursos políticos eram pouco mais que ladainhas de ilusão sobre raças, economias, identidade nacional, a marcha da história ou os perigos morais da intelectualidade. Em muitos aspectos a religião era directamente culpável.

Consideremos o Holocausto:

- O anti-semitismo que constituiu a base para o Nazismo era uma herança directa do Cristianismo Medieval. Durante séculos, alemães religiosos tinham visto os judeus como a pior espécie de hereges e tinham atribuído todos os males da sociedade à presença continuada dos judeus entre os crentes e enquanto o ódio aos judeus na Alemanha se expressou, predominantemente, de modo secular, a demonização religiosa aos judeus da Europa continuou com o silêncio cúmplice do Vaticano que perpetuou a calúnia.

Auschwitz, Gulag e os Campos da Morte não eram exemplos do que acontece quando as pessoas ficam muito críticas a convicções injustificadas, pelo contrário, estes horrores testemunham os perigos de não se pensar bastante em ideologias seculares específicas. Desnecessário é dizer que um argumento racional contra a fé religiosa não é um argumento para se abraçar o ateísmo como um dogma.

Enquanto a maioria dos americanos acredita que libertar-se da religião é uma meta impossível, grande parte do mundo desenvolvido já realizou isso e se quisermos explicar a religiosidade dos americanos e o facto de eles organizarem as suas vidas ao redor de antigas tradições de ficção religiosa à conta de um “gene” de deus existente no seu cérebro, então têm que explicar por que razão esse gene não está na cabeça de tantos habitantes de outras sociedades no mundo.

O nível de ateísmo no resto do mundo desenvolvido refuta qualquer argumento a favor da religião como, de alguma maneira, uma necessidade moral.

Países como a Noruega, a Islândia, Austrália, Canadá, Suécia, Suiça, Bélgica, Japão, Países Baixos, Dinamarca, Reino Unido estão entre as sociedades menos religiosas do mundo mas, de acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2005, são também os mais saudáveis, mais alfabetizados, com maior nível educacional, maiores rendimentos per capita, mais baixa taxa de homicídios e de mortalidade infantil.

Ao contrário, as 50 Nações com menores taxas de desenvolvimento humano são precisamente as que apresentam maiores índices de religiosidade.



Os EUA não têm rival entre as democracias ricas, de maior religiosidade e de maior oposição à Teoria da Evolução e apresentam também as mais altas taxas de homicídio, aborto, gravidez de adolescentes, de doenças sexualmente transmissíveis e de mortalidade de crianças.

Dentro dos próprios EUA, são os Estados Sulistas e do Médio Oeste os que se caracterizam por níveis mais altos de superstição religiosa e hostilidade à Teoria da Evolução que são especialmente infestados pelos indicadores de deficiência orgânica da sociedade, enquanto os Estados comparativamente seculares do Nordeste estão conformes as normas europeias.

É evidente que a relacionação destes dados não responde a questões de casualidade, do género:

- A convicção em Deus pode conduzir a deficiências orgânicas da sociedade?

- As deficiências orgânicas da sociedade podem nutrir uma convicção em Deus?

- Cada factor destes pode habilitar o outro ou ambos podem provir de uma fonte mais profunda?

Mas deixando estas questões de lado, a realidade prova que o ateísmo é perfeitamente compatível com as aspirações básicas de uma sociedade civil, da mesma forma que fica provado que a fé religiosa não faz nada que assegure a saúde de uma sociedade.

Países com altos níveis de ateísmo são também os mais caridosos em termos de assistência aos países do mundo mais carecidos e a ligação entre países ditos cristãos e os valores cristãos é desmentida por outros índices de caridade.



Pensar é Melhor que Rezar


Manifesto Ateísta (Sam Harris) (Parte II)



“A Natureza da Convicção”


“De acordo com várias entrevistas recentes, 22% dos americanos estão certos que Jesus voltará algum dia à Terra nos próximos 50 anos e outros 22% acreditam que, provavelmente, isso irá acontecer.

De acordo, ainda, com o resultado dessas entrevistas, 44% dos que vão uma vez ou mais por semana à Igreja, acreditam que Deus prometeu literalmente a terra de Israel aos judeus e querem deixar de ensinar às suas crianças o facto biológico da evolução.

Como o Presidente Bush revelou estar bem atento, os crentes deste tipo constituem o segmento mais aderente e activo do eleitorado americano e, por conseguinte, as suas visões podem influenciar decisões de importância nacional.

