Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, dezembro 28, 2013
Reflexão de vida:
- Mestre, como faço para me tornar um sábio?
- Boas escolhas.
- Mas como fazer boas escolhas?
- Experiência - diz o mestre.
- E como adquirir experiência, mestre?
- Más escolhas.
Obs - Absolutamente verdadeiro para o comum dos mortais... Como diz o povo: "aprendemos à custa dos nossos erros" -
Tudo o que aprendi na vida foi à custa das más
escolhas que fiz. Com as boas ficarei sempre por
saber como seria...
O
ESPECTÁCULO QUE VAI VER É ÚNICO NO MUNDO.
O
CUSTO DE CADA ENTRADA POR PESSOA ERA DE 150 EUROS PARA A 5ª FILA, LÁ
ATRÁS.
VOCÊ VAI FICAR NA PRIMEIRA FILA... E SEM PAGAR NADA. OK?
Baía, cidade onde António Balduíno foi rei e senhor... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 200
(Último Episódio)
Um dia ele dará adeus e
agitará um lenço do tombadilho de um navio. A música do realejo chora uma
despedida. Mas ele não dará adeus como estes homens e mulheres da primeira
classe, que dão adeus para os amigos, para os pais e irmãos, para esposas
chorosas, para noivas tristes.
Ele dará adeus como aquele
marinheiro louro que está no fundo do navio e agita o boné para a cidade toda,
para as prostitutas do Taboão, para os operários que fizeram a greve, para os
malandros que estão na “Lanterna dos Afogados”, para as estrelas onde está
Zumbi dos Palmares, Para o céu claro e a lua amarela, para o velho italiano do
realejo, para António Balduíno também.
Ele dará adeus como
marinheiro. Adeus para todos, que ele fez a greve e aprendeu a amar a todos os
mulatos, todos os negros, todos os brancos, que na terra, no bojo dos navios
sobre o mar, são escravos que estão rebentando as cadeias.
E o negro António Balduíno
estende a mão calosa e grande e responde ao adeus de Hans, o marinheiro.
A B C DE ANTÓNIO BALDUÍNO
«Este é o A B C de
António Balduíno
Negro valente e brigão
Desordeiro sem pureza
Mas de bom coração.
Conqui stador
de natureza
Furtou mulata bonita
Brigou com muito patrão
…………………………….
……………………………..
Morreu de morte matada
Mas ferido à traição»
(Do ABC de António Balduíno)
O A B C de António Balduíno,
trazendo na capa vermelha um retrato do tempo em que o negro era jogador de
boxe, é vendido no cais, nos saveiros, nas feiras, no Mercado Modelo, nos botequi ns, pelo preço de duzentos réis, a camponeses
moços, marinheiros alvos, a jovens carregadores do cais do porto, a mulheres
que amam os camponeses e os marinheiros, e a negros tatuados, de largo sorriso,
que trazem ora uma âncora, ora um coração e um nome gravados no peito.
Pensão Laurentina (Conceição da Feira),
1934.
FIM DA HISTÓRIA
Para os que acompanharam a história do
Jubiabá e não estão familiarizados com as expressões brasileiras segue um
glossário com o significado de palavras caracteristicamente da cultura
tradicional brasileira:
Abacaxi – Espécie de ananás.
Abará – Pastéis de feijão com pimenta e
outros condimentos.
Acarajé – Pastéis de massa de feijão cozido
Agogô – Ferrinho que os negros percutem com
uma banqueta, durante as cerimónias de feitiçaria.
Auçá – Carne seca, cortada aos bocadinhos,
com molho de pimenta.
Baticum – Falatório, altercação.
Batuta – Bonita. Festa batuta, festa de
arromba.
Beiju – Espécie de filó feita de tapioca.
Bóia – Comida, refeição.
Bolinar – Acariciar, apalpar.
Bodoque – Funda de elástico.
Bonde – Carro eléctrico.
Bruaca – Mulher velha, marafona.
Caçuá – Seirão – Espécie de rede.
Cafuné – Estalido que se dá com as unhas,
na cabeça.
Camisu – Espécie de blusa ou camisa, sem
fralda.
Candomblé – Batuque, ligado à macumba.
Carona – grátis, entrada de favor, bpleia.
Cutuba – Excelente.
Dobrado – Marcha militar.
Esculhambação – Desarranjo, desordem,
pândega, desmoralização.
Frege – Tasca – conflito.
Fumo – Tabaco.
Jagunço – Valentão.
Lapo – Lenho, golpe.
Macumba – Rito espiritualista do negro
brasileiro, que participa do catolicismo, do feiticismo e da tradição tupi.
Massapé – Terra fértil.
Molecote – Moleque taludo.
Molecagem – Garotice, partida própria de
moleque.
Munguzá – Papas de ilhó inteiro.
Nagô – Nome genérico de várias tribos
africanas que deram maior contingente de escravos. A língua falada por elas.
Ogan – Autoridade honorária, no candomblé.
Orixá – Divindades negras.
Oxalá – O supremo Orixá, que se divide em
duas divindades: Oxaliã, o deus jovem e Oxolufã, o deus velho.
Oxossi – O deus da caça na mitologia
afro-brasileira.
Pai de Santo – Espécie de iluminado e
director religioso em quem descem as divindades no candomblé.
Pitar – Fumar.
Pongar – Pular
Porre – Bebedeira.
Porre Mãe – Bebedeira tremenda.
Remeleixo – Dança desenfreada.
Repetição – Arma automática, espingarda de
repetição.
Sarabá – Mulato ruivo.
Sopapo – Murros – Reboco de barro atirado à
mão.
Tapear – Enganar, iludir.
Tira – Agente da polícia.
Torcer – Manifestar-se a favor de alguém.
Torcedor – Partidário acérrimo.
Trem – Comboio
Turumbamba – Altercação, desordem.
Xingar – Insultar com palavras.
sexta-feira, dezembro 27, 2013
José Carlos Ary dos Santos |
José Carlos Ary
dos Santos
Era o dia 18 de Abril de 1951. A manhã estava soalheira e a velhinha camioneta do Colégio de S. João de Brito, à data, o espaço com maior densidade de meninos ricos por metro quadrado da cidade de Lisboa, regressava ao ponto de partida depois de ter recolhido os alunos para mais um dia de aulas, muitas rezas e ponta pés na bola nos intervalos.
Eu era dos primeiros a embarcar juntamente com outro colega, o Jorge Manuel Barahona Vanzeler (há nomes assim, colam-se a nós e por cem anos que vivamos temo-los sempre na ponta da língua), menino de família que era acompanhado até à porta do solar onde vivia por uma criada impecavelmente fardada.
Lembro-me bem dele porque durante a viagem, desde os Caminhos-de-Ferro, a Sta. Apolónia, até ao Colégio, ao fundo da Alameda das Linhas de Torres, tínhamos muito tempo para conversar e contar histórias de livros de aventuras de que eu era grande apaixonado.
A viagem decorria sempre de forma pachorrenta. A nossa camioneta, provavelmente, ainda do tempo da última Grande Guerra, de formas arredondadas e que tratávamos por um nome carinhoso que, na minha memória, não resistiu ao tempo nem aos anos, só tinha que avançar entre a recolha de cada aluno sem o contratempo do trânsito que era então coisa desconhecida na nossa velha Lisboa.
Finalmente, abrandava, virava à direita, parava junto ao portão e motorista tocava o “klacson”, como então se dizia, até que um trabalhador da quinta o vinha abrir.
À nossa frente uma alameda e ao fundo, correndo aos saltos e agitando os braços na direcção da camioneta, um menino de calções, gordo e desajeitado, gritava:
-Morreu o Carmona, Morreu o Carmona, (era o Presidente da República) Vamos para Casa!
Era o Ary, inconfundível, exuberante, esfusiante, meio louco, que por morar ali perto chegava primeiro e soube logo da notícia pois as sobrinhas do Presidente tinham ido à capela do Colégio, ainda de madrugada, encomendar a Deus a alma do tio.