Os políticos liberais parecem ter tirado a lição errada destes desenvolvimentos e estão agora a folhear a Bíblia no desejo de conhecer como agradar melhor às legiões de homens e mulheres que no nosso país vota, em grande parte, com base no dogma religioso.

Mais de 50% dos americanos tem uma visão negativa ou muito negativa das pessoas que não acreditam em Deus e 70% pensa ser importante que os candidatos sejam mesmo muito religiosos.

A irracionalidade está em ascensão nos EUA, nas nossas escolas, Tribunais e em cada filial do governo Federal.

Só 28% dos americanos acredita na Teoria da Evolução e 68% acredita em Satanás.

Ignorância neste grau, concentrada na cabeça e na barriga de uma super potência constitui agora um problema para todo o mundo.

Embora seja bastante fácil para pessoas inteligentes criticarem o fundamentalismo religioso, algo chamado de “moderação religiosa” desfruta de imenso prestígio na nossa sociedade.

Isto é irónico porque os fundamentalistas tendem a fazer mais uso do cérebro do que aqueles que são moderados. Enquanto os fundamentalistas procuram justificar as suas convicções religiosas com evidências e argumentos extraordinariamente pobres mas, neste aspecto, fazem uma tentativa de justificação racional.

Por outro lado, geralmente quem é moderado, não faz nada além de citar as consequências boas da convicção religiosa.

Em lugar de dizerem que acreditam em Deus porque certas profecias bíblicas se tornaram realidade, o moderado dirá que acredita em Deus porque esta convicção “dá sentido às suas vidas”.

Quando o Tsunami matou 200.000 pessoas um dia depois do Natal, os fundamentalistas interpretaram este cataclismo imediatamente como uma evidência da ira de Deus.

Como se mostra, Deus estava enviando para a humanidade uma mensagem enviesada sobre os males do aborto, da homossexualidade e da idolatria.

Moralmente obscena, esta interpretação de catástrofes é determinada por absurdas convicções por parte dos fundamentalistas enquanto que, por outro lado, os moderados recusam tirar conclusões dos “trabalhos” de Deus que permanece um perfeito mistério, uma mera fonte de consolação compatível com o mal ocorrido.

Face a desastres como o tsunami asiático, homens e mulheres de benevolência preferem emitir vacuidades em vez do moralismo odioso dos crentes fundamentalistas.

Entre catástrofes, é certamente uma virtude da teologia liberal enfatizar a clemência em detrimento da ira porém, vale a pena notar, que fica à mostra a clemência humana, que não a de Deus, quando são puxados do mar os corpos inchados das vítimas.

Quando milhares de crianças são arrancadas dos braços das mães para morrerem afogadas, a teologia liberal revela-se naquilo que é: pretensiosa. Até mesmo a teologia da ira mostra, neste aspecto, mais mérito intelectual.

Nestas grandes catástrofes, a única coisa difícil de escrutinar, reside no facto de tantos homens e mulheres neurologicamente saudáveis, poderem acreditar no incrível e pensarem que isso é sabedoria moral.

É perfeitamente absurdo, que os religiosos moderados sugiram que um ser humano racional possa acreditar em Deus simplesmente porque essa convicção o faz feliz, o alivia do medo da morte ou dá significado à sua vida.

O absurdo torna-se óbvio quando trocamos a noção de Deus por uma qualquer outra proposição igualmente consoladora, por exemplo: acreditar que no quintal temos enterrado um diamante do tamanho de um frigorífico… e ninguém tem dúvidas que seria bom acreditar nisto.

Imagine então o que aconteceria se ele seguisse o exemplo do religioso moderado e mantivesse esta convicção ao longo de linhas pragmáticas: convicto de que no meu quintal está enterrado, algures, um diamante de um tamanho descomunal, essa convicção “daria sentido à minha vida” ou então, “eu e a minha família gostamos de ir ao Domingo ao quintal e cavar à procura dele” ou então, ainda, “eu não quereria viver num universo onde não houvesse um diamante de um tamanho descomunal enterrado no meu quintal”.

Claramente, estas respostas são inadequadas mas elas são piores do que isso, são respostas de um louco ou de um idiota.

A incompatibilidade entre a fé e a razão foi uma característica da cognição humana e objecto de discurso durante séculos.

Ou uma pessoa tem boas razões para aquilo em que acredita fortemente ou então não acredita. Todas as pessoas de todos os credos reconhecem o primado da razão e por isso passam toda a sua vida a argumentar e a contra argumentar sempre e onde podem mas, quando se trata de apoiar uma religião e a argumentação é fraca ou inexistente, invoca-se a fé.