O Ary era uma explosão de energia, de irreverência que escandalizava e surpreendia quando saltava para as costas do padre, professor de português, rodeava-lhe o pescoço com os braços e o obrigava a correr imitando um cavaleiro.
O Ary era uma força da natureza e se alguém poderia escrever os versos que se seguem, pela sua genialidade, esse alguém só poderia ser o José Carlos Ary dos Santos que a si próprio se definia:
“Poeta de combate disparate
Palavrão de machão no escaparate
Porém morrendo aos poucos de ternura”
Faleceu em 1984, com 48 anos, quando os restos do fulgor da sua idade jovem já não conseguiram suportar os excessos de uma vida que foi uma explosão de emoções que ele nunca conseguiu dominar porque faziam parte do seu génio de poeta. Leiam os versos que se seguem e encontram o Ary dos Santos... No passado dia 7 foi aniversário do seu nascimento, 76 anos. No encerrar de mais um ano as minhas homenagens a um colega de colégio e um dos maiores poetas portugueses.
Poeta Castrado Não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
serei tudo o que disserem:
poeta castrado não.
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
-é tão vulgar que nos cansa-
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
-a morte é branda e letal-
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
-Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
Por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
Falso médico ladrão
Prostituta proxeneta
Espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem
Poeta castrado não!
“ Ser poeta é escolher as palavras que o povo
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
serei tudo o que disserem:
poeta castrado não.
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
-é tão vulgar que nos cansa-
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
-a morte é branda e letal-
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
-Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
Por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
Falso médico ladrão
Prostituta proxeneta
Espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem
Poeta castrado não!
“ Ser poeta é escolher as palavras que o povo
merece”
José Carlos Ary dos Santos
José Carlos Ary dos Santos
Ele fora sempre um homem profunda e sinceramente religioso, cumpridor dos seus deveres, chefe de família e cristão exemplar. Ao longo da vida nunca tinha falhado uma missa e a sua relação com Deus era coloqui al.
Ultimamente, no fim das suas orações, pedia insistentemente:
- Oh, Deus, quando decidires levar-me avisa-me com antecedência, a máxima que te for possível. Sabes, tenho muitos amigos de quem me quero despedir e há sempre umas coisas de que a gente gostava de fazer por último.
E sempre que ia à Igreja repetia a Deus, empenhadamente, este pedido.
Um dia, de repente, morreu.
Católico impoluto, subiu ao céu e São Pedro o foi receber pessoalmente às portas do paraíso.
- Venho muito zangado, diz ele. Pede a Deus para me receber: quero falar com ele.
- Vou ver se ele te pode atender… e deixou-o só.
- De regresso diz-lhe: Anda comigo, ele vai falar contigo.
Frente a frente, o bom homem desabafa:
- Em vida, tinha-te feito um pedido com toda a insistência para que me avisasses com antecedência da minha morte e, afinal, de repente, sem mais nem menos, levaste-me sem nenhum aviso. Fui sempre um servo teu, fiel e respeitador, não merecia que me fizesses isto…
Responde Deus:
- Mas, estás a ser muito injusto:
- Lembras-te de quando te apareceram os teus primeiros cabelos brancos?
- Sim, lembro.
- Lembras-te quando puseste a primeira prótese para substituir os dentes que, entretanto, tiveste que arrancar?
- Sim, lembro.
- Lembras-te dos óculos que tiveste de comprar para poderes continuar a ler o teu jornal com o cafezinho da manhã que não dispensavas?
- Sim, lembro.
- Lembras-te das tuas dificuldades de audição de que a tua mulher reclamava por ter de repetir tudo até ouvires?
- Sim, lembro.
- Lembras-te das palavras que a tua memória começou a recusar-te e te levava a dizer que ficavam debaixo da língua?
- Sim, lembro.
- Lembras-te das dores e achaques que começaste a sentir um pouco por todo o corpo?
- Sim, lembro.
- E lembras-te das referências subtis que a tua mulher te fazia por espaçares cada vez mais as relações sexuais?
- Sim, lembro.
- E acusas-me de que não te avisei???
NOTA - Só podia estar muito distraído!....
A greve o salvou... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 199
E quando Lindinalva morreu, ele que pensava
que pensava que seu A B C já estava perdido, que nada mais faria, qui s entrar pela estrada do mar para ser feliz como
um morto.
Porém os homens do cais, os homens do mar,
lhe ensinaram a greve. O mar lhe mostrou o caminho de casa. E ele olha para o
mar verde, amarelado pela lua. De muito longe vem a voz de Maria Clara:
«A estrada do mar é larga, Maria…»
Um velho no cais deserto toca realejo. A
musica vem em surdina e se espalha pelos saveiros, pelas canoas, pelos
transatlânticos, pelo grande mar misterioso de António Balduíno.
Se não fosse a greve o mar engoliria o seu
corpo numa noite em que a lua não brilhasse. Se não fosse a greve ele teria
desistido de ser cantado num A B C, de ver Zumbi dos Palmares brilhando como
Vénus.
Um vulto passa ao longe. Será Robert, o equi librista, que desapareceu misteriosamente do
circo? Mas pouco importa. A música do realejo é plangente.
A voz de Maria Clara se sumiu no mar. E
amará Maria Clara à luz da lua. As ondas do mar molharão os corpos e assim e o
amor ainda será melhor.
A areia alva do cais prateada com a lua. A
areia prateada do cais onde o negro António Balduíno amou tantas mulatas que
eram todas Lindinalva, a sardenta.
Se não fosse a greve o seu corpo de
afogado seria depositado na areia e os siris chocalhariam como chocalhavam no
corpo de Viriato, o Anão.
Brilha a luz de um saveiro. O vento levará
até ele a melodia do realejo que o velho italiano toca?
Um dia - pensa António Balduíno – hei-de
viajar, hei-de sair para outras terras.
Um dia ele tomará um navio, um navio como
aquele holandês que está todo iluminado, e partirá pela estrada larga do mar.
A greve o salvou. Agora sabe lutar. A
greve foi o seu A B C .
O navio vai largar. Os marinheiros
souberam da greve, contarão em outras terras que os negros lutaram. Os que
ficam dão adeuses. Os que vão limpam lágrimas. Porque chorar quando se parte?
Partir é uma aventura boa, mesmo quando se
parte para o fundo mar como partiu Viriato, o Anão. Mas é melhor partir para a
greve, para a luta.
Um dia António Balduíno partirá num navio
e fará greve em todos os portos. Nesse dia dará adeus também.
Adeus, minha gente que eu já vou. Zumbi
dos Palmares brilha no céu. Sabe que o negro António Balduíno não entrará mais
pelo mar para a morte. A greve o salvou.
quinta-feira, dezembro 26, 2013
Grupo Coral de Ganhões e Dulce Pontes
A linda música alentejana que canta os dramas do seu povo: ... tanta terra abandonada e gente sem trabalho...
Fernando Pessoa
Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.
Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se casar?
Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.
Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser,
Viverei fugindo
Mas vivo a valer
Na antevéspera do Ano Novo Judaico, Boris Sylberstein, patriarca judeu e a mulher, Sara, moradores num Kibutz perto de Telavive, visitam um dos seus filhos na capital de Israel:
- Jacobzinho, odeio ter que te estragar o dia, mas o Pai precisa de te dizer que a Mãe e eu nos vamos separar, depois destes 45 anos!
- O Pai enlouqueceu! O que é que está a dizer? - grita Jacob.
- Já não conseguimos sequer olhar um para o outro. Vamos separar-nos e acabou-se! Liga à tua irmã Raquel a contar.
Apavorado, o rapaz liga para a irmã, que vive em Viena e conta-lhe a terrível notícia. Raquel fica em estado de choque, ao telefone:
- Os nossos pais não podem separar-se de maneira nenhuma! Chama já o Pai ao telefone!
O ancião atende e a filha balbucia na maior emoção:
- Não façam nada até nós chegarmos aí amanhã, ouviu?