A fé, que não é mais do que uma licença que as pessoas religiosas passam a si próprias para poderem continuar a acreditar quando não têm razões para isso.
(continua)

segunda-feira, agosto 18, 2008




Pensar é melhor que Rezar






Este, o título do Manifesto Ateísta de Sam Harris, escritor e filósofo americano, que adverte os possíveis interessados na sua leitura que ele é um espaço para ateus, agnósticos e simpatizantes e todos aqueles que não sendo nada disto se arriscam, ao lê-lo, a plantarem dentro de si “a semente da dúvida”.

Sam Harris discute contra a fé irracional e os seus partidários:

Em um qualquer lugar do mundo um homem sequestra uma menina, a estupra, tortura e mata. Se uma atrocidade deste género não estiver a acontecer neste momento ela irá acontecer dentro de horas ou dias no máximo"

"Esta afirmação resulta da confiança que temos nas leis estatísticas que governam as vidas de mais de 6 biliões de seres humanos, as mesmas estatísticas que também sugerem que os pais desta menina acreditam que, neste momento, um Deus Todo-Poderoso e Todo-Amoroso está assistindo a eles e à sua família.

Terão eles razão em acreditar nisto? Será bom acreditarem nisto?

Não.

A totalidade do ateísmo está contida nesta resposta porque ele não é uma filosofia, nem mesmo uma visão do mundo, tão-somente uma recusa, negar o óbvio e isso é um trabalho ingrato, um trabalho que o ateu não quer.

Vale a pena notar que ninguém precisa de se identificar como um não-astrólogo ou um não-alquimista e por isso nós não temos nomes para designar as pessoas que negam a evidência destas pseudo disciplinas e por esta razão o ateísmo é uma palavra que nem devia existir.

O ateísmo não passa de “barulhos” que as pessoas razoáveis fazem quando na presença de dogmas religiosos.

O ateu é apenas uma pessoa que acredita que os 260 milhões de americanos (87% da população) que reivindicam nunca duvidar da existência de Deus deviam ser obrigados a apresentar evidências não só da sua existência como igualmente da sua benevolência perante a inexorável destruição de seres humanos inocentes que, no dia a dia, testemunhamos por todo o mundo.

No entanto, parece que só ateu é que se apercebe desta situação:

-A maioria de nós acredita num Deus que é tão poderoso quanto os deuses do Monte Olimpo;

-Nenhuma pessoa, sejam quais forem as suas qualificações, pode assumir a um cargo público nos EUA sem fingir que tem a certeza que tal Deus existe;

-Muito do que passa para a vida política daquele país está conforme com tabus religiosos e superstições, como uma teocracia medieval.

Nós vivemos num mundo onde todas as coisas, as boas e as más, são destruídas pela mudança: os filhos perdem os pais, estes os filhos, os maridos separam-se das esposas para nunca mais as encontrarem, os amigos separam-se sem saberem que é a última vez que se vêem.


Esta vida, quando inspeccionada com um olhar amplo, apresenta pouco mais que um espectáculo de perda e, no entanto, a maioria de nós pensa que há um remédio para isto.

Se não vivermos de acordo com a ética mas dentro de um edifício de convicções religiosas, antigas e estereotipadas, poderemos adquirir o que quisermos depois de morrermos.

Quando, finalmente, os nossos corpos fracassam, derramamos o nosso lastro corpóreo e viajamos para uma terra onde estaremos reunidos com tudo aquilo que amámos enquanto vivos com a vantagem de que, nesse mundo, as pessoas racionais e as “populaças” serão mantidos fora desse lugar feliz e aqueles que acreditaram nisso enquanto vivos, desfrutarão dele por toda a eternidade.

Consideremos a destruição provocada pelo furacão Katrina em Nova Orleans. Mais de mil pessoas morreram, dezenas de milhar ficaram sem as suas casas e os seus bens e quase um milhão de pessoas foram deslocadas.

É seguro dizer que quase todas as pessoas que moravam em Nova Orleans, no momento em que o Katrina passou, acreditavam num Deus omnipotente, omnisciente e compassivo.

Mas o que estava Ele fazendo quando o furacão destruiu a cidade deles? Seguramente, Ele ouviu as orações dos homens e mulheres anciãos que fugiram para os sótãos enquanto as águas subiam para depois, aí, muitos deles serem submersos.