Vou telefonar também ao Moisés para São Paulo, ao Salomão para Buenos Aires e à Ester para Nova Iorque e amanhã à noite estaremos aí todos. Ouviu bem Pai?
Desliga, sem esperar pela resposta do Pai. O velho pousa o auscultador no descanso, vira-se para a mulher e, sem que Jacob ouça, diz-lhe em voz baixa:
- Pronto, Sara, vêm todos para a Ano Novo. Só que, desta vez, não temos de lhes pagar as passagens...!
As obras de Sta Engrácia.... |
Engrácia
- Reza a lenda que ...
“Simão Pires, um cristão novo, cavalgava todos os dias até aos convento de Santa Clara para se encontrar, às escondidas, com Violante.
A jovem tinha sido feita noviça à força por vontade do seu pai, fidalgo que não estava de acordo com o seu amor.
Um dia, Simão pediu à sua amada para fugir com ele, dando-lhe um dia para decidir.
No dia seguinte, Simão foi acordado pelos homens do rei que o vinham prender acusando-o do roubo das relíqui as da igreja de Santa Engrácia que ficava perto do convento.
Para não prejudicar Violante, Simão não revelou a razão porque tinha sido visto no local. Apesar de ter invocado a sua inocência, foi preso e condenado à morte na fogueira, o que se realizaria junto da nova igreja de Santa Engrácia, cujas obras já tinham começado.
Quando as labaredas envolveram o corpo de Simão, este gritou que “Era tão certo morrer inocente como as obras nunca mais acabarem!”.
Os anos passaram e a freira Violante foi um dia chamada a assistir aos últimos momentos de um ladrão que tinha pedido a sua presença. Revelou-lhe que tinha sido ele, o ladrão das relíqui as e sabendo da relação secreta dos jovens, tinha incriminado o Simão. Pedia-lhe agora o perdão que Violante lhe concedeu.
Entretanto, um facto singular acontecia, as obras da igreja iniciadas à época da execução de Simão pareciam nunca mais ter fim. De tal forma que o povo se habituou a comparar “Tudo aqui lo que não mais acaba” às obras de Santa Engrácia.”
Na realidade, levou cerca de 350 anos porque foi fundada em 1568 mas ruiu em 1681 e a sua reconstrução durou até cerca de meados do Século XX. É hoje conhecida pelo Panteão Nacional.
Os anos passaram e a freira Violante foi um dia chamada a assistir aos últimos momentos de um ladrão que tinha pedido a sua presença. Revelou-lhe que tinha sido ele, o ladrão das relíqui as e sabendo da relação secreta dos jovens, tinha incriminado o Simão. Pedia-lhe agora o perdão que Violante lhe concedeu.
Entretanto, um facto singular acontecia, as obras da igreja iniciadas à época da execução de Simão pareciam nunca mais ter fim. De tal forma que o povo se habituou a comparar “Tudo aqui lo que não mais acaba” às obras de Santa Engrácia.”
Na realidade, levou cerca de 350 anos porque foi fundada em 1568 mas ruiu em 1681 e a sua reconstrução durou até cerca de meados do Século XX. É hoje conhecida pelo Panteão Nacional.
Nem Jubiabá sabia que a luta verdadeira era a greve... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 198
Era qualquer coisa mais séria que
barulho, que briga. Era uma luta dirigida para um fim, sabendo o que queria,
uma luta bonita.
Ali na greve todos se amavam, se
defendiam e lutavam contra a escravidão. A greve merecia um A B C. Não bastava
o samba que António Balduíno canta enquanto pensa:
«Não teve
luz
E também
não teve pão
Ficou
mudo o telefone
Sem ter comunicação
Durante
a greve não houve jornal
Também
não teve bonde
Para
nenhum ramal»
Verdade tudo aqui lo que o samba dizia. Aqueles homens, que António
Balduíno sempre desprezara, como escravos incapazes de reagi, paralisaram toda
a vida da cidade.
António Balduíno pensava que
ele e os seus malandros, desordeiros que viviam de navalha em punho, é que eram
fortes, livres e donos da cidade religiosa da Baía.