Essas, eram pessoas de fé, homens e mulheres que tinham rezado ao longo de todas as suas vidas.

No entanto, só o ateu tem coragem para admitir o óbvio: “essas pessoas pobres morreram enquanto falavam com um amigo imaginário”.


Claro que tinha havido uma ampla advertência efectuada pelos Serviços Meteorológicos com a ajuda das imagens de satélite, foram eles que arrancaram essa informação à natureza porque Deus, mais uma vez, não contou a ninguém acerca dos seus planos e se os residentes tivessem contado, exclusivamente, com a benevolência de Deus, jamais saberiam que um furacão assassino se estava aproximando até receberem na cara as primeiras rajadas.

No entanto, num inquérito levado a efeito pelo Washington Post, 80% dos entrevistados, sobreviventes do Katrina, declararam que aquele desastre apenas lhes tinha reforçado a fé em Deus…

Enquanto isto acontecia em Nova Orleans quase mil peregrinos Xiitas morriam espezinhados numa ponte no Iraque.

Não há qualquer dúvida que todos estes peregrinos acreditam poderosamente no Deus do Alcorão: as suas vidas são organizadas à volta da sua existência, as suas mulheres caminhavam cobertas e os seus homens assassinam-se uns aos outros regularmente por causa de interpretações diferentes da palavra desse Deus.

Seria notável se um único sobrevivente desta catástrofe perdesse a fé nele. O mais provável é que os sobreviventes acreditem que foram poupados graças a Deus.

Só o ateu reconhece este narcisismo ilimitado.

Só a ateu percebe como é moralmente censurável para os sobreviventes de uma catástrofe, considerarem-se poupados por um Deus amoroso enquanto, esse mesmo Deus, submergiu crianças nos berços.

Porque recusa encarar a realidade do mundo, sofre, farto da fantasia da vida eterna, o ateu sente nos ossos como a vida é preciosa e, realmente, como é triste que milhões de seres humanos sofram as abreviações mais horríveis da felicidade por nenhuma razão.

Uma pessoa pode pensar que uma catástrofe teria que fazer tremer a fé no mundo. O holocausto não fez isso, o genocídio no Ruanda também não, a morte, no século XX, de 20 milhões de pessoas por varíola, também não.

Realmente, os desígnios de Deus são ininterpretáveis e, qualquer facto, não importa quão infeliz, é compatível com a fé religiosa.

Claro que as pessoas de fé, asseguram, regularmente, umas às outras, que Deus não é responsável pelo sofrimento humano mas, sendo assim, como podemos nós entender a reivindicação de que Deus é omnipotente e omnisciente?

Não há nenhum modo de entender esta incompatibilidade e está na hora de isso ser confessado.

Se Deus existe, ou ele não pode fazer nada para parar as calamidades ou então pode mas não se preocupa e, sendo assim, ou é impotente ou é mau.

Neste ponto, as pessoas piedosas dirão, simplesmente, que Deus não pode ser julgado por padrões meramente humanos de moralidade mas são exactamente esses padrões que servem para estabelecer a bondade de Deus em primeiro lugar.

E um Deus que se interessa por algo tão trivial como matrimónios ou o nome pelo qual é chamado em oração, não só é inescrutável como igualmente, se o Deus de Abraão existe, é desmerecedor da criação do mundo e do próprio homem.

Há outra possibilidade que é mais razoável e menos odiosa: O Deus bíblico é uma ficção.


Como observou Richard Dawkins, nós somos todos ateus no que respeita a Zeus ou a Thor e só o ateu percebeu que o Deus bíblico não é em nada diferente daqueles.

Por conseguinte, só o ateu é suficientemente compadecido para ver a profundidade do sofrimento do mundo.

É terrível que percamos aquilo que amamos; é duplamente terrível que tantos seres humanos sofram desnecessariamente enquanto vivos.

O facto de tanto deste sofrimento poder ser atribuído directamente à religião – guerras religiosas, ódios religiosos, ilusões religiosas – é o que faz do ateísmo uma necessidade moral e intelectual.

Porém, mesmo apesar de ser uma necessidade, o ateu é colocado às margens da sociedade.

O ateu, só por estar em contacto com a realidade, parece vergonhosamente fora de sintonia da vida de fantasia dos seus semelhantes".

(continua)



Frank Sinatra Stranger in the Night

Andy Williams - Moow River

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Andy Williams & Antonio Carlos Jobin Girl Fron Ipanema

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