E esta sua certeza fizera
que ele ficasse triste e quase suicida quando teve de trabalhar nas docas. Mas
agora ele sabe que não é assim.
Os trabalhadores são
escravos mas estão lutando para se libertar. Bem que o samba diz.
«As
fabricantes
Pararam um
instante
Até que os
operários
Saíssem
triunfantes
Agora reina
grande alegria
Viva os operários
da nossa Baía»
Ele julgara que a luta, luta
aprendida nos A B C lidos nas noite do morro, nas conversas em frente à casa de
sua tia Luísa, nos conceitos de Jubiabá, na música dos batuques, era ser
malandro, viver livre, não ter emprego.
A luta não é esta. Nem
Jubiabá sabia que a luta verdadeira era a greve, era a revolta dos que estavam
escravos. Agora o negro António Balduíno sabe. É por isso que vai tão
sorridente, porque na greve recuperou a sua gargalhada de animal livre.
Canta os dois últimos versos
do samba em voz tão alta que assusta a pálida prostituta que parece uma virgem
e que na janela da velha casa da Ladeira da Montanha rega um vaso de flores.
A noite desceu e a lua sobe
do mar para junto das estrelas. O Gordo andará na rua Chile de braços
estendidos a perguntar onde está Deus.
Zumbi dos Palmares é que
brilha no céu. Para os homens brancos, é Vénus, o planeta. Para os negros, para
António Balduíno, é Zumbi, o negro que morreu para não ser escravo.
Zumbi sabia aquelas coisas
que só agora António Balduíno aprendera. Os saveiros dormem. Apenas “O Viajante
sem Porto”, sai, de lanterna acesa, carregado de abacaxis.
Maria Clara vai em pé
cantando. Dela vem o cheiro poderoso do mar. Ela nasceu no mar, o mar é o seu
inimigo e o seu amante.
António Balduíno também ama
o mar. Sempre viu no mar o caminho de casa.
quarta-feira, dezembro 25, 2013
Um Bom Dia de Natal para Todos
O Frio de um Dia de Inverno
O frio aproxima uma pessoa de si
própria. Saímos à rua e dentro do casaco, para nos protegermos do frio ofensivo
do exterior, apertamo-nos como se, afinal, muito dentro de casaco não estivesse
um, mas dois.
Não um sujeito, mas dois sujeitos. E por
isso mesmo sair à rua num dia de inverno é finalmente dar um passo em direcção
a uma outra parte do nosso corpo.
Um homem que na rua aperta o casaco e
assim se aperta a si próprio faz, em caminhada livre e a céu aberto, uma rápida
auto - sessão de análise psicológica e psicanalítica e física e etc. e tudo.
Frio e sol, perfazem então uma
combinação sensata e perfeita.
Protege-te e comemora, eis o que nos
diz, cada um a seu tempo, o sol e o frio.
No calor o nosso corpo afasta-se de nós,
afasta-se do centro. Está para ali à minha frente ou ao meu lado.
No frio, pelo contrário, o corpo
torna-se aqui lo que eu quero
proteger e aqui lo que me protege.
Por isso é que nos apertamos muito no inverno, no exterior.
Temos de fazer duas acções opostas ao
mesmo tempo. Proteger e ser protegido. No inverno, o corpo ocupa menos espaço.
De facto, é impossível exigir reflexão a um povo que viva debaixo do sol e do
calor permanentes.
Acima de trinta graus de temperatura,
filosofar é perder a vida e o exterior. Abaixo de oito graus, não pensar é não
ter cabeça.
É assim mesmo, como se fosse uma fórmula
meio química meio existencial: o homem só pensa em determinados assuntos e com
certa profundidade quando avança pela cidade com temperaturas abaixo de oito,
sete, seis graus.
Cada cidadão, enrolado no seu casaco,
caminha com o rosto de quem reflecte longamente sobre o essencial.
Em Lisboa, em Dezembro, pensa-se mais –
isso é evidente.
Belíssima Crónica de
Gonçalo M. Tavares
(Revista a Visão)